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Manifestações diferenciais do autoconceito no fim do ensino secundário português

Differential manifestations of self-concept in the portuguese senior high-school education

Resumos

649 alunos do Ensino Secundário (60,4% sexo feminino, 39,6% masculino) foram avaliados em aspectos diferenciais do autoconceito, perspectiva multidimensional, segundo as variáveis idade, sexo, nível sócio-profissional, sócio-cultural, cursos, agrupamento de estudos, retenções escolares, participação em acções de orientação vocacional. Utilizou-se a adaptação portuguesa do Self-Description Questionnaire III de Marsh. RESULTADOS: os alunos mais novos apresentam autoconceito superior nas três dimensões acadêmicas, nas relacionadas com Honestidade/Fiabilidade e Estabilidade Emocional; diferenças no Autoconceito Acadêmico favorecem as raparigas e no Não-Acadêmico os rapazes; as diferenças no Acadêmico favorecem alunos de cursos de carácter geral e do agrupamento 1; no Autoconceito de Honestidade/Fiabilidade favorecem os que frequentam cursos de carácter geral; as diferenças em todas as dimensões acadêmicas e na Honestidade/Fiabilidade favorecem alunos sem retenções; diferenças em função da participação em orientação vocacional favorecem os que frequentaram acções de orientação no Autoconceito Não Acadêmico. Discutem-se os resultados comparando com estudos anteriores no contexto português.

Autoconceito; ensino secundário; diferenças


649 Secondary Students (60.4% females and 39.6% males) were evaluated in different aspects of individuals' self-concept, in multidimensional perspective, in variables as: age, gender, socio-professional status, socio-cultural status, secondary level vocational choices; academic failures; participation in vocational guidance courses. It was used the Portuguese adaptation of the Self-Description Questionnaire III, from Marsh to evaluate self-concept. RESULTS: differences favoring the younger students in three academic dimensions, in total academic self-concepts, in Honesty/Reliability and Emotional Stability nonacademic dimensions; differences in Academic Self-Concept favors girls, Nonacademic Self-Concept favors boys; differences in Academic Self-Concept favoring those students from general vocational and scientific and technological courses, and in the Honesty/Reliability favoring the students from general vocational courses; differences in all dimensions of Academic Self-Concept and Honesty/Reliability favoring the students without academic failures; differences favored the Nonacademic Self-Concepts of those students who have participated in vocational guidance courses. Results were discussed and compared with those from previous studies in the Portuguese context.

Self-concept; secondary education level; difference


Manifestações diferenciais do autoconceito no fim do ensino secundário português

Differential manifestations of self-concept in the portuguese senior high-school education

Luísa Faria; Ângela Sá Azevedo

Universidade do Porto - Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luisa Faria Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade do Porto - Portugal Rua do Campo Alegre, 1055, 4169-004 Porto - Portugal E-mail: lfaria@psi.up.pt

RESUMO

649 alunos do Ensino Secundário (60,4% sexo feminino, 39,6% masculino) foram avaliados em aspectos diferenciais do autoconceito, perspectiva multidimensional, segundo as variáveis idade, sexo, nível sócio-profissional, sócio-cultural, cursos, agrupamento de estudos, retenções escolares, participação em acções de orientação vocacional. Utilizou-se a adaptação portuguesa do Self-Description Questionnaire III de Marsh.

RESULTADOS: os alunos mais novos apresentam autoconceito superior nas três dimensões acadêmicas, nas relacionadas com Honestidade/Fiabilidade e Estabilidade Emocional; diferenças no Autoconceito Acadêmico favorecem as raparigas e no Não-Acadêmico os rapazes; as diferenças no Acadêmico favorecem alunos de cursos de carácter geral e do agrupamento 1; no Autoconceito de Honestidade/Fiabilidade favorecem os que frequentam cursos de carácter geral; as diferenças em todas as dimensões acadêmicas e na Honestidade/Fiabilidade favorecem alunos sem retenções; diferenças em função da participação em orientação vocacional favorecem os que frequentaram acções de orientação no Autoconceito Não Acadêmico. Discutem-se os resultados comparando com estudos anteriores no contexto português.

