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Os presidenciáveis no debate ideológico: análise de conteúdo dos programas econômicos nas eleições de 2018 1 1 Este artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Presidential candidates in the ideological debate: content analysis of economic programs in 2018’s elections

Los presidenciales en el debate ideológico: análisis de contenido de los programas económicos en las elecciones 2018

Les présidentiels dans le débat idéologique: analyse du contenu des pestá difrogrammes économiques aux élections de 2018

As eleições de 2018 demarcaram a emersão de importantes alterações no cenário político brasileiro com a chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto, colocando em evidência o perene debate da classificação ideológica dos partidos brasileiros. Nessa via, objetiva-se alocar, na escala esquerda-centro-direita, os partidos dos quatro primeiros colocados na disputa presidencial, mobilizando seus planos de governo ao setor econômico, por meio de uma abordagem qualitativa, tendo como ferramenta a análise de conteúdo. Assenta-se na metodologia empreendida o diferencial do presente artigo, em face do predominante exercício quantitativo nos trabalhos de semelhante intento. Observando a construção das ideias dos programas, podem-se classificar os programas de esquerda (PT e PDT), direita (PSL) e expor a flutuação do programa do PSDB entre o centro e a direita.

classificação ideológica; análise de conteúdo; planos econômicos; esquerda; direita


Abstract

The 2018 elections marked the emergence of important changes in the Brazilian political scenario with the election of Jair Bolsonaro to the Presidency, highlighting the perennial debate about the ideological classification of Brazilian parties. With this scenario, the main focus of this article is to analyze the economic plans of the four best-voted candidates (along with PSL’s Bolsonaro – PT’s Fernando Haddad, PDT’s Ciro Gomes and PSDB’s Geraldo Alckmin) based on content analysis, trying to allocate those political parties in the left-right scale. Based on this methodology, this paper differs from the predominant quantitative method used in papers with same focus. When it comes to economic plans, it was plausible to put the four parties in the traditional ideological scale: PSDB’s plan between center and right, with PT and PDT on the left, and 2018’s winner PSL on the right.

ideological classification; content analysis; economic plans; left; right

Resumen

Las elecciones de 2018 marcaron la aparición de cambios importantes en la escena política brasileña con la llegada de Jair Bolsonaro a Planalto, destacando el debate perenne sobre la clasificación ideológica de los partidos brasileños. De esta manera, el objetivo es asignar en la escala izquierda-centro-derecha a los partidos de los cuatro primeros en la carrera presidencial, movilizando sus planes de gobierno al sector económico, a través de un enfoque cualitativo, utilizando el análisis de contenido como herramienta. El diferencial de este artículo se basa en la metodología emprendida, en vista del ejercicio cuantitativo predominante en trabajos de intención similar. Al observar la construcción de las ideas de los programas, clasificamos los programas de izquierda (PT y PDT), de derecha (PSL) y exponemos la fluctuación del programa PSDB (entre el centro y la derecha).

clasificación ideológica; análisis de contenido; planes economicos; izquierda; derecha

Résumé

Les élections de 2018 ont marqué l'émergence de changements importants dans le scénario politique brésilien avec l'arrivée de Jair Bolsonaro au Planalto, mettant en évidence le débat éternel de la classification idéologique des partis brésiliens. De cette façon, l'objectif est de répartir sur l'échelle gauche-centre-droite les partis des quatre premiers placés dans le conflit présidentiel, en mobilisant leurs plans gouvernementaux au secteur économique, à travers une approche qualitative, en utilisant l'analyse de contenu comme outil. Le différentiel de cet article est basé sur la méthodologie utilisée, par rapport l'exercice quantitatif prédominant dans les travaux d'intention similaire. En observant la construction des idées des programmes, il a été possible de classer les programmes de gauche (PT et PDT), de droite (PSL) et le programme de PSDB (qui oscillait entre le centre et la droite).

classification idéologique; analyse de contenu; plans économiques; gauche; droite

Introdução 4 4 Agradecemos aos pareceristas pela leitura e por suas colocações, que enobreceram o artigo.

O pleito eleitoral de 2018 marcou um ponto importante na política brasileira, e, consequentemente, para seu ramo de estudos. Após seis eleições consecutivas em que o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) prevaleceram nos resultados e se alternaram no poder na Presidência da República, uma pausa no ciclo predominante desses partidos na disputa pelo Planalto foi marcada pela ascensão de Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal – PSL), com seu discurso pouco afeito à conciliação e aos valores democráticos.

O amargor de uma quarta colocação para um candidato do PSDB (o pior desempenho percentual do partido em todas as disputas presidenciais) se uniu a outras surpresas na corrida eleitoral: o vertiginoso decrescimento de Marina Silva (Rede), que teve sua menor votação na terceira tentativa consecutiva de chegar à Presidência da República; e a performance de Ciro Gomes (Partido Democrático Trabalhista – PDT), que, após 16 anos sem disputar uma eleição presidencial, teve sua melhor votação (não muito além de seus percentuais em 1998 e 2002, mas causando um racha na esquerda), com um total de 12,47% dos votos (13.344.366).

No ano de 2010, a candidatura de Marina Silva pareceu colocar em xeque as duas décadas de partidos fortes, enraizados e com expertise em eleições majoritárias. Mas essa posição de dúvida só se aprofundou oito anos depois com a vitória de Jair Bolsonaro, filiado a uma sigla pequena (PSL) no Congresso e que, até então, havia eleito apenas um governador no ano de 2002, mas não tinha feito nenhum prefeito de capital ou senador ( Madeira e Centeno, 2018Madeira, R. M.; Centeno, A. R. “A ‘dança das cadeiras’ está circunscrita à Câmara dos Deputados? Uma análise da evolução da fragmentação partidária e da origem sócio-ocupacional dos eleitos ao Senado Federal, aos governos dos estados e às suas respectivas capitais”. In: 11° Encontro da ABCP, Curitiba, 2018. ). À candidatura de Bolsonaro se opôs a dos petistas (em sua oitava disputa consecutiva, assim como seus tradicionais rivais tucanos), que resistiu às mudanças drásticas do panorama político-eleitoral mesmo com seu principal líder longe dos palanques do partido pela primeira vez desde que encabeçou a chapa da legenda em 1989.

Assim, o pleito eleitoral esteve marcado à esquerda pelos movimentos Lula Livre5 5 Após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva (Lula) em 7 de abril de 2018, formou-se um movimento político contrário à sentença de seu encarceramento, que reuniu manifestações em todo o país, acampamentos em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba (Paraná) e alianças entre movimentos sociais, entidades sindicais e políticos de diferentes partidos. , com o PT saindo abertamente em defesa do seu maior representante, e #EleNão, com manifestações contrárias à pauta conservadora de Jair Bolsonaro6 6 Ver mais em Duran (2018) . ; no extremo oposto, as redes sociais foram o palco do recrutamento eleitoral da direita através da divulgação massiva de conteúdo em defesa da família tradicional e delimitando um discurso de excessos de direitos das minorias sociais.

Nesse contexto, os conceitos “direita” e “esquerda” foram predominantes em debates e propagandas políticas que inflavam os discursos na corrida presidencial, suscitando questionamentos sobre o posicionamento desses candidatos em relação às pautas apresentadas pelos partidos. Diante dessa discussão, objetiva-se, com o presente artigo, analisar o conteúdo das propostas de governo para o setor econômico dos quatro primeiros colocados na eleição presidencial de 2018, sendo eles, respectivamente, Jair Messias Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), a fim de classificar seus programas de governo na área econômica de acordo com o posicionamento ideológico7 7 Tendo em vista a delimitação do tema analisado e também a restrição do número de páginas do artigo, a questão ideológica não será abordada epistemologicamente. Não trataremos, portanto, de seus paradigmas e das diferentes formas que pode tomar de acordo com a matriz filosófica utilizada. A ideologia é tomada aqui como um conjunto de ideias que, assim como os conceitos de esquerda, centro e direita, pode adotar tonalidades distintas através de perspectivas diversas. na escala esquerda-centro-direita. A base dessa classificação são os trabalhos de Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. , Rodrigues (2009)Rodrigues, L. M. Mudanças na classe política brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. , Power e Zucco Jr. (2009) e Tarouco e Madeira (2013)Tarouco, G.; Madeira, R. “Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, nº 45, p. 149-165, 2013. .

A escolha pela análise dos planos econômicos fundamenta-se na pertinência desse tema para análises de escalas ideológicas, tendo como referência os estudos de Lijphart (2003)Lijphart, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. , Benoit e Laver (2006)Benoit, K.; Laver, M. Party policy in modern democracies. New York: Routledge, 2006. e Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. , e também na relevância que este possui durante períodos de campanhas. Lijphart (2003)Lijphart, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. , inclusive, pontua em seu estudo sobre as 36 democracias que a temática socioeconômica é a única a estar presente em todos os países, predecessora das pautas pós-materialistas.

Também se considera o cenário de acirramento produzido pela dinâmica da corrida eleitoral, que mais de uma vez colocou a pauta econômica em destaque. O histórico de hiperinflação no Brasil até meados da década de 1990, alternando ciclos de alto e baixo crescimento econômico nos 20 anos posteriores, além do risco de estagflação no meio da década de 2010, pôs o debate econômico no centro das disputas eleitorais. O próprio movimento de Bolsonaro de indicar Paulo Guedes como seu ministro da Economia no início de seu mandato, numa tentativa de fazer um desagravo à imagem nacionalista característica de legendas de extrema direita e do próprio governo ditatorial (1964-1985), demonstra a priorização dos partidos em relação a esse tipo de agenda, que dificilmente fica de fora dos planos de governo apresentados ao TSE como requisito para a aprovação da chapa presidencial da coligação. A multiplicidade de subtemas que abordam os planos econômicos também pesa para o recorte utilizado, podendo haver neles as diretrizes para o financiamento de políticas públicas e propostas para áreas como saúde, educação, segurança pública etc., tangenciando também críticas ao governo vigente durante o pleito.

Temas morais no plano de governo de um candidato podem acabar sendo contrastados com a plena inexistência deles no programa de um adversário; mesmo que a ausência de uma temática possa significar muito nas propostas de um partido, a fim de embasar esforços futuros de mesma finalidade analítica, colocam-se em perspectiva comparada os programas econômicos por sua amplitude e presença universal nos programas de governo. Para a leitura dessas nuances, será adotada uma abordagem metodológica qualitativa, com a aplicação da técnica de investigação de análise de conteúdo, definida por Bardin (1977)Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. como um conjunto de recursos metodológicos que envolve uma “hermenêutica controlada baseada na dedução: a inferência” (p. 9).

A análise de conteúdo parte de etapas e procedimentos que auxiliam na extração dos aspectos objetivos e subjetivos de um documento, delimitando categorias e examinando cada parte da fonte. Aqui, as categorias foram definidas a priori e destacam fatores pertinentes ao objetivo de pesquisa. São elas: slogan do plano econômico; prioridades do governo; relação, conexões estabelecidas com propostas e formas de governos anteriores; impostos; previdência; emprego/trabalho; financiamento público; orçamento; política cambial; inflação e juros; comércio exterior; projetos de desenvolvimento e investimento em política social.

Após a aplicação da análise de conteúdo, seguem-se duas etapas para a identificação da escala ideológica dos planos de governo: a ) a comparação entre os resultados encontrados na inferência de cada tema (categorias de significação); e b ) a classificação no espectro direita-centro-esquerda por meio da leitura do produto encontrado na análise das categorias.

Para efetuar a alocação na escala, os nichos ideológicos foram classificados da seguinte forma: apelos estatizantes e/ou de maior intervenção no mercado produtivo, econômico e financeiro, proteção da cadeia produtiva nacional, priorização de relações político-econômicas com a América Latina, em detrimento de países centrais, e medidas pró-trabalhador alocam os programas dos partidos mais à esquerda. Propostas de livre iniciativa e livre comércio internacional, desregulamentação, redução de impostos, privatizações e medidas de interesse do setor empresarial, bem como agenda internacional de maior integração com os países centrais, levam os programas mais à direita. Jaz aqui a grande dificuldade de definir o centro na economia: deixa-se como uma confluência entre uma pauta socioeconômica característica da esquerda e a priorização da liberdade da livre iniciativa da direita8 8 Devido à amplitude dos conceitos centrais esquerda, centro e direita na ciência política, estes necessitam de um debate à parte, dadas as suas especificidades temporais e casuísticas, como menciona Mair (2006) , havendo aqui pouco espaço para uma maior elaboração teórica (que fugiria do escopo do presente artigo). Para um maior debate sobre a questão, recomenda-se a leitura de Tarouco e Madeira (2013) . .

Tendo em vista a discussão proposta pelo artigo, a primeira seção tem o objetivo de suscitar algumas reflexões em relação ao “Mapeamento dos partidos políticos na escala ideológica”, tal como sugere o título, indicando como esse tema tem sido tratado na literatura especializada e as diferentes metodologias que até hoje foram empregadas nesse tipo de análise, além de trazer uma nova proposta, a análise de conteúdo. Seguindo, na seção “Análise de conteúdo: inferências sobre os projetos de governo”, são apresentados e discutidos os produtos da aplicação da análise de conteúdo, concentrados em tópicos. A seção “Uma tentativa de classificação ideológica” expõe a forma como os partidos foram classificados entre esquerda, centro e direita, tendo-se como base de classificação a leitura e a avaliação explicitadas na seção anterior. Por fim, as “Conclusões”, em que são discutidos os principais achados do artigo.

O mapeamento de partidos políticos na escala ideológica

A escala ideológica esquerda-direita é uma importante ferramenta para a análise da dinâmica política, eleitoral e partidária de um país, por sua capacidade de resumir e generalizar. Para Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. , mesmo que legendas partidárias e suas políticas mudem, a orientação esquerda-direita perdura e pode ser aplicada em diferentes contextos e períodos, sendo comumente aceita tanto em antigos países comunistas quanto nos ditatoriais, bem como em nações desenvolvidas. Tal fato faz com que nem sempre ela tenha o mesmo sentido, havendo distintas interpretações nos países e entre eles. Isso mostra que, em maior ou menor grau, há uma inclinação dos eleitores de localizarem a si e aos partidos nessa escala que “atravessa fronteiras” ( Mair, 2006Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. ), mesmo que, em muitas nações, estes tenham dificuldade em elaborar definições para os conceitos de ‘esquerda’ e ‘direita’ na política.

Nessa via, Benoit e Laver (2006)Benoit, K.; Laver, M. Party policy in modern democracies. New York: Routledge, 2006. enfatizam a variação dos conceitos de direita e esquerda, a depender de quais pautas têm maior relevância na agenda política nacional, considerando: política econômica, política social, descentralização política e política ambiental9 9 Uma quinta dimensão, diferenciada, foi aplicada em casos específicos de países que tiveram experiência socialista (favorável à administração pública ou à privada dos negócios e indústrias; permissão ou não a antigos dirigentes comunistas de participarem do processo político na democracia corrente, liberdade ou regulamentação da mídia; e defesa do nacionalismo) e em países de tradição capitalista (favorável à regulamentação ou à desregulamentação do mercado). . De acordo com esses autores, uma das melhores maneiras de contrastar a escala é a análise de políticas socioeconômicas. Ainda que a América Latina não tenha sido foco do estudo deles, essa é uma forte realidade local, dado o amplo debate sobre desigualdade social, intervencionismo e laissez-faire , que coabitam com as posições liberais ou conservadoras em questões sociais e/ou morais.

A dimensão socioeconômica também foi preponderante nos 36 sistemas partidários analisados por Lijphart (2003)Lijphart, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. . O autor aponta que a democracia de consenso é adequada para sociedades plurais, enquanto o federalismo tem mais sentido em países maiores. Considerando a fragmentação partidária do Brasil, com sua pluralidade sociopolítica e cultural, bem como o fato de ser um país de dimensões continentais, semelhantes apontamentos vão ao encontro do perfil da realidade política brasileira, com elevado número de partidos no Parlamento e formação de coalisões para sustentação do Executivo no Congresso, desde a redemocratização no fim do século passado.

Retomando o debate da mensuração ideológica, Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. reflete sobre contextos históricos que moldam diferentes interpretações da escala esquerda-direita. No século XX, percebe-se a ascensão de uma nova esquerda ideológica defensora de questões pós-materialistas e ambientais, “nem conservadoras, nem socialistas”, com agenda de valores liberais voltados aos indivíduos e com preocupações de igualdade econômica10 10 Outro fator é a combinação do fim da Guerra Fria, com vitória das democracias ocidentais, que pareceu não ter deixado alternativa ao liberalismo econômico, levando partidos de esquerda e direita a compartilharem em muitas partes suas agendas econômicas. .

Na tentativa de descrever tais posicionamentos políticos – considerando as especificidades temporais citadas por Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. e os aspectos individuais de cada cenário político espalhado pelo mundo –, persiste um recorte “universal” bastante recorrente, compreensível tanto para políticos “profissionais” quanto para cientistas políticos e outros observadores, que é a escala do espectro ideológico, como sugerem Benoit e Laver (2006)Benoit, K.; Laver, M. Party policy in modern democracies. New York: Routledge, 2006. . Segundo esses estudiosos, ao analisarem cientificamente os partidos ao redor do mundo, diferentes pesquisadores encontrariam resultados compatíveis (p. 171), ou seja, esses autores partem do pressuposto de que, ao se utilizar determinada metodologia para diferentes contextos sociopolíticos, comparando com a escala construída pelos experts , os resultados seriam os mesmos. Contudo, esse método comparativo peca ao conferir aos experts critérios autônomos para definir posicionamentos ideológicos.

Ainda que esses surveys sejam realizados por pessoas com profundo conhecimento da dimensão política local e dos fatores de suma relevância para análise, é impossível garantir que não existam influências do próprio contexto cultural e/ou da formação acadêmica desses experts em suas respostas. Mesmo que os autores, ao enviarem os questionários aos experts , peçam para alocar os partidos também de acordo com a proximidade de suas preferências políticas, é notória a complexidade para semelhantes mensuração e alocação do posicionamento ideológico dos partidos, já que, em apenas nove dos 23 países, a comparação do expert survey e do CMP (Comparative Manifesto Project) ( Gemenis, 2012Gemenis, K. “Proxy documents as a source of measurement error in the Comparative Manifesto Project”. Electoral Studies, Essex, vol. 31, nº 3, p. 594-604, 2012. ) teve “perfeita concordância” ( Benoit e Laver, 2006Benoit, K.; Laver, M. Party policy in modern democracies. New York: Routledge, 2006. , p. 109).

Em outra via, o Mapping Policy Preferences II (MPP II) ( Klingemann et al., 2006Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. ) possui um grande diferencial, pois é capaz de identificar mudanças significativas nas políticas partidárias ao longo do tempo11 11 O estudo analisa a combinação entre o Comparative Manifestos Project (CMP) e as pesquisas com experts , a existência de movimentações nos posicionamentos partidários e a necessidade de levá-las ou não em consideração. . Esses resultados mostram certa discrepância entre a mensuração do CMP e a do expert survey , apontando para uma falta de dinâmica desse último. Para os autores do MPP II, um fator importante para a distinção entre o expert survey e o CMP está no maior número de variáveis que este utiliza, e, além disso, eles reforçam o fato de que os estudos dos experts carecem de dinâmica12 12 Sempre que houver uma alteração no posicionamento do partido, se ela for permanente, haverá uma mudança na reputação do próprio partido. A modificação no discurso precede a que ocorre na reputação. Os autores objetivam, assim, mensurar posicionamentos considerando a reputação, variações dinâmicas e questões particulares que são centrais nos discursos de partidos extremistas e que são vitais para seus posicionamentos na escala. .

Outra crítica ao CMP parte de Gemenis (2012)Gemenis, K. “Proxy documents as a source of measurement error in the Comparative Manifesto Project”. Electoral Studies, Essex, vol. 31, nº 3, p. 594-604, 2012. , para quem os documentos utilizados como proxy para mensuração ideológica (panfletos de campanha, discurso de líderes partidários, entre outros) geram erros. De acordo com o autor, os manifestos são os que contêm o maior número de posicionamentos e propostas por parte dos partidos políticos, por isso são os mais adequados para o fim de alocação de partidos na escala ideológica. A resposta de Benoit et al. (2012)Benoit, K., et al. “How to scale coded text units without bias: a response to Gemenis”. Electoral Studies, Essex, vol. 31, nº 3, p. 605-608, 2012. para o erro apontado por Gemenis (2012)Gemenis, K. “Proxy documents as a source of measurement error in the Comparative Manifesto Project”. Electoral Studies, Essex, vol. 31, nº 3, p. 594-604, 2012. aprofunda essa crítica. Eles consideram que a utilização de proxies cria um viés centrista na mensuração e sugerem sua “correção” através da substituição desses documentos por verdadeiros manifestos.

As diferenças evidenciadas nas publicações partidárias mostram a realidade política. Com novas eleições, há novos programas partidários e, consequentemente, possíveis mudanças de posicionamento, além de agremiações que ajustam seus programas visando atrair eleitores. Destarte, justifica-se o intento do artigo de cravar na linha do tempo o posicionamento dos partidos com os quatro candidatos com maiores votações no primeiro turno das eleições de 2018. Temas que estão no centro do debate político atual tendem a ser prestigiados nos programas eleitorais. Contanto que não estejam refutando pontos que lhe sejam caros ou mesmo adotando bandeiras contrárias a seus discursos históricos, há uma movimentação dos partidos, dando uma percepção dinâmica e não estática da escala esquerda-direita.

No caso brasileiro, os estudos também usam distintas metodologias, como os surveys (Tarouco e Madeira, 2015), análises de publicações partidárias ( Tarouco e Madeira, 2013Tarouco, G.; Madeira, R. “Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, nº 45, p. 149-165, 2013. ) e da atuação das legendas no parlamento para classificar os partidos na escala esquerda-direita. Power e Zucco Jr. (2009), ao analisarem os partidos brasileiros e estimarem a posição destes na escala ideológica no decorrer de 15 anos (1990-2005), apontam que a polarização foi suavizada no transcorrer do período, além do fato de que a elite política continuava, durante os anos estudados, a ter dificuldades em se assumir como conservadora ou neoliberal. Dessa leitura, os autores afirmam que os partidos brasileiros podem perfeitamente ser alocados na escala ideológica esquerda-direita13 13 Tarouco e Madeira (2015) avaliam as diversas formas pelas quais os partidos políticos brasileiros são alocados na escala ideológica. Os autores mostram tais classificações com resultados não apenas próximos, mas, consequentemente, como válidos. – em comum com Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. e diferentemente do que, por muitos anos, foi propagado principalmente nos meios de comunicação.

