Acessibilidade / Reportar erro

Recreação planejada em sala de espera de uma unidade pediátrica: efeitos comportamentais

Planned recreation in pediatric unit waiting room: behavioral effects

Resumos

Humanizar a assistência a crianças e adolescentes hospitalizados significa minimizar os sofrimentos proporcionados pela doença e pelos eventos estressantes típicos da experiência de internação. Este trabalho teve como objetivo a investigação dos efeitos de um programa de recreação planejada em sala de espera hospitalar sobre o repertório de comportamentos de crianças e adolescentes em tratamento de câncer. As atividades e brincadeiras propostas abordavam temáticas hospitalares, especialmente relacionados às doenças e tratamentos em vigor. Participaram 91 crianças e adolescentes, divididos em três faixas etárias: pré-escolares, escolares e adolescentes. A recreação planejada possibilitou uma ampliação do repertório de comportamentos colaborativos e de interação social, bem como uma melhor adaptação às condições adversas impostas pelo ambiente hospitalar e eventos do tratamento. A recreação planejada pode constituir uma atividade de intervenção sistemática da psicologia, útil à compreensão de como crianças e adolescentes enfrentam a doença e o tratamento.

recreação planejada; brincar; sala de espera hospitalar; psicologia pediátrica


Humanize the assistance to the hospitalized children and adolescents means to minimize the sufferings provided by disease and the typical stressing events of hospital experience. This study had as goal the effects investigation of a recreation program planned in a pediatric oncology unit waiting room about the children and adolescents behavioral repertoire. The proposed jokes referred to the disease and to the treatment. They took part 91 children and adolescents, exposed to cancer treatment, divided into three degree of age: Preschool, School and Teenager. The developed play materials aimed board the hospitable thematic. The planned recreation enabled a collaborative behaviors repertoire enlargement and of interaction, as well as a better adaptation to the adverse terms imposed by the hospitable environment and treatment events. The planned recreation can constitute a psychology systematic intervention activity, useful for the comprehension of how children and adolescent coping the disease and the treatment.

planned recreation; play; hospital waiting room; pediatric psychology


PESQUISAS EMPÍRICAS

Recreação planejada em sala de espera de uma unidade pediátrica: efeitos comportamentais

Planned recreation in pediatric unit waiting room: behavioral effects

Áderson Luiz Costa JuniorI; Sílvia Maria Gonçalves CoutinhoII; Rejane Soares FerreiraIII

IUniversidade de Brasília

IIHospital de Apoio de Brasília

IIIUniversidade Católica de Goiás

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Áderson Luiz Costa Júnior SQN 206 Bloco 'G' Apartamento 603 Brasília - DF, CEP: 70844-070 E-mail: aderson@unb.br

RESUMO

Humanizar a assistência a crianças e adolescentes hospitalizados significa minimizar os sofrimentos proporcionados pela doença e pelos eventos estressantes típicos da experiência de internação. Este trabalho teve como objetivo a investigação dos efeitos de um programa de recreação planejada em sala de espera hospitalar sobre o repertório de comportamentos de crianças e adolescentes em tratamento de câncer. As atividades e brincadeiras propostas abordavam temáticas hospitalares, especialmente relacionados às doenças e tratamentos em vigor. Participaram 91 crianças e adolescentes, divididos em três faixas etárias: pré-escolares, escolares e adolescentes. A recreação planejada possibilitou uma ampliação do repertório de comportamentos colaborativos e de interação social, bem como uma melhor adaptação às condições adversas impostas pelo ambiente hospitalar e eventos do tratamento. A recreação planejada pode constituir uma atividade de intervenção sistemática da psicologia, útil à compreensão de como crianças e adolescentes enfrentam a doença e o tratamento.

Palavras-chave: recreação planejada; brincar; sala de espera hospitalar; psicologia pediátrica.

ABSTRACT

Humanize the assistance to the hospitalized children and adolescents means to minimize the sufferings provided by disease and the typical stressing events of hospital experience. This study had as goal the effects investigation of a recreation program planned in a pediatric oncology unit waiting room about the children and adolescents behavioral repertoire. The proposed jokes referred to the disease and to the treatment. They took part 91 children and adolescents, exposed to cancer treatment, divided into three degree of age: Preschool, School and Teenager. The developed play materials aimed board the hospitable thematic. The planned recreation enabled a collaborative behaviors repertoire enlargement and of interaction, as well as a better adaptation to the adverse terms imposed by the hospitable environment and treatment events. The planned recreation can constitute a psychology systematic intervention activity, useful for the comprehension of how children and adolescent coping the disease and the treatment.