Palavras-chave: Autoconceito; ensino secundário; diferenças.

ABSTRACT

649 Secondary Students (60.4% females and 39.6% males) were evaluated in different aspects of individuals' self-concept, in multidimensional perspective, in variables as: age, gender, socio-professional status, socio-cultural status, secondary level vocational choices; academic failures; participation in vocational guidance courses. It was used the Portuguese adaptation of the Self-Description Questionnaire III, from Marsh to evaluate self-concept.

RESULTS: differences favoring the younger students in three academic dimensions, in total academic self-concepts, in Honesty/Reliability and Emotional Stability nonacademic dimensions; differences in Academic Self-Concept favors girls, Nonacademic Self-Concept favors boys; differences in Academic Self-Concept favoring those students from general vocational and scientific and technological courses, and in the Honesty/Reliability favoring the students from general vocational courses; differences in all dimensions of Academic Self-Concept and Honesty/Reliability favoring the students without academic failures; differences favored the Nonacademic Self-Concepts of those students who have participated in vocational guidance courses. Results were discussed and compared with those from previous studies in the Portuguese context.

Key-words: Self-concept; secondary education level; difference.

O autoconceito enquanto construto multidimensional que abrange atitudes e sentimentos acerca das capacidades, aparência e aceitabilidade social dos indivíduos (Faria & Fontaine, 1990; 1992), representa um elemento central da personalidade, funcionando como organizador da ação, a qual pode facilitar ou inibir, conforme seja, respectivamente, positivo ou negativo. Portanto, o estudo das suas manifestações diferenciais, nomeadamente em adolescentes e jovens adultos, representa um importante contributo para a compreensão dos processos de adaptação à multiplicidade de acontecimentos de vida que ocorrem ao longo da existência.

Na verdade, no contexto acadêmico, a importância do autoconceito relaciona-se com a sua capacidade preditiva do rendimento escolar, da adaptação social e do bem-estar psicológico global dos alunos, definindo-se como o conjunto de percepções do indivíduo acerca de si mesmo e das suas capacidades e competências pessoais em diferentes domínios, com particular relevo para os domínios escolar, social, físico e emocional (Faria & Fontaine, 1990; 1992).

Apesar da diversidade de definições, aceita-se a ênfase no carácter multifacetado do autoconceito - pois o indivíduo constrói diferentes imagens acerca de si próprio, que variam de acordo com os contextos e com a fase do ciclo de vida em que se encontra (Faria, 2003). Como elemento nuclear da personalidade, o autoconceito assume um papel de regulador e preditor do comportamento futuro, motivando-o e fomentando investimentos diversos, simultaneamente, unificador e guia, particularmente diante de acontecimentos desafiantes e importantes.

Ora, o ensino secundário, enquanto ciclo de estudos terminal, que prepara para o ingresso no mundo do trabalho ou no ensino superior, pode se constituir em importante acontecimento de vida, pelos desafios que coloca ao jovem estudante, pois junto às exigências de sucesso acadêmico, necessário para prosseguir nos estudos, o jovem precisa resolver questões relacionadas à consolidação da sua identidade, exploração e preparo para o investimento num projeto profissional. Deste modo, o estudo do autoconceito em estudantes do ensino secundário, nas suas facetas acadêmicas, não acadêmicas e global, representa um importante contributo para a compreensão dos processos de preparação para a transição, particularmente, a acadêmica.

Assim, os objetivos deste trabalho são:1) estudar as manifestações diferenciais do autoconceito no final do ensino secundário; 2) prosseguir a validação empírica da adaptação portuguesa do Self-Description Questionnaire III; 3) comparar os resultados com os de outros estudos já realizados no contexto nacional. Finalmente, pretende se constituir em um contributo para a compreensão dos processos de adaptação à multiplicidade de acontecimentos que ocorrem nesta fase do ciclo de vida.

