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Desempenho e morfologia hepática de juvenis de tilápia-do-nilo alimentados com dietas suplementadas com metionina e colina

Performance and hepatic morphology of Nile tilapia juveniles fed methionine and choline supplemented diets

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da metionina e colina sobre o desempenho produtivo e a morfologia do fígado de tilápia-do-nilo. Durante 87 dias, 160 peixes da linhagem Supreme, com peso vivo médio inicial de 77±0,8 g, distribuídos igualmente em 16 tanques de 1.000 L cada, foram cultivados em sistema com recirculação de água. Os peixes foram alimentados com rações, peletizadas, três vezes ao dia, até saciedade aparente. Foram utilizadas quatro rações com 33% de proteína bruta e 3.000 kcal kg-1 de energia digestível: controle, sem suplementação; suplementação com 3.000 mg kg-1 de metionina; com 2.000 mg kg-1 de colina; com 3.000 mg kg-1 de metionina e 2.000 mg kg-1 de colina. Não foi observado efeito do fornecimento de metionina ou colina sobre o ganho de peso diário, conversão alimentar, rendimento de filé, índice hepatossomático e gordura visceral. Os peixes alimentados com dietas suplementadas com colina e metionina tiveram menor teor de gordura nos filés e redução de inclusões lipídicas no tecido hepático. A suplementação com colina e metionina não afeta o desempenho produtivo de juvenis de tilápia-do-Nilo, mas a colina tem ação na utilização do lipídio hepático, evidenciada pela redução de inclusões lipídicas.

Oreochromis niloticus; aminoácido; fígado; músculo; peixe; vitamina


The objective of this work was to evaluate the effects of methionine and choline on the productive performance and on the liver morphology of Nile tilapias. During 87 days, 160 Supreme strain fish, with average weight of 77±0.8 g, equally distributed in 16 tanks with 1,000 L each, were cultivated in a recirculating water system. The fish fed on pelleted diets three times a day until apparent satiation. Four diets with 33% crude protein and 3,000 kcal kg-1 digestible energy were used: control, without supplementation; supplemented with 3,000 mg kg-1 methionine; with 2,000 mg kg-1 choline; with 3,000 mg kg-1methionine and 2,000 mg kg-1 choline. No effects of methionine or choline supplements were observed on daily weight gain, feed conversion, fillet yield, hepatosomatic index and visceral fat. Fish fed on diets supplemented with choline and methionine had lower fat content in the fillets and reduction of lipidic inclusion in the hepatic tissue. Choline and methionine supplementation does not affect productive performance of Nile tilapia juvenile; however, choline has an important action for hepatic lipid utilization, as evidenced by the reduction of lipidic inclusions.

Oreochromis niloticus; amino acid; liver; muscle; fish; vitamin


PISCICULTURA

Desempenho e morfologia hepática de juvenis de tilápia-do-nilo alimentados com dietas suplementadas com metionina e colina

Performance and hepatic morphology of Nile tilapia juveniles fed methionine and choline supplemented diets

Thêmis Sakaguti GracianoI; Maria Raquel Marçal NataliII; Luiz Vítor Oliveira VidalI; Mariana MichelatoI; José Sérgio RighettiI; Wilson Massamitu FuruyaI

IUniversidade Estadual de Maringá (UEM), Departamento de Zootecnia, Avenida Colombo, nº 5.790, Jardim Universitário, CEP 87020-900 Maringá, PR. E-mail: the_graciano@yahoo.com.br, luizvitor.vidal@gmail.com, marianamichelato@hotmail.com, ematermdcu@bol.com.br, wmfuruya@uem.br