Esses últimos autores desmistificaram o que até então se compreendia como incoerência ideológica dos partidos brasileiros, mostrando que não havia a dita fragilidade, tampouco existia o chamado “reino do parlamentar individual” ( Figueiredo e Limongi, 1999Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. , p. 73). Para esse pensamento, contribuía e ainda contribui o fato de o processo eleitoral para a escolha de representantes à Câmara dos Deputados se dar de maneira nominal, focando no candidato e não na agenda do partido.

Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. atestam que a hipótese assumida como certa em relação ao comportamento dos parlamentares brasileiros foi equivocada. Os autores apresentam os partidos brasileiros como coesos e os parlamentares como disciplinados; além disso, revelam que as legendas brasileiras podem ser alocadas “num continuum ideológico. (...) partidos de direita, de centro e de esquerda” (p. 75).

A influência do estudo dos autores até hoje, na ciência política brasileira, condiz com as grandes conclusões apresentadas no levantamento. Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. não apenas refutam e provam equivocada a tese da inexistência de coesão e disciplina partidária14 14 Rodrigues (2009) se vale de outros estudos de classificação ideológica dos partidos, permitindo apontar certo consenso na ciência política brasileira quanto à posição dos partidos no espectro ideológico. Em seu estudo sobre a Câmara dos Deputados, o autor classificou PP/Progressistas e DEM como partidos de direita, MDB e PSDB como partidos de centro e PDT e PT como partidos de esquerda. , como também, quando comparam os resultados das votações em plenário, demonstram que os partidos se alinharam ideologicamente nas votações. PT e PDT, PMDB (atual MDB) e PSDB, e PDS (PP/Progressistas) e PFL (DEM) votaram de maneira semelhante15 15 Na maioria das votações analisadas, as bancadas votaram de acordo com as indicações dos líderes, não havendo o suposto comportamento “caótico” dos parlamentares ( Figueiredo e Limongi, 1999 , p. 81), tido até então como certo na Câmara dos Deputados. O alto índice de coesão partidária se mostrou muito frequente (p. 82), e os partidos de esquerda – especialmente o PT com elevado índice de unanimidade na maior parte das votações ─ tiveram maior índice de coesão do que os partidos de direita. em maior número de vezes do que quando se tangenciaram os opostos, como PT e PDS (PP/Progressistas) quando votam a mesma matéria16 16 Não é diferente o resultado encontrado por Neiva (2011) acerca do Senado Federal. Buscando analisar o comportamento dos partidos que compuseram a Casa da Federação ao longo de duas décadas (1989-2009), utilizando a mesma hipótese de Figueiredo e Limongi (1999) quanto aos baixos níveis de coesão e disciplina, Neiva (2011) analisa um bloco de votações nominais para traçar sua análise. Para o autor, o Senado Federal, por ser uma “casa de elite” e com um quase inexistente “baixo clero” (p. 296), poderia não ter um mesmo padrão de disciplina como o averiguado na Câmara dos Deputados, já que a figura do líder partidário no Senado é uma formalidade diante de nomes “de peso” que costumam compor a Casa. Os resultados obtidos pelo autor mostraram que, independentemente do tamanho das bancadas dos partidos, os índices de coesão e disciplina não se revelaram significativamente diferentes dentro do Senado. .

Passando por esse quantum de debates que expõem metodologias e estudos de caso, reforça-se o intuito do presente artigo de marcar a posição dos quatro partidos políticos com candidatos mais bem colocados no resultado das eleições presidenciais de 2018 através da análise de seus programas de governo, de forma qualitativa. Observa-se que, entre surveys , análise de votação, de materiais partidários etc., há inúmeras formas de alocar os partidos na escala ideológica esquerda-direita.

No entanto, esses diferentes caminhos de classificação esquerda-direita possuem um denominador comum: a abordagem quantitativa, que objetiva medir quantidades e quantificar as qualidades do objeto estudado. Indicada para estudos com um grande número de informações, a abordagem quantitativa pressupõe a redução da escala de dados para a leitura final. Assim, ao deixar informações em paralelo, esse tipo de abordagem acaba comprometendo uma leitura mais aprofundada de qualquer tipo de fonte. Quanto a um assunto tão delicado que envolve aspectos como a classificação ideológica, pressupõe-se que, para além de escalas, percentuais e frequências, uma abordagem qualitativa (como a análise de conteúdo) pode servir de forma complementar a essa leitura.

Vale-se aqui do rol de estudos que atestaram a capacidade de organizar os partidos brasileiros na linha esquerda-direita, baseando-se nos apontamentos de Benoit e Laver (2006)Benoit, K.; Laver, M. Party policy in modern democracies. New York: Routledge, 2006. , combinados com os estudos de Lijphart (2003)Lijphart, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. , para escolher a dimensão socioeconômica para a análise. Se, para Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. , os partidos focam nas propostas presidenciais, comparando-as e analisando seu conteúdo – ainda que, por influência de fatores históricos, os extremos ideológicos tenham se aproximado nas políticas econômicas –, espera-se evitar os vieses que outras metodologias, como os surveys , podem trazer, utilizando para isso o caminho metodológico traçado por Bardin (1977)Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. .

Como um método empírico, a análise de conteúdo realiza um exame sistemático de diferentes tipos de documentos, sendo uma ferramenta de auxílio à leitura, descrição e inferência destes. Para tal, recorre a uma extração de sentidos e interpretações do latente e não latente, que se escondem em cada linha e cada expressão mobilizada na construção de um texto (seja ele de diferentes formas e distintas origens). Nessa ferramenta, há uma grande atenção ao rigor procedimental que conjuga técnicas de leitura com a análise crítica. Após a delimitação do objetivo principal, definem-se categorias (categorias de análise, unidade de significação e unidade de contexto17 17 São elas: categorias de análise (são as categorias criadas a priori e durante o processo de leitura do conteúdo), unidade de significação (são as inferências feitas pelo pesquisador, com base nas frases extraídas dos documentos – essa análise se dá em relação ao sentido explícito e implícito do documento) e unidade de contexto (em que será explorado o contexto externo ao conteúdo de cada categoria). ) que mais tarde auxiliarão na construção de uma pesquisa mais atenta às mensagens analisadas. Para o caso deste artigo, que considera os projetos de governo dos presidenciáveis, essa técnica permite ter uma leitura mais abrangente das propostas econômicas de cada candidato, articulando o texto com a análise crítica e o contexto em que esses documentos foram produzidos (o que permitirá, em seguida, que essa leitura ajude na classificação ideológica)18 18 No caso do presente artigo, após a definição das categorias e leitura de cada plano de governo, utilizou-se uma planilha simples do Excel (categorias por colunas e candidatos por linha) para extrair o conteúdo das cartilhas. Diferentemente de outras formas de análise de documento, a análise de conteúdo não procura por palavras ou expressões predefinidas. Por exemplo, a categoria orçamento não indica que a busca foi feita em cada parte do texto onde essa palavra era mencionada, mas, sim, em partes onde esse tópico era discutido (o que não significa que os candidatos usaram necessariamente essa palavra), ou seja, não só o conteúdo explícito foi categorizado, mas também o conteúdo que, na avaliação dos autores, condizia com a proposta de cada categoria de análise, sejam palavras, expressões, frases ou até mesmo parágrafos longos. .

Outros exames frutíferos poderiam advir por outros métodos, como, por exemplo, a análise de pronunciamento dos líderes no Congresso, todavia as limitações regimentais para o exercício de lideranças nessa Casa já lhe seriam um entrave: partidos como o PSL, do candidato vitorioso, ou outros que, ainda que de fora deste artigo, estiveram presentes na urna na eleição presidencial de 2018 (Novo, Rede, Patriotas) foram sendo criados e/ou ganhando corpo ao longo do interstício entre as eleições de 2014 e a que está sendo analisada, consequentemente, em período que sequer dispuseram de liderança no Plenário19 19 § 3º do art. 17 da Constituição Federal c/c art. 9º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. . De tal forma, também ficaria prejudicada uma pesquisa sobre o comportamento desses partidos nas votações de projetos, fazendo com que a avaliação dos programas partidários nas eleições de 2018 se torne a mais pertinente ferramenta para apreciação do posicionamento ideológico dos partidos no ínterim em análise.

Análise de conteúdo: inferências sobre os projetos de governo

A observação que aflora da revisão dos estudos sobre ideologia e suas aplicações decorre das limitações já citadas de como o período eleitoral pode alterar posicionamentos intrapartidários; todavia, para e tão somente efeitos de análise, a busca pela cadeira presidencial é também oportunidade de relativa paridade dos partidos políticos brasileiros. Ainda que a composição de chapa e a negociação de alianças afetem o tempo de propaganda de rádio e televisão, diante de uma disputa pelo Planalto, todos os partidos com candidato apresentam seus programas ao TSE, têm acesso ao horário eleitoral gratuito e quase todos são chamados para debates e entrevistas nos meios de comunicação.

As propostas de governo analisadas correspondem aos arquivos submetidos ao Tribunal Superior Eleitoral para o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, que são bastante distintos em sua formatação, tamanho e proposta de divulgação. O programa do candidato Geraldo Alckmin, por exemplo, foi entregue ao TSE de forma resumida, sendo disponibilizado o programa completo somente no site oficial do partido. No entanto, delimitados como fonte somente os programas entregues ao TSE, o texto analisado do candidato Alckmin ficou restrito ao arquivo resumido (contendo, ao todo, nove páginas).

Quanto ao layout dos arquivos, os projetos possuem contrastes significativos. O projeto apresentado pelo candidato do PSL intitulado “O caminho da prosperidade”20 20 Quando lançado o projeto de Bolsonaro, parte da mídia realçava o caráter ambíguo de suas propostas, uma vez que relacionavam, em grande medida, jargões utilizados pelo candidato com planos insuficientes e pouco estruturados, que deixavam pouca margem a uma visão mais abrangente de suas intenções. O documento segue divisões que consideram economia (com o título “Mais Brasil e menos Brasília”), segurança, estrutura, gestão (intitulado “nova forma de governar”), saúde e educação. Nessas partes, o texto se concentra em salientar os problemas vinculados aos governos anteriores e ao PT, que foram um importante mobilizador de sua campanha contra a corrupção, apontando, em maiúsculas, que “O PROBLEMA É O LEGADO DO PT DE INEFICIÊNCIA E CORRUPÇÃO” (Brasil, TSE, 2018a, p. 14). , por exemplo, é organizado em forma de apresentação de slides (formatação de Powerpoint) com 81 páginas, frases curtas, letras em caixa alta e coloridas, com um número bastante expressivo de imagens e gráficos. Em sua capa inicial, no canto esquerdo da página, há referência a um texto bíblico: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32), o que vai ao encontro do posicionamento do candidato, que com frequência se utilizou de argumentos religiosos em seus discursos de campanha.

Além do título oficial, o programa do PSL também possuía um apelido. Utilizado de forma recorrente por sua base eleitoral e pelo partido na divulgação do programa, o nome “Projeto fênix” surge quando se faz o download da proposta, construindo uma referência clara a um passado mitológico, que renasce das cinzas.

Bem próximo ao formato do “Projeto fênix”, o documento apresentado pelo candidato do PSDB tem como título “Um futuro de prosperidade está aberto a todos os brasileiros”. Das nove páginas do programa de Alckmin, somente quatro são utilizadas para expor suas ideias; três são uma combinação de imagens do próprio candidato e frases curtas (referentes ao seu slogan ), como “O Brasil da solidariedade”, “O Brasil da indignação” e “O Brasil da esperança” (Brasil, TSE, 2018d); uma página de capa com a fotografia do candidato e uma página final com as informações do partido. As propostas são divididas em pequenos parágrafos e repartidas entre problemas que serão combatidos pelo partido, como a ineficiência do Estado em controlar o orçamento, as desigualdades sociais e a necessidade de crescimento do mercado de trabalho, para geração de emprego e renda.

Em outra via, diferente do plano apresentado pelos candidatos do PSL e PSDB, Ciro Gomes entregou um formato mais simples, intitulado “Diretrizes para uma estratégia nacional de desenvolvimento do Brasil”, estruturado em tópicos e sem uso de imagens. Fernando Haddad utilizou uma forma próxima da de Ciro, porém com um modelo mais “acadêmico”, dividido em seções, com o título de “O Brasil feliz de novo”.

Chama a atenção que o projeto de Ciro Gomes, como o próprio título induz, não seja um programa de governo, mas, sim, um apanhado de “diretrizes” que servem para discutir com a sociedade as principais medidas da organização administrativa do Estado, que, segundo o documento,

Serão discutidas e aperfeiçoadas com a participação de toda a sociedade brasileira e suas muitas instituições representativas ao longo da campanha eleitoral. O que alinhavamos a seguir, com o objetivo de iniciarmos o debate, são diretrizes gerais, ideias e passos que consideramos fundamentais para fazer do nosso Brasil um país verdadeiramente justo, solidário, unido, forte e soberano (Brasil, TSE, 2018c, p. 3).

Já o candidato do PT deixa em evidência que o projeto apresentado não é de sua própria construção, mas, sim, um apanhado das ideias lançadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, no início da corrida presidencial, era o candidato preposto do partido. O nome de Lula é recorrente ao longo da leitura (com 60 entradas), e, em alguns momentos, nota-se que o partido somente adequou o programa ao novo candidato, deixando vestígios dessa manobra, como fica evidenciado na frase “O governo Lula investirá no aperfeiçoamento do modelo energético” (Brasil, TSE, 2018b, p. 50), em que o planejamento de Lula é colocado no futuro.

Depois desse primeiro detalhamento do formato dos documentos, parte-se para a descrição dos resultados encontrados na análise de conteúdo, que se referem à classificação entre as 15 categorias construídas. Dessa forma, para fins de tornar a leitura mais elucidativa, as unidades de significação de cada delas serão avaliadas de modo individual.

Slogan do plano econômico 21 21 Entendem-se como slogan do plano econômico as principais diretrizes que conduzem a leitura de cada programa.

No plano econômico do PSL, a promessa “Emprego, renda e equilíbrio fiscal. Oportunidades e trabalho para todos, sem inflação” (Brasil, TSE, 2018a, p. 22) expõe as principais metas do partido para o setor econômico. Nesse caso, explora as pautas de maior impacto naquele momento político e social, como aumento do desemprego e desequilíbrio fiscal. O slogan também pode ser interpretado sob um viés duplo ─ demarcado pela palavra “equilíbrio” ─ que coloca, de um lado, uma abordagem desenvolvimentista e, de outro, uma fiscalista e estabilizadora. O desemprego, explorado pelo PSL, também foi tema de Alckmin, que relaciona o crescimento do país com a necessidade de investimento no setor privado, com geração de emprego e renda para o equilíbrio fiscal. Também explora os problemas econômicos que alimentam as desigualdades, para firmar suas propostas:

O Brasil precisa voltar a crescer, atrair investimento privado e gerar emprego e renda. Sem crescimento, não se resolvem os problemas econômicos e sociais, e não se combatem as desigualdades. Fazer o Brasil voltar a crescer é vital para o futuro de todos (Brasil, TSE, 2018d, p. 3, grifo nosso).

Já no plano econômico de Haddad, a palavra-chave utilizada é desenvolvimento. O candidato faz um apelo à união nesse sentido, sem especificar quais setores da economia serão mobilizados. Destaca que “o novo padrão de desenvolvimento se assenta na estratégia que busca contemplar diferentes circuitos da economia nacional. Para isso, dois eixos distintos, porém articulados entre si, estão previstos” (Brasil, TSE, 2018b, p. 38). O candidato Ciro Gomes, por sua vez, não apresentou slogan único para seu plano econômico; dessa forma, essa categoria não foi aplicada a seu programa.

Prioridades do governo

Os temas prioritários dos programas mesclam princípios de desenvolvimento, reorganização ministerial, previdência e reforma tributária. Haddad se volta para o desenvolvimento econômico sustentável; Ciro, para o desenvolvimento induzido pelo Estado; e Alckmin, à atração de investimento privado e externo. A proposta do candidato vitorioso vem na esteira da sequência de déficits primários desde 2015, com um programa que traz a defesa de medidas de endurecimento fiscal e da independência da autoridade monetária. É um aceno claro da candidatura ao mercado financeiro, que, na época, ainda enxergava um possível governo Bolsonaro como radical.

No planejamento do PT, há propostas excessivamente amplas, que englobam reforma tributária e economia de baixo carbono como causa e consequência. O desenvolvimento ecológico é apontado como um dos precursores das mudanças, fundamentado em uma consciência ambiental. Assim, as “políticas monetária, fiscal e cambial devem estar voltadas para garantir o desenvolvimento econômico sustentável” (Brasil, TSE, 2018b, p. 41)22 22 Fernando Haddad foi um contraste em relação a Dilma Rousseff enquanto prefeito de São Paulo, inclusive criticou abertamente a política econômica da mandatária petista. Nota-se o reforço dessa oposição interna, já que a ala desenvolvimentista dos governos do PT apostou principalmente no investimento em rodovias e hidrelétricas, ao passo que Haddad ficou famoso mundialmente por suas medidas de modais de transporte alternativos quando administrava a maior capital da América Latina, ainda que suas propostas como candidato a presidente se mostrem vagas. . O plano de Ciro Gomes indica “uma estratégia nacional de desenvolvimento” (Brasil, TSE, 2018c, p. 30) com apostas extremamente amplas, pressupondo que, por ajuste macroeconômico, se fale no equilíbrio fiscal, ainda que uma coisa não implique a outra, tendo-se essa percepção pela sequência das palavras.

Outro ponto em aberto do plano do candidato do PDT é a redução da participação das finanças públicas na dívida, ficando dúbio se é uma proposta de políticas para redução da relação dívida/PIB ou do montante do orçamento destinado ao pagamento dos juros da dívida. Por fim, o candidato aposta na redução da taxa de juros após um ajuste nas contas públicas para criar um ambiente de investimentos público e privado, esse último decorrente de um patamar de juros nominais e desvalorização cambial que incentive o investimento. Pode-se aproveitar aqui o dito ‘nacional-desenvolvimentismo’, já que na sequência o programa trata de uma união dos setores público e privado, em prol do investimento. Porém as medidas propostas são extremamente questionáveis do ponto de vista lógico.

A abertura para o investimento externo e para o mercado é tema dos programas de Alckmin e Bolsonaro. Para o PSL, há a valorização do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, meta da inflação e superávit primário), também direcionando suas metas para a criação do superministério que afunila as demandas dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio, e a inclusão da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), colocando como objetivo mais importante do Banco Central controlar a inflação. Em suas prioridades, Bolsonaro também ataca o que chama de “populismo”, relacionando esse fenômeno com descontrole dos gastos públicos dos governos anteriores e instabilidade econômica23 23 Mesmo buscando suceder Michel Temer, aponta a existência de um dito populismo econômico nas contas públicas; a ideia é vaga, mas claramente busca marcar um embate ideológico que os diferencie. , e apontando que: “Para alcançar esses grandes objetivos sociais, nós brasileiros devemos afastar o populismo e garantir que o descontrole das contas públicas nunca seja ameaça ao bem-estar da população” (Brasil, TSE, 2018a, p. 52). Já no programa de Alckmin, não há detalhamento de como será realizada a abertura para o investimento externo, somente menção de que se trata de uma meta importante para o candidato, tendo em vista o objetivo de transformar o “Brasil no país mais atrativo para empreender e investir na América Latina (TSE, 2018, p. 8).

Relação com governos anteriores

O retorno ao passado, de acordo com a leitura dos quatro programas, pode ser dividido em três tipos. O primeiro, em que se valorizam os feitos dos governos petistas (Lula e Dilma) em relação aos programas sociais, geração de emprego e desenvolvimento econômico, vistos no plano de Haddad; utilizando uma sequência de orações como “Os governos do presidente Lula já demonstraram como é possível crescer, gerar empregos e distribuir renda, ao mesmo tempo em que se mantém a inflação baixa e se reduz o endividamento público” (Brasil, TSE, 2018b, p. 41).

O segundo, em que há o contraponto à primeira leitura, com críticas feitas por Bolsonaro ao que chama de legado do PT na política e na economia nacional. Com várias partes fazendo clara referência ao partido, em letras maiúsculas, como: “O PROBLEMA É O LEGADO DO PT DE INEFICIÊNCIA E CORRUPÇÃO” (Brasil, TSE, 2018a, p. 14), Bolsonaro pauta como ineficiências do partido a administração e a arrecadação de tributos, bem como a regulamentação do pré-sal. No entanto, mesmo atacando a esquerda e colocando todos os governos prévios dentro desse segmento ideológico, adota um tom muito semelhante aos das campanhas vitoriosas do PT desde 2006, construindo um discurso de “nós contra eles”.

Por fim, os programas dos candidatos fazem críticas às tomadas de decisão de Michel Temer, envolvendo desde o impeachment da ex-presidente Dilma até as manobras do MDB em alusão às relações de trabalho, como em trecho do programa do PT: “para a geração de empregos e a reversão do legado golpista, será preciso discutir o futuro do trabalho e a geração continuada de empregos de boa qualidade e remuneração” (Brasil, TSE, 2018b, p. 40). Ciro Gomes, de uma forma mais indireta, direciona críticas à Emenda Constitucional 95/2016, reforçando que, em seu governo, uma das medidas seria a “revogação da EC 9524 24 No programa do PT, também há crítica a essa emenda. (Teto de Gastos), a ser substituída por outro mecanismo que controle a evolução das despesas globais do governo” (Brasil, TSE, 2018c, p. 30).