Manifestações diferenciais do autoconceito Estudos realizados no contexto português

Em função da idade: A evolução do autoconceito com a idade pode-se representar, segundo Marsh (1989), por uma curva tipo U, evidenciando um declínio no início da adolescência, que se reverte no meio deste período, aumenta no seu final e início da idade adulta. Esta diminuição dos níveis de autoconceito com o avanço da idade foi encontrada em estudos realizados noutros contextos culturais e nos que aconteceram em Portugal (Fontaine, 1991; Peixoto & Mata, 1993; Veiga, 1990), facto este que pode ser explicado pela crescente noção de realismo que os indivíduos adquirem ao longo do tempo, por contraponto à auto-avaliação positiva e irrealista característica dos mais novos.

Durante a adolescência, o autoconceito torna-se diferenciado, multifacetado e estruturado (Faria & Fontaine, 1990), e os indivíduos abandonam as categorias globais e indiferenciadas para se descreverem e avaliarem, adotando as específicas e diferenciadas, sendo mais capazes de integrar no conceito de si mesmo o feedback avaliativo dos outros, aumentando, com a idade, a relação entre autoconceito e realizações pessoais, como as acadêmicas (Faria, 2003). Então, durante a adolescência, enquanto período de acentuadas transformações físicas, psicológicas e sociais, poderão ocorrer alterações em dimensões específicas mais do que no autoconceito geral; contudo, há investigações com resultados contraditórios, talvez devido às dimensões avaliadas.

Por fim, alguns autores salientam que as experiências escolares, nomeadamente as de fracasso, podem agravar o quadro de declínio do autoconceito durante a adolescência, contribuindo para sua diminuição (Veiga, 1990): ou seja, as retenções teriam um efeito de erosão no conceito de competência pessoal.

Em função do sexo: Em vários estudos são observadas diferenças que confirmam a superioridade do sexo masculino no autoconceito acadêmico para a matemática e, por vezes, no autoconceito global, enquanto que o feminino apresenta maior autoconceito verbal, nos assuntos acadêmicos gerais e na dimensão social. Contudo, Fontaine (1991), no contexto português e com alunos do 2º e 3º ciclos, apesar de encontrar diferenças no domínio verbal favorecendo as meninas, concluiu pela ausência de diferenças referentes à matemática, resultado contrário ao observado noutros contextos e revelador de especificidades português.

No domínio social, as mulheres são tradicionalmente percebidas como mais competentes, nomeadamente no que se refere à expressividade, aceitação dos outros e verbalização de sentimentos (Faria, 2001/2002), enquanto que no domínio físico, os elevados padrões sociais de exigência em relação ao corpo e os ideais de beleza feminina, levam as mulheres a subestimar a sua aparência e competência físicas e a evidenciar resultados inferiores quando comparadas com os homens.

Concluindo, o sexo enquanto esquema de categorização e diferenciação social proporciona aos indivíduos oportunidades diferenciadas, bem como experiências e padrões de excelência diversos (Faria, 2001/2002).

Em função do status social: Os resultados diferenciais nos domínios do nível sócio-profissional (NSP) e do sócio-cultural (NSC) revelam-se contraditórios, pois tanto indicam a existência de diferenças no autoconceito acadêmico a favor dos níveis mais elevados, como a ausência de diferenças ou, até, diferenças favorecendo os níveis mais baixos (Faria & Lima Santos, 1997; Hattie, 1992). Contudo, no contexto cultural português, os resultados têm-se revelado consistentes, favorecendo os níveis mais elevados (Faria & Lima Santos, 1997; Fontaine, 1991; Peixoto & Mata, 1993; Veiga, 1990), resultados estes que são, sobretudo, observados nas dimensões acadêmicas do autoconceito, talvez devido ao facto dos alunos de NSP e NSC mais baixos apresentarem, em geral, resultados escolares inferiores, o que pode contribuir para auto-avaliações mais negativas nestes domínios, com efeitos debilitantes no autoconceito acadêmico.