IIUEM, Departamento de Ciências Morfofisiológicas. E-mail: mrmnatali@uem.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da metionina e colina sobre o desempenho produtivo e a morfologia do fígado de tilápia-do-nilo. Durante 87 dias, 160 peixes da linhagem Supreme, com peso vivo médio inicial de 77±0,8 g, distribuídos igualmente em 16 tanques de 1.000 L cada, foram cultivados em sistema com recirculação de água. Os peixes foram alimentados com rações, peletizadas, três vezes ao dia, até saciedade aparente. Foram utilizadas quatro rações com 33% de proteína bruta e 3.000 kcal kg-1 de energia digestível: controle, sem suplementação; suplementação com 3.000 mg kg-1 de metionina; com 2.000 mg kg-1 de colina; com 3.000 mg kg-1 de metionina e 2.000 mg kg-1 de colina. Não foi observado efeito do fornecimento de metionina ou colina sobre o ganho de peso diário, conversão alimentar, rendimento de filé, índice hepatossomático e gordura visceral. Os peixes alimentados com dietas suplementadas com colina e metionina tiveram menor teor de gordura nos filés e redução de inclusões lipídicas no tecido hepático. A suplementação com colina e metionina não afeta o desempenho produtivo de juvenis de tilápia-do-Nilo, mas a colina tem ação na utilização do lipídio hepático, evidenciada pela redução de inclusões lipídicas.

Termos para indexação:Oreochromis niloticus, aminoácido, fígado, músculo, peixe, vitamina.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the effects of methionine and choline on the productive performance and on the liver morphology of Nile tilapias. During 87 days, 160 Supreme strain fish, with average weight of 77±0.8 g, equally distributed in 16 tanks with 1,000 L each, were cultivated in a recirculating water system. The fish fed on pelleted diets three times a day until apparent satiation. Four diets with 33% crude protein and 3,000 kcal kg-1 digestible energy were used: control, without supplementation; supplemented with 3,000 mg kg-1 methionine; with 2,000 mg kg-1 choline; with 3,000 mg kg-1methionine and 2,000 mg kg-1 choline. No effects of methionine or choline supplements were observed on daily weight gain, feed conversion, fillet yield, hepatosomatic index and visceral fat. Fish fed on diets supplemented with choline and methionine had lower fat content in the fillets and reduction of lipidic inclusion in the hepatic tissue. Choline and methionine supplementation does not affect productive performance of Nile tilapia juvenile; however, choline has an important action for hepatic lipid utilization, as evidenced by the reduction of lipidic inclusions.

Index terms:Oreochromis niloticus, amino acid, liver, muscle, fish, vitamin.

Introdução

A tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus L.) é uma das espécies mais importantes para a piscicultura, em razão de sua rápida taxa de crescimento, adaptação a diversas condições de criação e boa aceitação pelo consumidor (Boscolo et al., 2001). No Brasil, 37,96% do total de peixes produzidos em 2005 foi de tilápias (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 2007). Em 2006, a tilápia foi a espécie de peixe de água doce mais produzida (27,8%) (Food and Agriculture Organization, 2009).

A metionina é um aminoácido essencial, que atua na síntese proteica e desempenha funções fisiológicas importantes, além de ser essencial para o crescimento normal dos peixes. A principal função da metionina é doar grupos metil para reações de metilação, pela via S-adenosil metionina (SAM) (Bender, 2003). Os animais podem sintetizar colina, em presença de quantidades adequadas de precursores, tais como a fosfatidil-serina e a metionina (Kasper et al., 2000), que atuam como doadores de grupo metil (Case et al., 1997). A molécula de colina possui três grupos metil (-CH3), cuja função final é atuar como fonte de grupos metil para reações de metilação. A colina reage com a acetil coenzima A e atua como precursor da acetilcolina, um neurotransmissor (Shiau & Lo, 2000; Zeisel, 2000), e da fosfatidilcolina, que é um fosfolipídio estrutural da membrana celular, importante para a transmissão do impulso nervoso. Atua também, como fator lipotrópico, melhora a síntese de lipoproteínas e o transporte de lipídio-colesterol (Zeisel, 2000; Bender, 2003), e evita o acúmulo de lipídios no fígado (Reece, 2006). A colina é a única fonte de doação de grupos metil prontamente ativa e permite a síntese de compostos chaves no metabolismo proteico e energético, como a metionina, carnitina, fosfatidilcolina e creatina (El-Husseiny et al., 2008). Além disso, a colina é requerida para a síntese de lipoproteínas, responsável pelo transporte de gordura do fígado para outros tecidos, o que impede o acúmulo de lipídios nesse órgão. Em trabalhos realizados por Roem et al. (1990), Shiau & Lo (2000), Kasper et al. (2000, 2002), Vieira et al. (2001) e El-Husseiny et al. (2008) foi demonstrada a importância da metionina ou da colina no desempenho e concentração de lipídio hepático em tilápias; porém, as interações entre a metionina e a colina sobre a morfologia hepática não foram avaliadas. A deposição de lipídio no fígado de peixes cultivados é frequentemente intensa e indica desbalanço nutricional das dietas artificiais (Takashima & Hibiya, 1995).

