Open-access Discursos e Iniciativas Educacionais de Desenvolvimento de Competências para a Sustentabilidade do World Business Council for Sustainable Development

Resumo

A adoção da lógica de competências para pensar o desenvolvimento sustentável (DS) no ambiente empresarial vem crescendo tanto na literatura da área, como também em programas de iniciativa empresarial. Um ator que desponta com o propósito de assumir a liderança nesse processo é o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Este artigo buscar responder ao seguinte problema de pesquisa: Os discursos e iniciativas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade do WBCSD são espaços de várias traduções sobre a sustentabilidade corporativa ou lugar de reafirmação de discursos logocêntricos e definitivos sobre a temática? Para tanto, analisou-se os documentos institucionais (Visão 2050 e Ação 2020) e procedeu-se a uma série de visitas in loco nos Conselhos Empresariais do WBCSD (brasileiro e português). Além disso, conduziu-se um conjunto de entrevistas em profundidade com os gestores e participantes das iniciativas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade (DCpS). Os dados foram analisados de acordo com as categorias do processo de desconstrução de Derrida. A análise das iniciativas educacionais dos Conselhos Empresariais do WBCSD (brasileiro e português) demonstrou que se acolhe os diversos discursos sobre sustentabilidade corporativa no percurso formativo, no entanto, reafirma-se um pensamento logocêntrico e definitivo sobre a temática quando se entende que o modo de se realizar as diretrizes do Visão 2050 limita-se a aplicação de ferramentas gerenciais.

think tank; ações educacionais; desenvolvimento de competências para a sustentabilidade; WBCSD; Derrida

Abstract

The adoption of the logic of developing sustainable development (SD) competences in the business environment has grown both in the literature in the area and in business initiative programs. One player that emerges with the aim of assuming leadership in this process is the World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). This article aims to answer the following research question: Are the WBCSD’s discourses and initiatives for developing sustainability competences spaces of various translations of corporate sustainability or a place for reaffirming logocentric and definitive discourses on the theme? For this, we analyzed the institutional documents (Vision 2050 and Action 2020) and carried out a series of on-site visits at the Brazilian and Portuguese BCSDs. In addition, we conducted a set of in-depth interviews with the managers and participants in the initiatives for developing sustainability competences (DSC). The data were analyzed according to the categories of Derrida’s deconstruction process. The analysis of the educational initiatives of the Brazilian and Portuguese BCSDs showed that they include the various discourses on corporate sustainability in their formative approach; however, logocentric and definitive thinking about the theme is reaffirmed in that the way the Vision 2050 guidelines are carried out is limited to the application of management tools.

think tank; educational actions; developing sustainability competences; WBCSD; Derrida

Introdução

A adoção da lógica de competências para pensar o desenvolvimento sustentável (DS) no ambiente empresarial vem crescendo tanto na literatura da área (Lans, Blok, & Wesselink, 2013; Munck & Borim-de-Souza, 2012) como também em programas de iniciativa empresarial (Wiek, Withycombe, & Redman, 2011). Há por trás deste movimento a ideia de que é necessário criar espaços educacionais e mecanismos de aprendizagem transformadora para promover o desenvolvimento da capacidade humana no trabalho, no nível individual e coletivo, para responder a pressão dos movimentos da sociedade civil, dos governos, dos organismos internacionais como a ONU, por práticas reconhecidas como socioambientalmente competentes (Ribeiro, Cortese, Kniess, & Conti, 2019). Do ponto de vista das macroiniciativas nesse campo, um ator que desponta com o propósito de assumir uma liderança nesse processo no contexto empresarial é o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), objeto de estudo desta pesquisa, que fomenta programas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade.

O Conselho atua em um cenário de emergência e fortalecimento de instituições internacionais e organizações multilaterais na recomendação e cobrança das empresas para implantação de sistemas de gestão socioambiental. Trata-se de atores sociais que Stone (2005) reconhece como think tanks , ou seja, grupos que buscam influenciar os governos e as empresas em áreas de interesse. Muitos desses organismos procuram estimular práticas de negócios que integrem a eficiência econômica e a eficiência ecológica (Wals, 2010). O WBCSD , pode ser considerado um exemplo de think tank que atua na orientação para o DS, na medida em que busca organizar espaços de debate e cursos de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade, como é o caso do Future Leaders Team (FLT), voltado para a qualificação de jovens empresários.

O WBCSD é foco desta pesquisa por sua relevância e forte penetração no cenário mundial nesse campo. Trata-se de um fórum criado em 1992 pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny com o objetivo defender na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada no Rio de Janeiro, os interesses e teses do segmento empresarial com relação ao desenvolvimento sustentável. O WBCSD reúne sessenta conselhos empresariais nacionais e regionais e mais de duzentas empresas. O intuito da entidade é fomentar o desenvolvimento de projetos relacionados com a sustentabilidade. Este artigo busca analisar as estratégias educacionais dessa entidade, formais e informais, para mobilizar grandes empresas no discurso e na ação orientada para o desenvolvimento sustentável. Tal propósito tem por intenção responder ao seguinte problema de pesquisa: Os discursos e iniciativas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade do WBCSD são espaços de várias traduções sobre a sustentabilidade corporativa ou lugar de reafirmação de discursos logocêntricos e definitivos sobre a temática?

Para responder esta pergunta busca-se analisar os discursos e iniciativas do WBCSD de modo a ampliar a discussão sobre o papel deste organismo internacional como um ator think tank chave, que não só orienta as agendas de negócios em relação ao desenvolvimento sustentável, mas também visa a criação de espaços de formação dedicadas ao desenvolvimento de competências focadas na sustentabilidade (Brunstein, Jaime, Curi, D’Angelo, & Mainardes, 2015). A análise dos dados ocorre por meio de Derrida (1999). O objetivo não é estudar o texto (discursos e iniciativas) em si, mas a tradução que está sendo feita no percurso de aprendizagem. Assim, a tradução pode ser entendida como uma experiência de leitura, na qual se procura perceber o que não foi lido na interpretação oficial das instituições, neste caso BCSD Brasil e BCSD Portugal (Bernardo, 2001, p, p. 346). Uma leitura que é marcada por desvios de sentido, deslocamentos que permitem supor, na experiência de tradução, o movimento de desconstrução (Derrida, 1997). Esse movimento abre os conceitos à experiência de significação, em que o processo de tradução é experimentado. Pode-se assim entender que os discursos de negócios, sob essa perspectiva, são permeados por políticas institucionais, na busca do controle das competências e práticas dos atores organizacionais (Derrida, 2013, pp. 43-44). Derrida denomina esse processo como logocentrismo, pensamento desenvolvido com base em oposições, em que são criadas relações hierárquicas e centralizadas no poder do logos, com o intuito de controlar os discursos (Derrida, 1973).

Esse controle é possível através da aplicação de técnicas de gestão, inseridas em um contexto marcado por discursos e metáforas que justificam a interpretação oficial e intervencionista de curto prazo em detrimento da reflexão profunda e teórica a longo prazo. A escolha pela desconstrução de Derrida como metodologia de análise deste percurso de aprendizagem torna possível desestabilizar as estruturas e discernir “no discurso” aquilo que ainda não foi lido “na criação de conceitos e funcionamento das instituições” (Wolfreys, 2009, p. 59). Para tanto, realizou-se pesquisas de campo sobre as ações e iniciativas dos Conselhos Empresariais BCSD Portugal e BCSD Brasil no que se refere ao desenvolvimento de competências para a sustentabilidade (DCpS). O artigo tem como objetivo apresentar duas contribuições principais: (a) analisar os discursos e iniciativas do WBCSD de modo a discutir o seu papel como um ator think tank que, não só orienta a agenda do empreendedor para o DS, mas também fomenta a criação de espaços de aprendizagem tendo em vista o desenvolvimento de competências para a sustentabilidade; (b) discutir as implicações das experiências de DCpS dessa agência, na perspectiva de desconstrução de Derrida, o que possibilita a compreensão da tradução que sustenta suas falas e suas ações educacionais quanto às ambiguidades, contradições, limites e potencialidades.