Em função da via de ensino e do agrupamento de estudos: No contexto português, Magalhães, Pina Neves e Lima Santos (2003), num estudo sobre o autoconceito de competência em função da modalidade de ensino (cursos de caráter geral vs. profissional), com alunos do 10º, 11º e 12º anos de escolaridade, concluem pela superioridade dos alunos dos cursos de caráter geral, nos domínios cognitivo e social do autoconceito, que, segundo os autores, refletem "as exigências e as atividades valorizadas por cada modalidade de ensino, as quais podem estar a estimular de forma diferenciada o desenvolvimento da competência ao nível cognitivo e social" (p. 271).

Estudos de Faria (2001/2002) sobre o autoconceito de competência, com alunos do 11º ano, demonstram níveis superiores de autoconceito de competência cognitiva no agrupamento 1 e superiores de autoconceito social a favor do agrupamento 4. Segundo a autora, os resultados relacionam-se com a presença, no agrupamento 1, da disciplina de matemática, pois a escolha estaria associada a níveis superiores de autoconceito no domínio cognitivo, enquanto que a superioridade no social, por parte dos indivíduos do agrupamento 4, refletiria as especificidades dos cursos ligados a este agrupamento, em que predominavam os conteúdos de comunicação e relações públicas: ou seja, parece que a este propósito também se pode afirmar que as exigências e atividades de cada agrupamento de estudos marcam e estimulam diferentes dimensões da competênciapessoal

Em função da participação em consulta de orientação vocacional:A consulta de orientação vocacional pode ser entendida como uma intervenção para o desenvolvimento humano (Campos, 1988), promovendo competências pessoais que se tornam importantes auxiliares na tomada de decisão vocacional (Imaginário & Campos, 1987): assim, os alunos que participam neste tipo de intervenção encontram-se mais atentos à construção do seu projeto escolar e profissional (Pina Neves & Lima Santos, 2001), podendo este facto promover o auto-conhecimento e auto-avaliação.

MÉTODO

Instrumento - Self-Description Questionnaire III (SDQ III)

O SDQ III, construído por Marsh, Barnes, Cairns e Tidman (1984), funda-se no modelo hierárquico de Shavelson, Hubner e Stanton (1976) e apresenta-se como a última de três versões, destinado à avaliação do autoconceito em estudantes de faixas etárias distintas: pré-adolescentes (SDQ I), adolescentes (SDQ II) e jovens adultos (SDQ III). Trata-se de um questionário que avalia treze dimensões - matemática, língua materna ou verbal, assuntos escolares em geral, aparência física, competência física, estabilidade emocional, social nas relações com os pais, social nas relações com pares do mesmo sexo, social nas relações com pares do sexo oposto, honestidade/fiabilidade, resolução de problemas, valores espirituais/religião e uma dimensão global, a partir das respostas a 136 itens, numa escala de Likert de 8 pontos; metade dos 136 itens são formulados na negativa e as 13 dimensões se organizam em três grandes domínios: (I) acadêmico, (II) não acadêmico, (III) auto-conceito global (Faria & Fontaine, 1992).

Este instrumento foi adaptado ao contexto português por Faria e Fontaine (1992), revelou boas qualidades psicométricas, corroborando os resultados de Marsh (1989) para o contexto australiano. Nesta adaptação, na consistência interna das subescalas, os valores de alfa, são superiores a 0,80, possibilitando sua utilização em outros estudos. Por sua vez, a estrutura fatorial do SDQ III, revelou doze fatores, em vez dos treze de Marsh, devido à presença de itens da dimensão Global em vários fatores, à mistura das dimensões de Língua Materna e de Assuntos Escolares em Geral e à coexistência no mesmo fator das dimensões de Relações com Pares do Sexo Oposto e de Aparência Física.

Em outro estudo (Azevedo & Faria, 2003), com alunos do 12º ano, os resultados revelam valores de alfa aceitáveis e semelhantes aos obtidos por Faria e Fontaine (1992) com universitários, numa estrutura de 12 fatores, explicando 51,1% da variância total, bons índices de validade interna dos itens, distribuição próxima da normal e poder discriminativo aceitável.

Portanto, pode-se afirmar que o SDQ III continua a se revelar um instrumento fiel, válido e sensível, susceptível de ser utilizado no contexto educativo português.