As tilápias têm sido criadas de forma intensiva no Brasil, o que demanda a utilização de dietas que permitam, além de bons ganho de peso e conversão alimentar, a produção de peixes com alto rendimento de filé e composição química adequada, principalmente no que se refere a baixos teores de lipídios.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito de dietas suplementadas com metionina e colina sobre o desempenho e morfologia hepática da tilápia-do-nilo.

Material e Métodos

O experimento foi realizado durante 87 dias, no Laboratório de Aquicultura da Universidade Estadual de Maringá, em Maringá, PR, de março a maio de 2008.

Foram utilizados 160 peixes revertidos em machos durante a fase larval, provenientes da Piscicultura Aquabel, Rolândia, PR, com peso inicial de 77±0,8 g, distribuídos em 16 tanques de 1.000 L cada, em sistema de fluxo de água fechado com vazão de 1 L min-1; com circulação continua e filtro biológico.

Foi utilizado o delineamento inteiramente casualizado, com quatro tratamentos, quatro repetições e dez peixes por unidade experimental. Os tratamentos foram constituídos por dietas com 33% de proteína bruta e 3.000 kcal kg-1 de energia digestível: CT, dieta sem adição de metionina ou colina; MT, 3.000 mg kg-1 de metionina na ração; CL, 2.000 mg kg-1 de colina; e MT + CL, 3.000 mg kg-1 de metionina e 2.000 mg kg-1 de colina .

A dieta controle foi elaborada com base em valores de aminoácidos digestíveis do milho, farelo de soja, farelo de trigo e farinha de peixe, determinados para a tilápia-do-nilo por Furuya et al. (2001a). Para a farinha de carne, foram utilizados os valores de aminoácidos digestíveis determinados por Guimarães et al. (2008a, 2008b). A suplementação da dieta controle foi realizada com DL-metionina 99% (MT), cloreto de colina 75% (CL) ou DL-metionina 99% + cloreto de colina 75% (MT+CL) (Tabela 1).

Todos os ingredientes foram moídos em moinho martelo até que atingissem diâmetro igual ou inferior a 0,50 mm. Para a elaboração das dietas, após pesagem e homogeneização dos ingredientes, foi pulverizada água a 55ºC, na proporção de 35% de seu peso total; em seguida, as dietas foram colocadas em moinho de carne e desidratadas em estufa de ventilação forçada a 55ºC, durante 24 horas, tendo-se obtido grânulos com 3 mm de diâmetro. Os peixes foram alimentados três vezes ao dia (8, 14 e 18 h), por meio de arraçoamento manual, até saciedade aparente.

Uma vez por semana, foram tomadas as medidas de temperatura, às 8 e às 16 h, e do oxigênio dissolvido (mg L-1) na água de cada tanque, por meio de "kit" digital portátil YSI-1055 (Bernauer, Blumenau, Brasil).

Todos os peixes foram pesados individualmente em balança digital, com precisão de 0,01 g, no início e no final do experimento.

Ao término do experimento, dez peixes por tanque foram abatidos, dos quais sete foram utilizados para análise do rendimento e da composição química do filé, e três foram utilizados para avaliação morfológica do fígado. Os peixes foram eviscerados, e os filés retirados com pele no sentido da musculatura dorsal para a ventral, tendo-se procedido, em seguida, à remoção da pele no sentido longitudinal, da cauda para a extremidade anterior, com auxílio de alicate e faca.

As análises químicas das dietas e dos filés foram realizadas no Laboratório de Análise de Alimentos, do Departamento de Zootecnia, da Universidade Estadual de Maringá, conforme Silva & Queiroz (2002).

