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Formação continuada de profissionais da educação: a busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar

Resumos

Este texto analisa os pressupostos básicos da formação continuada de profissionais da educação e tece algumas considerações iniciais sobre o desenvolvimento do Projeto "A busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar", em andamento, na Delegacia de Ensino de Sertãozinho-SP. Os resultados que obtivemos até o presente momento evidenciam que estes profissionais conseguem levantar situações problematizadoras, a partir de seu cotidiano, porém a reflexão crítica e o trabalho coletivo são alvos a serem atingidos.

Formação de Educadores; Educação Continuada; Capacitação de Professores; Currículo e Gestão Educacional


The article aims to analyse some fundamental purposes of educators continued formation and relates to the initial step of the project entitled "Searching integration between school management and curriculum into scholar daily context" which occurs in public schools of Sertãozinho city (SP). Some results give evidence that these professionals can identify school problematical situations, but they can not realize critical and social considerations about these situations and they have great difficult to resolve them.

Educators training; Continuing Education; Teachers Empowerment; Curriculum


Formação continuada de profissionais da educação: a busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar

Noeli Prestes Padilha Rivas; Clarice Sumi Kawasaki; Natalina Aparecida Laguna Sicca; José Marcelino de Rezende Pinto

Professores do depto. de Psicologia e Educação da FFCLRP-USP

RESUMO

Este texto analisa os pressupostos básicos da formação continuada de profissionais da educação e tece algumas considerações iniciais sobre o desenvolvimento do Projeto "A busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar", em andamento, na Delegacia de Ensino de Sertãozinho-SP. Os resultados que obtivemos até o presente momento evidenciam que estes profissionais conseguem levantar situações problematizadoras, a partir de seu cotidiano, porém a reflexão crítica e o trabalho coletivo são alvos a serem atingidos.

Palavras-chave: Formação de Educadores - Educação Continuada - Capacitação de Professores - Currículo e Gestão Educacional

ABSTRACT

The article aims to analyse some fundamental purposes of educators continued formation and relates to the initial step of the project entitled "Searching integration between school management and curriculum into scholar daily context" which occurs in public schools of Sertãozinho city (SP). Some results give evidence that these professionals can identify school problematical situations, but they can not realize critical and social considerations about these situations and they have great difficult to resolve them.

Kay words: Educators training - Continuing Education - Teachers Empowerment - Curriculum

INTRODUÇÃO

O subprojeto intitulado "A busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar" insere-se no Projeto de Educação Continuada (1996-1998), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, cujo objetivo básico é "promover o desenvolvimento profissional dos educadores da rede pública estadual, constituindo um corpo técnico capaz de implementar um novo modelo de escola com vistas a reverter o quadro atual do fracasso escolar, assegurando à clientela, acesso, permanência e aprendizagem bem sucedida"(São Paulo/SE, 1996)

Ele é voltado para a formação continuada de diretores e professores coordenadores de escolas estaduais do ensino básico da Delegacia de Ensino de Sertãozinho, Estado de São Paulo e foi proposto no momento em que a Secretaria da Educação instituiu a função de professor-coordenador, visando que o mesmo articule o processo de ensino na escola. Estão participando do programa 40 diretores e 40 professores coordenadores, pertencentes à Delegacia de Ensino de Sertãozinho - SP. Preocupados com a histórica dualidade entre as políticas de cunho administrativo e pedagógico e com a divisão de trabalho, que tem provocado a desarticulação entre os diferentes profissionais da Unidade Escolar, propusemos um programa voltado para a formação continuada de profissionais da educação, de modo a criar um espaço de convivência e reflexão entre diretores de escola e professores-coordenadores.

O projeto1 1 Este projeto está sendo coordenado pelos professores: Clarice S. Kawasaki, José Marcelino R. Pinto, Natalina A. L. Sicca e Noeli P. P. Rivas do Departamento de Psicologia e Educação/ Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto consta de 4 módulos de 24 horas envolvendo atividades de reflexão, trabalhos de pesquisa e de intervenção na escola. Os temas dos módulos são: a) Gestão e Administração Educacional; b) Os Fundamentos do Currículo; c) A Praxis do Trabalho do Profissional da Educação e d) O Processo de Avaliação Educacional. Os 1º e 2º módulos estão voltados para o aprofundamento teórico dos temas relacionados à gestão educacional e currículo. O 3° módulo que estamos vivenciando, busca a articulação entre a teoria e a prática, através de projetos de pesquisa-ação elaborados pelos participantes, em grupos, constituídos por diretores e professores-coordenadores.

O PROJETO

A construção de uma escola de qualidade exige um repensar crítico e reflexivo, tanto em relação às esferas macro-políticas educacionais, como nas micro-relações, ou seja, ações de sala de aula. Entendemos que a reconstrução dessa escola tem como elementos basilares a reestruturação curricular, a gestão democrática e o projeto de formação continuada de educadores. O currículo, centro da educação escolar e expressão dos saberes dos diferentes sujeitos sociais e de suas práticas sociais, tem seus contornos globalizados pelos distintos olhares dos diversos campos científicos. As abordagens revelam os vínculos existentes entre a organização e o funcionamento da escola como instituição e a concepção de currículo como conhecimento hegemônico no seu interior.