Impostos

Haddad, Alckmin e Ciro têm como uma das principais apostas a simplificação da estrutura tributária com o IVA (o Imposto Sobre Valor Agregado é utilizado em países europeus e africanos, para centralizar a arrecadação para a União). O PDT também aposta no estímulo ao investimento privado, através da redução de impostos para investimentos produtivos, avançando em relação ao lucro e ao capital ocioso, propondo recriar o imposto sobre lucros e dividendos e aumentar a taxação sobre heranças.

Para o PT, entre as propostas ligadas aos impostos, a principal medida é a isenção do imposto de renda para os que ganham até cinco salários mínimos e o aumento do imposto para os muito ricos. Essa medida é reforçada várias vezes, com frases curtas, ressaltando que ela é importante para o planejamento do candidato: “no âmbito da reforma tributária, o governo Haddad vai criar e implantar o IMPOSTO DE RENDA JUSTO” (Brasil, TSE, 2018b, p. 43). Em outra via, no plano de Bolsonaro, novamente os traços fiscalistas aparecem no combate à sonegação e na defesa do equilíbrio fiscal. O apelo à redução de impostos “aos que pagam muito” (Brasil, TSE, 2018a, p. 58) mostra mais um movimento de aproximação com a elite econômica. Geraldo Alckmin, por sua vez, aplica a proposta de simplificação tributária e desburocratização do sistema de arrecadação, sem necessariamente o justificar.

Previdência

Para um tema caro naquele momento de eleição, em que diferentes medidas estavam em pauta (tendo em vista as propostas polêmicas de Michel Temer), a previdência foi um assunto que recebeu pouca atenção nos programas de governo dos quatro candidatos. As propostas mesclavam desde uma completa reformulação para um modelo privado, controlado pelo governo (a de Bolsonaro), até uma retomada de desenvolvimento pautado pelo equilíbrio das contas públicas (a do PT).

No plano de Ciro Gomes, são apresentadas múltiplas propostas com “pilares” mobilizadores, como a “implementação de um sistema previdenciário multipilar capitalizado, em que o primeiro pilar, financiado pelo Tesouro, seria dedicado às políticas assistenciais” (Brasil, TSE, 2018c, p. 4)25 25 Múltiplas propostas, não necessariamente desconexas, mas sem profundidade e deixando lapsos questionáveis sobre as medidas que seriam tomadas e como as mudanças seriam introduzidas. . Alckmin, por sua vez, coloca na mesa uma proposta bastante abrangente, porém sem muitos detalhes de como será implementada: “Criar um sistema único de aposentadoria, igualando direitos e abolindo privilégios” (Brasil, TSE, 2018d, p. 7).

Financiamento público

No que tange ao financiamento público, Haddad concentra a atenção de investimento na economia verde, como um dos marcadores do planejamento do financiamento. Ecologia, sustentabilidade e conscientização ambiental são mobilizados ao longo das páginas do plano econômico e, nesse planejamento, recebem também a devida atenção:

Para promover a economia de baixo impacto ambiental e alto valor agregado, o governo Haddad mobilizará recursos por meio de um conjunto de políticas de financiamento público de baixo custo, que ajudará a reduzir os custos e os riscos da transição (Brasil, TSE, 2018b, p. 7).

O PT também relaciona parcerias entre universidades e empresas, com alto investimento na educação superior26 26 Os governos petistas fizeram investimentos massivos em infraestrutura e foram altamente criticados pelos impactos ambientais de seus projetos de peso. O programa de Haddad é muito mais ”verde” e, assim, busca se diferenciar repetindo os termos ecológicos no programa econômico. . Para o candidato do PSDB, a questão paira sobre a privatização. Alckmin promete “Privatizar empresas estatais, de maneira criteriosa, para liberar recursos para fins socialmente mais úteis e aumentar a eficiência da economia” (Brasil, TSE, 2018d, p. 4). Os tucanos perderam quatro campanhas eleitorais consecutivas para os petistas, sendo que, nas últimas três, perderam justamente pelo incessante uso da temática das privatizações do governo FHC.

Jair Bolsonaro mostra a preocupação com a sanidade das contas públicas. A possível venda de estatais para abater a dívida pública demonstra um exercício de redução da necessidade de financiamento do setor público e uma aproximação com o discurso liberal de retirada do Estado da atividade produtiva:

O debate sobre privatização, mais do que uma questão ideológica, visa a eficiência econômica, bem-estar e distribuição de renda. Temos que ter respeito com os pagadores de impostos. No Brasil, esse debate envolve um elemento extra: o equilíbrio das contas públicas (Brasil, TSE, 2018a, p. 61).

Vê-se, em suas propostas, uma sequência de termos: competição, Estado [no limite do] necessário, privatização, mercado etc., próprios do liberalismo econômico.

Orçamento

Em relação ao orçamento, Jair Bolsonaro propõe, em termos gerais, a fiscalização dos recursos públicos e dos processos internos da União. Para isso, estabelece como meta o enxugamento do Estado através de um superministério e reorganização de secretarias. A forma vislumbrada pelo candidato centraliza o poder de organização, estruturação orçamentária e poder decisório sob o ministério da economia:

Para atender ao objetivo de enxugamento do Estado, mas, também, para garantir um comando uno e coeso para a área, o Ministério da Economia abarcará as funções hoje desempenhadas pelos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, bem como a Secretaria Executiva do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Além disso, as instituições financeiras federais estarão subordinadas ao Ministro da Economia (Brasil, TSE, 2018a, p. 53).

Também está presente em suas propostas o posicionamento de matriz ideológica contra “corruptos e populistas”, constante na campanha do candidato. Próximo às metas do PSL, Geraldo Alckmin também sinaliza para o enxugamento dos ministérios, propondo, nesse sentido: “Combater o desperdício, reduzindo o número de ministérios e cargos públicos e cortando despesas do Estado, bem como mordomias e privilégios” (Brasil, TSE, 2018d, p. 14).

O candidato Haddad apostou na transparência dos gastos públicos, com propostas de melhorias no Estado de bem-estar social. Com a revogação das privatizações, segundo o candidato: “O Estado vai recuperar sua capacidade de investimento e cobrar do setor privado a mesma corresponsabilidade no desenvolvimento nacional” (Brasil, TSE, 2018b, p. 5)27 27 Aqui há uma série de propostas pouco desenvolvidas, todas com caráter ideológico forte: desenvolvimento nacional como cooperação entre setor público e privado; equilíbrio fiscal, avanços sociais e econômicos; intervenção indireta no sistema de crédito através da reforma bancária. . O PDT, por sua vez, apesar de já existir o Plano Plurianual (PPA)28 28 O PPA é um instrumento previsto na Constituição Federal, com o objetivo de gerenciamento das contas públicas. Relaciona um planejamento de quatro anos, com metas claras para tornar o cronograma viável. , propõe medidas de reforço do planejamento de longo prazo (do orçamento da união), como:

[O] planejamento de despesas por período superior a um ano (...). Criação da unidade de projetos prioritários, com sistema de acompanhamento e avaliação (...). Maior transparência na classificação e execução orçamentária e adoção do chamado orçamento base zero (Brasil, TSE, 2018c, p. 11).

O PDT também prevê medidas próximas àquelas discutidas pelo PSL, como a criação de um sistema de acompanhamento e divisão de custos, subentendendo-se monitoramento e fiscalização dos gastos públicos.

Política cambial

Considerando não haver muito espaço para a União influenciar diretamente o câmbio, entende-se a ausência de propostas de políticas cambiais nos planos de governo dos candidatos. Ciro Gomes, abertamente, em seu programa, aventa trazer o câmbio para patamares que beneficiem a indústria nacional; Haddad é mais enfático e aloca a política cambial junto das políticas fiscal e monetária, como via para “garantir o desenvolvimento econômico sustentável” (Brasil, TSE, 2018c, p. 41), atacando a especulação financeira e suas consequências em termos de competitividade. Alckmin e Bolsonaro não destacam medidas para a condução do câmbio. Ao passo que Ciro apenas alerta sobre sua necessidade, sem elaborar proposta, Haddad tangencia uma modalidade de impostos sobre as commodities , a fim de criar “um fundo de estabilização cambial“ (Brasil, TSE, 2018b, p. 13), dando a entender que o governo interviria no câmbio, sem especificar se em conjunto com medidas tradicionais, como as do Banco Central e os contratos de swap cambial.

Juros e inflação

Em face da necessidade de diminuir a taxa de inflação e os juros, o PSL aponta como solução o liberalismo. Segundo o programa, “O Liberalismo reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades” (Brasil, TSE, 2018a, p. 13), tendendo para um liberalismo econômico clássico como forma de reajuste da dívida, que foi causada pelo excesso de Estado. Como um claro apelo ideológico, autorrotulante, em que o liberalismo, por si só, atuaria na “redução natural” dos problemas.

O programa do PT indica uma abertura de diálogo com a classe média e a classe média baixa, tocando na questão do endividamento das famílias. Visa também à utilização dos bancos públicos para a redução da taxa média de juros. Garante a autonomia do Banco Central, mas defende um modelo próximo ao do FED29 29 Federal Reserve (FED), o Banco Central dos EUA. estadunidense, não perseguindo apenas a meta de inflação, mas também o pleno emprego.

Com um planejamento mais detalhado, o programa do PDT sinaliza tanto para o consumidor quanto para o produtor, apontando o sistema bancário e financeiro como responsável pela atividade econômica em baixa: “reforma monetária acompanhada de um conjunto de medidas que possibilitem diminuir tanto a taxa de juros básica, definida pelo Banco Central, como aquela que é cobrada nos financiamentos a consumidores e empresas” (Brasil, TSE, 2018c, p. 13).

Comércio exterior

Na perspectiva de transformar o “Brasil no país mais atrativo para empreender e investir na América Latina” (Brasil, TSE, 2018d, p. 6), Geraldo Alckmin sinaliza para um planejamento de maior interação com o setor externo, com uma economia pautada pela competitividade, em que a política se encerra na garantia da livre competição. Para tanto, posiciona no comércio externo a meta de representar 50% do produto interno bruto (PIB). A fim de indicar essa abertura ao mercado, favorece a diplomacia como meio de colocar o país na rota mundial, havendo aqui forte contraste com o nacional-desenvolvimentismo pedetista e com a agenda socioambiental petista. Alckmin se vale de uma postura plenamente liberal, usando os meios políticos para assegurar competitividade.

Entre as metas do PSL, o comércio externo também é um dos aspectos valorizados. O partido encara a abertura ao comércio internacional como uma efetiva forma de “promover o crescimento econômico de longo prazo” (Brasil, TSE, 2018a, p. 65). O plano ainda cita a aproximação com países latino-americanos “que estejam livres de ditaduras” (Brasil, TSE, 2018a) e a redução da alíquota de importações.

No plano de Haddad, a categoria em debate não possui tanto protagonismo; em vários momentos, enfatiza-se a necessidade de valorizar o mercado interno. Não obstante, aponta-se a necessidade de fortalecimento dos Brics e das relações multilaterais. Há também um tom forte de crítica à aproximação ao mercado norte-americano, daí ser essencial criar medidas para que as relações comerciais se tornem mais equilibradas “e menos dependentes de um único polo de poder, de modo a superar a hegemonia norte-americana” (Brasil, TSE, 2018b, p. 65).