O surgimento de think tanks como tradutores do discurso de sustentabilidade

As instituições da sociedade civil conhecidas como think tanks possuem um importante papel, já que buscam atuar na assessoria política e econômica de governos e empresas, com intuito de traduzir para o ambiente empresarial a discussão de desenvolvimento sustentável. O termo think tank surge a partir da atuação da organização RAND Corporation, que após a segunda guerra se constituiu em um espaço de assessoria para o planejamento estratégico dos EUA. Stone (2005) destaca quatro fases na história dos think tanks . A primeira ocorreu antes da segunda guerra mundial, com a atuação de institutos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, com ênfase na discussão de temas relacionados à urbanização, à industrialização e ao crescimento econômico. Delimita a segunda fase ao período após a Segunda Guerra Mundial, marcada pelo crescimento de institutos em toda a Europa, com foco no debate sobre política externa e segurança. Na terceira fase, anos 1970 em diante, surgem grupos de reflexão sobre a instabilidade econômica e política dos países em desenvolvimento, predominando discussões sobre os pilares do consenso de Washington, tais como a privatização, a liberação financeira e a desregulamentação. Na quarta fase, anos 1990, destaca-se a atuação dos think tanks , marcados por novas formas de interação global, virtual e diversidade de temas de discussão, considerando aspectos relacionados ao desenvolvimento sustentável, pós Relatório Brundtland (1987) e a Conferência Eco-92. Tais fases não são necessariamente lineares, mas expressam bem o foco de atuação dessas entidades no cenário mundial em cada período histórico.

Nesse movimento, houve a diversificação e a especialização de enfoques, com organizações que se dedicam ao debate de questões econômicas e outras que já se especializam na discussão de questões socioambientais (Stone, 2005). Neste sentido, Stone (2005) destaca instituições internacionais e organizações multilaterais, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que atuam na recomendação de sistemas de gestão ambiental e indicadores com o intuito de mensurar e diminuir o impacto ambiental dos negócios. Raska e Shaw (2012), entretanto, questionam a capacidade das empresas responderem a complexidade da questão socioambiental com a aplicação de ferramentas gerenciais recomendadas por estas instituições. Para eles, esses instrumentos, que servem a lógica da melhoria contínua, não são suficientes para diminuir a degradação ambiental e social na velocidade que se faz necessário. Além disso, a atuação dos think tanks pode se reduzir à assessoria da comunicação ambiental empresarial, focando o debate em instrumentos e ferramentas de gestão, cujo objetivo é o alinhamento de discursos com os shareholders (Herzig & Godemann, 2010).

Uma discussão teórica que pode contribuir para compreender esse impasse é a de Lima (2003). Ele analisa a discussão em prol do DS a partir de duas grandes matrizes discursivas: a oficial e a não oficial. A matriz oficial é defensora da articulação entre conservação ambiental e crescimento econômico e compreende que o modelo de desenvolvimento capitalista é capaz de conciliar o aumento da produção industrial com a preservação do meio ambiente. A matriz não oficial, defende o fortalecimento da democracia com a participação da sociedade civil e do Estado na definição de estratégias de ação que colaborem para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável (Lima, 2003). Seus defensores “reagem ao reducionismo econômico e tecnológico que caracterizam o discurso oficial” (Lima, 2003, p. 109). Considerando que as instituições think tanks exercem um papel de tradutores da lógica do DS, que transitam entre os espaços da empresa, da sociedade civil e dos governos, cabe compreender em que medida suas iniciativas se aproximam do discurso não oficial, no qual a escuta de diversos discursos é valorizada. No caso da presente pesquisa, é na análise dos programas do think tank WBCSD, que se observará se os discursos e iniciativas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade são espaços de várias traduções sobre a sustentabilidade corporativa ou lugar de reafirmação de discursos logocêntricos e definitivos sobre a temática.

Desenvolvimento de competências para a sustentabilidade

Ao considerar o debate sobre a necessidade de desenvolver competências nos profissionais para lidar com a questão da sustentabilidade, pode-se identificar diferentes abordagens, de acordo com a maneira que cada autor incorpora a discussão. Por um lado, alguns pesquisadores tratam dessas competências numa perspectiva mais funcional e pragmática, associando-a, sobretudo, a ferramentas de gestão. Por outro lado, há autores que tratam do tema numa lógica mais ancorada à perspectiva crítica dos estudos na área, que envolve, inclusive, questões de natureza ideológica e de poder. Ambos os olhares dão contribuições importantes para a compreensão do tema, mas têm alcances diferenciados que precisam ser pontuados. Na lógica mais gerencial, a preocupação se concentra, sobretudo, nos elementos-chave que impulsionam a competência e o seu ferramental (definição da estratégia, dos treinamentos, de modelos de gestão de competência e de uma lista de competências que devem ser desenvolvidas e mensuradas). Já na lógica mais ancorada nos estudos críticos, a preocupação repousa sobre o conteúdo dessa competência e seu impacto na forma como os negócios são conduzidos (a que modelo de organização e de sociedade essas competências estão a serviço; que natureza de organizações interessa uma sociedade sustentável).

Sehnem, Martignago, Pereira e Jabour (2019), Munck e Borim-de-Souza (2012), Jamali (2006) e Garlet et al. (2019) defendem que um dos desafios das organizações é desenvolver modelos de gestão que favoreçam um alinhamento entre os objetivos e missões organizacionais orientadas para a sustentabilidade e seus stakeholders . Nesse sentido, a gestão de competências assume o papel de relacionar as metas dos distintos grupos de interesse. Um dos caminhos para o alcance desse intuito é a realização de programas de DCpS vinculados às diretrizes da política de sustentabilidade da empresa, definida em comum acordo com os stakeholders e os colaboradores (Wiek et al., 2011). Gitsham (2012), por sua vez, enfatiza a necessidade de envolver os gestores em projetos que resultam em transformações reais na vida das pessoas, enquanto uma forma de DCpS. O autor analisa os programas de formação gerencial das empresas HSBC e IBM, no qual os sujeitos são envolvidos em aprendizagens experienciais, que consistem em ações de intervenção no território, realizados a partir de diagnósticos e diálogos com os moradores do entorno das empresas. Gitsham (2012) observa que mobilizar os empresários em ações que beneficiam a comunidade representa um avanço nas iniciativas de sustentabilidade. Isso porque minimiza-se o caráter retórico do discurso de sustentabilidade em favor da ideia de que os gestores assumam compromissos com ações efetivas. O que isto mostra é que, mesmo o trabalho mais ancorado numa lógica mais funcional, de alinhamento aos modelos de gestão de empresas, ainda assim acena-se com a necessidade de criar competências que atendam às pautas dos grupos de interesse e que resultem em transformação da vida das pessoas no entorno das organizações.

A partir de um levantamento na literatura, Dentoni, Blok, Lans e Wesselink (2012) apresentam um framework teórico formado por um conjunto de sete competências necessárias para avançar em direção à sustentabilidade empresarial: competência do pensamento sistêmico; competência normativa; competência para a ação; competência interpessoal; competência estratégica. Essas competências envolvem o desenvolvimento da capacidade de colaboração entre diferentes atores sociais; a habilidade de refletir sobre interdependências entre os sistemas sociais, econômicos e ambientais; a capacidade de avaliar impactos socioambientais na tomada de decisão; a habilidade dos gestores em considerar valores e princípios e traçar metas não sobre o que o mundo é, mas o que ele deve ser; a responsabilização por melhorias contínuas e pelo desenvolvimento de metas de sustentabilidade para além dos aspectos legais exigidos e do uso de tecnologias somente; a habilidade de comunicar, engajar, colaborar, negociar e motivar os outros em atividades práticas e em pesquisa e, finalmente, em desenhar projetos coletivos, programas de intervenção e estratégias para o desenvolvimento de práticas sustentáveis.