Os temas culturais incorporam problemas centrais nas relações sociais, tais como: as questões de gênero, a discriminação, a violência nas suas mais variadas formas de manifestação; a articulação da educação como o projeto estratégico de desenvolvimento da cidade, transformando as grandes questões sociais e culturais da realidade em conteúdos curriculares das escolas.

O modelo de escola taylorista-fordista, verticalizada, autoritária, que trabalha o conhecimento de forma fragmentada, compartimentada e que produz uma visão parcial da realidade, despotencializa e compromete as possibilidades de formação de indivíduos capacitados para responder às necessidades do nosso tempo (Paro, 1993). Refletindo a hierarquia da empresa capitalista, o diretor surge como elemento de controle e de garantia da correia de transmissão, que vai da Secretaria de Educação à escola. O professor, aparece como um mero executor de tarefas, corporificadas em um livro didático que ele não ajudou a elaborar e que fala sobre um mundo que não existe. Assim, a marca da escola é a alienação; alienação do poder de decisão da comunidade escolar sobre os destinos da escola; alienação do docente sobre a escolha dos conteúdos que ministra e, finalmente, alienação destes conteúdos frente ao mundo da vida dos alunos. Assim, não é de se estranhar que a escola brasileira esteja longe de atingir o objetivo expresso na Constituição Federal e reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que é o de formar cidadãos críticos e conscientes.

A construção de uma escola pública de qualidade pressupõe superar a defasagem da escola em relação às grandes mudanças em curso no campo de desenvolvimento científico, das inovações tecnológicas e das novas formas de organização do trabalho. Nesse sentido, concebemos que é de fundamental importância além da reestruturação curricular, do estabelecimento de uma gestão democrática, a construção de um projeto de formação continuada para os profissionais da educação.

Os diretores das escolas públicas de Estado de São Paulo são profissionais licenciados em pedagogia e habilitados em administração escolar que, obrigatoriamente, já exerceram por três anos, no mínimo, o magistério no ensino básico. Estes trabalham com uma equipe constituída por vice-diretores, coordenadores, professores e funcionários administrativos, sendo responsáveis por gerenciar todas as atividades pedagógicas e administrativas realizadas nas escolas. No entanto, em parte devido à própria organização centralizada do sistema, os diretores tendem a privilegiar as atividades de natureza administrativa, em particular as de cunho burocrático. Os professores coordenadores, por sua vez, recém saídos das salas de aula, desconhecem a organização do trabalho administrativo e o funcionamento da estrutura burocrática da SE que condicionam o trabalho na escola. Muitas vezes estes têm sido convocados a resolver problemas burocráticos estabelecidos pela SE, ficando em segundo plano as atividades pedagógicas.

Tendo em vista o exposto, estamos desenvolvendo um programa que tem como pilares: a reflexão, a investigação e o trabalho coletivo. Este busca contribuir para a formação continuada do "diretor-educador" e do "professor-coordenador". Concebemos que o "diretor-educador", dentre as várias atividades, deve participar das situações de planejamento e acompanhamento das atividades curriculares, implementar uma gestão participativa, gerenciar a equipe pedagógica, organizar favoravelmente o espaço escolar, administrar os serviços de apoio às atividades escolares, promover a integração escola-comunidade, através de canais de participação sistemática, acompanhar e reorientar os processos de avaliação definidos pela escola, de modo a garantir alterações significativas no quadro atual de fracasso escolar. O programa também está voltado para a formação do "professor-coordenador", de modo que este auxilie o diretor na articulação e mobilização da equipe escolar visando a construção coletiva do projeto pedagógico, principalmente nas questões voltadas para a reestruturação curricular e regimento escolar.

Nesse sentido, a proposta de trabalho com esses profissionais tem como pressuposto auxiliá-los no planejamento e desenvolvimento de suas ações com base nas metas estabelecidas pela política educacional, no sentido de que estes exerçam gradualmente a sua autonomia frente aos desafios estabelecidos neste momento de reorganização da escola.

Os resultados que obtivemos até o presente momento evidenciam que estes profissionais conseguem levantar situações problematizadoras, a partir de seu cotidiano, porém a reflexão crítica e o trabalho coletivo são alvos a serem atingidos.

ALGUMAS REFLEXÕES

A elaboração de projetos voltados para a formação continuada de profissionais da educação requer uma reflexão sobre os cursos de formação inicial e uma análise crítica da organização do trabalho de tais profissionais. Procedemos assim uma incursão sobre os avanços teóricos e metodológicos voltados para a formação do educador, nos detendo sobre o Movimento pela Formação do Educador no Brasil, as publicações da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e as decorrentes do Projeto MEC/ PUC.(Coleção Magistério Segundo Grau. São Paulo, Cortez:1989).

A questão de formação do educador está posta em debate nacional desde as Conferências de Educação anteriores ao regime republicano, embora de forma intermitente até a década de 1960. Mas é na década dos anos 80 que ela assume caráter de luta pela reformulação dos cursos de formação. As discussões que a ANFOPE vem realizando apontam para a organização de uma base comum nacional, na perspectiva de "eixos curriculares", os quais podem ser entendidos como espaços coletivos de discussão e ação, possíveis de serem desenvolvidos em equipes e de neles se proceder à seleção de conteúdos, sem que isto signifique a homogeneização das posições ou a eliminação das diversidades teóricas e metodológicas. Apontam-se explicitamente, como exemplos de eixos articuladores, a relação entre a escola e a sociedade, a construção do conhecimento, a escola pública e a categoria da cidadania, o cotidiano da escola e da sala de aula, as relações entre alunos/professores no princípio educativo da pesquisa.(Freitas, 1991)

Por outro lado, o significado e as exigências da formação de profissional da educação supõem o entendimento do que seja profissão e do que seja a formação para e na atuação profissional. Segundo Marques a profissão em sua qualidade de esfera cultural de valores, exige que o "potencial cognitivo-instrumental desenvolvido pelas ciências específicas passe efetivamente à prática educativa cotidiana dos profissionais da educação entre si e com os interlocutores de seus serviços, respeitadas as condições de validez prático-morais e prático-estéticas"(Marques, 1996). Dessa forma, a comunidade profissional constrói e reconstrói seus saberes na intersubjetividade da comunicação em seu interior e com a comunidade ampla a que presta seus serviços. No sistema das relações sociais amplas e diversificadas, as relações profissionais ocupam lugar proeminente nas sociedades modernas ao aliarem as configurações específicas das forças produtivas em operação, os avanços setoriais das ciências e tecnologias e as intencionalidades políticas de grupos sociais definidos.

Freitas chama a atenção para as relações que se estabelecem entre o produtor de um serviço ou de um bem e o consumidor desse serviço ou bem. No caso da educação o "produtor" de serviços educacionais e as relações que se estabelecem entre o profissional que presta serviço e o "consumidor" desse serviço são componentes definidores da profissão. Nestas relações existem basicamente três grandes opções: ou as necessidades e a maneira de atender às necessidades são definidas por quem produz o serviço, ou na outra ponta, elas são definidas por quem consome o serviço; ou numa terceira situação, há um mediador entre quem produz e quem consome e este mediador é quem estabelece as necessidades e a maneira de satisfazê-las. Segundo as situações acima descritas, o profissional da educação se enquadra nesta terceira forma de relacionamento ou seja, o Estado intervém e faz a mediação, definindo quais necessidades e determinando meios de atender a estas necessidades. Portanto, o profissional da educação tem uma situação especial na medida em que ele não interage com capacidade decisória diretamente, mas sim ele o faz através de um mediador que é o Estado, que por sua vez faz esta mediação em cima de um projeto histórico que atende as necessidades de quem o controla. (Freitas, 1991)

Quanto ao desenvolvimento profissional, Nóvoa tem avançado o debate sobre a formação de professores, direcionando-o para o campo da profissão docente, em substituição às perspectivas centradas no mundo acadêmico. Para ele, uma nova profissionalidade docente requer uma formação crítico-reflexiva que garanta aos futuros docentes o pensamento autônomo num clima participativo, onde possam compartilhar experiências com seus pares, concebendo a formação como um processo interativo e dinâmico em busca de uma identidade profissional, onde "o diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional". (Nóvoa, 1992).

Compreender a formação de professores não como um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimento, mas como um espaço de socialização e de configuração profissional passa também pela compreensão de que a profissão docente não é um construto neutro, fixo ou universal, mas determinado historicamente pelas condições sociais.

Em síntese, a reconstrução curricular dos programas de formação dos educadores pressupõe uma prática social complexa, que inter-relacione as dimensões epistêmicas, metodológicas, culturais e organizativas da educação e as redefine na unidade de seu locus de atuação integrada no nível de pesquisa, da docência, das ações nos campos do desenvolvimento social e do exercício das competências profissionais.(Marques, 1992) O currículo, assim, assume o papel de articulador dinâmico no concreto das relações sociais, nas práticas educativas e no exercício profissional do educador.

Um outro conceito que tem sido trabalhado na formação de professores é o da reflexão. Segundo Garcia, "a reflexão é, na atualidade, o conceito mais atualizado por investigadores, formadores de professores e educadores diversos, para se referirem às novas tendências da formação de professores" (Garcia, 1992). Como ele afirma, o conceito de reflexão tem sido utilizado em diferentes contextos e com diferentes significados. Dentre eles, o de indagação, que está relacionado com o conceito de investigação-ação que permite aos professores analisar sua prática, identificando estratégias para melhorá-la. Neste conceito está implícita a idéia de mudança e de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.

Schõn tem sido apontado como um dos autores de destaque na difusão do conceito de reflexão, contribuindo para caracterizar o ensino como uma profissão, cuja prática propicia a criação de um conhecimento específico ligado à ação, um conhecimento pessoal, não sistemático e que só pode ser adquirido na prática. Adquirido por tentativas e sujeito à mudanças, não é um conhecimento fixo. Esta capacidade ou conhecimento prático foi analisada exaustivamente por ele, como um diálogo reflexivo, uma reflexão na ação. As soluções profissionais para as situações práticas não podem ser padronizadas. Ao criar uma nova realidade, no ato de experimentar, corrigir e inventar, no diálogo que estabelece com essa realidade, enfim, ao atuar refletindo na sua ação, o profissional da educação estará construindo sua competência profissional de uma forma singular que ao mesmo tempo que incorpora o conhecimento instrumental fornecido pelas ciências básicas o transcende.(Schön,1992)

Um outro ponto importante na formação dos educadores diz respeito ao processo de investigação-ação. Benavente nos convoca a compreender os processos, não apenas constatar, mas atuar na realidade com projetos que sinalizem vias de diversificação das práticas, de tal modo que os participantes se apropriem dos instrumentos para a mudança da realidade escolar (Benavente, 1985).

Nesta perspectiva, a formação destes profissionais é uma atividade que se volta para universos pedagógicos vigentes através de atividades de investigação voltadas para a realidade social e suas articulações com a escola. Para isso é preciso que se desenvolva no terreno concreto de ação destes educadores, atividades de ação e reflexão, através de idas e vindas entre a intervenção e a reflexão, propiciando assim novas vias de ação, onde estes profissionais sejam produtores de saber, e não apenas receptores passivos e reprodutores ativos desse saber. Como afirma a mesma autora, a investigação-ação deve dar conta da complexidade de um projeto, articulando diversas problemáticas, intervindo em situações reais e construindo mudanças não só das práticas pedagógicas, mas também de atitudes e relações entre os atores do projeto com o saber e com a ação.(Benavente,1985)

Portanto, o projeto "A busca de integração entre gestão e currículo no cotidiano escolar" tem procurado através de suas atividades auxiliar no processo de formação desses educadores numa perspectiva reflexiva, investigadora e transformadora de sua própria prática. Criar um contexto investigativo nos programas de formação continuada do profissional da educação requer inserí-lo na realidade escolar, pela via da pesquisa, o que pode se dar através da buscados contextos sócio-políticos econômicos, das contradições presentes no cotidiano escolar, das resistências presentes no coletivo docente, dos obstáculos ao sucesso escolar, da face bem sucedida da escola, enfim, trata-se de recolher, analisar e interpretar os dados necessários para responder a questões mais urgentes e necessárias à uma escola mais democrática e de maior qualidade para as camadas majoritárias da população.

O CURSO: entre o proposto e o vivido

Já no primeiro encontro com os participantes foi aplicado um questionário onde se buscava caracterizar o seu perfil e suas expectativas. Vejamos então estes dados.

1-Perfil da clientela

A análise das informações reunidas nesta fase revelou:

a-) Quanto à formação, o que chama a atenção, em primeiro lugar é que praticamente todos os diretores possuem uma outra formação, além da Pedagogia, o que explica que os percentuais da Tabela 1 superem cem porcento. Com relação aos professores coordenadores esta segunda habilitação já não é tão comum, estando presente em cerca de um quinto dos que responderam o questionário. Outra dado positivo que chama a atenção é o baixo número de professores que possuem apenas o magistério, somente três. Quanto às áreas de formação, nota-se uma esperada dispersão no que refere aos professores coordenadores, assim como em relação à segunda habilitação dos diretores.

b-) Quanto ao local de formação, a maioria absoluta, 88,5 % (Professores Coordenadores) e 89,3 (Diretores) formaram-se em instituições de ensino superior, da rede privada, com predomínio das instituições não universitárias. Este dado confirma a situação de formação profissional da educação no Brasil, pois em sua maioria ela é feita em escolas particulares isoladas. (Tabela 2) Este fato talvez ajude a explicar a dificuldade, por nós encontrada, de desenvolver um trabalho de pesquisa de campo. Como é do conhecimento geral, infelizmente, no Brasil, os trabalhos de iniciação científica, a nível de graduação, restringem-se a poucas instituições, geralmente universidades públicas.

c-) Quanto ao tempo no Magistério e ano de conclusão da graduação, um número expressivo de Diretores (33,3 %) e Professores Coordenadores (29,4 %) já atuam há 20-24 anos no Magistério, portanto, possuem experiência profissional e já acompanharam várias reformas educacionais. Quanto ao ano de conclusão: a maioria dos Diretores concluíram sua graduação há pelo menos 20 (vinte) anos, que coincide exatamente com o auge do período militar, época de predomínio absoluto do tecnicismo nos cursos de formação. Isto, obviamente implica uma postura mais conservadora e de resistência a mudanças. Já os Professores Coordenadores têm uma formação mais recente, 10 anos em média (Tabelas 3 e 4).

d-) Quanto ao período de trabalho e à carga horária semanal, a maioria dos Diretores e Professores Coordenadores trabalham em 2 turnos (Tabela 5). De qualquer forma, chama atenção o fato de mais de um terço dos diretores trabalharem em três turnos o que indica uma sobrecarga evidente de trabalho, ainda mais considerando-se o tipo de função de "pau para toda obra" que marca a atuação do diretor da rede estadual. Este turno suplementar de trabalho é cumprido geralmente, ou na rede privada, ou na rede municipal. Quanto à jornada de trabalho, os Diretores (77,4 %) têm uma carga horária semanal entre 31 e 40 horas, enquanto os Professores Coordenadores (65,6%) trabalham entre 41 e 50 horas semanais (Tabela 6). Trata-se de uma jornada evidentemente exaustiva, chamando mais uma vez a atenção o fato de quase um quinto dos diretores cumprirem uma carga semanal de trabalho superior a 50 horas.

e-) quanto ao tempo no cargo e função atual, constata-se que, como a função de professor-coordenador é recente, todos estes exercem esta função há um ano. Quanto aos Diretores, a maioria 58,6 % exerce esta função há mais de 5 anos, o que revela ampla experiência

f-) Quanto às atividades de formação complementar, os dados revelam que uma parcela significativa de Diretores (16,1 %) e Professores Coordenadores (24,3 %) já possuem cursos de especialização. Porém os cursos de formação continuada predominam, representando 46 % de Professores Coordenadores e 35,5 % de Diretores (Tabela 8). Apenas o caso de um participante com formação a nível de mestrado foi encontrado.

2-0 sistema de ensino na visão dos participantes.

O questionário aplicado a Diretores e Professores Coordenadores abrangeu um grande número de questões envolvendo a opinião dos participantes sobre o grau de autonomia da escola, sobre o poder de intervenção nos acontecimentos da mesma, assim como os principais problemas enfrentados no desenvolvimento do trabalho. Foi solicitada também a avaliação sobre a reorganização da rede estadual de ensino (separação, em prédios escolares diferentes, da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, da 5ª à 8ª série), sobre a municipalização e participação da comunidade na escola.

Com relação à autonomia da escola, os diretores entendem que, no que se refere aos aspectos administrativos ela é bastante limitada, seja pela legislação seja pela atuação da Secretaria Estadual de Educação, quanto ao aspecto financeiro, a maioria entende que ela é regular é que tem melhorado ultimamente. Quanto ao poder de intervenção nos acontecimentos, a maioria dos diretores entende que possui um espaço razoável de atuação e se sentem como mediadores dos conflitos e problemas que ocorrem no dia a dia da escola.

Questionados sobre os mesmos itens, os professores coordenadores, afirmam que, no que se refere à construção do currículo, há uma autonomia razoável de trabalho, mas que seu poder de intervenção sobre o que ocorre na sala de aula ainda é muito limitado, visto que as suas responsabilidades e competência não estão claramente definidas.

Com relação às propostas de municipalização do ensino fundamental, houve uma grande dispersão nas respostas, sendo que a maioria dos diretores alegou desconhecimento sobre o tema. No caso dos professores coordenadores predominou uma avaliação negativa da proposta.

Frente à reorganização das escolas de ensino fundamental ("primário"/ "ginásio"), imposta pela Secretaria da Educação, tanto o grupo de diretores, como o de coordenadores se dividiu entre os que acham a medida positiva e aqueles que a vêem apenas como um artifício para a municipalização. De todo modo, há um certo consenso de que ela facilita a organização das escolas de 1ª a 4ª, mas cria problemas nos outros níveis.

Quando perguntados sobre o nível de participação da comunidade na vida escolar, os participantes de forma praticamente consensual consideram que este envolvimento é bastante restrito e, quando acontece, é decorrência da iniciativa da escola.

Em relação aos principais problemas vividos no exercício da função, foram considerados os seguintes aspectos (em ordem decrescente de prioridade). Na visão dos diretores: a falta de funcionários, falta de autonomia, falta de recursos financeiros, burocracia excessiva, falta de participação da comunidade e falta de tempo para aperfeiçoamento e atualização. Na visão dos Professores Coordenadores: desmotivação de docentes, principalmente pela questão financeira, falta de material de apoio, formação precária do professor, horas de H.T.P. insuficientes, dificuldade do professor em realizar atividades diferenciadas /diversificadas, falta de entrosamento na escola, problemas sociais dos mais diversos que interferem no desempenho do aluno, número muito grande de professores para atender e falta de clareza, por parte dos professores, sobre a função do Professor Coordenador.

Quanto às sugestões da melhoria da escola pública, houve uma convergência de respostas entre os dois grupos: valorização profissional e salarial, maior autonomia das escolas, capacitação efetiva de funcionários e professores, exigências na atuação do professor e participação da família, mais horas de Trabalho Pedagógico, modernização das bibliotecas, laboratórios e materiais pedagógicos, classes menos lotadas e participação dos profissionais da educação na definição de políticas públicas educacionais.

Em resumo, observamos que os participantes em sua maioria são profissionais experientes, em particular os diretores, com formação de nível superior, geralmente em instituições particulares não-universitárias, que possuem um diagnóstico bastante amplo e realista dos problemas que afligem a escola pública, que têm uma visão pessimista quanto ao engajamento da comunidade no cotidiano da escola e que tendem a atribuir os problemas do mal desempenho da escola a fatores que estão além de seu poder de intervenção, tais como: condições socioeconômicas dos alunos, desintegração da família, baixos salários e as diretrizes da Secretaria Estadual da Educação. Este tipo de convicção tem como corolário uma postura geralmente cética quanto às possibilidades de mudança da escola.

Foi sob este pano de fundo que iniciamos o curso em Março de 1997, na cidade de Sertãozinho, tendo completado até o momento (Jan/98) três módulos, em um total de quatro. A seguir passaremos a descrever as principais características de cada um deles, assim como alguns comentários reflexivos.

3-Os módulos

O primeiro módulo, cujo tema era "Gestão e Administração Educacional", teve basicamente dois objetivos. Partindo da constatação de que a visão de gestão educacional da maior parte do grupo foi forjada no âmbito do tecnicismo, na teoria de sistemas, da escola enquanto organização burocrática.

O primeiro deles foi promover uma desconstrução desta concepção de administração educacional, buscando demonstrar os paradigmas sociológicos e ideológicos que a fundamentam, através do uso de textos de autores como Tragtenberg (1977), Paro (1993) e Félix (1989) entre outros. O segundo intento foi demonstrar que o elo que une a gestão e o currículo no cotidiano da escola pública é exatamente a convicção que o objetivo básico da educação é a formação de um cidadão crítico e consciente como determinam a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/ 96) e que a função dos profissionais da educação é assegurar que este objetivo seja atingido para a maioria da população brasileira que frequenta a escola pública, que é pobre e alijada de boa parte dos benefícios do desenvolvimento econômico nos moldes capitalistas adotado no Brasil. Para enfrentar esta tarefa nos valemos de estatísticas oficiais e de autores como Castro e Fletcher (1985) onde buscamos mostrar que a escola brasileira falha completamente em cumprir a função que lhe atribui a Constituição Federal. Por fim, utilizamos a discussão de algumas experiências positivas de intervenção na escola pública, com vistas a reduzir o fracasso escolar, divulgadas pela UNICEF (1993) e pela revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita.

A título de reflexão sobre o desenrolar dos trabalhos, cabe dizer que, muitas vezes a discussão chegava a um impasse, com uma resistência muito grande por parte dos participantes em sair do papel de vítimas do sistema educacional e, com muita facilidade, ao se discutir os péssimos indicadores de qualidade do nosso sistema de ensino, caía-se na armadilha de "busca de culpados", onde o culpado é sempre o "outro". Em particular, a questão da participação da comunidade na gestão da escola que, junto com a introdução da temática do cotidiano no currículo escolar, parece ser o elemento comum das experiências exitosas acima comentadas, era o tema mais difícil de se avançar frente à firme convicção dos participantes de que "o pai não participa e só vai à escola quando tem algum problema com seu filho". Foram discussões calorosas, onde nossa intervenção pautou-se pela admissão de que boa parte das experiências trazidas pelos participantes tinham uma base real, assim como que, fatores extra-escolares, em especial numa sociedade de capitalismo particularmente excludente como a nossa (pior distribuição de renda do mundo, segundo o Banco Mundial) implicam em sérios constrangimentos e efeitos que, muitas vezes, estão além da capacidade da comunidade escolar de resolvê-los, mas alertando para o fato de que, não raramente, os profissionais da educação, de forma inconsciente, reforçam com sua prática os mecanismos que fomentam o fracasso escolar e a exclusão social; e martelando na tecla de que há ainda um largo caminho a se construir, no âmbito da escola, em especial através de um fomento na participação dos alunos e da rediscussão dos conteúdos curriculares, que pode mudar bastante o papel atualmente desempenhado pela escola. Não sabemos quem convenceu quem, mas as discussões foram ricas e produtivas, em especial para nós.

O segundo módulo, realizado no final do 1º semestre e início do 2º semestre/97, analisou a " Construção do Currículo na Escola Face as Transformações Teóricas e Políticas do mundo Contemporâneo". As temáticas estudadas versaram sobre a: Retrospectiva Histórica do Currículo e as Diversas Abordagens; as Reformas Curriculares, a partir da década de 70 e a Construção do Currículo na Escola; Análise das Propostas Curriculares no Estado de São Paulo, nos anos 70 e 80; Concepções de Currículo Análise do Documento Preliminar sobre os Parâmetros Curriculares; o Currículo e o Construtivismo: bases psicológicas, epistemológicas e pedagógicas.

Os procedimentos adotados abrangeram exposições e relatos orais, análise de documentos, leitura de textos que subsidiaram teoricamente a discussão da problemática tratada.

Num primeiro momento, procuramos abordar, historicamente, a relação das teorias pedagógicas com o campo do currículo. Nos valemos dos estudos de Silva (1989), Moreira (1990), Forquim (1983), Apple (1987,1995) e Goodson( 1995). Estes autores caracterizam o campo do currículo como "locus" complexo e importante onde são corporificados o conhecimento científico, artístico e social.

Em seguida, procedemos a um levantamento sobre a "concepção de currículo" dos participantes do programa, através da qual pudemos constatar que os mesmos possuem uma "visão estreita" e "burocrática" deste termo e de sua abrangência. A maioria concebe o currículo como "listagem de conteúdos expressos em planos e programas de estudo". Alguns compreendem ainda o currículo "como local de realização de experiências sociais de aprendizagem vividas dentro do esquema escolar".

Provocamos o confronto do ideário dos participantes através da exposição do pensamento dos citados autores, tendo em vista o aprofundamento da reflexão. Defendemos, uma definição ampla de currículo que incluí conteúdos e objetivos, assim como métodos e critérios de avaliação, que não se limita à instrução, abrangendo as relações e aprendizagens sociais (currículo não escrito). Nesse contexto, os conteúdos curriculares seriam o conjunto de discursos (verbais e não verbais) que entram em jogo no processo de ensino-aprendizagem, incluindo-se: as informações e os conhecimentos prévios que tanto os alunos quanto os professores possuem e aqueles que são construídos ao longo do processo educativo pela interação entre uns e outros; os conteúdos dos planos e programas de estudo, assim como os dos materiais curriculares e dos trabalhos de aula; os procedimentos utilizados para ensinar e aprender; a organização do espaço ocupado; o clima gerado; e o conhecimento construído resultante da interação entre todos esses elementos.

A partir de uma visão histórica, mais ampla, sobre o currículo, nos voltamos para as Reformas Curriculares na rede estadual a partir dos anos setenta, no Estado de São Paulo até o momento atual. Nos pautamos por evocar os acontecimentos vividos por muitos dos presentes, descrevendo um movimento que procurava evidenciar a organização da Secretaria da Educação, seu funcionamento e a decorrente implementação da política educacional, determinando a construção do currículo na escola.

Se no primeiro módulo foi discutida a divisão de trabalho na escola, neste demonstramos esta divisão concebida num âmbito maior, a partir da própria reorganização da SE. Na década de setenta, dentro do projeto de modernização que vinha sendo imposto a nação brasileira, houve a reorganização da SE e a reestruturação da escola de 1º e 2º graus no sentido de direcionar a racionalidade educacional pelo modo de produção capitalista. Nesta ocasião, foi criada a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), a qual foi atribuída a concepção do currículo e da Reforma Curricular, ao mesmo tempo em que a implementação do mesmo foi determinada ao professor, na escola. Esta posição foi revista, a partir da implantação do Governo Montoro apresentando a tendência de aumentar a participação dos professores nas decisões sobre o currículo. No entanto, as condições de trabalho não têm sido alteradas para favorecer a autonomia dos professores. Assim passando pelas várias Reformas Curriculares fomos mapeando os diferentes momentos vividos e nos mesmos focalizamos o papel atribuído ao professor na construção do currículo.

Neste movimento, demos destaque para o processo de elaboração das Propostas Curriculares do Estado de São Paulo, da década de 80, ainda vigentes e chegando no momento atual, ampliamos a discussão para os Parâmetros Curriculares Nacionais.

A grande maioria dos participantes desconhecia o assunto, não tendo tido acesso a nenhuma das versões tornadas públicas dos mesmos ou a qualquer documento que revelasse a política educacional na qual foram embasados.

Entregamos uma cópia da versão inicial dos Parâmetros Curriculares e indicamos a leitura da análise procedida por Cunha (1996) sobre os mesmos. Para a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais adotamos uma perspectiva onde escola e currículo são tomados como instrumento de controle e regulação indispensáveis às estratégias do Estado Neoliberal.

As análise de Apple(1995) e de Goodson(1995) sobre "Currículo Nacional", foram importantes para pensar este currículo, principalmente no mundo globalizado onde há enfraquecimento das fronteira nacionais, são acentuadas as mudanças na educação intelectual e na questão da aprendizagem há a incorporação de habilidades diferenciadas para obtenção de qualificação.

Apple(1995), chama atenção para o currículo nacional e sistema de avaliação propostos nos Estados Unidos. Segundo ele, esses elementos (currículo e avaliação) têm sido vistos pelos neoliberais, como capazes de contribuir tanto para a modernização no ensino e o melhor preparo de recursos humanos, como para a preservação dos valores de um passado romantizado. Porém, o autor alerta que esta coesão cultural e social aprofunda as diferenças entre "nós" e os "outros", com conseqüências econômicas, sociais e culturais facilmente previsíveis. Em uma sociedade desigual, a única modalidade de coesão possível é a que deriva do reconhecimento das diferenças e desigualdades e de sua consideração nas decisões curriculares. Somente assim, o diálogo no currículo pode ser estabelecido. Apple rejeita, então, a idéia de um currículo baseado em uma cultura comum, já que não existe essa cultura comum da qual seja possível selecionar os conteúdos do currículo nacional.

Na Grã-Bretanha, segundo Goodson (1995), o debate sobre o currículo nacional relaciona-se à crescente percepção de que a nação se encontra em crise econômica. Nesse contexto, o currículo nacional é apresentado como parte de um projeto de regeneração econômica e de reestruturação da identidade nacional. O atual currículo nacional abrange as disciplinas tradicionais do currículo de 1904.0 mesmo autor argumenta que redirecionar o currículo para a formação de elites e lideranças do país combina com a intenção de reconstrução nacional, já que são esses grupos que irão governar e administrar. O problema passa a ser, então, como lidar com a heterogeneidade cultural.

No Brasil, analisamos com os participantes, a política educacional, que tem tomado como pré-requisitos para a "qualidade do sistema público escolar" a definição do conteúdo curricular do ensino básico e a introdução de uma sistema de avaliação.

Se nos momentos anteriores, os participantes do curso puderam conhecer as várias abordagens curriculares e reformas curriculares, através de uma retrospectiva histórica, além de discutirem a construção do currículo na escola, fazendo uma ponte entre o proposto e o vivido, este visou introduzir questões mais diretamente ligadas a sala de aula, ao processo de ensino-apren-dizagem, através da temática: "O currículo e o Construtivismo".

"Construtivismo" não é uma palavra estranha nos meios educacionais, ao contrário, está presente nos cursos de formação, de atualização, nos materiais de ensino e nas salas de aula. Vários participantes do próprio curso se auto intitulavam 'construtivistas', manifestando afirmações como: "Ensino ciências num método construtivista."..., "Eu utilizo técnicas de ensino construtivistas, fazendo com que o aluno chegue aos conceitos científicos"..."A minha prática é construtivista". Outros ainda diziam que ensinavam pelo "método construtivista". Pareceu-nos que para muitos participantes 'ser construtivista' era uma verdadeira palavra de ordem e sinônimo de modernidade. Mas "O que é ser construtivista?"

A insatisfação com os modelos tradicionais, que adotam um ensino pautado numa forma particular de transmissão, que consiste em repetir, recitar, aprender-ensinar o que está pronto, redescobrir através da atividade prática, observar no ambiente, somente o que está escrito nos compêndios, fez com que educadores de uma maneira geral reagissem e procurassem outros modos de ensino, que pudessem reverter esta ordem. De fato, podemos dizer que o construtivismo reúne as várias tendências que buscaram um movimento de reação aos métodos de ensino, que mantinham o aluno numa posição passiva no processo de ensino-aprendizagem. Então, significa que "O construtivismo é um método de ensino?"

Foi com esse rótulo 'método', que o construtivismo fez tanto sucesso nos meios educacionais (Osborne, 1996) e ao mesmo tempo sofreu tantos fracassos. A razão principal do fracasso residia no fato de que o construtivismo, enquanto método de ensino, foi encarado como uma espécie de redenção, em que a criança constrói seu próprio conhecimento e o professor auxilia, subsidia, encoraja, mas não mais ensina. Assim, mais um vez, a responsabilidade do fracasso recaía sobre o aluno, já que, o professor era um mero auxiliar. Essa visão do processo ensino-aprendizagem denominada 'construtivismo radical', além de ser impraticável (por vários motivos), sofreu sérias críticas à nível teórico (Osborne, 1996). Mas afinal, "Qual o sentido do construtivismo na educação?"

Partimos do pressuposto de que não existe uma teoria única que possa explicar o construtivismo. Existem sim, várias versões, que aparecem na literatura utilizando o mesmo rótulo, mas que possuem duas características principais que parecem ser compartilhadas: que a aprendizagem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz na construção do conhecimento e que as idéias prévias dos estudantes desempenham um papel importante no processo de aprendizagem (Driver, 1989). Como podemos ver, a própria teoria construtivista encontra-se em construção. Mortimer (1995) afirma que o construtivismo começou a dar sinais de esgotamento, apontando um número razoável de artigos na literatura criticando aspectos filosóficos, psicológicos e pedagógicos do construtivismo. Como podemos ver, o construtivismo passa por um período de redefinição, procurando se divorciar do empirismo (Mathews, 1992) e buscando uma base filosófica mais coerente para o movimento (Osborne, 1994). Dentro desse contexto, alguns mitos devem ser quebrados: o construtivismo não é uma prática ou um método de ensino; não é uma técnica de ensino, nem uma forma de aprendizagem; não é um projeto escolar. É sim, uma teoria analítica que permite (re)interpretar todas essas coisas. A pesquisa na perspectiva construtivista tem um papel analítico e conceituai. Em suma, tomando emprestado as palavras de Becker (1994) "Construtivismo significa isto: a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais...." (Becker, 88-89).

Assim, a metodologia assumida partiu de um levantamento sobre a concepção de conhecimento dos participantes. O próximo passo foi descontruir algumas dessas concepções, tentando reconstruir uma idéia do que possa ser o 'Construtivismo'. Atividades foram realizadas para que os professores e diretores pudessem manifestar suas idéias, em torno da questão "O que é conhecimento?" