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Da modernização à autoridade: a grande imprensa brasileira, entre a ditadura e a democracia – Folha de S. Paulo e O Globo, 1964-2014

From modernization to authority: the Brazilian mainstream press, between the dictatorship and democracy – Folha de S. Paulo and O Globo, 1964-2014

De la modernización a la autoridad: la gran prensa brasileña, entre la dictadura y la democracia – Folha de S. Paulo y O Globo, 1964-2015

De la modernisation à l'autorité: la grande presse brésilienne, entre dictature et démocratie – Folha de S. Paulo et O Globo, 1964-2014

Resumo

A proposta deste artigo é problematizar o processo de institucionalização da chamada grande imprensa no Brasil, pensada sob o viés de um outro “quarto poder”, entre a ditadura e a democracia. A análise será pautada nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, duas empresas que, da modernização autoritária que sofreram durante a ditadura à sua postura como agentes incisivos no processo de redemocratização, caminharam por processos muitas vezes ambíguos e tortuosos. Para isso o artigo pretende identificar, em alguns momentos específicos na história dos jornais, características que nos permitam configurar a busca de uma autoridade desses atores ante a cena de representação política, cruciais para perceber como os jornais procuraram definir e legitimar suas identidades no, com e pelo tempo.

comunicação; política; jornalismo; ditadura; democracia

Abstract

This article problematizes the institutionalization of the so-called “mainstream press” in Brazil, conceived as a “fourth power,” between the dictatorship and democracy. The analysis will be based on the newspapers Folha de S. Paulo and O Globo, two companies that, from the authoritarian modernization they underwent during the dictatorship, to their position as incisive agents in the process of redemocratization, have gone through processes often ambiguous and tortuous. To this end, the text intends to identify, at some specific moments in the history of these newspapers, characteristics that allow us to configure the search for an authority among the actors in the foreground of a scene of political representation, which is crucial to understanding how newspapers define and legitimize their identities in and over time.

communication; politics; journalism; dictatorship; democracy

Resumen

La propuesta de este artículo es problematizar el proceso de institucionalización de la llamada gran prensa en Brasil, pensada bajo el sesgo de otro “cuarto poder”, entre la dictadura y la democracia. El análisis será pautado en los periódicos Folha de S. Paulo y O Globo, dos empresas que, de la modernización autoritaria que sufrieron durante la dictadura, a su postura como agentes incisivos en el proceso de redemocratización, caminaron por procesos muchas veces ambiguos y tortuosos. Para ello el texto pretende identificar, en algunos momentos específicos en la historia de los periódicos, características que nos permitan configurar la búsqueda de una autoridad de estos actores frente a la escena de representación política, cruciales para percibir cómo los periódicos procuraron definir y legitimar sus identidades en, con y por el tiempo.

comunicación; política; periodismo; dictadura; democracia

Résumé

Le but de cet article est de problématiser le processus d'institutionnalisation de la grande presse brésilienne, conçue sous l'angle d'un autre “quatrième pouvoir”, entre dictature et démocratie. L'analyse sera basée sur les journaux Folha de S. Paulo et O Globo, deux entreprises qui, de la modernisation autoritaire qu'elles ont subie pendant la dictature à leur position d'agents incisifs dans le processus de redémocratisation, ont suivi des processus souvent ambigus et tortueux. À cette fin, le texte entend identifier, à certains moments de l'histoire des journaux, des caractéristiques permettant de configurer la recherche d'une autorité de ces acteurs devant la scène de la représentation politique, indispensable pour comprendre comment les journaux cherchent à définir et à légitimer leurs identités dans, avec et par le temps.

communication; politique; journalisme; dictature; démocratie

Introdução

O cenário político brasileiro viveu nos últimos anos tempos esquizofrênicos. Desde a ampliação das investigações da Operação Lava Jato e com a gradativa crise institucional que se incrustou após o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, com o golpe parlamentar de 2016, é perceptível um clima de instabilidade, alimentado constantemente pela defesa de posições muitas vezes exacerbadas: brados de ódio contra o então governo e a corrupção, passando por discursos contra o eterno mal do comunismo e pedidos de intervenção militar descortinavam (mais uma) evidente crise de nossas instituições democráticas.

Sintoma de uma conjuntura em que todos emitem suas opiniões e se dizem portadores de verdades irrefutáveis, há também a ampliação de polarizações generalizadas, potencializadas durante as últimas eleições presidenciais e claramente perceptíveis durante os primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro. Nesse cenário, obviamente, o jornalismo não passa incólume. Pelo contrário, passa a exercer um reconhecido protagonismo no processo de polarizações políticas. Paradoxalmente, por outro lado, é possível diagnosticar um momento de certa crise de representação desse mesmo jornalismo, em especial o da chamada “grande imprensa”, que engloba os tradicionais conglomerados, que têm visto sua autoridade minar gradativamente com o advento das chamadas fake news e a famigerada era da “pós-verdade”2 2 Não vamos nos ater ao contexto do golpe de 2016 e seus desdobramentos decorrentes das eleições de 2018, porque partimos da premissa de que ele instaura um novo – porém nem tão inédito – ciclo nas conturbadas relações entre mídia e política no país, demarcando inclusive o próprio estatuto de “autoridade” que circunda esse jornalismo. Este artigo se limita a um recorte temporal que antecede essa conjuntura, justamente porque pretende problematizar e situar historicamente a configuração de uma relação entre mídia e política, que vai desembocar neste atual panorama de “crise”. Com isso, procuramos circunscrever algumas hipóteses sobre as quais o artigo em questão apenas direciona olhares, ainda que pretenda delimitar caraterísticas particulares dessa imbrincada relação. Para uma breve análise sobre pesquisas recentes em comunicação e política decorrentes dessa conjuntura, consultar o dossiê especial da Contracampo (2018). .

Fato é que, em momentos de delicada conjuntura política, como os que temos presenciado cotidianamente, o chamado jornalismo “profissional” do Brasil comumente acaba por se portar como uma espécie de arauto da legalidade democrática, nos mostrando como são sutis os contornos de uma instituição que se pretende mais “verdadeira” do que as outras, sob a premissa de que pratica um jornalismo o mais isento, objetivo e plural possível. Isso porque, em momentos de crise, seu papel parece ser sempre o de demarcar espaços de competência específica. Foi assim que ele agiu também, para nos atermos a um exemplo bastante paradigmático, na busca pela ordem durante a “revolução democrática” que instaurou uma ditadura militar no Brasil em 1964.

Atuando como agente autorizado a intervir diretamente na vida política, orientando as instituições a se direcionar da maneira “correta” em prol do bem comum, essas instituições acabam exercendo o papel de um “outro” quarto poder (Albuquerque, 2000Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000.). Seu compromisso político é pautado pelo viés de uma espécie de “poder moderador”, atuação que, conforme veremos, tem se intensificado ao longo do processo de redemocratização do país.

Delineado esse breve panorama, a proposta central do artigo é a de problematizar como a grande imprensa no Brasil – nos atendo aos casos da Folha de S. Paulo e de O Globo – alcança ou pretende assumir em seus discursos um suposto estatuto de autoridade ante a cena política com o intuito não apenas de se autolegitimar, mas de circunscrever um espaço de representação digno de ser reconhecido como autorizado e mais “verdadeiro”, pela forma como historicamente se apropria das práticas jornalísticas.

Quando falamos de “autoridade”, nos referimos ao conceito de Zelizer (1992)Zelizer, B. Covering the body: the Kennedy assassination, the media, and the shaping of collective memory. Chicago; London: University of Chicago Press, 1992., que a caracteriza como sendo uma “fonte de conhecimento codificado” capaz de orientar as pessoas sobre determinados padrões de ação, estruturando os modos pelos quais elas compreendem o mundo. Ao orientar tais padrões, a autoridade criaria assim uma comunidade particular entre os atores que proferem seus discursos, mantendo-os congregados sob certas premissas. É a partir dessas comunidades e da suposta autoridade portada por elas que o jornalismo acabaria por trabalhar para manter versões “autorizadas” sobre determinados eventos públicos, moldando a realidade dos acontecimentos sob seus próprios termos.

O que pretendemos é efetivar uma análise – ainda que apenas traçando aspectos gerais da constituição desses periódicos – para delinear algumas hipóteses de pesquisa sobre a sempre ambígua e conturbada relação entre os sistemas de mídia e as instituições políticas do país. Como essas relações têm se entrelaçado à(s) identidade(s) e discursos do jornalismo, configurando e conduzindo a forma de pensar as rupturas e aproximações entre o sistema midiático e a política no Brasil? Podemos, a partir de certas categorias de análise, aproximar essas relações? É possível, a partir delas, pensar inclusive a própria história dos jornais em questão, seu processo de modernização e a legitimação de uma aparente autoridade, circunscrita entre a ditadura e a democracia? É o que pretendemos responder a seguir.