No que se refere ao plano nacional-desenvolvimentista de Ciro Gomes, percebe-se que é assentado no desenvolvimento com três medidas centrais: redução da taxa de juros, câmbio competitivo e investimento conjunto dos setores público e privado. Para isso, o programa não poupa críticas ao sistema bancário e se compromete a intervir diretamente no mercado para alcançar seu objetivo de aceleração da atividade econômica. Nessa via, 1) justifica a intervenção no mercado de câmbio, buscando preços relativos favoráveis à produção nacional; 2) estabelece cooperação internacional com a condicionante de integração brasileira e partilha de tecnologia produtiva; e, por fim, 3) critica, assim como o PT, a relação comercial estabelecida com os EUA, acrescentando também aquela com a China, categorizando como uma “inadmissibilidade o processo de endividamento público ou privado com o país asiático, que acaba por comprometer nossa soberania” (Brasil, TSE, 2018a, p. 12).

Desenvolvimento

As metas do PSDB são categóricas em definir suas prioridades: uma relação de parceria do Estado com o setor privado. Para isso, esse partido propõe como prioritário o investimento em infraestrutura, sem definir, a priori , quais são os setores favorecidos. Quanto ao programa de Ciro Gomes, há o incentivo ao investimento e ao monitoramento das políticas de fomento. Ressalta-se que a proposta do PDT cita a necessidade de reavaliar quadrienalmente o dito planejamento proposto, fazendo jus à sua crítica de ser uma possível ilegalidade e arbitrariedade a aprovação de peça legislativa que influencie o orçamento de governos vindouros.

Para o PT, as propostas de desenvolvimento do país estão pautadas nas demandas sustentáveis, como foi apontado em outras medidas propostas pelo candidato (novamente a pauta do desenvolvimento verde sugere uma organização orçamentária que tenha como objetivo o investimento em energias renováveis):

Serão feitos fortes investimentos no fortalecimento das competências verdes já acumuladas (agroecologia, biocombustíveis, energia eólica, química verde etc.) e na construção de novas capacidades produtivas, tecnológicas e inovativas que garantam competitividade e geração de soluções sustentáveis adequadas às especificidades brasileiras (Brasil, TSE, 2018b, p. 49).

O PDT também pauta temas discutidos anteriormente, como a “retomada do controle público, interrompendo as privatizações” (Brasil, TSE, 2018b, p. 49). No programa de Bolsonaro, o foco é a desburocratização da máquina pública (tema já explorado em outros pontos) e a modernização para os empregadores, inclusive na demanda por mão de obra com programas como a Carteira Verde e Amarela. O “Desenvolvimento e fortalecimento do mercado de capitais” (Brasil, TSE, 2018a, p. 50) também é sugerido, assim como o fim do monopólio da Petrobras sobre o gás natural, o que reforça, mais uma vez, o discurso que percorre todo o plano de governo do candidato, que aponta para a privatização e a abertura para o capital estrangeiro.

Política social

No que tange às políticas sociais, o PSL procura relacionar o liberalismo com as medidas implementadas em governos anteriores na tentativa de legitimá-las e dar garantia de que essas políticas também fazem parte de um “planejamento liberal”, como fica evidente no trecho:

Acima do valor do Bolsa Família, pretendemos instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras. Todas essas ideias, inclusive o Bolsa Família, são inspiradas em pensadores liberais, como Milton Friedman, que defendia o Imposto de Renda Negativo (Brasil, TSE, 2018a, p. 63).

Em suas metas, Bolsonaro também defende a modernização dos programas existentes, como Bolsa Família e Abono Salarial (13º), o que o aproxima do plano de Geraldo Alckmin, que também gesticula no sentido de “incrementar o programa Bolsa Família, aumentando os benefícios para os mais necessitados” (Brasil, TSE, 2018d, p. 6) – considerando as políticas sociais como amparo e não como obrigação do Estado. No entanto, Alckmin vai além de Bolsonaro ao mencionar também políticas em relação à diversidade, destacando políticas afirmativas “para as populações negra e indígena, garantindo a igualdade de oportunidades” (Brasil, TSE, 2018d, p. 6).

O programa do PT nesse tema poderia ser pensado como o planejamento do Estado indutor do crescimento e do desenvolvimento. Esse programa vai muito além dos governos petistas anteriores, quando se observa o aspecto ambiental, mas retoma com a mesma cunhagem e calibre a proposta de uma economia guiada pelo investimento massivo do setor público, principalmente apostando na retomada de programas característicos da era petista.

Para além do Bolsa Família, ProUni e demais projetos já implementados, Ciro Gomes aposta também em pacotes aos estudantes e recém-nascidos, envolvendo a área da saúde e da educação. As palavras “país justo e “solidário” alocam as propostas para a área social, como financiamento de medidas em prol de um Estado de bem-estar social, tendo o Estado como indutor da igualdade, bem próximo à perspectiva adotada pelo programa petista.

Emprego

Em um cenário com alta taxa de desemprego, esse assunto mobilizou intensamente os candidatos, no sentido tanto de crítica aos governos anteriores como de sugestão do desenvolvimento de um cenário mais promissor, tal como o programa de Geraldo Alckmin, que tinha como meta um “Brasil [que] precisa voltar a crescer, para que os brasileiros possam empreender, trabalhar, inovar, prosperar e criar suas famílias e negócios com segurança” (Brasil, TSE, 2018d, p. 2).

Ciro Gomes é o único que apresenta uma seção exclusiva para a questão da geração de empregos, favorecendo o desenvolvimento de estratégias nacionais com forte investimento na indústria e no sistema educacional. Para alargar o mercado de trabalho, ainda destaca:

Para isso, é importante que tenhamos coragem para ser feito o que é necessário: priorizar quem trabalha e produz, buscando a geração de empregos e a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, e defender a soberania e os interesses brasileiros. Vamos propor políticas e oportunidades para criar e manter empregos para uma população em idade de trabalhar, que chegou a 169 milhões de pessoas em junho deste ano (Brasil, TSE, 2018c, p. 14).

O candidato do PT coloca a garantia de empregabilidade no centro das políticas públicas. Em suas metas, indica uma ampla inclusão, sem necessariamente especificar os moldes de sua aplicação. Também critica as ações do governo Temer30 30 Ao tratar direta e indiretamente da reforma trabalhista de Michel Temer, Haddad expõe a dualidade da reforma (capital x trabalho) e a joga, junto do legado do governo Temer, para o lado do capital, posicionando seu programa de governo para o lado do trabalho. :

De um lado, quase 28 milhões de brasileiros estão com a força de trabalho subutilizada, dos quais 13 milhões estão desempregados (PNADC/IBGE). Para os que estão ocupados, a precarização força cerca de 2/3 a buscarem atividades complementares de renda para sobreviver (bicos). De outro, a ampliação da pobreza transcorre simultaneamente à redução dos serviços públicos e à piora de qualidade decorrente da imposição da Lei do Teto nos gastos públicos não financeiros (...). A implementação desse novo projeto nacional de desenvolvimento pressupõe, primeiramente, revogar o legado do arbítrio: (...) Revogar a reforma trabalhista de Temer, substituindo-a pelo Estatuto do Trabalho, produzido de forma negociada (Brasil, TSE, 2018b, p. 53).

O programa deixa evidente ainda a defesa da ampliação do Estado com a retomada do crescimento da atividade produtiva e do fornecimento de serviços públicos de qualidade ao cidadão – com claras linhas do welfare state . Menciona o combate ao trabalho escravo e infantil, na elaboração de um novo estatuto do trabalho, indicando a promoção de um “amplo debate sobre as condições necessárias para a redução da jornada de trabalho” (Brasil, TSE, 2018b, p. 41).

Na contramão, o programa de Bolsonaro faz mais um apelo à bandeira do liberalismo, como alternativa ao welfare state no combate às desigualdades sociais: coloca o crescimento com baixa inflação e a geração de empregos como consequências de políticas liberais. A aposta liberal do candidato vitorioso, inclusive, trouxe traços da literatura do liberalismo clássico: “O emprego na indústria local crescerá nas atividades onde houver vantagens comparativas ou competitividade” (Brasil, TSE, 2018c, p. 73), lembrando o economista David Ricardo.

Uma tentativa de classificação ideológica

Os posicionamentos políticos na economia, que se traduzem nos conceitos-chave trabalhados – esquerda, centro e direita –, ainda geram um extenso debate na academia, que acompanha as alterações sociais e temporais, na tentativa de preencher essas palavras com um sentido universal. Para Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. , ao longo do desenvolvimento do significado de esquerda-direita, houve uma mudança importante no sistema político, muito mais cartelizado (havendo grande concentração de recursos financeiros) num pequeno grupo de partidos, que mudam do padrão de elaboração de políticas partidárias para a defesa das políticas “presidenciais”. Ainda que outras questões, como o peso do Estado na economia em antigos países comunistas ou o crescimento de partidos de direita populistas (atacando o establishment político – ponto, deveras, de extrema similitude ao contexto encontrado na eleição que o presente artigo estuda), confundam a tradicional escala esquerda-direita, esta segue sendo a mais utilizada na definição do espectro ideológico de eleitores, partidos e líderes políticos, adaptando-se a cada contexto.

Aplicação dos programas na escala ideológica

Tendo em vista a ferramenta analítica utilizada para a leitura dos programas de governo, considerando uma abordagem qualitativa das propostas econômicas, torna-se possível uma classificação ideológica que combine: um entendimento a priori do que se considera esquerda-centro-direita e a leitura dos resultados encontrados na análise de conteúdo. Dessa forma, utilizam-se critérios que relacionam a interpretação crítica do pesquisador e o produto que surge de uma aplicação metodológica (com etapas e processos estabelecidos).

Essa combinação, assim como diferentes metodologias empregadas na classificação ideológica, é passível de críticas. Como foi visto anteriormente, diferentes autores ressaltam problemas tanto em survey s quanto em combinações de ferramentas ( surveys e CMP), destacando a complexidade de mensurar um conceito tão flexível. Nesse sentido, a tentativa aqui aplicada servirá como mais uma contribuição para testar a plasticidade ou não de categorias tão relevantes e representativas na política, usando, para isso, o recorte do plano econômico.

Em programas de governo como o de Jair Bolsonaro e o de Ciro Gomes, percebe-se o apelo a pautas ideológicas. O documento do candidato eleito menciona aspectos, teorias e benefícios do liberalismo na economia, enquanto o pedetista recorrentemente fala do desenvolvimentismo como proposta, aposta e necessidade. Por mais que a autorrotulação seja importante para a classificação, são os complementos a essa investida de se declarar alinhado a uma corrente de pensamento que tornam mais evidentes a categorização e o agrupamento ideológico.