Key words: planned recreation; play; hospital waiting room; pediatric psychology.

Introdução: O hospital pediátrico, enquanto instituição que presta assistência à saúde de crianças e adolescentes, já foi historicamente representado como um ambiente potencialmente adverso e restritivo ao desenvolvimento humano. Parte desta identificação foi atribuída à adoção de modelos biomédicos de saúde, com uma filosofia de atendimento que priorizava o tratamento e a cura de doenças, em detrimento da atenção integral a crianças e adolescentes e da aquisição e manutenção de comportamentos de saúde.

Pinheiro e Lopes (1993) destacam que por muitos anos a criança foi vista no hospital como um adulto pequeno, sem condições diferenciadas a sua assistência. O enfrentamento de situações que não atendiam às necessidades mínimas de desenvolvimento conduzia a criança a manifestar comportamentos de repúdio à terapêutica prescrita, atitudes de alheamento ou, ao inverso, de agressividade, além de dificuldades de comunicação com as demais crianças e com membros da equipe de saúde, comportamentos descritos, também, em estudos mais recentes (Harbeck-Weber, Fisher & Dittner, 2003; Gariépy & Howe, 2003; McGrath & Huff, 2001; Quiles & Carrillo, 2000; Shields, 2001). Lindquist (1970) já alertava que a criança, desde o momento de sua entrada no hospital como paciente, deveria encontrar um ambiente que fosse adequado às características típicas da infância.

Segundo Coutinho (1997), apenas recentemente os profissionais de saúde passaram a discutir alternativas de ambiente hospitalar que incorporassem características mais próximas aos ambientes naturais de cuidados de criança e adolescentes, tais como os geralmente proporcionados pela família e/ou pela escola. Todavia, desde a década de 60 do século XX, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já postulava uma concepção de saúde integral, enfatizando a necessidade de que as unidades pediátricas, localizadas em hospitais gerais, incluíssem planejamentos ecológicos voltados à infância e adolescência.

Em relação ao ambiente hospitalar em unidades pediátricas, Quiles e Carrillo (2000) apontam uma tendência, relativamente recente, para um planejamento estratégico voltado à elaboração de práticas interdisciplinares mais sistemáticas, que favoreçam a interação ativa do paciente hospitalizado com o contexto social disponibilizado pela instituição, proporcionando-se maior controle comportamental da criança e do adolescente sobre seu processo de desenvolvimento e maior participação nas diversas etapas de seu tratamento. Na mesma direção, Fontes (2005) discute a importância de práticas pedagógicas desenvolvidas em hospitais pediátricos como alternativa de atendimento educacional diferenciado e que privilegia a expressão verbal e emocional de crianças e adolescentes internados. Por outro lado, Gariépy e Howe (2003), bem como Coyne (2006), destacam que os pesquisadores têm dado pouca atenção à experiência psicológica, à opinião e à qualidade de vida de crianças expostas à experiência de hospitalização.

Segundo Viana (1998), o hospital congrega também sentimentos e estados "positivos". Se por um lado o sofrimento está presente, por outro, é também possível obter a cura, ou, ao menos, uma percepção de alívio. Neste sentido, ambientes hospitalares ecologicamente preparados para crianças poderiam minimizar a percepção de sofrimento. Acreditamos que um destes ambientes é a sala de espera hospitalar, na qual crianças, adolescentes e familiares aguardam chamadas para consultas, procedimentos médicos invasivos, internações, entre outros eventos que podem incluir elementos de impaciência, ansiedade, irritabilidade, apatia e isolamento.

No contexto de sala de espera hospitalar, as conseqüências psicológicas adversas tendem a ocorrer na proporção inversa ao planejamento e execução adequada de intervenções psicossociais. O maior desafio de uma sala de espera talvez seja o de permitir aos pacientes que aguardam consulta, um espaço natural para brincar, receber informações sobre sua enfermidade e sobre o hospital, além de oportunidades para expressão de sentimentos, dúvidas, receios e desejos.

Motta e Enumo (2004) observam que "revendo a bibliografia nacional e internacional sobre a introdução do brincar no hospital, verifica-se que esta temática vem ocupando um espaço significante no estudo da hospitalização infantil, trazendo questões relacionadas à sua importância no processo de humanização hospitalar" (p.20). Observamos, entretanto, que poucos estudos analisam, sistematicamente, os efeitos de programas específicos de recreação sobre o repertório de comportamentos de crianças e adolescentes em tratamento médico e suas implicações para o enfrentamento da doença e da adesão à terapêutica.