Sistemas políticos e midiáticos no Brasil: pensando “às margens” de um modelo comparativo

Os modelos propostos por Hallin e Mancini (2004)Hallin, D. C.; Mancini, P. Comparing media systems: three models of media and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. para caracterizar diferentes relações entre sistemas midiáticos e políticos foram cruciais para perceber, na bibliografia recente, certas particularidades das práticas e culturas político-midiáticas ao redor do mundo. Seus modelos ajudaram a pensar categorias analíticas a partir de determinados tipos ideais que, obviamente, foram demonstrando certas fragilidades com o tempo. Em decorrência desses estudos, o Brasil foi muitas vezes comparado ao modelo “pluralista polarizado”, caracterizado, em certa medida, pelos seus jornais de baixa circulação orientados a uma elite, pela centralidade da mídia eletrônica, por um desenvolvimento tardio do sistema midiático e por um relativamente alto nível de paralelismo político. Há também que se considerar que esse modelo caracteriza países que passaram por períodos de autoritarismo e, na maioria dos casos, vêm de um processo recente de redemocratização (Azevedo, 2006Azevedo, F. A. “Mídia e democracia no Brasil: relações entre o sistema de mídia e o sistema político". Opinião Pública, Campinas, vol. 12, n° 1, p. 88-113, abr.-maio, 2006.).

Em 2012, há um considerável esforço por parte dos autores para estimular a releitura de sua obra, com a publicação de Comparing media systems beyond Western world (Hallin e Mancini, 2012Hallin, D. C.; Mancini, P. (eds.). Comparing media systems beyond Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.), coletânea com uma série de estudos que ampliam as noções propostas no livro anterior (Hallin e Mancini, 2004Hallin, D. C.; Mancini, P. Comparing media systems: three models of media and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.). No caso específico do Brasil, é exemplar o trabalho de Albuquerque (2012Albuquerque, A. On models and margins: comparative media models viewed from a Brazilian perspective. In: Hallin, D. C.; Mancini, P. (eds.). Comparing media systems beyond Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012., 2013Albuquerque, A. “Media/politics connection: beyond political parallelism”. Media, Culture & Society, vol. 35, p. 747-763, 2013.), que pretende pensar à margem dos modelos propostos anteriormente e, a partir da realidade brasileira, relativizá-los em suas especificidades. O autor dá um salto ainda mais significativo quando pretende relativizar efetivamente a categoria de “paralelismo político” e pensar outras problemáticas para análise de modelos comparados. Segundo o autor, essa categoria, aplicada quase que de forma universal, não é válida, por exemplo, quando identificamos padrões instáveis de relacionamento entre mídia e política. Para ele, seria interessante, como proposta de orientação, nos atermos ao grau de competitividade do sistema político e ao grau de estabilidade/instabilidade nas relações entre mídia e política, criando assim quatro grupos básicos que podem ser percebidos nos ambientes de comunicação: competitivo/estável, competitivo/instável, não competitivo/estável e não competitivo/instável3 3 Por sistema político “competitivo” entendemos os casos em que há efetivamente uma rotatividade de poder institucionalizada, o que não se limita a sistemas estritamente democráticos, por exemplo. Já a variável “estabilidade/instabilidade” está relacionada às tensões que possam ou não ocorrer entre um sistema e outro, caracterizando a “instabilidade”, no caso particular da leitura que faz este artigo, como “ataques” vindos da mídia em relação à política. Com isso, queremos nos utilizar dessas categorias como um olhar metodológico que nos possibilite perceber em que medida o contexto de um possível sistema “não competitivo”, por exemplo, pode ter auxiliado a configurar o processo de modernização do jornalismo “profissional” no Brasil, visto que àquele momento os sistemas midiáticos mantiveram, em tese, uma relação “estável” com a política e os ditames do poder que então se constituíam. À medida que o próprio sistema foi se tornando mais “competitivo” e, portanto, mais “instável”, essas relações foram se configurando de maneira mais complexa, ambígua e conflituosa, fazendo com que o jornalismo angariasse para si certa autoridade em relação ao sistema político em curso. Nesse sentido, não queremos pensar essas categorias como “coisas” institucionalizadas e condicionantes do processo de modernização do jornalismo propriamente dito, mas como possibilidades interpretativas para historicizar esse processo, nos auxiliando a perceber essas nem sempre tão aparentes relações. .

A partir de uma apropriação particular da leitura de Albuquerque (2012Albuquerque, A. On models and margins: comparative media models viewed from a Brazilian perspective. In: Hallin, D. C.; Mancini, P. (eds.). Comparing media systems beyond Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012., 2013Albuquerque, A. “Media/politics connection: beyond political parallelism”. Media, Culture & Society, vol. 35, p. 747-763, 2013.), procuramos pensar essas categorias não para realizar análises comparativas e/ou estritamente delimitadas, mas para historicizar o próprio processo de institucionalização do chamado jornalismo “profissional” no Brasil em sua ambivalente relação com os sistemas políticos, entre a ditadura e a democracia. Nos ateremos, em particular, aos casos da Folha de S. Paulo (Folha) e de O Globo, jornais praticamente contemporâneos, surgidos em meados da década de 1920, mas que se modernizaram e se constituíram efetivamente como grandes grupos de mídia apenas na década de 1960, período da dita modernização conservadora imposta pelo regime militar. São, ademais, duas empresas que ainda exercem grande protagonismo naquilo que podemos definir como uma “grande imprensa” no país. Influência e magnitude que foram gradativamente adquiridas pela aproximação com os ideais impostos pelo regime no período militar e dos quais ambas foram, ao longo do tempo, sutilmente tentando se desvencilhar.

Por mais que durante o processo de retomada da democracia essas empresas tenham articulado relações díspares em relação aos sistemas políticos, há ainda um forte ranço da tradição conservadora autoritária nesses jornais, que é sempre diluído sob o pretexto de que estes se pautam, acima de tudo, pelo viés da objetividade, da pluralidade e do apartidarismo em relação à vida política nacional. Essas apropriações discursivas acabaram historicamente por legitimá-los como um dos principais representantes do “bom” jornalismo praticado no país, autorizando as “verdades” circunscritas pela produção de seus acontecimentos (Dias, 2018Dias, A. B. "A verdade dita é dura: 'histórias da verdade' do/no jornalismo e a ditadura militar no Brasil". Tese de doutorado em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.).

Ao realizar algumas análises bastante pontuais ao longo da história desses periódicos, procuramos entender como essas relações se encadeiam em “processos” (Roudakova, 2012Roudakova, N. Comparing processes: media, “transitions”, and historical change. In: Hallin, D. C; Mancini, P. (eds.). Comparing media systems beyond Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.) que muitas vezes extrapolam os próprios modelos interpretativos em questão e que nos fazem pensar – para além de comparações estritamente delimitadas das categorias – em que sentido elas nos permitem observar características particulares de nosso próprio sistema midiático em sua relação com a política. Dessa forma, pretendemos demonstrar como esses jornais podem ser interpretados a partir de pelo menos três das quatro categorias propostas por Albuquerque (2013)Albuquerque, A. “Media/politics connection: beyond political parallelism”. Media, Culture & Society, vol. 35, p. 747-763, 2013.. Durante a ditadura, por exemplo, em que podemos afirmar que ocorreu um processo de consolidação financeira dessas empresas, havia uma política “não competitiva” e relações relativamente “estáveis” entre mídia e política, basta lembrar o forte apoio que praticamente toda a grande imprensa deu ao golpe civil-militar de 1964 e ao seu consequente processo de legitimação institucional. Essa situação foi mudando, gradativamente, mas nem sempre de forma tão aparente. Apesar de o sistema político continuar, de certo modo, “não competitivo”, alguns jornais – em especial, a Folha – começaram a articular de forma mais “instável” sua relação com o sistema vigente. Já durante o processo de redemocratização e na medida em que a “competitividade” na política foi se tornando cada vez mais evidente, as relações com o sistema midiático se desestabilizaram em ambíguas e complexas relações.

Partimos da hipótese, portanto, de que essas categorias analíticas podem nos auxiliar a historicizar um percurso que, conforme poderemos perceber, se constrói por relações complexas, ambíguas e muitas vezes até mesmo contraditórias. Daí a importância de encará-las de forma maleável, exploratória e indiciária, cientes de que o presente artigo nos possibilitará enxergar apenas algumas possibilidades interpretativas que, por si sós, demandariam um olhar mais delimitado e qualitativamente aprofundado. Isso porque buscamos categorizar um sistema de mídia que ainda mantém resquícios de sua “moderna tradição”, utilizando políticas próprias para se (a)firmar no cenário político em determinadas circunstâncias, ainda mais se a colocarmos enquanto um “quarto poder” em nossa democracia (Albuquerque, 2000Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000.). O que aqui pretendemos é justamente problematizar essa imprensa, que, a partir da modernização autoritária que sofreu durante a ditadura, caminhou ambivalentemente entre sistemas políticos diversos, o que a tornou, portanto, também diversa e multifacetada.

Não competitivo e estável (1964-1974): da modernização conservadora à (re)configuração da grande imprensa na ditadura militar

O processo de institucionalização de um jornalismo “moderno” no Brasil se deu, segundo as análises recorrentes, a partir de meados da década de 1950. Esses estudos são praticamente unânimes em afirmar que o processo de modernização desse jornalismo se iniciou – ainda que discursivamente – com a reforma de alguns jornais cariocas que, importando ideais da objetividade e do apartidarismo inspirados em um modelo do jornalismo norte-americano, implementaram novas técnicas de redação e políticas editoriais e novos projetos gráficos, os quais foram significativos para impulsionar o fazer jornalístico no país. Ao se instaurarem como uma espécie de “mito” fundador de um moderno jornalismo brasileiro, essas modificações foram fundamentais para criar, acima de tudo, marcos memoráveis para cristalizar uma prática vista como pioneira que, aos poucos, tentava se emancipar da literatura e da política, definindo o jornalismo como um campo autônomo e legítimo (Albuquerque, 2008Albuquerque, A. “Aconteceu num carnaval: algumas observações sobre o mito de origem do jornalismo brasileiro moderno”. Eco-Pós, vol. 11, n° 2, p. 95-116, ago.-dez. 2008.; Barbosa, 2007Barbosa, M. História cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.; Ribeiro, 2007Ribeiro, A. P. G. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro: E-papers, 2007.).

A década de 1950 é vista, portanto, como a fase em que começa a se delinear a “nova” imprensa brasileira, aparentemente livre das amarras partidárias e das paixões políticas, livre do “amadorismo” e do “improviso”. Nesses discursos, o Diário Carioca é considerado peça fundamental, uma vez que teria implementado o primeiro manual de redação do jornalismo brasileiro, mudando significativamente os rumos dessa atividade. O jornal, protagonista de uma espécie de marco fundador da atividade profissional no país, irá influenciar as reformas de outros periódicos, legitimando a institucionalização de uma modernização autoritária do jornalismo brasileiro (Albuquerque, 2010Albuquerque, A. “A modernização autoritária do jornalismo brasileiro”. Alceu, vol. 10, n° 20, p. 100-115, jan.-jun. 2010.).

No entanto, esta seria considerada ainda uma fase “pré-industrial” da moderna imprensa brasileira, a se consolidar de forma mais característica nas décadas seguintes. Vale frisar também que a década de 1950 foi, politicamente, bastante efervescente. A lógica de um jornalismo “moderno” evidentemente não se constituiu num crescente ininterrupto, mas com base em rupturas e processos muito mais instáveis. Nos casos específicos da Folha e de O Globo, por exemplo, é válido lembrar que de fato não ocorreram mudanças “modernizantes” significativas para essas empresas na década em questão. O Globo já era um dos jornais cariocas de maior tiragem no período, mas sem necessariamente a força política que veio a conquistar posteriormente. A análise de Ribeiro (2007)Ribeiro, A. P. G. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro: E-papers, 2007., uma das mais contundentes sobre o período, sequer cita o jornal como sendo um dos pioneiros nesse período da dita modernização do jornalismo brasileiro. As Folhas – ainda publicadas em edições diárias separadas sob os nomes de Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite – também eram jornais de praticamente pouca representatividade nos anos 1950. Por mais que seja decorrente desse processo, podemos afirmar que a modernização para esses jornais se daria de forma mais tardia e sob fatores que estão, a princípio, muito mais imbricados às relações com o sistema político que irão se costurar nas décadas seguintes.

É com a deflagração do regime militar, a partir dos anos 1960, que se inicia um projeto efetivo de institucionalização daquilo que poderíamos chamar de uma “modernização conservadora” no Brasil, alavancada pelo processo de consolidação da indústria cultural proporcionado pela ditadura. Como bem alertou Ribeiro (2007Ribeiro, A. P. G. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro: E-papers, 2007., 2014Ribeiro, A. P. G. Os anos 1960-1970 e a reconfiguração do jornalismo brasileiro. In: Sacramento, I.; Matheus, L. C. (orgs.). História da comunicação: experiências e perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.), a história da modernização da imprensa no Brasil “é também a história do desaparecimento de parte dela”. Essa é a fase em que se consolidam efetivamente os grandes conglomerados midiáticos, padronizando uma mentalidade empresarial que acabou por “despolitizar” a concepção do fazer jornalístico (Ortiz, 1989Ortiz, R. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1989.; Taschner, 1992Taschner, G. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1992.). A “moderna” Folha de S. Paulo tem seu marco com a gestão dos Frias, que se inicia na década de 1960. O jornal, comprado pela família juntamente com Carlos Caldeira Filho, passava por uma séria “esclerose administrativa”, segundo seus próprios dirigentes, e necessitava, naquele momento, realizar consideráveis ajustes econômicos que, obviamente, não seriam possíveis sem uma aproximação com os militares4 4 Sobre a história do periódico, consultar: Mota e Capelato (1981), Taschner (1992), Pilagalo (2012) e Dias (2014). . No caso das Organizações Globo, já é conhecido o caso das aproximações da família Marinho com o grupo norte-americano Time-Life (Herz, 1986Herz, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Editora Tchê!, 1986.), que, sob conluio dos militares, fez com que sua rede de televisão, recém-inaugurada, conquistasse amplitudes significativas, moldando a estrutura de um sistema midiático que perdura praticamente incólume até os dias de hoje5 5 Laranjeira (2009) argumenta que essas relações de compadrio foram responsáveis pela formação daquilo que ele denominou de “capitanias hereditárias” da mídia brasileira, cruciais para consolidar a hegemonia das Organizações Globo, por exemplo. .

Portanto, as décadas de 1960 e 1970 foram cruciais para reconfigurar uma relação política clientelista que, pelo viés do Estado, garantiu uma modernização efetiva aos grandes conglomerados de mídia. Por meio do vínculo com o poder e pelas relações políticas, construíram-se estratégias empresariais que iam muito além das meras táticas de sobrevivência econômica. O que foi possível presenciar nesse período foram estratégias políticas fundamentais que aproximaram essas empresas das cercanias do poder (Barbosa, 2006Barbosa, M. “Imprensa e poder no Brasil pós-1930”. Em Questão, Porto Alegre, vol. 12, n° 2, jun.-dez. 2006.). Um ambiente político não competitivo garantia estabilidade àqueles que resolveram acatar. Houve forte adesão da grande imprensa à autocensura, que a naturalizou numa espécie de “rotina” nas redações (Smith, 2000Smith, A. M. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.), e, com base nessa conjuntura, muitas empresas construíram o discurso do “jornalismo possível”, como se nada mais pudesse ser feito a não ser silenciar6 6 Obviamente a relação dos jornais com a censura não se deu de forma tão simples e “naturalizada” como pode parecer. Sobre esse tema, vale a leitura da obra de Kushnir (2004). . Há hoje uma ampla e crescente bibliografia que discorre sobre o papel das mídias no apoio ao golpe civil-militar e as relações que a partir daí se estabeleceram (Dias, 2014; Laranjeira, 2014Laranjeira, A. N. A mídia e o regime militar. Porto Alegre: Sulina, 2014.; Silva, 2014; Costa, 2015Costa, E. Mea culpa: O Globo e a ditadura militar. Florianópolis: Insular, 2015.). No entanto, ainda perdura na narrativa dessas empresas o discurso de que o apoio à ditadura, quando houve, se deu sob conjunturas bastante pontuais e particulares7 7 Vide o recente mea culpa protagonizado pelo Globo e a repercussão do caso da “ditabranda” na Folha. Para uma análise mais detalhada sobre as relações dos jornais com a ditadura militar nesse conturbado cenário, consultar Dias (2018). . Vale frisar que existe uma diferença significativa entre o apoio dado a um golpe de Estado e o apoio constante e legítimo a um regime que perdurou por praticamente duas décadas. Podemos afirmar seguramente que, ao menos na primeira década de ditadura, os dois jornais aqui analisados mantiveram uma relação praticamente estável com o campo político e o governo dos militares. Nesse período, obviamente, tivemos casos significativos de uma imprensa combativa, com muitos jornais, inclusive, sendo empastelados e muitas vezes fechados. Mas, em geral, o que se consolidou nessa fase foi um forte e mútuo apoio institucional entre os sistemas midiáticos e políticos (Dias, 2014Dias, A. B. O presente da memória: uso do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda”. Jundiaí: Paco Editorial, 2014., 2018Dias, A. B. "A verdade dita é dura: 'histórias da verdade' do/no jornalismo e a ditadura militar no Brasil". Tese de doutorado em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.). A abertura lenta e gradual que se daria mais à frente foi, acima de tudo, segura, garantindo assim estabilidade e autonomia para ambos os sistemas.

Não competitivo e instável (1974-1985): da ditadura à democracia, a imprensa assume um protagonismo

Sabemos que corremos certos riscos ao delimitar em “fases” essa conjuntura tão dinâmica e complexa. Primeiro, porque a questão da competição e da estabilidade/instabilidade entre os sistemas políticos e midiáticos não se deu assim de forma tão estrita, como já salientamos acima. Segundo, porque a própria história dos periódicos aqui analisados não caminhou de forma tão equidistante. No caso de O Globo, a “instabilidade” em sua relação com a política veio a ocorrer de fato apenas com a instauração do regime democrático, o que não nos deixa afirmar com segurança que houve realmente um processo de “ataques” diretos ao regime vigente8 8 A análise de Costa (2015) considera, por exemplo, que foi só com a cobertura de O Globo sobre o caso do Riocentro, em 1981, que se efetivou um considerável “ponto de virada” no posicionamento do jornal em relação à ditadura. . Após mais de duas décadas de ditadura militar, em outubro de 1984, o jornal publicou em editorial de capa um longo texto que fazia um “Julgamento da Revolução” e que, para nós, parece explicitar bem a questão de como a empresa ainda se portava naquele momento:

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. (...) Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura que deverá consolidar-se com a posse do futuro presidente. Temos permanecido fiéis aos seus objetivos, embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o Marechal Costa e Silva, “por exigência inelutável do povo brasileiro”. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um “pronunciamento” ou “golpe” com o qual não estaríamos solidários (O Globo, 1984, grifo meu).

Justificando sua atuação sempre em prol dos benefícios do povo e da nação, o jornal deixa claro seu posicionamento: participou diretamente e apoiou o movimento militar do início ao processo de abertura. Importante frisar que esse texto fora publicado meses após as intensas manifestações das Diretas em todo o país, momento em que o regime, por mais que caminhássemos para mais uma eleição indireta para presidente, já dava claros sinais de vivenciar um processo de esgotamento9 9 É conhecido também o caso do “boicote” das Organizações Globo à campanha das Diretas. Um erro que, tempos depois, a própria empresa acabou por assumir publicamente, ainda que de forma relativa. A retratação da empresa pode ser consultada em Memória O Globo (2013a). . A própria utilização do termo “revolução” para caracterizá-lo evidencia também sob que perspectiva o jornal encarava aquele governo. Então, pelo que se pode perceber, a estabilidade prevaleceu intacta entre a empresa e o sistema político durante praticamente todo o período de ditadura militar. É válido pontuar isso porque ainda prevalece em algumas narrativas oficiais produzidas por essas empresas a ideia de que o que houve foi um apoio ao golpe, logo refratado por uma postura mais combativa. Tudo, portanto, por um bem comum: a legalidade democrática. De apoiadores da “revolução democrática” aos baluartes da redemocratização, os jornais acabam passando a imagem que seguiram incólumes sempre em prol do bem comum da nação. Podemos perceber isso quando O Globo, em 2013, ao efetivar seu mea culpa em relação ao apoio ao golpe militar, acaba citando o próprio editorial de 1984. Afirmava que sua defesa naquele momento não eram “palavras vazias”, pelo contrário, uma vez que “em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade” (Memória O Globo, 2013b). Independentemente das “encruzilhadas” que possa ter passado, a questão é que, sob bases “estáveis”, a empresa adentrou o regime democrático com força significativa para exercer um considerável protagonismo nos anos vindouros. As Organizações Globo foram, inclusive, partícipes do processo de transição política, uma vez que Roberto Marinho, beneficiado largamente ao longo do regime militar, sempre esteve muito próximo do poder, como veremos adiante (Herz, 1986Herz, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Editora Tchê!, 1986.; Bial, 2004Bial, P. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.). Já o caso da Folha se torna um pouco mais complexo e tortuoso, deixando claro que podemos sim caracterizar esse período como de certa “instabilidade” das mídias em relação aos ditames do regime militar. Devemos, no entanto, analisar com cautela esse momento histórico para não confundir nossa interpretação com os discursos oficiais propagados pela empresa na tentativa de legitimar sua própria história em relação àqueles idos. Seu processo de “abertura”, com a emergência de posicionamentos mais combativos em relação ao regime, se torna mais visível a partir de um caminho que começa a ser delineado já em meados da década de 1970. Mota e Capelato (1981)Mota, C. G.; Capelato, M. H. História da Folha de S. Paulo (1921-1981). São Paulo: Impress, 1981.10 10 Considerado um dos livros “oficiais” sobre a história do jornal, encomendado pela direção da empresa para a comemoração de seu sexagenário. afirmam que é a partir de 1974 que a empresa passa a buscar um projeto político mais definido, caracterizando essa fase como de “fermentação crítica” do jornal. Há aqui, segundo os autores, mudanças significativas que já vinham sendo implementadas, como a contratação de jornalistas tidos como mais combativos, capitaneados por Cláudio Abramo na direção de redação, e a ampliação de páginas de opinião e debate.

No entanto, é preciso pensar em que termos se construiu o discurso sobre a definição de uma postura política desses jornais. Se consultarmos a edição de 31 de março de 1974 da Folha, para nos atermos a um caso específico, é possível perceber como o jornal fazia sua apologia àquilo que ele definiu como o “modelo brasileiro”. Modelo que vinha aperfeiçoando a economia do país nos últimos anos e que, segundo o jornal, teria, a partir de 1964, “recolocado os bois adiante do carro”, criando condições para o Brasil alcançar uma democracia econômica, “pressuposto de uma democracia política” (Folha de S. Paulo, 1974). Por mais que as críticas já fossem pontualmente aparecendo, no caso da Folha ela se dá em um momento de plena apologia aos preceitos do “milagre econômico” imposto pelos militares. É evidente então que, se o jornal cresceu sob essas bases, de certa forma precisava ignorar que nesse mesmo período vivia-se o período dos “anos de chumbo”. É uma postura dicotômica que esconde as ambivalências do período e revela como esses embates são travados para garantir legitimidade às narrativas do jornal.

Na história da empresa, há outro caso notório, considerado o grande divisor político de seu posicionamento de efervescência crítica, o “caso Diaféria”, em 1977. Basicamente, uma crônica publicada pelo jornalista Lourenço Diaféria que fazia críticas sutis à hierarquia militar, o que gerou uma série de complicações ao jornal. Após o autor da coluna ter sido intimidado e preso, Frias, como forma de protesto, se afastara formalmente da direção do jornal, e a Folha deixou momentaneamente de publicar editoriais e, posteriormente, demitiu Claudio Abramo da direção de redação. Esse caso é apontado por Silva (2011)Silva, S. M. M. "A operação midiográfica: a produção de acontecimentos e conhecimentos históricos através dos meios de comunicação – a Folha de S. Paulo e o golpe de 1964". Tese de doutorado em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. como um importante “acontecimento libertação”, que auxiliou no respaldo de uma narrativa oficial, caracterizando o jornal como sendo um dos que mantiveram uma postura agressiva e, portanto, sofrera as devidas censuras e represálias durante o regime. Claudio Abramo (1988)Abramo, C. A regra do jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. afirmou, em sua autobiografia, que a partir daí o jornal começa a demitir uma série de jornalistas considerados “trouble makers” e que, portanto, poderiam complicar a relação da empresa com a proposta de abertura. Apesar disso, relatava que nessa época muito provavelmente houve um “acordo tácito” entre a empresa e o regime para que o processo de transição fosse realizado da forma mais pactuada e segura possível, sendo que a Folha enxergou aí uma possibilidade de ampliar seu próprio mercado de atuação. Mas a postura da empresa em relação aos seus jornalistas “trouble makers” foi mais complexa do que aparentava. Ser de esquerda não necessariamente significava um problema para o jornal, uma vez que muitos desses jornalistas também ajudaram em suas estratégias, quando isso ocorria nos limites da legalidade. De acordo com Albuquerque e Roxo (2007)Albuquerque, A.; Roxo, M. “Preparados, leais e disciplinados: os jornalistas comunistas e a adaptação do modelo de jornalismo americano no Brasil”. E-Compós, vol. 30, n° 2, ago. 2007. e Roxo (2013)Roxo, M. A. “A identidade jornalística: profissionalismo, populismo e representação política”. Anais do 37º Encontro Anual da Anpocs, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Águas de Lindoia, SP, 2013., é importante também pensar no papel que esses atores tiveram na consolidação de um “ethos jornalístico” particular. Postura que foi importante para adaptar, a partir da disciplina e da hierarquia, sua lógica ao ambiente autoritário dos jornais conservadores e legitimar o mito da modernização e profissionalização do jornalismo11 11 Situação que é bem perceptível também no caso de O Globo. O projeto Memória Roberto Marinho (2013) afirma que o jornalista fez verdadeiros “malabarismos para garantir a liberdade de informar seus leitores. Durante a ditadura militar, manteve-se firme contra a perseguição a jornalistas de esquerda e, em momentos-chaves do regime, procurou dialogar em busca do restabelecimento da normalidade democrática”. O texto ainda afirma que, em certa ocasião, Marinho fora abordado pelo então ministro da Justiça do governo Castello Branco, Juracy Magalhães. Questionado sobre o porquê de sua empresa empregar tantos comunistas na redação, respondeu com uma frase que ficou célebre: “porque eles sabem fazer jornal. (...) Ministro, o senhor faz uma coisa, vocês cuidam dos seus comunistas, que dos meus comunistas cuido eu”. Assim, os jornais legitimavam ao mesmo tempo seu viés combativo e o protagonismo assumido nas lutas e resistências contra os desmandos do poder. .

O que vale para nossa análise é perceber que sob esses embates a Folha também adentrava a década de 1980 politicamente fortalecida, embora por vias diferentes que as de O Globo. Sua postura combativa vai se delineando mais claramente a partir das propostas de um “projeto político” para o jornal, marco da nova identidade da empresa, baseado na ideia de um jornalismo crítico, plural e apartidário. Em 1981, ao publicar um projeto sobre os “passos que é preciso dar”, o jornal almejava transformar-se em um “ser ativo”, definindo assim uma espécie de “cartilha” a ser seguida por seus dirigentes naquele conturbado processo de transição. Seguro de si, o jornal afirmava:

Parece especialmente fora de dúvidas que a Folha vem prestando, de forma concreta, um serviço útil à democracia pela publicação honesta dos fatos e pela divulgação de um amplo painel de ideias, em artigos ou em debates realizados no jornal (Folha de S. Paulo, 1981).

Como um espaço privilegiado para conduzir os debates da transição democrática, o jornal vai assim assumindo seu protagonismo em prol da democracia. Mas, ciente da conjuntura de crise e instabilidade política pela qual o país passava, exigia cautela para

impedir qualquer arranhão na linha de independência que vimos trilhando (...). A manutenção do princípio da independência, portanto, exige uma atitude firme e justa, sem hesitações quanto à sua aplicação (Folha de S. Paulo, 1981).

Um ator político ativo e livre das amarras das hesitações políticas, era essa a imagem que pretendia passar a Folha no processo de transição democrática. Mas para isso era preciso certa autoridade, atitude firme para assumir a dianteira e evitar desvios que poderiam arranhar sua nova postura. “Credibilidade exige responsabilidade”, afirmava mais um texto do projeto de 1984, lançado após a aparentemente bem-sucedida campanha das Diretas protagonizada pelo jornal. Com a autoridade de um líder, não hesitava em firmar uma posição clara diante de seus leitores: “Antes da campanha, era difícil ignorar a Folha; depois dela, tornou-se impraticável” (Folha de S. Paulo, 1984).

É sob essas bases que o jornal publica em 1984 a primeira edição de seu já conhecido Manual de Redação. Com ele a Folha reivindica uma efetiva participação na vida política do país, atuando como uma espécie de mediadora nas relações entre os cidadãos comuns e as instituições políticas. O jornal, portanto, assume-se como ator político legítimo baseado em um modelo específico de contrato representativo que é de ordem comercial. Assim, quando o leitor compra seu jornal,

Ele delega à Folha autoridade para agir em seu nome junto às instituições. (...) Mas como o jornal exerce esse mandato: atuando novamente sobre os leitores, “formando a sua opinião” e, desta forma, pressionando as instituições12 12 Otavio Frias Filho vai definir esse “contrato entre cúmplices” como algo que se dá de forma quase que “vampiresca”: “O vampiro só ilude quem manifesta o anseio de ser iludido (...). O marketing jornalístico não manipula a curiosidade do público, pois lhe falta poder para tanto. Manipula, sim, a atribuição de uma curiosidade ao público e fica à espera de sua resposta. (...) quero que o jornal me diga o que é verdade e o que não é, o que está certo e o que está errado, porque a ideia de que não existe ‘verdade’ nem ‘certo’ é intolerável para mim e não posso conviver com ela. Preciso ter certezas como preciso de um deus, cristão, muçulmano, seichonoiê. A força dos jornais é infelizmente o espelho da minha fraqueza, sou vampirizado na ideologia. Porém exijo alguma coisa em troca. Quero ética, por exemplo, no mundo público do qual os jornais são as portas (...). Quero que o meu jornal seja destemido; ele saberá dar a impressão de que é; quero que ele seja independente; é pra já, ele colocará a independência no seu dístico; quero que ele seja imparcial; ah pois não, a imparcialidade será o evangelho que ele vai pregar com toda a manha”. (Frias Filho, 1984). .

Formando a opinião de seus leitores, o jornal enuncia os termos de um contrato que apresenta sua própria ideia de como deve-se agir em uma democracia. Ao delinear de forma contundente o exercício de um papel “metapolítico”, situando-se acima das instituições políticas representativas, a Folha procura se inserir como um intérprete privilegiado dos interesses nacionais (Albuquerque e Holzbach, 2008Albuquerque, A.; Holzbach, A. D. “Metamorfoses do contrato representativo: jornalismo, democracia e os manuais da redação da Folha de S. Paulo”. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, vol. 5, n° 14, p. 149-170, nov. 2008., p. 161).

Livre das amarras do governo autoritário e fortalecida economicamente, a empresa passa a assumir, ela própria, uma autoridade política perante as conjunturas do país. Paradoxalmente, a modernização do jornalismo brasileiro nesse período configurou, portanto, as bases da legitimação autoritária de sua atuação na democracia13 13 Para uma análise bem peculiar sobre a modernização da Folha sob um viés autoritário, com base nos preceitos político-partidários do leninismo, consultar Hofmann (2013). . Os jornais passam a demarcar, a partir de então, interpretações “independentes” da cena política, definidas a partir da premissa de que praticam um jornalismo objetivo, plural e apartidário. No entanto, diferente dos moldes de um “quarto poder” herdado do jornalismo norte-americano, a grande imprensa no Brasil, sob uma espécie de “poder moderador”, assume para si o papel de um agente legítimo para intervir diretamente na vida política em situações que, para além do direito individual, possam representar um bem comum. Não bastava mais influenciar as instituições democráticas, mas conduzi-las, mais uma vez, à direção “certa” nos novos rumos da nação (Albuquerque, 2000Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000.).

Competitivo e instável (1985-2014): legitimando a autoridade da imprensa na democracia, um “outro” quarto poder

Novamente devemos frisar a maleabilidade das categorias aqui propostas. Como já alertamos acima, até que ponto podemos afirmar que O Globo, por exemplo, atravessou o período de transição democrática sob bases mais instáveis em sua relação com a política? A travessia da ditadura à democracia, se não se deu em uma relação de todo estável, foi feita, ao menos, sob uma série de concessões. Uma transição transacionada, diríamos. Na Folha, como vimos, também houve certo “acordo tácito” entre os militares e a empresa, que enxergou na conjuntura possibilidades para, além da política, garantir uma oportunidade de negócios. Mas, se no caso da Folha houve uma atitude mais combativa que marcou seu protagonismo na condução da redemocratização, em O Globo os vínculos com a política ainda se mantiveram visivelmente afetados por fortes relações de compadrio.

Pedro Bial (2004)Bial, P. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004., um importante jornalista da empresa, afirmou em sua biografia sobre Roberto Marinho que foi durante o processo de redemocratização que este teria exercido seu maior poder político, tendo sido preponderante para a consolidação da candidatura de Tancredo Neves à presidência. A escolha de seu ministério foi feita, segundo o jornalista, a partir de uma série de consultas prévias a Marinho, que, se não indicava diretamente, ao menos opinava em várias ocasiões. Há no livro um depoimento de José Sarney, sucessor de Tancredo, sobre as relações do então presidente com Marinho. Segundo Sarney, uma vez Tancredo teria afirmado: “eu brigo com o papa, eu brigo com a Igreja Católica, eu brigo com o PMDB, com todo mundo, eu só não brigo com o Doutor Roberto” (Bial, 2004Bial, P. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004., p. 315)14 14 Essas relações eram tão próximas que o jornalista Paulo Henrique Amorim (2015) é taxativo ao afirmar que Roberto Marinho e sua empresa “copresidiam” o país no governo Sarney. .

Portanto, nesse lento processo de aproximações e rupturas, no que tange ao menos à maior “competitividade” no sistema político e sua consequente “instabilidade” em relação às instituições midiáticas, é somente com a efetiva retomada das eleições diretas, em 1989, que adentramos em uma fase de consolidação da nova democracia no país. Ciente das complexas relações que têm se estabelecido a partir de então entre os diversos atores que constituem esse cenário, iremos pontuar, agora, apenas algumas questões basilares. O importante para nós será diagnosticar situações que nos indiquem quadros de “instabilidade” a ponto de podermos caracterizar a legitimação da autoridade dessas empresas na cena política. É fato que, como aponta Singer (2001), a democracia de massa no Brasil fora praticamente “modelada” por suas relações com a mídia, a partir do momento em que ela passa a assumir seu poder de fiscalização e controle das instituições representativas. A visão de Singer, no entanto, é adepta da ideia de que o papel da imprensa seria o de “cão de guarda” do Estado, nos moldes daqueles defendidos pela imprensa norte-americana, a ponto de o autor afirmar que a redemocratização no país completou o processo de americanização da imprensa brasileira.

Há, de fato, a configuração de um “quarto poder” na imprensa brasileira, mas aqui, como já frisamos, partilhamos da noção de Albuquerque (2000)Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000. e seu olhar particular para a constituição de um “outro” poder que se legitima sob aspectos particulares. Diferente de um poder orientado pelo compromisso com o equilíbrio entre os três poderes que, no caso norte-americano, é muito pautado na busca pelos fatos da “objetividade jornalística”, no Brasil a imprensa teve um papel político muito mais ativo. Para além de contribuir com o mero equilíbrio, ela tem reivindicado certa autoridade para, em casos de disputa, intervir a fim de preservar determinada ordem pública.

Foi paradigmática, por exemplo, a atuação da mídia na construção – e posterior destruição – da imagem do ex-presidente Fernando Collor, primeiro presidente eleito via eleições diretas no período recente de redemocratização. Sob forte respaldo das instituições midiáticas, construiu-se a figura pública de uma personagem jovial e austera, o famoso “caçador de marajás”, em contraposição a um candidato de características mais agressivas e “populares”, como Luiz Inácio “Lula” da Silva. Entre idas e vindas, seu governo começou a ser caracterizado por escândalos e graves casos de corrupção, que, a partir de uma também significativa mobilização da sociedade civil, acabaram por culminar no processo de impeachment. Singer (2001) chega a afirmar que Collor fora efetivamente “derrubado” pelo sistema da grande imprensa, que, regida pelos mecanismos do mercado, criou naquele momento uma corrida por notícias exclusivas que envolviam a sua acusação. O “Collorgate”, como muitas vezes é denominado, em alusão ao caso de Watergate nos EUA, é tido como um marco no processo de maturidade política da grande imprensa nacional, momento em que as mídias assumem um forte protagonismo na cena política, policiando e intervindo nos rumos da nação15 15 Esse período, já bastante destrinchado pela bibliografia, pode ser consultado em Conti (1999) e Lattman-Weltman, Ramos e Carneiro (1994). . Mas, se no caso dos EUA o protagonismo das investigações esteve associado mais à figura do repórter individual, no Brasil os créditos foram dados, em especial, às empresas de notícia, o que nos remete mais uma vez à característica particular dessas empresas e a seu papel de “poder moderador” da política nacional (Albuquerque, 2000Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000.). A Folha, que se vangloria de nunca ter apoiado, de fato, a candidatura de Collor, protagonizou uma série de embates contra a figura do então presidente eleito. Em março de 1990, logo após sua posse, o jornal fora invadido pela Polícia Federal sob o pretexto de que emitira faturas ilegais em cruzados novos. O jornal teria encarado a invasão como uma clara tentativa de intimidação, uma vez que teria sido a única empresa alvo desse tipo de investigação (Conti, 1999Conti, M. S. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.; Pilagalo, 2012Pilagalo, O. História da imprensa paulista: jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma. São Paulo: Três Estrelas, 2012.). No dia seguinte, a empresa publicou editorial intitulado “A escalada fascista”, afirmando que se desencadeava na sociedade brasileira “esbirros de uma ditadura ainda sem nome”. Segundo o editorial, a invasão configurava um clima de “terrorismo de Estado só comparável ao dos períodos mais infames e vergonhosos da história brasileira”. A suposta audácia do presidente transformava-se em “prepotência e tirania”, evidenciando

sinais inequívocos, alarmantes e inaceitáveis de uma aventura totalitária. Não se agrediu um jornal, agrediu-se a democracia. (...) mais uma vez, quando já parecia consolidado o processo de transição para a democracia, cumpre lutar contra os inimigos da liberdade (Folha de S. Paulo, 1990)16 16 Na capa da mesma edição, Otávio Frias Filho, diretor da redação, afirmava ser a invasão um “ato estúpido e ilegal”: “Por trás dos esbirros policiais, está Collor de Melo, a quem não reconheço como presidente da República, mas como usurpador vulgar da Constituição”. .

Os embates ainda se desenrolariam até o final do ano, quando o jornal publicou supostos contratos ilegais de Collor com agências de publicidade. Collor, em vez de se manifestar, resolveu processar o jornal. A Folha, em resposta, publicou em 25 de abril de 1991 um longo editorial assinado por Otavio Frias Filho e que ocupava metade da capa da edição. Uma “Carta aberta ao Sr. Presidente da República” afirmava que, o presidente, após ter “violado a Constituição”, “humilhado o Congresso” e ter “jogado o país numa recessão profunda”, resolvera “vestir a pele de cordeiro”, sintoma evidente de sua impotência política: “Depois de vinte anos de uma ditadura que se dizia feita em nome de ideais democráticos – essa foi, aliás, a sua escola – não creio que a opinião pública esteja inclinada a tolerar uma democracia de fachada” (Frias Filho, 1991).

É interessante percebermos como o jornal aproveita o momento para respaldar sua legitimidade enquanto agente político autorizado a orientar os rumos da nação. Para Conti (1999)Conti, M. S. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., esse episódio, além de se configurar como uma crise, dava a oportunidade ao jornal para desempenhar seu papel de “resistência” na era Collor, similar ao que o Estadão tivera na era Vargas. Depois de 20 anos de ditadura, não seriam mais toleradas “democracias de fachada”, afirmava a Folha. Para isso, era preciso assumir posições com firmeza, mesmo que para tanto fosse necessário apagar rastros de um apoio ao passado ditatorial. Quem fizera escola com o regime outrora truculento e opressor fora, portanto, seu adversário, que nem mais era considerado legítimo pelo jornal. O caso Collor fortalece assim não apenas o papel dessa empresa como um agente “moderador” do quarto poder, mas a própria imagem que ela pretende passar ao seu público na democracia a se consolidar. É a partir daí que Singer (2001, p. 63) afirma, citando Giovanni Sartori, que se desenvolveu uma “parcialidade de oposição crítica”, com as mídias atuando numa espécie de “ataque permanente aos políticos, gerando uma consequente desmoralização destes e das instituições representativas”. Mas não podemos afirmar efetivamente que esses ataques eram exclusivamente contra o governo, mas também, como vimos, contra os inimigos das instituições democráticas, que se mostravam frágeis e ameaçadas por instantes de instabilidade. Era como se não coubesse à imprensa nada mais do que agir, conforme seu papel de agente político fundamental que lhe fora (auto)outorgado, garantindo assim sua autoridade em relação à representação política.

Com a entrada de Fernando Henrique Cardoso (FHC) no cenário político, no entanto, o jogo muda um pouco. Impulsionado por um novo clima de aparente tranquilidade, decorrente das políticas econômicas propostas pela implantação do Plano Real, FHC torna-se o candidato favorito da grande imprensa. Seu mandato desconstrói em parte a teoria da “consequente desmoralização das instituições representativas” citada acima e nos mostra, mais uma vez, que os embates que se travam entre as instâncias midiáticas e políticas são costurados por linhas que às vezes podem voltar a se encontrar. Seu mandato foi, em geral, cercado de aparente normalidade. Lattman-Weltman (2006)Lattman-Weltman, F. Mídia e democracia no Brasil: da “eterna vigilância” à “justa frustração”. In: Goulart, J. (org.). Mídia e democracia. São Paulo: Annablume, 2006. sustenta que isso pode ter ocorrido pela consagração de um modelo poliárquico e mercadológico que possibilitou às empresas se colocarem de forma mais confortável e “distanciada” diante das conjunturas políticas. A aparente estabilidade econômica gerou a redução de uma “mobilização (proto)partidária” dos veículos de comunicação, que, nesse momento, limitaram-se a fiscalizar um governo que seguia praticamente os rumos desejados pela imprensa para garantir a manutenção de um projeto de poder.

Estudo feito por Carvalho (2006)Carvalho, R. "A imprensa escrita na era FHC: análise dos editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo no período 1995-2002". Dissertação de mestrado em Comunicação, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2006., em que analisa os editoriais publicados por O Globo e Folha durante os dois governos de FHC, demonstra que ambos os jornais foram em geral favoráveis às principais medidas adotadas em seu mandato. A opinião dos jornais era de apoio às políticas implementadas pelo governo e as críticas surgiam na medida em que pediam a efetiva aplicação de seu programa17 17 A tese defendida por Arêas (2012) chega a afirmar, ao analisar a cobertura de O Globo sobre as privatizações do governo FHC, que o jornal atuou como uma espécie de “partido” das classes interessadas na adoção do programa neoliberal. . Vale pontuar também que o estudo de Albuquerque (2000)Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000., diversas vezes aqui citado, foi escrito em plena vigência do segundo mandato do governo FHC, momento em que, como demonstra o autor, muito se falava sobre a prática de um jornalismo “chapa branca”, feito por uma imprensa “governista” e pautada no “oficialismo” das informações. O autor citou, na ocasião, o grampo de uma conversa telefônica que ocorrera entre o então presidente da República e o ex-presidente do BNDES, Mendonça de Barros, quando estes conversavam sobre um leilão de privatização das empresas de telecomunicações. Barros, ao comentar sobre como a imprensa estaria favorável ao governo, teria recebido a seguinte resposta de FHC: “Está demais. Exagerando até... (risos)” (Albuquerque, 2000Albuquerque, A. “Um outro 'quarto poder': imprensa e compromisso político no Brasil”. Contracampo, nº 4, p. 23-57, 2000., p. 44).

Então, como esse alinhamento da imprensa não tem sido unânime, consistente ou sistemático, a questão não é ponderar se são jornais “governistas” ou de “oposição”, mas sim perceber como eles reivindicam coerência quando atuam em posições opostas em relação ao governo. Segundo o autor, isso se dá, como já frisamos aqui inúmeras vezes, pelo seu compromisso com a defesa da ordem pública e da democracia. Pensando nesse aspecto, podemos dizer que a imprensa, em um primeiro momento, foi solidária à quarta candidatura de Lula à presidência da República, que, dessa vez, assumira uma imagem mais “midiática”, proporcionada por alianças maleáveis e menos radicalizantes, o que o tornou, como afirma Lattman-Weltman (2006)Lattman-Weltman, F. Mídia e democracia no Brasil: da “eterna vigilância” à “justa frustração”. In: Goulart, J. (org.). Mídia e democracia. São Paulo: Annablume, 2006., mais “palatável” até para uma imprensa que vinha de um bom relacionamento com o governo de FHC.

O marco histórico proporcionado por sua chegada ao poder foi visto com certo otimismo e, apesar das críticas e cobranças pontuais, a imprensa não incomodou Lula em seu primeiro mandato. Mas, de acordo com Azevedo (2009)Azevedo, F. A.. “A imprensa brasileira e o PT: um balanço das coberturas das eleições presidenciais (1989-2006)”. Eco-Pós, vol. 12, n° 3, p. 48-65, set.-dez. 2009., ao analisar as imagens do PT na mídia desde 1989, foi apenas durante a campanha de 2002 que Lula tivera uma representação neutra e/ou favorável pela imprensa. Em 2006, o governo volta a ser representado de forma negativa, em uma cobertura que passa a focalizar as críticas ao viés clientelista assumido pelo partido, evidenciado pelos casos de corrupção que vêm à tona com os escândalos do Mensalão. O caso fora paradigmático para configurar uma nova instabilidade em relação ao sistema midiático e político que só tem se intensificado desde então.

Para Lattman-Weltman (2006)Lattman-Weltman, F. Mídia e democracia no Brasil: da “eterna vigilância” à “justa frustração”. In: Goulart, J. (org.). Mídia e democracia. São Paulo: Annablume, 2006., a grande imprensa, da “eterna vigilância” à “justa frustração”, depositou grandes expectativas em um partido que “não podia errar”. Desde 2006, ocorre o que o autor define como um verdadeiro retrocesso na cultura política da cobertura eleitoral, permitindo aquilo que ele define ser a ressurreição de uma das mais conhecidas “neuroses nacionais”, a “demofobia udenista”18 18 Alusão à União Democrática Nacional (UDN), partido fundado em 1945 de forte oposição a Getúlio Vargas, e composto por setores representativos da elite e da classe média nacional. Extinto em 1965, sua base praticamente migrara para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido “oficial” da ditadura militar. . Com enorme dificuldade em aceitar as decisões de voto popular, essa nova “cíclica patológica”, segundo o autor, se daria, paradoxalmente, pela própria roupagem que assumira o governo a partir de então, uma forma inédita de um “udenismo à esquerda”. Ou seja, uma crença moralista segundo a qual os problemas da nação só poderiam ser resolvidos quando o poder fosse apropriado por aqueles que “se encontrariam eticamente qualificados e verdadeiramente comprometidos com o interesse público” (2006, p. 56-57). Crença que patrocinou iniciativas que seriam consideradas “pra lá de duvidosas”, como a ideia de uma efetiva democratização das mídias, jamais toleradas por determinados setores da grande imprensa.

Parece que, nesse caso, começa a se instaurar um embate pela legitimação de autoridade perante a cena política. Afinal, a quem de fato cabe ditar os rumos da nação? Qual ator seria evidentemente qualificado e comprometido com os interesses públicos e a democracia? Num cabo de guerra politicamente antagônico, as críticas da mídia partem da ideia de uma política “lulopetista”, que convergia para um bolivarianismo populista e intolerante. No caso das propostas de regulamentação das mídias, para nos atermos a um aspecto, essa visão feria diretamente aquilo que parecia mais caro à legitimidade daqueles jornais: uma imprensa baseada na ideia do apartidarismo, do pluralismo e da independência de opinião e informação, que se dariam sem qualquer tipo de intervenção do Estado. O Globo, por exemplo, publicou editorial em setembro de 2013 para explicar o que, para ele, significava “democratização da mídia”. Comentando uma série de reportagens sobre a liberdade de expressão no governo venezuelano, afirmava que o melhor “controle social da mídia” seriam “o leitor, o ouvinte, a autorregulamentação e o controle remoto. É assim que funciona nas democracias, ainda mais em mercados competitivos como o Brasil” (O Globo, 2013). Vale lembrar também que uma das crises mais recentes à imagem da Folha, protagonizada pelo caso “ditabranda” (Dias, 2014Dias, A. B. O presente da memória: uso do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda”. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.), surgiu a partir de um editorial (“Limites a Chávez”) que fazia críticas à noção de democracia imposta pelo governo do então presidente venezuelano.

Considerações finais ou um ciclo que se (re)inicia

É perceptível que hoje vivemos um momento ainda mais delicado, em que as conjunturas políticas nos mostram um ambiente extremamente polarizado e intolerante. O jornalismo profissional que aqui analisamos teve, mais uma vez, papel preponderante na articulação do processo de “impedimento” de uma presidente democraticamente eleita. Utilizando-se de inflamados editoriais, amplas coberturas sobre protestos e manifestações, anúncios de entidades representativas e constantes matérias sobre casos de corrupção generalizada no país, suas narrativas tiveram papel incisivo para potencializar um clima de instabilidade e desordem político-social que muito favoreceu a legitimidade de sua deposição. Alimentados inclusive por uma narrativa de “criminalização da política”, esses discursos acabaram por desautorizar as instituições vigentes e a legitimidade da própria democracia em curso, fazendo com que o jornalismo profissional reivindicasse para si um papel de “porta-voz da opinião pública esclarecida”, assumindo certa responsabilidade para influir nos rumos da nação e até mesmo “corrigir o resultado das más decisões populares” (Albuquerque, 2018Albuquerque, A. "A comunicação política depois do golpe: notas para uma agenda de pesquisa". Compolítica, vol. 8, n° 2, p. 171-206, 2018., p. 179)19 19 Para uma análise mais detalhada sobre o papel do jornalismo brasileiro na destituição do governo Dilma, consultar Júnior e Sassara (2016) e Rodrigues (2018). . Nesses casos, vemos que a autoridade construída por essas empresas é empregada para, politicamente, firmá-las como espaço autorizado ante a cena de representação política. São jornais que trabalham, como estampa a Folha com total seguridade, “a serviço do Brasil”. Isso evidencia, ao mesmo tempo, que o jornalismo profissional brasileiro, dialogando com uma conjuntura aparentemente mundial dentro da esfera ocidental, tem migrado seus discursos, de um jornalismo de padrão dito catch-all, baseado em uma audiência ampla e de discurso mais generalista e “objetivo”, para um jornalismo politicamente mais ativo, de conteúdo ideologicamente engajado e enviesado, capaz de atingir públicos específicos e bem delimitados. Em um contexto de forte radicalização e polarização política, como tem vivenciado o país recentemente, esta parece ser uma clara estratégia para que muitas empresas jornalísticas potencializem o seu campo de atuação, reconfigurando-se sob um cenário mercadológico também em transformação (Lycarião, Magalhães e Albuquerque, 2018Albuquerque, A. "A comunicação política depois do golpe: notas para uma agenda de pesquisa". Compolítica, vol. 8, n° 2, p. 171-206, 2018.).

Decorrem desse cenário, por exemplo, os recentes embates travados entre a Folha de S. Paulo e o presidente Jair Bolsonaro, em virtude dos ataques feitos pelo jornal às irregularidades e esquemas de corrupção envolvendo seu governo. Para o presidente, o trabalho feito pela empresa não passava de fake news, logo, de notícias travestidas de discursos ideologicamente enviesados, demonstrando que “por si só esse jornal se acabou. Não tem prestígio mais nenhum” (Folha de S. Paulo, 2019a). Para a Folha, ao contrário, bastava apenas que Bolsonaro se “acostumasse com o fato”, já que sua empresa, com uma reputação “decantada ao longo de décadas de fidelidade ao cânone do jornalismo profissional”, não iria deixar de “escrutinar o exercício do poder” só porque seus meros “detentores de turno resolveram adotar a tática da intimidação” (Folha de S. Paulo, 2019b).

É evidente que a análise que pretendemos realizar aqui partiu apenas de algumas conjunturas particulares que necessitam de um olhar mais aprofundado e específico, pincipalmente se quisermos problematizar sob que termos o jornalismo se insere nesse contexto “pós-democrático” no qual estamos mergulhados (Contracampo, 2018). Isso porque, inferimos novamente aqui, ele desencadeia um novo, complexo e delicado ciclo dessas imbricadas relações entre os sistemas midiáticos e políticos, das quais percorremos aqui algumas pistas e possibilidades interpretativas. Com este artigo, buscamos mostrar apenas que, para além do paralelismo, a relação entre o sistema político e o sistema midiático no Brasil passou ao longo dos anos por uma espécie de “transversionalismo” tortuoso entre diversas políticas que não se relacionam diretamente a um ou outro governo. São aproximações e rupturas muito mais ambivalentes que ora penetram, ora ultrapassam essas definições e que estão relacionadas muito mais a uma postura de legitimidade e representação que a instituição jornalística pretende assumir perante a política. “Jornais não são partidos”, já vaticinou uma vez Francisco Weffort (1984)Weffort, F. “Jornais são partidos?”. Lua Nova, São Paulo, vol. 1, n° 2, set. 1984.. E, invertendo sua equação, diria que não se parecem e nem gostariam de ser. Eles portam-se em um nível que os transcende. Sua ação, obviamente política, é baseada na autoridade para, acima de tudo, buscar reconhecimento e legitimidade: “são formas de sobreviver, de durar no tempo, de permanecer na memória da comunidade, sinais de nobilitação que não vêm do berço, mas da conquista” (Weffort, 1984Weffort, F. “Jornais são partidos?”. Lua Nova, São Paulo, vol. 1, n° 2, set. 1984., p. 40).

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  • 2
    Não vamos nos ater ao contexto do golpe de 2016 e seus desdobramentos decorrentes das eleições de 2018, porque partimos da premissa de que ele instaura um novo – porém nem tão inédito – ciclo nas conturbadas relações entre mídia e política no país, demarcando inclusive o próprio estatuto de “autoridade” que circunda esse jornalismo. Este artigo se limita a um recorte temporal que antecede essa conjuntura, justamente porque pretende problematizar e situar historicamente a configuração de uma relação entre mídia e política, que vai desembocar neste atual panorama de “crise”. Com isso, procuramos circunscrever algumas hipóteses sobre as quais o artigo em questão apenas direciona olhares, ainda que pretenda delimitar caraterísticas particulares dessa imbrincada relação. Para uma breve análise sobre pesquisas recentes em comunicação e política decorrentes dessa conjuntura, consultar o dossiê especial da Contracampo (2018).
  • 3
    Por sistema político “competitivo” entendemos os casos em que há efetivamente uma rotatividade de poder institucionalizada, o que não se limita a sistemas estritamente democráticos, por exemplo. Já a variável “estabilidade/instabilidade” está relacionada às tensões que possam ou não ocorrer entre um sistema e outro, caracterizando a “instabilidade”, no caso particular da leitura que faz este artigo, como “ataques” vindos da mídia em relação à política. Com isso, queremos nos utilizar dessas categorias como um olhar metodológico que nos possibilite perceber em que medida o contexto de um possível sistema “não competitivo”, por exemplo, pode ter auxiliado a configurar o processo de modernização do jornalismo “profissional” no Brasil, visto que àquele momento os sistemas midiáticos mantiveram, em tese, uma relação “estável” com a política e os ditames do poder que então se constituíam. À medida que o próprio sistema foi se tornando mais “competitivo” e, portanto, mais “instável”, essas relações foram se configurando de maneira mais complexa, ambígua e conflituosa, fazendo com que o jornalismo angariasse para si certa autoridade em relação ao sistema político em curso. Nesse sentido, não queremos pensar essas categorias como “coisas” institucionalizadas e condicionantes do processo de modernização do jornalismo propriamente dito, mas como possibilidades interpretativas para historicizar esse processo, nos auxiliando a perceber essas nem sempre tão aparentes relações.
  • 4
    Sobre a história do periódico, consultar: Mota e Capelato (1981)Mota, C. G.; Capelato, M. H. História da Folha de S. Paulo (1921-1981). São Paulo: Impress, 1981., Taschner (1992)Taschner, G. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1992., Pilagalo (2012)Pilagalo, O. História da imprensa paulista: jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma. São Paulo: Três Estrelas, 2012. e Dias (2014)Dias, A. B. O presente da memória: uso do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o “golpe de 1964” e a “ditabranda”. Jundiaí: Paco Editorial, 2014..
  • 5
    Laranjeira (2009)Laranjeira, A. N. “O compadrio na formação das capitanias hereditárias da mídia brasileira”. E-Compós, Brasília, vol. 12, n° 3, set.-dez. 2009. argumenta que essas relações de compadrio foram responsáveis pela formação daquilo que ele denominou de “capitanias hereditárias” da mídia brasileira, cruciais para consolidar a hegemonia das Organizações Globo, por exemplo.
  • 6 Obviamente a relação dos jornais com a censura não se deu de forma tão simples e “naturalizada” como pode parecer. Sobre esse tema, vale a leitura da obra de Kushnir (2004)Kushnir, B. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo, 2004..
  • 7
    Vide o recente mea culpa protagonizado pelo Globo e a repercussão do caso da “ditabranda” na Folha. Para uma análise mais detalhada sobre as relações dos jornais com a ditadura militar nesse conturbado cenário, consultar Dias (2018)Dias, A. B. "A verdade dita é dura: 'histórias da verdade' do/no jornalismo e a ditadura militar no Brasil". Tese de doutorado em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018..
  • 8
    A análise de Costa (2015)Costa, E. Mea culpa: O Globo e a ditadura militar. Florianópolis: Insular, 2015. considera, por exemplo, que foi só com a cobertura de O Globo sobre o caso do Riocentro, em 1981, que se efetivou um considerável “ponto de virada” no posicionamento do jornal em relação à ditadura.
  • 9
    É conhecido também o caso do “boicote” das Organizações Globo à campanha das Diretas. Um erro que, tempos depois, a própria empresa acabou por assumir publicamente, ainda que de forma relativa. A retratação da empresa pode ser consultada em Memória O Globo (2013a).
  • 10
    Considerado um dos livros “oficiais” sobre a história do jornal, encomendado pela direção da empresa para a comemoração de seu sexagenário.
  • 11
    Situação que é bem perceptível também no caso de O Globo. O projeto Memória Roberto Marinho (2013)Memória Roberto Marinho. “Obra”, 2013. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/2743280/>. Acesso em: 21 ago. 2018.
    https://globoplay.globo.com/v/2743280/>...
    afirma que o jornalista fez verdadeiros “malabarismos para garantir a liberdade de informar seus leitores. Durante a ditadura militar, manteve-se firme contra a perseguição a jornalistas de esquerda e, em momentos-chaves do regime, procurou dialogar em busca do restabelecimento da normalidade democrática”. O texto ainda afirma que, em certa ocasião, Marinho fora abordado pelo então ministro da Justiça do governo Castello Branco, Juracy Magalhães. Questionado sobre o porquê de sua empresa empregar tantos comunistas na redação, respondeu com uma frase que ficou célebre: “porque eles sabem fazer jornal. (...) Ministro, o senhor faz uma coisa, vocês cuidam dos seus comunistas, que dos meus comunistas cuido eu”. Assim, os jornais legitimavam ao mesmo tempo seu viés combativo e o protagonismo assumido nas lutas e resistências contra os desmandos do poder.
  • 12
    Otavio Frias Filho vai definir esse “contrato entre cúmplices” como algo que se dá de forma quase que “vampiresca”: “O vampiro só ilude quem manifesta o anseio de ser iludido (...). O marketing jornalístico não manipula a curiosidade do público, pois lhe falta poder para tanto. Manipula, sim, a atribuição de uma curiosidade ao público e fica à espera de sua resposta. (...) quero que o jornal me diga o que é verdade e o que não é, o que está certo e o que está errado, porque a ideia de que não existe ‘verdade’ nem ‘certo’ é intolerável para mim e não posso conviver com ela. Preciso ter certezas como preciso de um deus, cristão, muçulmano, seichonoiê. A força dos jornais é infelizmente o espelho da minha fraqueza, sou vampirizado na ideologia. Porém exijo alguma coisa em troca. Quero ética, por exemplo, no mundo público do qual os jornais são as portas (...). Quero que o meu jornal seja destemido; ele saberá dar a impressão de que é; quero que ele seja independente; é pra já, ele colocará a independência no seu dístico; quero que ele seja imparcial; ah pois não, a imparcialidade será o evangelho que ele vai pregar com toda a manha”. (Frias Filho, 1984).
  • 13
    Para uma análise bem peculiar sobre a modernização da Folha sob um viés autoritário, com base nos preceitos político-partidários do leninismo, consultar Hofmann (2013)Hofmann, Y. “A vanguarda da modernização: a Folha de S. Paulo e os mil dias que abalaram o jornalismo”. Anais do XXXVI Intercom – Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Manaus, AM, 2013..
  • 14
    Essas relações eram tão próximas que o jornalista Paulo Henrique Amorim (2015)Amorim, P. H. O quarto poder: uma outra história. São Paulo: Hedra. 2015. é taxativo ao afirmar que Roberto Marinho e sua empresa “copresidiam” o país no governo Sarney.
  • 15
    Esse período, já bastante destrinchado pela bibliografia, pode ser consultado em Conti (1999)Conti, M. S. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. e Lattman-Weltman, Ramos e Carneiro (1994).
  • 16
    Na capa da mesma edição, Otávio Frias Filho, diretor da redação, afirmava ser a invasão um “ato estúpido e ilegal”: “Por trás dos esbirros policiais, está Collor de Melo, a quem não reconheço como presidente da República, mas como usurpador vulgar da Constituição”.
  • 17
    A tese defendida por Arêas (2012)Arêas, J. B. "Batalhas de O Globo (1989-2002): o neoliberalismo em questão". Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. chega a afirmar, ao analisar a cobertura de O Globo sobre as privatizações do governo FHC, que o jornal atuou como uma espécie de “partido” das classes interessadas na adoção do programa neoliberal.
  • 18
    Alusão à União Democrática Nacional (UDN), partido fundado em 1945 de forte oposição a Getúlio Vargas, e composto por setores representativos da elite e da classe média nacional. Extinto em 1965, sua base praticamente migrara para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido “oficial” da ditadura militar.
  • 19
    Para uma análise mais detalhada sobre o papel do jornalismo brasileiro na destituição do governo Dilma, consultar Júnior e Sassara (2016)Júnior, J. F.; Sassara, L. O. "O terceiro turno de Dilma Rousseff". Saúde Debate, vol. 40, n° especial, p. 176-185, dez. 2016. e Rodrigues (2018)Rodrigues, T. M. O papel da mídia nos processos de impeachment de Dilma Rousseff (2016) e Michel Temer (2017). Contracampo, Niterói, vol. 37, n° 2, p. 37-58, ago.-nov. 2018..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    7 Fev 2019
  • Aceito
    28 Ago 2019
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