Também Fernando Haddad lança mão de semelhante estratégia, com suas propostas de desenvolvimento econômico sustentável; porém o arremate de sua proposta é dúbio, ao menos no campo da economia, pois suas medidas de cadeia tributária simplificada para o trabalhador e pequenos investidores, com taxação de importações, lucros e dividendos, além de imposto de renda que faça o “andar de cima” pagar mais à Receita, demonstram uma intervenção indireta de cunho distributivista na economia, sem explicar a parte da sustentabilidade. O programa petista caminha mais à esquerda quando critica de forma velada os mandatos anteriores do partido (2003-2016) e rotula como golpista o governo de Michel Temer, buscando desconstruir a reforma trabalhista e a proposta de reforma da previdência do emedebista.

Em sintonia com a proposta do PT, o programa do candidato Ciro Gomes busca lançar artifícios para induzir o desenvolvimento, porém sem características verdes. Ainda que o programa de Haddad verse sobre investimentos diretos por parte do Estado, na agenda do PDT isso é mais enfático, com medidas de recuperação da infraestrutura através da retomada de obras paradas e ociosas. O plano de Ciro é incisivo quanto ao papel do Estado como indutor do investimento, seja por meio de recursos públicos, dando uma ‘injeção de demanda’ na economia, seja utilizando medidas tributárias e creditícias para estimular o investimento privado.

Ambos os candidatos se propõem a revogar a Emenda Constitucional 95 do Teto dos Gastos Públicos, aprovada durante o governo de Michel Temer, e claramente, na relação capital x trabalho, estão mais ligados aos trabalhadores, elencando a geração de emprego como prioridade para a retomada do ciclo de desenvolvimento. Entre outras, essas características alocam os programas do PT e do PDT em 2018 à esquerda do espectro ideológico, com o PDT mais interventor e o PT mais ligado às questões sociais.

O liberalismo no programa do presidente eleito é acrescido de contundentes ataques à esquerda, de cunho fiscalista e estabilizador, e versa sobre o combate à sonegação em prol do equilíbrio fiscal. O apelo à redução de impostos “aos que pagam muito” mostra mais um movimento de aproximação com a elite econômica, extremamente diverso das propostas do PT e do PDT. Muito mais ligado ao empresariado, aborda a estrutura tributária como prejudicial ao empreendimento, visando atender a uma antiga demanda do setor produtivo de pôr fim à tributação em efeito cascata.

Se, ao longo das eleições que ocorreram entre 2002 e 2014, as privatizações foram colocadas pelos petistas de maneira desfavorável aos tucanos, o programa do PSL é taxativo quanto à sua necessidade para abater a dívida pública, demonstrando um exercício de redução da necessidade de financiamento do setor público e uma aproximação com o discurso liberal de retirada do Estado da atividade produtiva. O programa de Alckmin pouco discute o papel do Estado na economia; porém não se desfaz de algo carimbado no partido, usando o termo “criteriosas” em relação às privatizações como uma espécie de aprimoramento do processo de venda de estatais – algo mais como o Estado no seu tamanho “certo”.

O plano econômico de Bolsonaro tem no orçamento sem lastro em relação ao executado no ano prévio e na transformação de déficit em superávit no período de dois anos orçamentários o reforço da preocupação com a sanidade das contas públicas. Vê-se, pela sequência de termos próprios do liberalismo econômico utilizados – competição, Estado [no limite do] necessário, privatização, mercado etc. –, que o programa de Jair Bolsonaro é o que está mais à direita, trazendo um claro debate (ou talvez embate) ideológico, colocando a esquerda como populista e defendendo a abertura aos mercados internacionais. Nos programas dos partidos de esquerda, há a priorização dos países em vias de desenvolvimento na agenda internacional, principalmente os da América Latina, e com atenção à China, com críticas às relações bilaterais com países desenvolvidos. No plano de Bolsonaro, a crítica recai sobre o fechamento do Brasil às relações econômicas com os demais países, dadas as “barreiras ideológicas”.

Em que pese o sucinto programa de Geraldo Alckmin, seu claro apelo ao liberalismo se complementa com propostas de gerar um cenário que instigue o empreendedorismo e atraia capital externo para elevar o investimento. Embora proponha simplificação tributária e desburocratização do sistema de arrecadação, não necessariamente justifica suas promessas no programa, tampouco elabora essas ideias. Em termos puramente economicistas, poder-se-ia alocar o programa de Alckmin como orbitante do campo da direita, porém jazem dois entraves para sua classificação nesse segmento ideológico.

Inicialmente, os projetos da candidatura para áreas sociais, como previdência e assistência social, apelam para o combate a privilégios e embasam na diversidade social brasileira a necessidade de financiamento de políticas públicas para melhorias na saúde pública e na qualidade de vida da população. Tais colocações trazem o programa tucano mais ao centro. Reforça-se que o programa de Geraldo Alckmin foi entregue de maneira resumida ao TSE, apenas esboçando as principais promessas de campanha, podendo a análise de uma versão não resumida trazer outra conclusão. Porém, considerando o escopo e o recorte do artigo que se encerra, opta-se por alocar o programa tucano na escala ideológica como flutuante entre o centro e a direita31 31 Ressalta-se que, assim como qualquer fonte e técnica de análise, o produto deste artigo possui limitações. Utilizar os planos de governo também foi uma escolha baseada em acesso, tempo de investigação e relevância desse documento no plano político e acadêmico (como já foi citado nas seções anteriores). Os planos de governo são propostas e tópicos que fazem parte do planejamento e do discurso dos candidatos, podendo ou não ser levados adiante quando estes são eleitos. Mas entende-se que são conteúdos que carregam o posicionamento dos candidatos e de seus partidos e, como tais, podem ser assumidos como uma fonte confiável para a classificação que se pretendeu neste artigo. .

Conclusões

O presente artigo iniciou-se com a constatação de que a eleição aqui estudada marcou uma pausa no ciclo de disputa predominante entre tucanos e petistas; pausa, pois há incertezas que somente os próximos pleitos irão sanar: O PSL veio para ficar? Qual será o futuro do PSDB após sofrer a sua mais forte derrota na corrida presidencial? O PT terá, na figura de Fernando Haddad, sua nova liderança? O comportamento desses partidos no Congresso em relação ao governo de Jair Bolsonaro, suas estratégias nas eleições municipais de 2020 e a escolha de seus quadros para o pleito geral de 2022 guiarão as legendas na movimentação constante na linha ideológica.

O retorno de Lula ao cotidiano do cenário político, com sua soltura no início de 2020 e a série de vitórias judiciais em 2021, arquivando a maioria de seus processos, transportou Fernando Haddad novamente à figura de coadjuvante entre os petistas. A saída de Bolsonaro do PSL em 2019 e a conturbada relação de seu governo com o Congresso, com maioria ocasional – a depender da pauta em votação –, deixaram os partidos do “centrão” novamente em evidência, o que estimula futuros estudos a analisar ideologicamente a extensa gama de legendas no Parlamento.

A multiplicidade de fatores dos pleitos municipais dificulta alocar os partidos na escala ideológica. Por ora, pode-se afirmar que, nas eleições de 2020, apesar de contar com o maior fundo eleitoral, o PSL teve dificuldades para emplacar candidatos competitivos, alguns já distantes do presidente da República, sem deixar de vender a agenda conservadora-liberal. O PSDB buscou retomar o protagonismo da agenda liberal, ao passo que a briga interna de suas lideranças paulatinamente levou o candidato de 2018 – Geraldo Alckmin – a abandonar o partido. O PDT usou a figura de Ciro Gomes para avançar no “terreno” da esquerda e romper a hegemonia petista, enquanto o PT buscou sua reconstrução, apostando em antigos ex-prefeitos em capitais (como Vitória (ES)) e em municípios com mais de 200 mil eleitores (como é o caso de Caxias do Sul (RS)).

Outrora, Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. desconstruíram o mito de caos ideológico dos partidos políticos brasileiros, empenho reforçado por Power e Zucco Jr. (2009) e Tarouco e Madeira (2015), desestruturando a propagada inexistência de ideologia clara nos partidos políticos brasileiros. A campanha eleitoral de 2018 trouxe uma brusca inflexão nessa ideia ao levar a temática ideológica para o centro do debate político (ainda que já houvesse significativos traços desse movimento nas eleições de 2014 e 2016), nas comparações da política econômica da esquerda com a dos países bolivarianos, nas associações da extrema direita com o fascismo, no dito viés ideológico “esquerdista” na educação, no recrudescimento da direita no combate à pauta dos direitos humanos. As ideologias deixaram de ser exclusivas da ciência política para serem debatidas na política, mesmo que de modo distorcido ou vil.

Através do presente artigo, buscou-se averiguar a possibilidade de classificar os partidos dos quatro candidatos mais bem posicionados nas eleições de 2018 na escala esquerda-centro-direita, focando no segmento econômico de seus planos de governo e tendo na análise de conteúdo a ferramenta para tal objetivo. Como foi recapitulado na seção “O mapeamento de partidos políticos na escala ideológica”, rememorando-se brevemente um rol de trabalhos empíricos sobre a escala esquerda-direita, os partidos e suas propostas mudam, ao passo que perdura o valor da escala ideológica.

O liberalismo do PSL veio ao lado da tentativa de se separar de todos os demais governos e negar a possível existência passada de políticas liberais na economia brasileira, como se o partido pretendesse inaugurar um novo período, já que, anteriormente, segundo a visão dos elaboradores do programa, jamais existiu uma verdadeira economia de mercado no Brasil. Certamente, é o programa mais carimbado ideologicamente, em que rotula pejorativamente a esquerda e pinça pontos de teorias do liberalismo econômico clássico, que arrola junto das propostas elaboradas.

Diferentemente do candidato vencedor, o então franco favorito Geraldo Alckmin surgiu com um programa limitado, com propostas que se baseavam principalmente nas relações externas (sem especificar se seriam por vias de comércio internacional, investimento estrangeiro direto etc.) e com caracteres liberais que fizeram frente a políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida da população, reforçando uma bandeira cara ao partido, a área da saúde (também de formação do candidato), mas também sem especificar seu planejamento e sua implementação.

Os programas dos partidos de esquerda estiveram plenamente embasados na geração de emprego e na intervenção do Estado, para reativar o ciclo virtuoso, seja para incentivar um novo período de crescimento (caso do PDT), seja para promover uma economia de crescimento sustentável (caso do PT). Ambos priorizaram os meios fiscais e creditícios para a elaboração de políticas econômicas, porém o programa de Ciro esteve mais ligado ao investimento produtivo, enquanto Haddad se voltou à redução das desigualdades e ao empreendedorismo “verde”.

Não apenas foi possível atender ao principal objetivo do artigo, classificando os partidos na tradicional escala ideológica esquerda-centro-direita, como também trabalhando com uma metodologia qualitativa, a análise de conteúdo, evidenciou-se que, dos quatro partidos aqui estudados, PT e PDT seguiram à esquerda, como tradicionalmente se encontraram na literatura brasileira, e o então novo protagonista da política nacional, o PSL, foi classificado como um partido de direita. O PSDB, que oscilou entre o centro e a direita, merece novos estudos, que talvez sejam mais elucidativos se consideradas fontes além das utilizadas neste artigo.