Partindo da premissa de Friedman (1992) de que por meio de brincadeiras com temas hospitalares a criança encontra mecanismos para enfrentar seus medos e angústias e que, estimular tais brincadeiras implica em auxiliar o processo de recuperação da mesma, uma das rotinas de serviço disponibilizada às crianças e adolescentes em tratamento de câncer, em uma unidade da rede pública de saúde do Distrito Federal, inclui a execução de atividades de recreação em sala de espera que objetivam a interiorização e a expressão das vivências da criança doente. As atividades se referem ao tratamento, à doença, aos procedimentos médicos invasivos a que são expostos os pacientes, aos profissionais que as atendem e aos familiares que as acompanham ao hospital, oferecendo-se, assim, oportunidades para a manifestação das percepções individuais e grupais acerca destas experiências.

Este estudo teve por objetivo a investigação dos efeitos de um programa de recreação planejada em sala de espera hospitalar sobre o repertório de comportamentos de crianças e adolescentes em tratamento de câncer.

Método

Participantes

Noventa e uma crianças e adolescentes, em tratamento de câncer em uma unidade hospitalar da rede pública de saúde do Distrito Federal, constituíram a amostra desse estudo. Todos os pacientes faziam tratamento de quimioterapia em fase de manutenção. Crianças e adolescentes participaram de quatro sessões quinzenais e consecutivas de recreação planejada em sala de espera. Para fins de comparação de dados, os participantes foram divididos em três grupos, por faixa etária: 30 pré-escolares (idades de 2 a 6 anos), 44 escolares (idades de 7 a 12 anos) e 17 adolescentes (idades acima de 12 anos).

Os participantes, acompanhados por familiar(es), encontravam-se na sala de espera aguardando encaminhamento para consulta médica, consulta odontológica e/ou sessão de quimioterapia em esquema de hospital-dia, isto é, permanecendo na unidade hospitalar apenas o período necessário para administração da medicação e observação clínica.

Procedimento

Jogos e brinquedos utilizados nas sessões de recreação foram divididos em gerais e específicos. Os materiais gerais foram empregados em atividades de entretenimento genérico e com objetivo de que a recreação não se tornasse cansativa para as crianças e os adolescentes e nem perdesse seu caráter lúdico prioritário. Exemplos de materiais gerais incluíram jogos de cozinha miniaturizados, estojo de maquiagem, carrinhos em miniatura, jogos de memória e quebra-cabeças adquiridos em lojas de brinquedos. Os materiais específicos foram especialmente desenvolvidos, ou adquiridos, visando abordagem da temática hospitalar, adaptados às três faixas etárias, e incluíram: maleta de médico com instrumentos infantis, dominó com temática do corpo humano, jogo de memória com objetos e instrumentos médicos, jogo de encaixe com peças do corpo humano, Jogo Doutor Opera Tudo, jogo de perguntas e respostas sobre temáticas de saúde, alimentação e higiene e adaptação do Jogo Perfil para o contexto de tratamento onco-hematológico.

As atividades de recreação eram coordenadas por duas duplas de auxiliares de pesquisa, sorteadas aleatoriamente de um grupo de quatro auxiliares. Cada sessão de recreação tinha duração média duas horas, destinando-se, uma hora para atividades com materiais gerais e uma hora com materiais específicos. As atividades de recreação estavam disponíveis a todas as crianças e adolescentes presentes que, voluntariamente demonstrassem interesse pela participação, independentemente de sexo ou patologia. Os participantes desfrutavam de livre acesso à sala de espera, podendo entrar, sair e/ou retornar quando desejassem.

A preparação da sala de espera para a sessão de recreação incluía a consulta à lista de pacientes agendados e a manipulação da disposição espacial do mobiliário, buscando organizá-lo de forma a facilitar a interação social entre os participantes, conforme o critério de faixa etária. A seleção de materiais a serem utilizados, por sua vez, também era efetuada conforme a lista de pacientes disponível, sendo considerados a idade e o sexo. Uma única atividade de recreação era realizada de cada vez. Em uma mesma sessão, poderia ser realizada uma ou mais atividades, dependendo do andamento e da participação dos pacientes.