A análise histológica foi realizada no Laboratório de Histotécnica Animal, do Departamento de Morfologia, da Universidade Estadual de Maringá. Foram utilizados 12 peixes por tratamento e foram coletados os fígados para a análise histológica. As amostras foram fixadas e armazenadas separadamente, em solução de formol tamponado a 10% (24 horas), e foram posteriormente transferidas para frascos com álcool a 70%, para a conservação do material. Em seguida, procedeu-se ao processo de desidratação das amostras, através de passagens em séries crescentes de alcoóis, diafanizadas em xilol e incluídas em parafinas, para obtenção de cortes transversais semisseriados, com espessura de 5 μm em micrótomo rotativo RM-2255 (Leica Microsystems, Wetzlar, Alemanha). Duas lâminas com quatro cortes histológico por fígado foram coradas com hematoxilina-eosina (HE) e empregadas para avaliação e descrição da morfologia e integridade do tecido hepático, por meio de objetiva ocular micrométrica (400X) Olympus bX41 (Olympus Optical, Tóquio, Japão).

Para as análises de inclusão de glicogênio hepático, pela técnica histoquímica do ácido periódico de Schiff (PAS), foram utilizados 12 peixes por tratamento. De cada amostra de fígado foram confeccionadas duas lâminas com quatro cortes.

Para as análises de inclusão de lipídio hepático, pela técnica histoquímica Sudan III, amostras de fígado foram coletadas e congeladas em nitrogênio líquido e, posteriormente foram transferidas para um freezer a -80ºC. Para evidenciação de inclusões lipídicas no tecido hepático, os fígados foram submetidos à microtomia em criostato Leica CM-1850 (Leica Microsystems, Wetzlar, Alemanha), em cortes histológicos de 10 μm de espessura, com temperatura interna de -27ºC , associada à coloração histoquímica Sudan III e hematoxilina, para evidenciação do núcleo do hepatócitos.

Para a análise morfométrica do material evidenciado pela histoquímica PAS e Sudan III, foram capturadas imagens do parênquima hepático por meio de uma câmera digital de alta resolução Pro-series da Media Cybertecnics (Olympus, Tóquio, Japão), acoplada ao microscópio (Olympus Bx 41, Tóquio, Japão), tendo-se utilizado como referência a veia central. Para leitura das imagens, foi utilizado o programa Image-Pro Plus 4.5.1 (Media Cybernetics Products, Bethesda, EUA). Para avaliar o percentual das áreas glicogênica e lipídica presentes nos hepatócitos, considerou-se como medida padrão a área total do campo microscópico (20.458,61 μm2), subtraída da área ocupada pela veia centrolobular (21.84,44 μm2), que correspondeu a 18.274,17 μm2. Para cada técnica histoquímica, foram capturados 20 campos por lâmina por peixe, no total de 240 imagens por tratamento.

Foram utilizados os mesmos peixes (12 peixes por tratamento) para as análises histológica (HE) e de histoquímica PAS e Sudan III, porém com amostras diferentes de fígado, já que os cortes para a técnica HE e histoquímica PAS foram obtidos por inclusão em parafina (bloco), enquanto para a histoquímica Sudan III, as amostras de fígado foram fixadas em nitrogênio líquido.

Os peixes foram distribuídos em delineamento inteiramente casualizado, com quatro tratamentos e quatro repetições, na avaliação do desempenho produtivo. Para a análise da morfologia e histoquímica hepática e da morfologia muscular, foi utilizado um delineamento com quatro tratamentos e doze repetições. Os dados de desempenho e de histoquímica foram submetidos à análise de variância, individualmente, para cada variável resposta, a 5% de probabilidade. As análises estatísticas dos dados foram realizadas pelo programa Saeg (SAEG, 2007).

Resultados e Discussão

Os valores médios de temperatura e oxigênio dissolvido da água, mensurados durante o período experimental, foram, respectivamente, 27,22±1,72ºC e 5,61±0,33 mg L-1. Estes valores estão dentro da faixa considerada adequada para a espécie, de acordo com Tavares (1995).

Não foram observadas diferenças significativas dos tratamentos sobre o peso final, ganho de peso diário, conversão alimentar, rendimento de filé, índice hepatossomático, sobrevivência e gordura visceral da tilápia-do-nilo, alimentada com metionina ou colina.

Foi observada menor concentração de gordura nos filés, nos peixes que receberam dieta suplementada com metionina e colina, não tendo havido diferenças entre os tratamentos controle, e com metionina ou colina (Tabela 2).