Mas para além da definição de competências-chave como as acima referenciadas, estudos mais ancorados numa perspectiva crítica, como os de Kearins e Springett (2003), defendem que os processos educacionais dos gestores têm de provocar a superação do paradigma dominante, isto é, aquele que nos levou ao estágio de insustentabilidade em que nos encontramos. Para tanto, propõem que as experiências de aprendizagem devem desenvolver a reflexividade, a capacidade de crítica e de ação social e engajamento. A reflexividade se relaciona com a competência do profissional em refletir sobre os pressupostos que sustentam a gestão, isto é, como entendemos a nossa participação na construção da realidade e sua interferência na tomada de decisões. Trata-se da capacidade de responder aos problemas que surgem a partir da complexa interdependência entre as questões individuais, sociais, políticas e econômicas. Tudo isto exige uma reflexão no nível dos pressupostos e dos valores que sustentam a gestão e a ação empresarial. São reflexões que levam a perguntas: Como e para que produzimos? Que escolhas fazemos? A crítica, por sua vez, se refere à capacidade do gestor questionar as relações de poder presentes nos contextos culturais no qual a organização se encontra permeada, reconhecendo a ideologia que influencia essas relações. Por fim, a ação social e o engajamento se revelam na capacidade de realizar ações sustentáveis que colaboram para o processo de emancipação global com foco na mudança radical das estruturas vigentes. Para as autoras, estas capacidades podem ser desenvolvidas em espaços formativos, mas, para tanto, a experiência educativa tem de se tratar da identificação das contradições e das lacunas do discurso de sustentabilidade da organização (Kearins & Springett).

Nesta mesma perspectiva, Tilbury e Wortman (2004), definem um conjunto de competências a serem desenvolvidos por sujeitos, grupos e organizações com intuito de alcançar uma sociedade sustentável, tais como: visão de futuro, desenvolvimento de pensamento crítico e reflexivo, pensamento sistêmico, construção de parcerias e participação na tomada de decisões. O que se destaca aqui é a necessidade de reflexão sobre as relações entre o futuro desejado e os valores dos indivíduos, de modo a identificar as competências que o grupo deve desenvolver para alcançar uma visão compartilhada em direção ao DS. O desenvolvimento de pensamento crítico e reflexivo, favoreceria, para eles, a superação de barreiras para a prática da sustentabilidade, ao provocar a reflexão sobre as relações de poder presentes na comunidade, bairro ou instituições, que restringem o acesso de direitos apenas ao seu grupo de interesses (Tilbury & Wortman).

Mediante o exposto, cabe dizer que, ao considerar que as abordagens teóricas que tratam do DCpS variam de posicionamentos mais pragmáticos e funcionais (alinhamento das ações dos sujeitos às diretrizes de sustentabilidade estabelecidos pelas empresas), ao mais crítico (que defendem a construção de uma nova forma de pensar e agir na empresa e a revisão de sua razão de ser), corre-se um risco (Brunnquell, Brunstein, & Jaime, 2015). Esses olhares distintos acabam por produzir algum nível de dicotomia, o que nem sempre contribui para que se avance nos discursos e nas práticas de DCpS. O reconhecimento dessas ambiguidades e lacunas no processo de desenvolvimento de competências faz com que seja possível, talvez, identificar alternativas metodológicas (Palma & Pedrozo, 2019).

Amazonas (2012, p. 36) colabora com essa reflexão quando afirma que há limitações no ganho de eficiência proporcionado pela inovação tecnológica e que a discussão da sustentabilidade só é viável quando considera a “manutenção de ecossistemas estratégicos e funções ecossistêmicas vitais ao equilíbrio biogeoquímico”. Essa leitura demonstra que o desenvolvimento de competências focadas em ferramentas de gestão não prepara os empresários para lidar com as questões socioambientais que envolvem o desenvolvimento sustentável. Assim, “a eficiência econômica deve ser subordinada aos imperativos morais da equidade e de sustentabilidade socioambiental” (Fonseca & Amazonas, 2011, p. 97).

Ou seja, a construção de um processo educacional que permita um DCpS mais significativo e robusto frente ao tamanho dos desafios que enfrentamos precisa considerar os “limites ambientais, postos em termos de capacidade de suporte e resiliência dos meios e recursos naturais” (Amazonas, 2012, p. 36). Mais do que a reprodução de métodos cartesianos no DCpS propõe-se processos de aprendizagem coletivos “apoiados no movimento de invenção e cuidado com a vida” (Demoly & Santos, 2019). Ruth (2006) colabora com essa reflexão ao afirmar que

Sobre um regime de modelos de competência, "nós não temos examinado a vida", mas performance sujeitada à serviliência. Em tempos em que parece razoável argumentar que o intelectual, o cientificamente fundamentado, o tecnologicamente desenvolvido, o aparato racional do mundo desenvolvido fracassa em entregar um futuro sustentável e coerente para o planeta . . ., certamente podemos concluir que as noções de competência, incrustadas nesses aparatos, são também suspeitas. (Ruth, 2006, p. 215)

Nesse sentido, Palma, Pedrozo e Alvez (2019) defendem que os empresários precisam ser capacitados para atender as expectativas dos stakeholders (questões socioambientais) e não somente as exigências dos shareholders (eficiência econômica). Ou seja, as decisões dos gestores na lógica sustentável ocorrem numa perspectiva sistêmica e integrativa quando considera os pilares ambiental, social e econômico (Cavenaghi & Munck, 2018). Um modo de desenvolver essa competência é acolher a diversidade de discursos sobre sustentabilidade no percurso formativo, a fim de reconhecer os conflitos de classe, as diferenças socioculturais dos atores, no contexto dos serviços ecossistêmicos. (Castillo, Pasquo, Busan, & Klier, 2019)

É com este cenário teórico em mente que se analisará as experiências de DCpS do WBCSD, especialmente as iniciativas do Conselho brasileiro e português. A inspiração para criação destas iniciativas é o documento Visão 2050 que busca ser uma agenda para as empresas em direção ao DS, e que serve de referência para a atuação dos conselhos empresariais regionais. Cada conselho nacional, por sua vez, desenvolve seu próprio documento de orientação, chamado Ação 2020, que adapta as diretrizes do Documento Visão 2050 para suas especificidades e prioridades.

Percurso metodológico

Optar pela proposta de desconstrução de Derrida enquanto percurso analítico significa assumir um pensamento metodológico que favorece a compreensão dos discursos e das ações de DCpS do WBCSD enquanto espaços de ambiguidades e deslocamentos (Cooper & Burrel, 1988). Desconstrução “é um modo de tomar posição, em seus trabalhos de análise, no que diz respeito às estruturas políticas e institucionais que constituem e regulam nossas práticas, nossas competências e nossos desempenhos”. (Derrida, 1999, p, p. 108)

Deste modo, Derrida compreende a responsabilidade constatativa das instituições como a competência científica que descreve a realidade na busca pela verdade. A responsabilidade performativa, por sua vez, configura-se como uma competência técnica, e se preocupa concomitantemente com o rendimento de um sistema técnico, mas também com o ato de linguagem, que “produz ou transforma, por si só, em certas condições, a situação de que fala” (Derrida, 1999, p. 105). Nesse sentido, com a prática da linguagem, portanto, inviabiliza-se a delimitação entre o constatativo e o performativo, descontrói-se as fronteiras entre o pensar e o agir, pois o pensamento age e repensa o performativo, de modo que se desloca a ilusão do controle que busca regular e manipular discursos, traduções, competências e desempenhos.