Em cada sessão, foi utilizada uma ficha de registro de comportamentos que coletava dados sócio-demográficos, atividades desenvolvidas, objetivo da atividade e repertório comportamental de cada participante, registrando-se freqüência de ocorrência das seguintes categorias: iniciativa (INI), interação social (INT), comportamento verbal (CVB) e interesse demonstrado (ITD). Todas as sessões foram registradas por dois observadores independentes, sorteados de um grupo de quatro observadores, verificando-se índices de fidedignidade superiores a 90% entre os mesmos. A definição operacional das categorias de comportamentos encontra-se no Anexo 01 Anexo 01 .

Os pais das crianças e adolescentes foram informados quanto aos objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo constitui uma das etapas de um projeto de pesquisa que investiga os efeitos da transmissão de informação sobre o repertório de comportamentos de pacientes e familiares, aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Os dados coletados permitiram apontar que com o acúmulo de sessões de recreação planejada, aumentava o percentual de ocorrência das categorias comportamentais consideradas, conforme representado nas tabelas I a IV, a seguir. Estes dados sugerem que as crianças e os adolescentes, à medida que aumentava a experiência de recreação planejada, participavam mais ativamente das atividades disponibilizadas.

Verificou-se, também, a existência de correlações crescentes e significativas (p<0,05) entre as freqüências de ocorrências das categorias de comportamento iniciativa e interação social, bem como entre interação social e comportamento verbal. Também foram observadas correlações crescentes, embora não significativas estatisticamente, entre interação social e interesse demonstrado e entre iniciativa e interesse demonstrado, as quais se encontram descritas na Tabela V.

Verificou-se que as crianças em idade pré-escolar dependiam, em geral, do envolvimento do familiar para participarem das atividades planejadas e mudavam freqüentemente de atividade, apresentando comportamentos tipicamente exploratórios. Os dados também permitiram observar uma redução no percentual de ocorrência de comportamentos de choro, entre as crianças em idade pré-escolar, da primeira para a quarta sessão de recreação, da ordem de 21,3%. Comportamentos de birra e apatia entre as crianças de idade pré-escolar também apresentaram reduções da primeira para a quarta sessão da ordem de 9,7%, o que facilitou a interação social entre as crianças e a participação de familiares.

As crianças em idade escolar participaram das atividades sem grande necessidade de monitoramento por parte dos familiares, apenas em casos de brincadeiras que exigiam leitura, visto que a maioria ainda estava em processo de alfabetização. As crianças atendidas eram em grande parte escolares, o que pode ter facilitado a interação entre elas e a conseqüente participação nas atividades planejadas.

Observou-se que os adolescentes permaneceram mais tempo fora da sala de espera e participaram menos freqüentemente das atividades de recreação propostas, apresentando os menores aumentos percentuais na ocorrência das categorias de comportamento registradas da primeira à quarta sessão de recreação planejada.

Discussão

Os dados obtidos permitem apontar que com o acúmulo de sessões de recreação planejada, observa-se uma tendência ao aumento da probabilidade da participação de crianças e adolescentes, independente da idade. Entre as categorias de comportamento que apresentaram maiores aumentos de freqüência ao longo do tempo, destaca-se a iniciativa das crianças nas atividades propostas, definindo regras e adaptando-as às necessidades e/ou capacidades daqueles que estavam participando. Em algumas oportunidades, podemos observar que crianças mais velhas modificavam as regras de um jogo de modo a permitir que crianças mais novas pudessem participar. O jogo de dominó com temática do corpo humano, por exemplo, foi transformado em uma atividade de encontrar figuras, ou seqüências, semelhantes para permitir que crianças de dois ou três anos pudessem brincar.

Comportamentos de interação social crescente entre as crianças e aumento de informação sobre doenças e tratamento também foram observados sistematicamente, por meio de jogos de memória e atividades de completar figuras. Atividades que envolviam a simulação de exames médicos, tal como no uso da maleta de médico, estiveram entre aquelas que obtiveram os maiores índices de interesse e participação das crianças. Tal como apontam Mello, Goulart, Ew, Moreira e Sperb (1999), a encenação de temas médicos, além do interesse geral, parece proporcionar à criança uma maior percepção de controle sobre a sua situação frente aos procedimentos hospitalares a que é exposta.

O aumento observado na ocorrência de comportamentos verbais das crianças e adolescentes, acerca de sua enfermidade e tratamento, sugere a relevância da utilização de materiais concretos que oportunizem ao paciente a associação de conteúdos imaginários à situação real, bem como a melhor adaptação comportamental às condições adversas impostas pelo ambiente hospitalar e eventos do tratamento.