Em trabalhos relacionados à suplementação com colina ou à interação da metionina e colina, variações na resposta de desempenho produtivo são comumente observadas. Essas variações podem ocorrer em consequência da biossíntese da colina proveniente da fonte proteica utilizada na dieta que, por sua vez varia conforme a espécie, fase de desenvolvimento e sistema de criação (Zhang & Wilson, 1999).

Roem et al. (1990) não observaram diferenças sobre o ganho de peso, conversão alimentar e sobrevivência da tilápia-áurea, alimentada com rações purificadas com 0, 250, 500, 1.000 ou 2.000 mg kg-1 de colina. Shiau & Lo (2000) trabalharam com a tilápia- do-nilo, com suplementação de 0, 100, 200, 400, 600, 800, 1.000 e 2.000 mg kg-1 de colina, e obtiveram boa resposta nos parâmetros de ganho de peso, eficiência alimentar e sobrevivência. Kasper et al. (2000) avaliaram para tilápia-do-nilo rações com valores crescentes de colina (1.000, 2.000, 3.000 ou 4.000 mg kg-1), com 0,28 ou 0,5% de aminoácidos sulfurados totais (matéria seca), e concluíram que os peixes alimentados com a dieta com 3.000 mg kg-1 de colina e 0,5% de aminoácidos sulfurados obtiveram melhores resultados de ganho de peso e eficiência alimentar.

Ainda que a metionina seja um aminoácido limitante e essencial para o crescimento normal dos peixes, não foram observados seus efeitos positivos sobre o desempenho, o que indica que a exigência de metionina é inferior à recomendada pelo National Research Council (1993), de 0,75% de metionina ou 0,9% de aminoácidos sulfurados totais, ou seja, 0,15% de cistina. No presente trabalho, a menor exigência de metionina pode estar relacionada aos maiores valores de cistina da dieta, pois enquanto os valores de cistina, recomendados pelo National Research Council (1993), são de 0,15%, no presente trabalho a dieta controle possuía 0,47% de cistina. Considerando-se que a cistina é obtida a partir da metionina (transulfuração), é possível que a metionina tenha sido "poupada" para a produção de cistina. Nesse sentido, Furuya et al. (2004) determinaram exigência de 0,54% de metionina em dieta com 1,13% de aminoácidos sulfurados totais (0,6% de cistina), para alevinos de tilápia-do-nilo alimentados com dieta prática.

A exigência de colina para peixes varia de 50 a 3.400 mg kg-1 (National Research Council, 1993; Kasper et al., 2000). Mais especificamente com tilápias, Roem et al. (1990) observaram crescimento máximo da tilápia-azul (O. aureus), alimentada com dieta que continha 500 mg kg-1; inferior ao valor descrito por Shiau & Lo (2000) para a tilápia híbrida (O. niloticus x O. aureus), de 1.000 mg kg-1; superior ao valor determinado por Vieira et al. (2001) para alevinos de tilápia-do-nilo, de 375 mg kg-1.

A redução de gordura no filé, obtida nos peixes alimentados com suplementação de 3.000 mg kg-1 de metionina e 2.000 mg kg-1 de colina, pode ter ocorrido em razão da conversão da metionina em carnitina. A L-carnitina pode promover a redução do lipídio muscular e hepático (Dias et al., 2001).

Pela morfometria do glicogênio hepático e de inclusões lipídicas pelas técnicas de PAS e Sudan III, respectivamente, observou-se que os peixes alimentados com dietas suplementadas com colina e com metionina + colina tiveram maior área do fígado ocupada por glicogênio e menor área ocupada por lipídios do que os peixes alimentados com a dieta controle ou com dieta suplementada com metionina (Tabela 2). Não houve diferenças entre o tratamento com colina e o com metionina + colina, tanto na mensuração do glicogênio hepático como na mensuração de lipídios, o que indica que não houve efeito da metionina ou colina sobre as inclusões glicogênicas, e que somente a colina foi efetiva na redução de inclusões lipídicas. A dieta controle diferiu do tratamento com metionina, em relação à técnica de PAS, cujos peixes tiveram maior área ocupada por glicogênio, no entanto, não tiveram diferenças quanto à mensuração das inclusões lipídicas.