Há diversas maneiras de estudar o posicionamento ideológico dos partidos políticos e faz-se votos de que proveitosas análises surjam nesse exitoso período de debate sobre ideologias na ciência política. A ascensão do PSL ao Planalto e sua forte bancada na Câmara dos Deputados, o retorno do PT à oposição e a saída oficial do MDB da base aliada do governo, mesmo diante de tamanha fragmentação partidária (que se avolumou na eleição de 2018), permitirão melhor conhecer o primeiro partido, assim como estudar as demais legendas de acordo com seu posicionamento perante a agenda do governo, também através de pronunciamentos das lideranças e da produção legislativa dessas agremiações. Na balança da política, muda o peso das legendas, transformam-se as propostas, mas ainda se pode entendê-la pela escala esquerda-direita.

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  • 4
    Agradecemos aos pareceristas pela leitura e por suas colocações, que enobreceram o artigo.
  • 5
    Após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva (Lula) em 7 de abril de 2018, formou-se um movimento político contrário à sentença de seu encarceramento, que reuniu manifestações em todo o país, acampamentos em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba (Paraná) e alianças entre movimentos sociais, entidades sindicais e políticos de diferentes partidos.
  • 6
    Ver mais em Duran (2018)Duran, C. #EleNão: o que leva as mulheres às ruas? (online). O Estado de S. Paulo, São Paulo, 4 out. 2018. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/elenao-mulheres-ruas>. Acesso em: 18 jun. 2019.
    https://cultura.estadao.com.br/blogs/est...
    .
  • 7
    Tendo em vista a delimitação do tema analisado e também a restrição do número de páginas do artigo, a questão ideológica não será abordada epistemologicamente. Não trataremos, portanto, de seus paradigmas e das diferentes formas que pode tomar de acordo com a matriz filosófica utilizada. A ideologia é tomada aqui como um conjunto de ideias que, assim como os conceitos de esquerda, centro e direita, pode adotar tonalidades distintas através de perspectivas diversas.
  • 8
    Devido à amplitude dos conceitos centrais esquerda, centro e direita na ciência política, estes necessitam de um debate à parte, dadas as suas especificidades temporais e casuísticas, como menciona Mair (2006)Mair, P. Left-right orientations. In: Klingemann, H.-D., et al. (eds.). Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2006. , havendo aqui pouco espaço para uma maior elaboração teórica (que fugiria do escopo do presente artigo). Para um maior debate sobre a questão, recomenda-se a leitura de Tarouco e Madeira (2013)Tarouco, G.; Madeira, R. “Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, nº 45, p. 149-165, 2013. .
  • 9
    Uma quinta dimensão, diferenciada, foi aplicada em casos específicos de países que tiveram experiência socialista (favorável à administração pública ou à privada dos negócios e indústrias; permissão ou não a antigos dirigentes comunistas de participarem do processo político na democracia corrente, liberdade ou regulamentação da mídia; e defesa do nacionalismo) e em países de tradição capitalista (favorável à regulamentação ou à desregulamentação do mercado).
  • 10
    Outro fator é a combinação do fim da Guerra Fria, com vitória das democracias ocidentais, que pareceu não ter deixado alternativa ao liberalismo econômico, levando partidos de esquerda e direita a compartilharem em muitas partes suas agendas econômicas.
  • 11
    O estudo analisa a combinação entre o Comparative Manifestos Project (CMP) e as pesquisas com experts , a existência de movimentações nos posicionamentos partidários e a necessidade de levá-las ou não em consideração.
  • 12
    Sempre que houver uma alteração no posicionamento do partido, se ela for permanente, haverá uma mudança na reputação do próprio partido. A modificação no discurso precede a que ocorre na reputação. Os autores objetivam, assim, mensurar posicionamentos considerando a reputação, variações dinâmicas e questões particulares que são centrais nos discursos de partidos extremistas e que são vitais para seus posicionamentos na escala.
  • 13
    Tarouco e Madeira (2015) avaliam as diversas formas pelas quais os partidos políticos brasileiros são alocados na escala ideológica. Os autores mostram tais classificações com resultados não apenas próximos, mas, consequentemente, como válidos.
  • 14
    Rodrigues (2009)Rodrigues, L. M. Mudanças na classe política brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. se vale de outros estudos de classificação ideológica dos partidos, permitindo apontar certo consenso na ciência política brasileira quanto à posição dos partidos no espectro ideológico. Em seu estudo sobre a Câmara dos Deputados, o autor classificou PP/Progressistas e DEM como partidos de direita, MDB e PSDB como partidos de centro e PDT e PT como partidos de esquerda.
  • 15
    Na maioria das votações analisadas, as bancadas votaram de acordo com as indicações dos líderes, não havendo o suposto comportamento “caótico” dos parlamentares ( Figueiredo e Limongi, 1999Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. , p. 81), tido até então como certo na Câmara dos Deputados. O alto índice de coesão partidária se mostrou muito frequente (p. 82), e os partidos de esquerda – especialmente o PT com elevado índice de unanimidade na maior parte das votações ─ tiveram maior índice de coesão do que os partidos de direita.
  • 16
    Não é diferente o resultado encontrado por Neiva (2011)Neiva, P. R. P. “Coesão e disciplina partidária no Senado Federal”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 54, nº 1, p. 289-318, 2011. acerca do Senado Federal. Buscando analisar o comportamento dos partidos que compuseram a Casa da Federação ao longo de duas décadas (1989-2009), utilizando a mesma hipótese de Figueiredo e Limongi (1999)Figueiredo, A.; Limongi, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. FGV: Rio de Janeiro, 1999. quanto aos baixos níveis de coesão e disciplina, Neiva (2011)Neiva, P. R. P. “Coesão e disciplina partidária no Senado Federal”. Dados, Rio de Janeiro, vol. 54, nº 1, p. 289-318, 2011. analisa um bloco de votações nominais para traçar sua análise. Para o autor, o Senado Federal, por ser uma “casa de elite” e com um quase inexistente “baixo clero” (p. 296), poderia não ter um mesmo padrão de disciplina como o averiguado na Câmara dos Deputados, já que a figura do líder partidário no Senado é uma formalidade diante de nomes “de peso” que costumam compor a Casa. Os resultados obtidos pelo autor mostraram que, independentemente do tamanho das bancadas dos partidos, os índices de coesão e disciplina não se revelaram significativamente diferentes dentro do Senado.
  • 17
    São elas: categorias de análise (são as categorias criadas a priori e durante o processo de leitura do conteúdo), unidade de significação (são as inferências feitas pelo pesquisador, com base nas frases extraídas dos documentos – essa análise se dá em relação ao sentido explícito e implícito do documento) e unidade de contexto (em que será explorado o contexto externo ao conteúdo de cada categoria).
  • 18
    No caso do presente artigo, após a definição das categorias e leitura de cada plano de governo, utilizou-se uma planilha simples do Excel (categorias por colunas e candidatos por linha) para extrair o conteúdo das cartilhas. Diferentemente de outras formas de análise de documento, a análise de conteúdo não procura por palavras ou expressões predefinidas. Por exemplo, a categoria orçamento não indica que a busca foi feita em cada parte do texto onde essa palavra era mencionada, mas, sim, em partes onde esse tópico era discutido (o que não significa que os candidatos usaram necessariamente essa palavra), ou seja, não só o conteúdo explícito foi categorizado, mas também o conteúdo que, na avaliação dos autores, condizia com a proposta de cada categoria de análise, sejam palavras, expressões, frases ou até mesmo parágrafos longos.
  • 19
    § 3º do art. 17 da Constituição Federal c/c art. 9º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
  • 20
    Quando lançado o projeto de Bolsonaro, parte da mídia realçava o caráter ambíguo de suas propostas, uma vez que relacionavam, em grande medida, jargões utilizados pelo candidato com planos insuficientes e pouco estruturados, que deixavam pouca margem a uma visão mais abrangente de suas intenções. O documento segue divisões que consideram economia (com o título “Mais Brasil e menos Brasília”), segurança, estrutura, gestão (intitulado “nova forma de governar”), saúde e educação. Nessas partes, o texto se concentra em salientar os problemas vinculados aos governos anteriores e ao PT, que foram um importante mobilizador de sua campanha contra a corrupção, apontando, em maiúsculas, que “O PROBLEMA É O LEGADO DO PT DE INEFICIÊNCIA E CORRUPÇÃO” (Brasil, TSE, 2018a, p. 14).
  • 21
    Entendem-se como slogan do plano econômico as principais diretrizes que conduzem a leitura de cada programa.
  • 22
    Fernando Haddad foi um contraste em relação a Dilma Rousseff enquanto prefeito de São Paulo, inclusive criticou abertamente a política econômica da mandatária petista. Nota-se o reforço dessa oposição interna, já que a ala desenvolvimentista dos governos do PT apostou principalmente no investimento em rodovias e hidrelétricas, ao passo que Haddad ficou famoso mundialmente por suas medidas de modais de transporte alternativos quando administrava a maior capital da América Latina, ainda que suas propostas como candidato a presidente se mostrem vagas.
  • 23
    Mesmo buscando suceder Michel Temer, aponta a existência de um dito populismo econômico nas contas públicas; a ideia é vaga, mas claramente busca marcar um embate ideológico que os diferencie.
  • 24
    No programa do PT, também há crítica a essa emenda.
  • 25
    Múltiplas propostas, não necessariamente desconexas, mas sem profundidade e deixando lapsos questionáveis sobre as medidas que seriam tomadas e como as mudanças seriam introduzidas.
  • 26
    Os governos petistas fizeram investimentos massivos em infraestrutura e foram altamente criticados pelos impactos ambientais de seus projetos de peso. O programa de Haddad é muito mais ”verde” e, assim, busca se diferenciar repetindo os termos ecológicos no programa econômico.
  • 27
    Aqui há uma série de propostas pouco desenvolvidas, todas com caráter ideológico forte: desenvolvimento nacional como cooperação entre setor público e privado; equilíbrio fiscal, avanços sociais e econômicos; intervenção indireta no sistema de crédito através da reforma bancária.
  • 28
    O PPA é um instrumento previsto na Constituição Federal, com o objetivo de gerenciamento das contas públicas. Relaciona um planejamento de quatro anos, com metas claras para tornar o cronograma viável.
  • 29
    Federal Reserve (FED), o Banco Central dos EUA.
  • 30
    Ao tratar direta e indiretamente da reforma trabalhista de Michel Temer, Haddad expõe a dualidade da reforma (capital x trabalho) e a joga, junto do legado do governo Temer, para o lado do capital, posicionando seu programa de governo para o lado do trabalho.
  • 31
    Ressalta-se que, assim como qualquer fonte e técnica de análise, o produto deste artigo possui limitações. Utilizar os planos de governo também foi uma escolha baseada em acesso, tempo de investigação e relevância desse documento no plano político e acadêmico (como já foi citado nas seções anteriores). Os planos de governo são propostas e tópicos que fazem parte do planejamento e do discurso dos candidatos, podendo ou não ser levados adiante quando estes são eleitos. Mas entende-se que são conteúdos que carregam o posicionamento dos candidatos e de seus partidos e, como tais, podem ser assumidos como uma fonte confiável para a classificação que se pretendeu neste artigo.
  • 1
    Este artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2020
  • Aceito
    1 Nov 2021
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