Pôde-se verificar, também, a existência de correlações crescentes e significativas entre iniciativa e interação social e, crescentes, embora não significativas, entre interação social e interesse demonstrado, o que sugere que as atividades de recreação estimulam, ao mesmo tempo, várias dimensões do repertório de comportamentos dos pacientes.

Constatou-se maior ocorrência de categorias relacionadas ao interesse e à interação social no grupo de crianças em idade escolar, bem como maior participação deste grupo em atividades específicas. Supõe-se que este resultado pode estar relacionado com uma maior disponibilidade de brinquedos direcionados a esta faixa etária.

A análise dos resultados também permitiu a constatação de uma correlação significativa entre comportamento verbal e interesse demonstrado. Observou-se que muitos pacientes manifestavam seu interesse pelas atividades recreativas por meio da fala, tanto para a solicitação da continuidade ou repetição da brincadeira, quanto para a introdução de sugestões que a tornassem mais atrativa.

Considerando a concepção do brinquedo em ambiente hospitalar como um meio de trocar experiências, de manter a interação entre os indivíduos e de propiciar a comunicação, podemos apontar que o programa de recreação planejada, além de estimular a expressão emocional dos pacientes, reduz a probabilidade do isolamento social, muito referido pela pesquisa em psicologia pediátrica como um efeito da exposição a ambientes hospitalares (Harbeck-Weber, Fisher & Dittner, 2003).

Programas de recreação planejada podem ser especialmente relevantes se considerarmos as características de cronicidade das patologias onco-hematológicas. Conforme dados de pesquisa de Gariépy e Howe (2003), crianças internadas para tratamento de leucemia se engajam significativamente menos em brincadeiras, especialmente aquelas que envolvem atividades de grupo e que solicitam desempenho de papéis dramáticos. Destacamos que dos 91 participantes deste estudo, 54 (ou quase 60% da amostra) estavam em tratamento de leucemia.

Diante da constatação de que o interesse demonstrado pelos pacientes aumentava com o decorrer das sessões, podemos levantar a hipótese de que o conjunto de atividades planejadas foi reforçador, ou prazeroso em algum sentido, para as crianças e adolescentes que delas participaram. Considerando-se que crianças e adolescentes, mesmo em tratamento de saúde, estão em pleno processo de desenvolvimento biopsicossocial, justifica-se o planejamento e execução de atividades sistemáticas de recreação em ambiente hospitalar, o que é compatível com a posição de Mello e cols. (1999), por considerarem o brincar como uma maneira de adquirir conhecimentos, desenvolver a psicomotricidade e a inteligência, permitindo ao paciente expressar seu estado emocional, afastar-se do isolamento e interagir com outras pessoas expostas a contingências semelhantes. Da mesma forma, para Escarlate (1994), por meio do brincar, o paciente, enquanto agente ativo de seu próprio desenvolvimento e em interação com o ambiente físico e social do hospital, constrói habilidades e conhecimentos sobre o mundo, a linguagem e sobre si mesmo como sujeito.

Os dados permitem levantar a hipótese de que, em todas as faixas etárias, a participação em atividades de recreação que incluíam o recebimento de informações sobre temas médicos aumenta a probabilidade de que o paciente adquira um repertório de comportamentos mais ativo em relação ao ambiente hospitalar, confirmando a proposta de Zannon (1991), de que a experiência de hospitalização e tratamento médico pode ser utilizada como oportunidade de ampliação do repertório de comportamentos do paciente, condicionada à disposição do ambiente de cuidados dispensados à criança.

Os resultados deste trabalho sugerem a necessidade de futuros estudos com um maior número de participantes e de sessões de recreação. De acordo com Coutinho (1997), a literatura existente sobre interação social entre crianças em tratamento médico assinala a existência de diversos fatores influenciando, tanto a ocorrência, quanto a qualidade da interação desenvolvida entre os parceiros. Entre estes fatores, incluem-se: faixa etária; fase do desenvolvimento; características das crianças; experiência anterior de contato com coetâneos e variáveis situacionais da unidade na qual a criança está internada. Neste contexto, considera-se que o agendamento de um maior número de crianças e adolescentes dentro de uma mesma faixa etária e no mesmo dia poderia favorecer o engajamento e a interação nas atividades de recreação propostas.