Dentre uma série de funções do fígado, destaca-se sua capacidade de acumular substâncias de reserva, especialmente sob a forma de glicogênio e lipídios (Ferguson, 2006), e as variações no armazenamento de substâncias dependem da espécie, idade, sexo, condição nutricional, maturação gonadal e de aclimatação térmica.

Não foi observado acúmulo excessivo de glicogênio nos hepatócitos, em nenhum dos tratamentos. Nos peixes, as partículas de glicogênio podem encontrar-se dispersas no citoplasma ou agregadas em grandes concentrações (Takashima & Hibiya, 1995). O glicogênio pode acumular-se de forma anormal no citoplasma e aparecer como vacúolos claros; no entanto, é mais comum que a vacuolização do citoplasma dos hepatócitos ocorra em razão de inclusões lipídicas (Takashima & Hibiya, 1995).

Há poucas informações sobre os efeitos da colina e da metionina na histologia do fígado. Kasper et al. (2000) realizaram dois experimentos sobre a interação metionina/colina em dietas para tilápia-do-nilo, que mostraram, na avaliação da histopatologia hepática, quantidades variáveis de degeneração macrovesicular e microvesicular em todos os grupos, o que indica acúmulo intracelular de lipídio e glicogênio, respectivamente, sem diferenças entre os tratamentos. Porém, não foram realizadas colorações específicas para a identificação de glicogênio ou de inclusões lipídicas.

A colina é considerada uma substância lipotrópica e um fator anti-hemorrágico que, quando suplementa a dieta, pode melhorar a síntese de lipoproteína e evitar o acúmulo de lipídios no fígado. A deficiência de colina está associada à redução do ganho de peso e da eficiência alimentar, hemorragia nos rins, fígado e intestino (Kasper et al., 2000; Zeisel, 2000).

O fígado desempenha um papel essencial no metabolismo lipídico e é o único sítio que realiza a síntese da fração proteica das lipoproteínas. A única forma de exportar os lipídios do fígado é sob a forma de lipoproteínas (Reece, 2006), principais formas circulantes de lipídios, que são amplamente utilizadas no tecido adiposo e muscular, por serem mais solúveis. O acúmulo de lipídios no fígado ocorre porque a colina é requerida para a síntese da porção da fosfatidilcolina constituinte da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL). Na ausência de colina, o VLDL não é secretado e o triacilglicerol se acumula no citosol hepático (Zeisel, 2000). A capacidade do fígado em sintetizar a parte proteica das lipoproteínas determina a taxa de transporte de gordura para fora do fígado (Takashima & Hibiya, 1995).

Como os animais podem sintetizar a colina, a biossíntese hepática pode não ser suficiente para os peixes em fase de crescimento, principalmente quando são alimentados com dietas deficientes em doadores de grupo metil ou metionina, o que torna a suplementação de colina indispensável. Humanos alimentados com nutrição parenteral total, suplementada com níveis adequados de metionina e ácido fólico e deficiente em colina, desenvolvem o acúmulo de lipídios no fígado e danos hepáticos, que foram resolvidos após a inclusão de colina na dieta. A deficiência de colina causa morte das células hepáticas, porque os hepatócitos iniciam a apoptose. A suplementação com doadores de grupo metil, como a betaína, metionina, ácido fólico ou vitamina B12 não previnem a apoptose causada pela deficiência de colina na dieta (Zeisel, 2000).

No presente trabalho, ficaram evidentes os efeitos positivos da colina na redução de inclusões lipídicas no tecido hepático, em peixes que receberam as dietas com colina e com metionina + colina. Neste último tratamento, não foi observada a ação da metionina como doador de grupos metil na síntese de colina, provavelmente porque o conteúdo de metionina utilizado atendeu às exigências de metionina para a tilápia-do-nilo.

Conclusões

1. A suplementação de dietas com colina e metionina não afeta o desempenho produtivo de tilápia-do-nilo.

2. A colina tem ação na utilização do lipídio hepático, evidenciada pela redução de inclusões lipídicas no fígado.

Recebido em 4 de setembro de 2009 e aprovado em 4 de junho de 2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Jul 2010

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2009
  • Aceito
    04 Jun 2010
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