Amostra

A amostra ficou constituída por 649 alunos do ensino secundário, 12º ano, sendo 60,4% do sexo feminino e 39,6% do masculino, que frequentam um dos cursos dos agrupamentos de estudos Científico-Natural (54,5%), Humanidades (19,4%), Econômico-Social (18,5%) e Artes (3,5%), ou um Curso Profissional (4,0%), tendo a maioria optado pela via de ensino de carácter geral (73,7%), estando apenas 26,3% na Via Tecnológica e na Profissional.

Em termos de status social - avaliado a partir de dois indicadores indirectos, como profissão (NSP) e nível de escolaridade dos pais (NSC)- optando-se, em ambos, pelo nível mais elevado entre o pai e a mãe, 17,3% são alunos cujo agregado familiar apresenta NSP Alto, 41,1% NSP Médio, 29,1% NSP Médio-Baixo e 12,0% NSP Baixo, mas são alunos, na sua maioria, provenientes de famílias com Nível SócioCultural Baixo (62,9%).

Numa análise mais pormenorizada, em que se cruzam algumas das variáveis apresentadas (Tabela 1), verifica-se que o Ensino Tecnológico e o Profissional são mais frequentados por alunos do sexo masculino (51,5%) e de NSP Médio-Baixo e Baixo (60,4%). Por sua vez, nos cursos de carácter geral, predominam as raparigas (64,8%) e os sujeitos de NSC Baixo (60%), observando-se um padrão idêntico a este nos agrupamentos de Científico-Natural e Humanidades.

Procedimento

Por fim, quanto ao procedimento, o SDQ III foi administrado colectivamente a diversos grupos-turma, durante o horário escolar normal, com transmissão oral das instruções e com garantia de confidencialidade e de anonimato.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observam-se diferenças significativas em função de todas as variáveis, sendo estas maiores para idade, sexo, nível sócio-profissional, nível sócio-cultural, via de ensino e retenções escolares. Observam-se, também, interações significativas para as dimensões Autoconceito Acadêmico Matemática, Autoconceito Acadêmico Verbal, Autoconceito de Competência Física, Autoconceito de Valores Espirituais/Religião e, ainda, para as dimensões totais Autoconceito Acadêmico e Autoconceito Físico, que devido a seu caráter esporádico e ao baixo contingente de sujeitos em muitas das células que resultam das interações, tornam-se de difícil interpretação.

Em função da idade

Os alunos mais novos apresentam um autoconceito superior nas três dimensões acadêmicas e na dimensão acadêmica total, bem como nas dimensões relacionadas com a Honestidade/Fiabilidade e com a Estabilidade Emocional (Tabela 2).

Estes resultados corroboram os de Fontaine (1991), que encontra diferenças a favor dos alunos de anos de escolaridade menos avançados nas dimensões Autoconceito Acadêmico Matemática, Autoconceito Acadêmico Total e Autoconceito de Estabilidade Emocional, entre outras, embora as amostras de alunos da autora sejam mais jovens.

Acerca da diferenciação do autoconceito segundo a idade, Marsh (1989) diz que se assiste a uma diminuição sua ao longo da pré-adolescência e a um aumento do mesmo no final da adolescência e início da idade adulta.

Portanto, pode-se concluir que o avanço na idade promove o auto-conhecimento, mas que este tem diferentes consequências na formação e desenvolvimento do autoconceito: durante a adolescência ele parece oferecer a possibilidade de as auto-avaliações se tornarem mais realistas, provocando ajustamento do autoconceito relativamente à fase final da infância; por sua vez, a partir do início da idade adulta, ele conduziria a maior e melhor aceitação pessoal, decorrente do facto de o indivíduo conseguir, progressivamente, lidar melhor consigo mesmo e com os outros.

Em função do sexo

Na Tabela 3 pode-se observar que existem diferenças em 4 dimensões do autoconceito a favor das raparigas e em 7 a favor dos rapazes, sendo de salientar que as raparigas se percepcionam como mais competentes no domínio acadêmico, apresentando médias mais elevadas nas dimensões Autoconceito Acadêmico Total e Autoconceito de Assuntos Escolares/Acadêmicos em Geral, resultados estes que contrariam os de Veiga (1990), que constata que são os rapazes que mostram ter um conceito de competência acadêmica superior. De qualquer modo, as diferenças que encontramos parecem corroborar estudos anteriores realizados noutros contextos, bem como estudos realizados no contexto português (Fontaine, 1991), podendo constituir um reflexo do modo como socialmente as raparigas são vistas, isto é, como mais empenhadas nas tarefas escolares (Faria, 1998b).

Por sua vez, a percepção de maior competência no domínio verbal pelas raparigas e no da matemática pelos rapazes segue os estereótipos tradicionais e resultados mais comuns da investigação nesta área; contudo, Fontaine (1991) só encontrou diferenças no domínio verbal a favor das raparigas e não as referentes ao da matemática para os rapazes, mas sua amostra incluía alunos mais jovens, dos 2º e 3º ciclos do ensino básico.

Quanto ao Autoconceito de Resolução de Problemas, os rapazes se vêem como mais competentes, contrariando outros resultados no contexto português, que revelam a ausência de diferenciação em função do sexo nesta dimensão do autoconceito (Faria & Lima Santos, 1997; 1999; 2001). As diferenças encontradas podem estar relacionadas ao facto de o Autoconceito de Resolução de Problemas ser associado pelos alunos ao Acadêmico Matemática, dimensão esta em que os rapazes também se percebem como mais competentes.

No domínio físico, os rapazes revelam melhor imagem de si próprios, quer em termos de competência, quer de aparência. Fontaine (1991) comprova a existência de diferenças no Autoconceito de Competência Física a favor dos rapazes, mas não as verifica no de Aparência Física. Ou seja, no que diz respeito à competência física os resultados estão associados a maior predisposição física e psicológica do sexo masculino para as atividades relacionadas com força e resistência (o desporto), conforme as crenças sociais de que eles são mais aptos para atividades físicas e desportivas vigorosas; já quanto à aparência física, as diferenças encontradas podem ser o reflexo de maior exigência das raparigas, bem como da sociedade em geral, quanto ao seu aspecto físico: o ideal de magreza, a luta por um corpo e uma aparência ideais, confundindo-se com o auto-controle e podendo afetar sua auto-avaliação, num sentido negativo.

No que se refere à relação com os pares do mesmo sexo, novamente os rapazes se percebem como mais competentes, o que também foi verificado por Fontaine (1991), sugerindo que eles gerem melhor as suas relações com seus pares, que parecem ser fonte de confiança e de apoio, enquanto que para as raparigas, os adultos é que teriam este papel (Faria, 1998a; 1998b). De qualquer forma, esta seria uma diferença isolada dentro da dimensão de Autoconceito Social, já que as outras duas Autoconceito de Relação com Pares do Sexo Oposto e Autoconceito de Relação com os Pais - não se diferenciam em função do sexo.

As raparigas revelam maior Autoconceito de Valores Espirituais/Religião e de Honestidade/Fiabilidade, o que pode se relacionar ao facto de serem consideradas, desde cedo, como melhor comportadas e acatando mais a autoridade do adulto, ao contrário dos rapazes, que apresentam mais problemas de conduta e de resistência à autoridade do adulto.

Os rapazes revelam maior Autoconceito de Estabilidade Emocional, podendo-se explicar este resultado pelo facto de as raparigas verbalizarem desde cedo suas emoções e estados de ânimo, o que levaria à crença de que são emocionalmente lábeis e, por conseguinte, menos estáveis.

Os rapazes mostram ainda maior Autoconceito Global, o que corrobora as observações de outros autores (Harter, 1983; Rosenberg & Simmons, 1975 apud Faria & Lima Santos, 1997), evidenciando que eles se valorizam e se aceitam melhor em termos globais.

Deste modo, os rapazes apresentam maior autoconceito num maior número de dimensões - de Aparência Física e de Estabilidade Emocional - que facilitam a aceitação de si mesmo, e podem contribuir para um maior Autoconceito Global, pois, como constatam Faria e Fontaine (1992), tanto a estabilidade dos estados emocionais como a aceitação pessoal em termos físicos seriam aspectos positivamente associados ao Autoconceito Global.

Em suma, no presente estudo, as diferenças em função do sexo sugerem que as raparigas se percebem mais competentes no domínio acadêmico, mas menos nos outros, e os rapazes parecem sair favorecidos nos não acadêmicos, já que se vêem como mais competentes nos aspectos físico, emocional e na relação com os pares, o que contribuiria para melhor auto-aceitação e auto-valorização, logo, para melhor percepção global de si mesmos.

Em função do nível sócio-profissional e do nível sócio-cultural

Foram observadas diferenças em função quer do nível sócio-profissional (NSP), quer do nível sócio-cultural (NSC) nas mesmas dimensões - Autoconceitos Acadêmicos Matemática, Verbal e Total, de Resolução de Problemas, de Relação com Pares do Sexo Oposto e de Valores Espirituais/Religião, sempre a favor dos NSP e NSC mais elevados.

Mais concretamente, as diferenças observadas nas dimensões Acadêmicas e Autoconceito Acadêmico corroboram os estudos de Fontaine (1991) e de Veiga (1990); segundo Faria e Lima Santos (1997), elas podem ser explicadas pelo "facto dos alunos de NSE alto terem, em geral, melhores resultados escolares" (p.90), o que se constituiria em reforço à percepção de maior competência em termos acadêmicos pelos alunos de NSP e de NSC mais favorecidos.

Enfatiza-se, também, que os alunos de NSP e NSC mais elevados revelam uma maior percepção de competência na Resolução de Problemas, tal como os sujeitos do estudo de Faria e Lima Santos (1997) e na Relação com os Pares do Sexo Oposto, ao mesmo tempo em que mostram um menor Autoconceito de Valores Espirituais/Religião.

Por fim, parece, ainda, de referir que estes resultados constituem uma evidência de que as diferenças em função do status social - sócio-profissional e sócio-cultural - espelham as especificidades do contexto português e das várias amostras que vão sendo estudadas.

Tabela 4

Mais concretamente, as diferenças observadas nas dimensões Acadêmicas e Autoconceito Acadêmico corroboram os estudos de Fontaine (1991) e de Veiga (1990); segundo Faria e Lima Santos (1997), elas podem ser explicadas pelo "facto dos alunos de NSE alto terem, em geral, melhores resultados escolares" (p.90), o que se constituiria em reforço à percepção de maior competência em termos acadêmicos pelos alunos de NSP e de NSC mais favorecidos.

Enfatiza-se, também, que os alunos de NSP e NSC mais elevados revelam uma maior percepção de competência na Resolução de Problemas, tal como os sujeitos do estudo de Faria e Lima Santos (1997) e na Relação com os Pares do Sexo Oposto, ao mesmo tempo que mostram um menor Autoconceito de Valores Espirituais/Religião.

Por fim, parece, ainda, de referir que estes resultados constituem uma evidência de que as diferenças em função do status social - sócio-profissional e sócio-cultural - espelham as especificidades do contexto português e das várias amostras que vão sendo estudadas.

Em função da via de ensino e do agrupamento de estudos secundários

A Tabela 5 mostra diferenças nas dimensões relacionadas com o Autoconceito Acadêmico, incluindo a escala total, e na dimensão de Autoconceito de Honestidade/Fiabilidade a favor dos alunos que frequentam o Ensino de Carácter Geral, corroborando os resultados de Magalhães, Pina Neves e Lima Santos (2003), no domínio do autoconceito de competência cognitiva.

Estes alunos freqüentam cursos cujo currículo prepara para o ingresso no ensino superior, fazendo sentido que, tendo a expectativa de continuar os estudos superiores, se percebam como mais competentes nas três dimensões do Autoconceito Acadêmico avaliadas, quando comparados com os que freqüentam vias de ensino que preparam para uma entrada, a curto prazo, no mundo do trabalho. Na verdade, as dimensões do autoconceito relacionadas com a competência acadêmica, conforme as sociais e de relacionamento interpessoal, são importantes para os jovens que entram no contexto universitário ou que se preparam para nele ingressar.

Quanto ao agrupamento de estudos (Tabela 6), verifica-se que os alunos que frequentam o agrupamento Científico-Natural se percebem como mais competentes no domínio da matemática e apresentam maior Autoconceito Acadêmico, comparativamente aos dos agrupamentos Humanidades e EconômicoSocial ou do Ensino Profissional, corroborando os resultados de Faria (2001/2002) para o domínio cognitivo. De facto, o agrupamento Científico-Natural possui elevada carga horária em disciplinas que exigem competências na área da matemática, preparando, assim, os alunos para o ingresso num curso superior em ciências naturais/biomédicas e de engenharia, ou para o exercício de uma profissão de nível técnico nessas áreas; portanto, os alunos deste agrupamento desenvolvem uma imagem de si mesmos consistente com os objectivos, o currículo disciplinar e as saídas profissionais oferecidas pelo agrupamento que frequentam.

Também, de acordo com os resultados obtidos, os alunos que nunca ficaram retidos apresentam maior autoconceito nas três dimensões acadêmicas, na acadêmica total e na de Honestidade/Fiabilidade. Assim, a não existência de retenções no percurso escolar de um aluno parece favorecer a auto-percepção de integridade pessoal, bem como promover o autoconceito de competência acadêmica.

Em função da participação em orientação vocacional

Pela análise da Tabela 7, verifica-se que os alunos que participaram de um processo de orientação vocacional apresentam maior Autoconceito de Resolução de Problemas, de Honestidade/Fiabilidade e Social Total, enquanto que os que nunca foram alvo dessa intervenção se valorizam mais em termos da sua Aparência Física.

Surgem, assim, evidências de que a competência para resolução de problemas e as sociais se mostram importantes, quer na recolha de informações, na exploração dos investimentos e no auto-conhecimento, quer no próprio processo de tomada de decisão vocacional, conduzindo os alunos que frequentaram acções de orientação vocacional a uma auto-percepção de maior competência pessoal nesses domínios. Por sua vez, a valorização da aparência física pelos alunos que não tiveram esta experiência poderá vir a ser explorada noutros estudos, no sentido de ser investigado o tipo de investimentos e desenvolvimentos que poderá contribuir para este facto ou, então, se este é apenas um resultado específico desta amostra.

Conclusão

Os estudos diferenciais do autoconceito em alunos do ensino secundário, enquanto ciclo de estudos que prepara para os desafios do mundo do trabalho e do meio universitário, revelaram-se importantes ao evidenciarem diversas variações em função de variáveis dos contextos de existência dos sujeitos, cujo conhecimento pode contribuir para facilitar os processos de preparação para a transição acadêmica.

Assim, as diferenças observadas favoreceram, em geral, os alunos mais novos, de NSP e NSC elevados, que frequentam cursos de carácter geral, que nunca ficaram retidos e que participaram de acções de orientação vocacional. As diferenças em função do sexo apresentaram-se favoráveis às raparigas no domínio acadêmico e aos rapazes no não acadêmico.

De facto, o conhecimento dos grupos menos favorecidos em termos de autoconceito pode levantar pistas importantes para a intervenção, no sentido de tornar os sujeitos mais capazes de enfrentar os desafios dos novos contextos de acção que se avizinham, pois o conceito de si mesmo, enquanto organizador e regulador da acção, poderá facilitar a tarefa de atribuir significado às experiências anteriores e de motivar os investimentos futuros.

Finalmente, os resultados deste estudo servem também para reforçar a validade empírica da versão portuguesa do SDQ III, que se tem revelado um instrumento útil para a investigação, planejamento e avaliação da intervenção no âmbito do autoconceito em adolescentes e jovens adultos do contexto escolar português.

Artigo recebido p/ publicação em 17/09/2004; aceito em 30/11/2004.

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  • Endereço para correspondência:
    Luisa Faria
    Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
    Universidade do Porto - Portugal
    Rua do Campo Alegre, 1055, 4169-004
    Porto - Portugal
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2004
    • Recebido
      17 Set 2004
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