Metodologicamente, menciona-se a possibilidade de utilização de outras modalidades de registro de categorias de comportamento, que não apenas a freqüência de ocorrência, bem como a observação dos efeitos da recreação em outras situações do tratamento, tais como nas consultas médicas, exames invasivos, monitoramentos de enfermagem, entre outros. E com a finalidade de ampliar a participação de pré-escolares e adolescentes, sugere-se o desenvolvimento de uma maior diversidade de atividades e jogos voltados para estas faixas etárias. Para McGrath e Huff (2001), as crianças em idade pré-escolar constituem o grupo de maior vulnerabilidade a sofrer efeitos adversos quando expostas às experiências de internação hospitalar. Entre os adolescentes, podemos levantar a hipótese de que uma unidade pediátrica, com ambientes físicos decorados e voltados às necessidades prioritárias da infância, pode ter inibido a participação mais efetiva dos mesmos.

Propõe-se, ainda, a realização de análises intra-individuais, as quais permitiriam considerar as diferenças individuais de subjetividade e de idiossincrasias. Observa-se que o psicólogo deve estar sensível a tais diferenças quando uma atividade é desenvolvida em grupo. A percepção das diferenças individuais permite que o profissional de saúde incentive a participação da criança em atividades que melhor atendam suas necessidades, limitações e interesses.

Artigo recebido em 22/03/2006 e aceito para publicação em 20/06/2006.

  • Coutinho, S. M. G. (1997). Mediação do adulto na interação entre crianças no contexto hospitalar: uso de regras em situação de disputa de brinquedos Dissertação de Mestrado, UnB, Brasília.
  • Coyne, I. (2006). Consultation with children in hospital: Children, parents' and nurses' perspective. Journal of Clinical Nursing, v. 15, n.1, 61-71.
  • Escarlate, L. B. (1994). A criança e as práticas sociais em enfermaria pediátrica: a interrupção da atividade lúdica de grupos de crianças Dissertação de Mestrado, UnB, Brasília.
  • Fontes, R. S. (2005). A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Revista Brasileira de Educação, v.29 n.2, 119-139.
  • Friedman, A. (1992). O direito de brincar: a brinquedoteca São Paulo: Scritta.
  • Gariépy, N. & Howe, N. (2003). The therapeutic power of play: Examining the play of young children with leukaemia. Child: Care, Health and Delopment, v. 29 n.6, 523-537.
  • Harbeck-Weber, C., Fisher, J. L. & Dittner, C. A. (2003). Promoting coping and enhancing adaptation to illness. Em M.C. Roberts (Org.), Hanbook of Pediatric Psychology (pp. 99-118). New York: The Guilford Press.
  • Lindquist, L. (1970). A Criança no Hospital: terapia pelo brinquedo São Paulo: Página Aberta.
  • McGrath, P. & Huff, N. (2001). 'What is it? Finding on preschoolers' responses to play with medical equipment. Child: Care, Health and Development,v. 27 n.5, 451-462.
  • Mello, C. O., Goulart, C. M. T., Ew, R. A., Moreira, A. M. & Sperb, T. M. (1999). Brincar no hospital: assunto para discutir e praticar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.15 n.1, 65-74.
  • Motta, A. B. & Enumo, S. R. F. (2004). Brincar no hospital: estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil. Psicologia em Estudo, v.9 n.1, 19-28.
  • Pinheiro, M. C. D. & Lopes, G. T. (1993). A influência do brinquedo na humanização da assistência de enfermagem à criança hospitalizada. Revista Brasileira de Enfermagem, v.46 n.2, 117-131.
  • Quiles, J. M. O. & Carrillo, F. X. M. (2000). Hospitalización infantil - repercusiones psicológicas Madrid: Biblioteca Nueva.
  • Shields, L. (2001). A review of the literature of developed and developing contries relating to the effects of hospitalization on children and parents. International Nursing Review, v.48 n.1, 29-37.
  • Viana, M. C. (1998). A casa e o hospital: um estudo sobre as crianças internadas na Unidade de Pediatria do Hospital de Taguatinga e não residentes no Distrito Federal Dissertação de Mestrado, UnB, Brasília.
  • Zannon, C. M. L. C. (1991). Desenvolvimento psicológico da criança: questões básicas relevantes à intervenção comportamental no ambiente hospitalar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.7 n.2, 119-139.

Anexo 01

  • Endereço para correspondência:

    Áderson Luiz Costa Júnior
    SQN 206 Bloco 'G' Apartamento 603
    Brasília - DF, CEP: 70844-070
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2006
    • Aceito
      20 Jun 2006
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: paideia@usp.br