Nesta pesquisa, isso significa estudar as iniciativas de DCpS de modo a identificar os conceitos e as estruturas políticas e institucionais do WBCSD reveladas pelas narrativas e documentos oficiais, que, em última instância, servem de referência para as práticas e competências desenvolvidas pela entidade. A desconstrução foi realizada pelo deslocamento das posições dicotômicas que sustentam o discurso da entidade WBCSD, revelados pelas entrevistas e pela análise documental. Assim, a desconstrução permite observar a tônica logocêntrica ou não dos discursos; isto é, se há ou não uma tentativa de controlar as interpretações e traduções dos sujeitos sobre sustentabilidade no ambiente empresarial. Isto implica olhar os argumentos dos entrevistados e dos documentos de modo a perceber o que é, e o que não é, marginal na elaboração de conceitos e funcionamento dos conselhos (Derrida, 2002). Os dados da pesquisa foram construídos da seguinte forma. Acompanhou-se as iniciativas de dois conselhos, brasileiro e português, com a intenção de compreender os sentidos das suas ações, bem como as metodologias e as estratégias desenvolvidas para DCpS entre os anos de 2005 e 2019. No Brasil, estudou-se o programa “Parceria Empresarial para os Serviços Ecossistêmicos (PESE)”, que prepara os profissionais para a gestão sustentável dos ecossistemas. Em Portugal, estudou-se o projeto “Young Managers Team (YMT)” que se dedica a preparar os jovens empresários para lidar com a sustentabilidade nos negócios. Neste sentido, verificou-se que o PESE e o YMT foram inspirados nas diretrizes contidas nos documentos Visão 2050 e Ação 2020.

Assim, para conduzir o estudo, analisou-se os seguintes documentos institucionais: (a) Relatório Visão 2050; (b) Ação 2020 – soluções empresariais para o DS, na versão Portuguesa; (c) Ação 2020 – soluções empresariais para o DS, na versão Brasileira. Além disso, procedeu-se a uma série de visitas in loco nestas instituições, Brasileira e Portuguesa, e conduziu-se a um conjunto de entrevistas em profundidade, por meio de um roteiro semiestruturado. As entrevistas ocorreram individualmente e envolveram três integrantes da Equipe de Gestão do BCSD Portugal, denominados nesta pesquisa como Coordenação P, e seis participantes do programa de DCpS, denominados como Associados P. No BCSD Brasil (também conhecido como CEBDS), foram entrevistados três integrantes da Equipe de Gestão, denominados como Coordenação B e seis participantes denominados como Associados B. Procurou-se entrevistar os associados que participaram de diferentes turmas do programa de DCpS e cujas empresas eram historicamente mais ativas no Conselho. Em seguida o conteúdo das gravações foi transcrito e organizada de acordo com categorias de análise inspiradas na discussão proposta por Derrida.

O caminho analítico da pesquisa, portanto, considera as categorias do processo de desconstrução de Derrida: logocentrismo, estruturas constatativas e performativas, ambiguidades, deslocamento e tradução. São estes os elementos-chave que nortearam a análise dos discursos e das ações do WBCSD apresentados na Tabela 1 .

Tabela 1
: Categorias de análise

Com estas categorias em mente buscou-se compreender quais os sentidos das competências que se revelam nas ações educativas de DCpS e nas experiências de aprendizagem do BCSD Portugal e do BCSD Brasil. Assim, identificaram-se os conceitos, práticas e oposições revelados nos discursos de DS. Depois disso, o deslocamento dessas oposições e dicotomias foi problematizado, o que permitiu reconhecer as ambiguidades do discurso oficial e não oficial do WBCSD. Todo este percurso analítico permitiu compreender se a atuação do WBCSD em direção ao DCpS abriu espaço para outras interpretações ou se o objetivo foi desenvolver um discurso definitivo, logocêntrico, de sustentabilidade empresarial.

Resultados

O projeto Visão 2050 e o Ação 2020 são traçados por uma série de traduções a respeito do desenvolvimento sustentável. A seguir, discute-se esse processo de tradução.

Traduções do DS: o Projeto Visão 2050 e o Ação 2020

Os discursos dos Conselhos Empresariais associados ao WBCSD, a partir de 2010, foram influenciados pelas diretrizes do Projeto Visão 2050. Este Documento se propôs a desenvolver um instrumento de planejamento para guiar as ações de sustentabilidade empresarial mundialmente, e alcançar a visão 2050 descrita a seguir:

Em 2050, cerca de 9 milhões de pessoas vivem bem, respeitando os limites do planeta. A população mundial começou a estabilizar, principalmente a educação e a emancipação econômica das mulheres e ao aumento da urbanização. Mais de 6 milhões de pessoas, dois terços da população vivem em cidade. As pessoas dispõem de meios para fazer face às suas necessidades humanas básicas, incluindo a necessidade de uma vida digna e de um papel significativo nas suas comunidades. (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, 2013, p. 5)

O Visão 2050 representa o pensamento dos dirigentes das empresas associadas, é a nossa visão de futuro, o caminho para DS, e serve de referência para todas as nossas ações. (Coordenação P3, 2019)

A proposta do Visão 2050 destaca aspectos que normalmente não fazem parte das pautas empresariais. Enquanto ideário, o documento dá a entender que temas como educação, gênero, necessidades humanas básicas e dignidade devem fazer parte da preocupação empresarial, o que pode indicar com um rompimento paradigmático do que se acredita ser ou não de competência das organizações. O termo “ambiguidades” tal como propõe Derrida representa bem a relação que se revela neste discurso entre empresas, governos e sociedade. Há uma disseminação de sentidos, fazendo com que, em determinados momentos, ocorra uma concordância no discurso, e em outros eventos, se vivencie divergências e lacunas nesta comunicação. No documento estas divergências são definidas pelo WBCSD como dilemas e questões difíceis. Os dilemas revelam questões relacionadas a liderança do caminho rumo aos objetivos do Visão 2050. Propõe-se que as respostas sejam encontradas por meio da colaboração entre os atores, no entanto, quem definirá os incentivos e os modos para este diálogo? Esta questão é discutida no próprio documento e relatada também pelo Associado P1, ao analisar os principais riscos na busca deste consenso, que

. . . centram-se na incapacidade que os estados chave têm de concordar quanto ao funcionamento deste sistema. O mundo pode vir a ficar mais fragmentado, incapaz de chegar a um acordo quanto às mudanças a realizar ou à forma de geri-las. (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, 2013, p. 32)

O Visão 2050 não representou grandes avanços, penso que ele representa uma utopia que não vai sair do papel, já que ele depende da boa vontade e envolvimento do governo. E principalmente exige uma mudança radical das práticas dos atores envolvidos, algo que, a meu ver, não vai acontecer . (Associado P1, 2019)

O propósito do WBCSD durante o caminho do Visão 2050 é produzir um discurso que mobilize e engaje as empresas, governos e sociedade na discussão do DS. Há neste percurso a tentativa de definir o papel de cada ator neste processo, em que é possível observar momentos de abertura e situações de fechamento do discurso. Observa-se um paradoxo: ao mesmo tempo que o Visão 2050 assume caraterísticas de abertura a distintas práticas sustentáveis pelo setor empresarial, por outro lado limita-se as possibilidades de novas traduções do DS, quando se busca fechar as discussões em uma perspectiva única, que foca as ações no curto prazo e em alguns setores específicos, como exposto na Tabela 2 .

Tabela 2
: Processo de tradução no Visão 2050 e Ação 2020

Assim, compreende-se, que a atuação do WBCSD como think tank , de um lado, se apresenta como uma iniciativa que busca definir o caminho para o DS e as “estratégias de ação” mais adequadas para se alcançar os objetivos traçados. Por outro lado, nesse percurso também se abre esse discurso à colaboração de outros atores, na qual admite-se os riscos, os imprevistos e as múltiplas interpretações, como algo que faz parte do caminho.

O Visão 2050 é fundamental pois representa um compromisso das empresas com o futuro sustentável, o 2020 já sinaliza quais as ações que devem ser desenvolvidas para alcançar este futuro. (Associado P2, 2019)

A dificuldade do empresário ao lidar com a sustentabilidade relaciona-se a cobrança de respostas no curto prazo, espera-se e se direciona o tempo do trabalho para a busca de metas em uma perspectiva de dois anos, quando o alcance destes objetivos, de maneira sustentável, só é possível em uma perspectiva de 10 a 15 anos. (Associado B3, 2019)

Verifica-se que o Ação 2020 é o documento que sistematiza os projetos de DCpS que são organizados no BCSD Brasil e no BCSD Portugal para alcançar os propósitos contidos no Visão 2050. Nesse sentido, reconhece-se o mérito do Visão 2050, já que provoca os empresários a refletir sobre a necessidade de revisar suas práticas de modo a respeitar os requisitos de gestão sustentável dos stakeholders (longo prazo). Todavia, como afirma o Associado B3, há uma dificuldade de o empresário lidar com essa perspectiva. A tendência é focar suas ações no atendimento das exigências dos shareholders (curto prazo).

Análise das iniciativas educacionais de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade do BCSD Brasil e do BCSD Portugal

Nos próximos parágrafos, analisa-se as iniciativas educacionais de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade dos Conselhos Empresariais de Brasil e de Portugal.

A experiência brasileira (Pese)

A iniciativa Parceria Empresarial para Serviços Ecossistêmicos (Pese) surgiu a partir de uma parceria entre o BCSD Brasil, a World Resources Institute (WRI), think tank dos EUA que atua na área ambiental, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma das mais importantes escolas de negócios do Brasil. O objetivo foi oferecer um caminho para que as empresas brasileiras fossem capazes de avaliar impactos das suas ações no meio ambiente, bem como perceber sua dependência dos ecossistemas, através da ferramenta Avaliação Empresarial de Serviços Ecossistêmicos – ou Corporate Ecosystem Services Review (ESR) –, desenvolvida pelo Instituto WRI e pelo WBCSD. Para tanto, capacitam fornecedores comuns às empresas associadas ao BCSD Brasil.

No início do projeto a gente fez uma chamada das empresas que gostariam de participar do Pese. Como era um projeto piloto a experiência inicial do projeto envolveu oito empresas participantes. (Coordenação B1, 2019)

A metodologia envolve quatro representantes por empresa, que participam dos workshops do curso. Como se trata de uma ferramenta bastante específica e local, para facilitar sua aplicação foi necessário contar com a participação dos colaboradores que atuam no operacional e no administrativo. (Coordenação B2, 2019)

Esses workshops visam desenvolver três competências constatativas (teóricas) nos participantes: compreensão, análise crítica e visão de futuro . A competência da compreensão envolve a capacidade de entender a dependência dos negócios com os serviços ecossistêmicos (SE), isto é, os participantes do curso devem saber identificar quais são os SE mais críticos para a instituição, avaliando riscos e oportunidades. O desenvolvimento da competência de análise crítica se traduz pela capacidade do empresário de não só perceber os SE como oportunidades de negócio, mas espera-se que este agente institucional esteja preparado para compreender a relação das suas decisões com as questões socioambientais. A competência de visão de futuro é considerada fundamental, já que toda ação elaborada a partir do uso da ferramenta ESR deve ser desenvolvida com base no planejamento estratégico. A fim de desenvolver estas competências, durante os encontros do Pese, os coordenadores da iniciativa procuraram trazer experiências das empresas que já implantaram a ferramenta ESR, de modo a expor as possíveis dificuldades a serem enfrentadas. É o que a Coordenação B3 define como business case , representadas pelas empresas líderes.

O papel das empresas líderes neste tema é muito importante, pois estimula as outras empresas a se engajarem no projeto. O exemplo das empresas que já estão avançadas é motivador para se envolver mais empresas no Pese. (Coordenação B3, 2019)

Um exemplo de business case na aplicação da ferramenta é a experiência do Associado B1. Esse agente procurou desenvolver o ESR a partir da análise da cadeia de fornecedores de carne bovina. Assumiu-se como desafio não adquirir produtos de área desmatadas em suas operações globais. Para tanto, foi necessário o desenvolvimento de ações de capacitação junto aos fornecedores para que estes adotassem ferramentas de monitoramento de risco socioambiental. O Associado B6 também relata a necessidade de capacitação interna para aprendizagem de conhecimentos específicos, como a biodiversidade, já que a formação original dos administradores não abrange esse conteúdo. Outro agente que participou do Pese foi o Associado B2, que definiu como foco de ação adequar sua empresa às exigências do índice Dow Jones de sustentabilidade. No entanto, os entrevistados relatam que alguns setores da empresa tiveram dificuldade em compreender o seu papel para o alcance deste objetivo:

Há algumas áreas que têm maior facilidade de entender e de lidar com a temática da sustentabilidade. Geralmente são aquelas pessoas que tem mais compreensão da questão ambiental que conseguem entender a ferramenta e envolver seus setores no projeto. (Associado B1, 2019)

O que gera a dificuldade da compreensão do SEs é a complexidade do conceito. Mesmo as áreas que estão alinhadas a discussão também têm dificuldade, por isso realizamos uma capacitação para todos os líderes procurando deixar claro como aplicar este conceito a nossa realidade, demonstrando qual a nossa estratégia e quais os links com as ações que estão presentes nos setores. O que a gente compreende é que o caminho para alcançar os objetivos é o envolvimento das lideranças. (Associado B2, 2019)

Como observado nas experiências de aprendizagem do Associado B1, Associado B6 e do Associado B2, a iniciativa Pese além das competências constatativas, visa desenvolver nos atores participantes dos cursos competências performativas (práticas), isto é, de engajamento e de comunicação. O intuito é “sensibilizar, envolver e engajar” a fim de prepará-los para comunicar, a todos os setores das empresas, os princípios da ferramenta ESR (Associado B6). Isso para que as estratégias de ação definidas sejam alinhadas à política institucional de sustentabilidade.

As competências desenvolvidas no Pese se aproximam muito às referenciadas no framework teórico de Dentoni et al. (2012), o que indica que suas ações formativas estão em sintonia com o debate mais recente na área. Todavia, ao restringir as iniciativas de DCpS à aplicação de ferramentas como a ESR, a natureza das competências desenvolvidas nos atores aproxima-se mais da lógica instrumental (Munck & Borim-de-Souza, 2012; Wiek et al., 2011), na qual o intuito é o alinhamento do comportamento desses agentes à política de sustentabilidade da instituição. A iniciativa do Pese convive com essa ambiguidade: ao mesmo tempo que promove a aprendizagem de novas competências, também limita e instrumentaliza o DCpS quando associa esse percurso à aplicação de ferramentas que buscam alinhar as perspectivas individuais aos propósitos institucionais e discursos logocêntricos. Essa discussão é sistematizada na Tabela 3 .

Tabela 3
: Processo de tradução no Pese

Ao analisar os argumentos da Coordenação B1 e do Associado B5, observa-se que o Pese proporciona espaços para pensar a relação dos negócios com a questão socioambiental quando insere na pauta a discussão dos SE, pouco considerada no ambiente empresarial. É esse acontecimento que possibilitou o deslocamento de oposições e conceitos (negócios × questão socioambiental) no processo de desconstrução. No entanto, quando se incentiva a replicação da ESR, tende-se a limitar a discussão de DS e dos SE a gestão de indicadores e a aplicação desta ferramenta. As dificuldades relatadas pelos empresários, exemplificada pelo relato do associado B5 na Tabela 3 , revelam que o alcance da iniciativa fica reduzida. As competências desenvolvidas, por vezes, se limitam aos participantes, individualmente, que pouco conseguem transformá-la em competências organizacionais. Cria-se aqui uma lacuna que o programa de Pese ainda não responde.

A experiência do YMT no BCSD Portugal

A iniciativa Young Managers Team (YMT), foi desenvolvida, em 2005, pelo BCSD Portugal com o intuito de traduzir para a realidade portuguesa o programa do WBCSD denominado Future Leaders Team (FLT). O intuito inicial do YMT era sensibilizar as empresas no que se refere a relação da questão socioambiental com os negócios, seus impactos e dependências.

Nós traduzimos para a realidade portuguesa o FLT por meio do YMT. A intenção inicial do BCSD era sensibilizar as empresas para a importância da sustentabilidade e como a questão ambiental afeta os negócios . (Coordenação P1, 2019)

Mais do que gerar outputs o objetivo principal do projeto é criar uma rede de jovens empresários sensibilizados com a questão ambiental, verdadeiros embaixadores do DS nas empresas . (Coordenação P2, 2019)

Observa-se, por um lado, uma perspectiva logocêntrica, na qual se busca formar embaixadores do DS nas empresas, com a missão de disseminar o discurso oficial de sustentabilidade do WBCSD. Por outro lado, o projeto abre oportunidade para outras traduções na medida em que desloca essa perspectiva oficial quando afirma que “ mais do que criar outputs o objetivo é a formação de rede de jovens ”. Essa rede não se desfaz, nem se estabiliza ao final do projeto, mas continua em desenvolvimento, permitindo novas interpretações a partir dos diálogos entre os participantes.

Um dos benefícios da participação no YMT foi a formação de uma rede de contatos de diferentes áreas que possibilita ser consultada sempre que surgem dúvidas a respeitos da elaboração dos relatórios de sustentabilidade. (Associado P4, 2019)

A metodologia do YMT investe em dinâmicas de grupo coordenadas por um psicólogo, o intuito é preparar, por meio de vivências, os empresários para responderem aos desafios do trabalho em equipe . (Associado P5, 2019)

Como exposto, a metodologia do YMT valoriza vivências e a formação de grupos de aprendizagem como estratégia para o desenvolvimento na área da sustentabilidade. Aproxima-se, neste aspecto, com a discussão de Hind, Wilson e Lenssen (2009), no que se refere a necessidade dos atores se envolverem em grupos que se dediquem à solução de questões socioambientais reais, por meio de iniciativas de intervenção. Essa abertura à participação favorece o envolvimento dos profissionais no compartilhamento e planejamento de projetos. Neste sentido, a preparação dos profissionais em grupo potencializa o DCpS, na medida em que proporciona espaços para traduções e aplicação do conteúdo discutido durante o curso (Tilbury & Wortman, 2004).

Com relação ao desenvolvimento de competências, o projeto foca-se em quatro áreas: sustentabilidade, gestão de projetos, gestão da mudança e comunicação. Cada workshop busca cumprir um objetivo. O primeiro foca na sensibilização e no alinhamento no conhecimento da temática. O segundo foca na gestão de projetos. O terceiro discute aspectos da mudança organizacional e o último investe na capacidade do empresário envolver e comunicar os seus projetos aos outros setores da empresa. (Coordenação P3, 2019)

O YMT é uma iniciativa que possibilita a formação de uma “rede” de contatos de diversos ramos por meio de um programa estruturado e concebido para desenvolver competências. Destaca-se a ação dos Encontros de Delegados Anuais que proporcionava um espaço de discussão dos pontos de vista sobre Desenvolvimento Sustentável entre os participantes . (Associado P6, 2019)

Durante o percurso do YMT, empresários com pouca afinidade na discussão de DS questionaram a relevância de discutir biodiversidade e SE no ambiente empresarial. Além disso, revelaram que não sabiam como integrar estes temas a estratégia de negócios. Estas questões levaram o grupo a pensar meios de aproximar esta discussão das empresas, e estudar estratégias para demonstrar aos empresários que o pensamento dos SE vai além da geração de impactos ao meio ambiente, já que há uma relação de dependência de recursos que interferem no desenvolvimento dos negócios. Um exemplo foi o desenvolvimento de um documento com linguagem simplificada e ilustrado no qual procura-se evidenciar os conceitos e ferramentas relacionadas a gestão da biodiversidade e dos SE. Neste sentido, a competência para a sustentabilidade da comunicação foi estimulada, já que se buscou traduzir para o ambiente empresarial o discurso dos serviços ecossistêmicos. O percurso dessa tradução é representado na Tabela 4 .

Tabela 4
: Processo de tradução no YMT

A preocupação com a comunicação da questão socioambiental também permeou o desenvolvimento de projetos de conclusão de curso que se transformaram em livros, com temas incomuns ao universo empresarial: densidade demográfica da população; desenvolvimento da comunidade local; soluções de urbanismo e inclusão social. Isso favoreceu o desenvolvimento de novas competências, o que aproxima a formação de DCpS das metas de desenvolvimento traçadas no documento Visão 2050. São competências menos instrumentais que extrapolam os limites da empresa.

Internalizar é mudar de comportamento. As empresas adotaram práticas de gestão ambiental, mas do ponto de vista social, da ligação com as comunidades, da distribuição das mais valias, as empresas continuam com uma postura de querer aumentar os seus lucros, sem que haja necessariamente um aumento do benefício para a comunidade. Restringindo suas ações apenas à filantropia sem ter por base a sustentabilidade. (Coordenação P4, 2019)

Assim, apesar do objetivo do YMT ser a formação de Rede de Embaixadores do DS, com o intuito de multiplicar o discurso oficial de sustentabilidade do BCSD Portugal, observou-se que, durante o processo, foram vivenciados situações que favoreceram o desenvolvimento de competências mais próximas da lógica crítica (Kearins & Springett, 2003; Tilbury & Wortman, 2004). As ações educativas foram além da mera instrumentalização de ferramentas de gestão. Isso se observou nos diálogos durante o curso e no trabalho em equipe mobilizado tanto para o preenchimento dos relatórios de sustentabilidade como para o compartilhamento de experiências entre os participantes. Neste sentido, à medida que a rede de associados foi se tornando mais forte, abriu-se oportunidade para o desenvolvimento da competência visão de futuro, já que se fortaleceu a criação de propostas de integração da sustentabilidade à estratégia dos negócios. Deste modo, observa-se que o YMT vive a ambiguidade, ao mesmo tempo que abriu oportunidade para o DCpS críticas. A iniciativa também atuou na disseminação do discurso oficial do WBCSD , procurando limitar interpretações divergentes.

Discussão

O que se verifica ao analisar as iniciativas de um organismo empresarial de alcance mundial que começa a atuar no fomento e na promoção de ações educacionais, formais e informais, em direção aos princípios do desenvolvimento sustentável? Por um lado, essas iniciativas são louváveis e desejáveis, já que sinalizam uma ação de fomento ao DS no universo corporativo pela via da educação, que a rigor, entende-se como aquela que é capaz de provocar as mudanças necessárias nos indivíduos ancorando novos saberes. A base da sua ação, a educativa, é promissora, uma vez que o que se prega é que a incorporação da lógica do DS nas organizações pressupõe mudar a forma de pensar e de agir das pessoas (Kearins & Springett, 2003). Em se tratando de universo empresarial, a linguagem pela qual o WBCSD optou por fomentar as ações educativas – a do desenvolvimento de competências – contribui para o engajamento das empresas. Isso porque o termo encontra familiaridade com o mundo corporativo, que adota amplamente práticas de gestão de competências para capacitar seus colaboradores a atingir a excelência desejada. Tal iniciativa se dá em um contexto de avanço dos estudos sobre competências associadas à sustentabilidade no universo empresarial (Gitsham, 2012; Lans et al., 2013; Wiek et al., 2011).

Por outro lado, o exercício da desconstrução do discurso das ações educativas permite observar a ambiguidade que se estabelece nesse cenário (Derrida, 2001). Ainda que se verifique um avanço no conhecimento sobre sustentabilidade e suas diferentes perspectivas, há uma dificuldade em desenvolver competências com foco em mudanças de estatutos, sistemas de regras e modelo de negócios (Sehnem et al., 2019). Ou seja, acolhe-se a diversidade de discursos sobre sustentabilidade no percurso formativo, mas não se valoriza os conflitos e a pluralidade sociocultural como estratégias para problematizar a relação dos serviços ecossistêmicos com os negócios (Castillo et al., 2019). A tentativa de incentivar novos temas e objetivos empresariais que rompem com a lógica insustentável em que vivemos convive com a necessidade de exercer controle, definindo os conteúdos e objetivos da formação empresarial nesse processo. Mas quais são esses objetivos? De que natureza de competência se está tratando?

A ação educacional do WBCSD, enquanto think tank , pode até indicar, em alguma medida, uma aproximação à crítica de Ruth (2006) aos modelos de competências. Há, para esse autor, uma preocupação exacerbada das empresas por mais competências, ao invés de se preocuparem com melhores competências, entendidas como aquelas que se dirigem a um futuro sustentável e coerente para o planeta. Não seria imprudente temer que os programas de DCpS, que deveriam a princípio romper com o que Ruth chama de “armadilha da serviliência”, estivessem subjugando a sua ação à essa mesma lógica. Isto é, ao invés de romper com um modelo de empresa insustentável, propondo outra forma de produzir e estimular outra forma de consumir, as competências que são desenvolvidas podem estar a serviço da manutenção do mesmo modelo de empresa que há anos sustenta a vida organizacional. Introduzem-se algumas mudanças, não muito radicais, que ajudam mais na adaptação da empresa às demandas da sustentabilidade por via das exigências do próprio mercado, do que no desenvolvimento de uma outra relação entre empresa e sociedade (Kearins & Springett, 2003; Tilbury & Wortman, 2004). O Visão 2050 destacou aspectos que normalmente não fazem parte das pautas empresariais, mas governamentais. O documento defende que temas como educação, gênero, necessidades humanas básicas e dignidade devem fazer parte dos negócios e servir de inspiração para desenvolver competências constatativas (compreensão, análise crítica e visão de futuro). O Ação 2020, por sua vez, assume uma responsabilidade mais performativa, na qual se questiona quais competências técnicas o empresário precisa desenvolver para lidar com as questões socioambientais (engajamento e comunicação). Essa instrumentalização dos documentos Visão 2050 e Ação 2020 vão ao encontro do que afirma Gitsham (2012). Ainda que as ações de DCpS estejam ancoradas em uma lógica mais funcional, observam-se oportunidades para transformação da vida da comunidade local que se localiza no entorno das organizações. Essa visão também reverbera a discussão de Garlet et al. (2019) que defende o desenvolvimento de modelos de gestão que direcionam a missão empresarial para a sustentabilidade e expectativas dos stakeholders .

Acrescenta-se que há uma lacuna entre os dois documentos que prejudicou o desenvolvimento de competências para a sustentabilidade. A expectativa era de que o Visão 2050 servisse de diretriz para a elaboração do Ação 2020. Todavia, apesar do Visão 2050 citar a necessidade de emancipação econômica e a importância de preparar os empresários para exercerem um papel significativo na comunidade, verifica-se que o Ação 2020 não se apropriou adequadamente desses conceitos. Tais fatos interferiram na capacidade de ação social e engajamento, e se revelou na dificuldade de reflexão sobre os valores que sustentam a gestão e a ação empresarial. Para responder a essa lacuna os espaços formativos precisariam promover um processo de emancipação com foco na mudança radical das estruturas vigentes, o que não se verificou (Kearins & Springett, 2003).

A experiência do Pese no BCSD Brasil buscou preparar os empresários para compreender as implicações da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos (SE) nos negócios. O impasse que possibilitou o deslocamento da oposição entre empresa e questão ambiental foi a dificuldade inicial em perceber as relações de dependência do negócio com os recursos naturais, o que estimulou a discussão de assuntos não comuns para o cotidiano dos empresários. Associados relatam que as empresas buscaram assumir relações sustentáveis com os fornecedores, preparando-os para monitorar o risco ambiental e social de suas atividades, em um processo de comunicação com a comunidade local, o que revela um alinhamento com a perspectiva sistêmica e integrativa (Cavenaghi & Munck, 2018).

Todavia, paradoxalmente a estas iniciativas, a busca por definir uma ferramenta (ESR) para lidar com esses impasses, acabou por incentivar competências mais próximas da lógica instrumental, na qual o alinhamento aos interesses da instituição limitou a compreensão da complexidade da temática. O pensamento logocêntrico, neste caso, procurou direcionar a competência da análise crítica, do engajamento e da comunicação aos passos descritos no ESR, reduzindo a visão de futuro, aos princípios e diretrizes, dentro dos limites e objetivos das empresas.

No caso do YMT no BCSD Portugal, a lacuna que possibilitou desestabilizar o discurso oficial de DS e disseminar outras traduções se revelou, pelo menos, em dois acontecimentos. O primeiro foi a escolha dos participantes do projeto. A não definição de uma metodologia para essa etapa, com a liberdade de decisão pelas empresas, abriu espaço para a participação de profissionais em distintos estágios de compreensão do DS. Isso provocou discussões durante o curso, com interpretações divergentes sobre o modo do setor empresarial engajar-se na condução das questões socioambientais. Outra questão se relaciona à visão sobre a formação da rede de embaixadores do DS. O intuito era que estes pontos focais simplesmente replicassem o discurso oficial nas empresas associadas. No entanto, o que se observou, foi o surgimento de diversos discursos de sustentabilidade corporativa durante o percurso, o que provocou os empresários a lidarem com a diversidade de interpretações no processo de DCpS.

No que tange a metodologia de desenvolvimento de competências, o YMT foca em um percurso que envolve sensibilização, gestão de projetos, mudança organizacional e capacidade de comunicação. De um lado, identifica-se um modelo instrumental de DCpS que dialoga com o pensamento de Wiek et al. (2011), visto que o intuito da iniciativa é a definição de uma lista de competências a serem adquiridas e gerenciadas por meio de treinamentos e indicadores. Por outro lado, essa experiência no BCSD Portugal dialoga com a pesquisa de Dentoni et al. (2012) no que se refere ao desenvolvimento da capacidade de colaboração entre diferentes atores sociais. Destaca-se que esse conflito de perspectivas contribui para a reflexão do empresário sobre as interdependências entre os sistemas sociais, econômicos e ambientais e as implicações nos negócios. Além disso, acrescenta-se que a experiência do YMT demonstrou que a busca do consenso é limitante, já que na discussão de assuntos complexos, como a sustentabilidade, avança-se quando se valoriza os diversos pontos de vista (Palma & Pedrozo, 2019).

Deste modo, a análise das iniciativas educacionais do BCSD Portugal e do BCSD Brasil aponta para propostas formativas com enfoque na eficiência econômica. Isso porque apresentam um forte componente instrumental, de aplicação de ferramentas gerenciais, que já foram colocadas em dúvida pela sua capacidade de contribuir, de fato, com as mudanças necessárias das empresas (Raska & Shaw, 2012). Ou seja, percebe-se uma lacuna nessas iniciativas que vão ao encontro das críticas de Kearins e Springett (2003). As autoras afirmam que os processos educacionais não discutem profundamente as relações de poder e ideologias que permeiam os contextos culturais nos quais as organizações se encontram. Uma das barreiras que prejudicam a prática da sustentabilidade é a ausência de metodologias que privilegiam o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo sobre as estruturas sociais que limitam o acesso de direitos a um grupo restrito de stakeholders (Tilbury & Wortman, 2004).

A ambiguidade, as lacunas e as oposições de que tanto trata Derrida (2002), mais uma vez contribuem para se observar o comportamento que predomina nas iniciativas de DCpS. O programa do BCSD Portugal se diferencia ao incorporar objetivos que vão além da maximização de lucro e que tenham um forte impacto social, ainda assim, há prioridade para a gestão de indicadores e a busca de metas de curto prazo. Isso também se revela no BCSD Brasil, que avança ao discutir a gestão dos ecossistemas, mas reduz a complexidade do debate quando o concentra na replicação da ferramenta ESR.

No percurso de DCpS do Pese e do YMT verifica-se a predominância da perspectiva funcional e pragmática, visto que as competências desenvolvidas nessas iniciativas tendem a adaptar os sujeitos à lógica da sustentabilidade empresarial, ignorando, entretanto, a análise das mudanças estruturais que precisam ser realizadas para romper com o futuro insustentável (Ruth, 2006). Há acolhida de diversos discursos sobre sustentabilidade corporativa no percurso formativo do WBCSD, no entanto, reafirma-se um pensamento logocêntrico quando se foca na aprendizagem de ferramentas de gestão para responder à eficiência econômica e se dedica pouco tempo para o estudo dos limites ecossistêmicos, equidade e contextos socioculturais (Amazonas, 2012; Castillo et al., 2019).

Observa-se, portanto, que o WBCSD precisa avançar em direção a sua dupla responsabilidade diante da questão socioambiental. A entidade necessita reconhecer-se como think tank que, ao mesmo tempo, realiza iniciativas que colaboram para o desenvolvimento de competências nos agentes de suas empresas associadas ( shareholders ), mas que também tem de assumir a sua responsabilidade na concretude e no alcance das iniciativas sustentáveis que fomenta (Palma et al., 2019). Uma ação educacional da proporção que pode atingir uma entidade com o poder de penetração do WBCSD tem de ser constantemente questionada, revisitada e pressionada para responder, de fato, aos objetivos que se propõe e recorrer a metodologias mais sustentáveis para atingir alguma eficácia na mudança e, desta forma, reconhecer as diversas traduções sobre sustentabilidade corporativa que podem ser assumidas nas experiências de aprendizagem da entidade. Assim, além de ser uma organização global que propõe programas de desenvolvimento de competências e modelos, o WBCSD precisa se reinventar e estar aberto para outras traduções, reconhecendo as várias leituras e relações que permeiam o percurso de aprendizagem e o DCpS. Mais do que a reprodução de métodos cartesianos de ensino, espera-se que a entidade multiplique as experiências educativas que se apoiam no “movimento de invenção e cuidado com a vida” (Demoly & Santos, 2019).

Neste sentido, como indicação de oportunidade para aprofundamento da pesquisa com estudos futuros, sugere-se que se busque analisar as iniciativas de DCpS promovidas pelo WBCSD em outros países, visto que esta pesquisa se concentrou nas experiências dos Conselhos Empresariais do Brasil e de Portugal. Além disso, este estudo ouviu coordenadores e associados que revelaram suas reflexões sobre a atuação do WBCSD. Acredita-se que entrevistas com representantes de outras entidades favoreça a acolhida de mais perspectivas sobre a sustentabilidade empresarial. Pode-se citar como exemplos os programas estudados por Gitsham (2012), nessas experiências mobilizam-se empresários em ações que beneficiam a comunidade no entorno das organizações, com resultados concretos na vida das pessoas. Destaca-se que há outros think tanks (Foundation for Economic Education, Tinker Foundation) atuantes na área de DCpS que podem ser investigados com o intuito de compreender as metodologias de ensino e a natureza das competências desenvolvidas. Propõe-se também que a pesquisa dessas outras iniciativas ocorra sob o olhar da desconstrução, o que pode promover a descoberta de outras metáforas que traduzem a direção em que caminham os programas de DCpS.

Conclusão

Este artigo focou sua discussão no seguinte problema de pesquisa: Os discursos e iniciativas de desenvolvimento de competências para a sustentabilidade do WBCSD são espaços de várias traduções sobre a sustentabilidade corporativa ou lugar de reafirmação de discursos logocêntricos e definitivos sobre a temática? Para responder a essa questão estudou-se os documentos institucionais (Visão 2050 e Ação 2020) e procedeu-se a uma série de visitas e entrevistas in loco aos Conselhos Empresariais do WBCSD (brasileiro e português). A metodologia utilizada para a análise dos dados inspirou-se na desconstrução de Derrida. Isso possibilitou compreender os discursos como um processo de tradução e acolhida de diferentes perspectivas que mobilizaram diferentes competências, visto que estas, sob a ótica derridiana, devem ser lidas como algo provisório e aberto a interpretações.

A análise das iniciativas educacionais dos Conselhos Empresariais do WBCSD (brasileiro e português) demonstrou que se acolhe os diversos discursos sobre sustentabilidade corporativa no percurso formativo dessas instituições. No entanto, reafirma-se um pensamento logocêntrico e definitivo sobre a temática quando se entende que o modo de se realizar as diretrizes do Visão 2050 limita-se, sobretudo, a aplicação de ferramentas gerenciais.

Enquanto via metodológica, a desconstrução mostrou ser um caminho interessante para a revisão das traduções dos empresários sobre sustentabilidade, que pode servir para o avanço das discussões dos estudos de competência em uma ótica interpretativista. Além disso, os resultados apresentados também podem servir de referência para outros pesquisadores analisarem experiências empresariais orientadas à sustentabilidade que estão em curso, investigando em que medida rompem a lógica logocêntrica. Bem como inspirar ações de desenvolvimento empresarial que combinem metodologias de aprendizagens significativas que partam da revisão das interpretações e traduções sobre limites ambientais e questões sociais, abrindo oportunidade para o avanço nas práticas de desenvolvimento de competências do empresariado em nossa sociedade.

Todavia, essa pesquisa tem limitações que podem ser compreendidas como oportunidades para estudos futuros. Dado que as traduções sobre as competências para sustentabilidade identificadas nas iniciativas educacionais do BCSD Brasil e BCSD Portugal referem-se a situações específicas vividas pelos atores participantes no percurso formativo dessas entidades, sugere-se que novas pesquisas considerem as traduções de outros atores dos Conselhos Regionais vinculadas ao WBCSD pertencentes a demais regiões geográficas e culturais. Outra limitação deste estudo refere-se ao tempo de acompanhamento das experiências formativas, sugere-se que novas investigações recorram a propostas longitudinais. Além disso, a análise empreendida nesta pesquisa foi feita após o término das formações, recomenda-se que outros estudos acompanhem o desenvolvimento de competências dos atores empresariais antes, durante e após os processos formativos.

Agradecimentos

Agradecimentos à professora Luísa Schmidt pela acolhida durante o período do Doutorado Sanduíche no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. À professora Fernanda Bernardo pela acolhida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra durante a pesquisa de pós-doutorado. Ao WBCSD, BCSD Portugal e ao CEBDS pela transparência no compartilhamento de informações. Aos Grupos de Pesquisa POIEIN, GEPESE e Logística e Administração Contemporânea. Ao PPGEH do Ifes.

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  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores agradecem o apoio financeiro da Capes e do Instituto Federal do Espírito Santo.
  • Editora Associada: Andréa Ventura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2018
  • Aceito
    12 Abr 2021
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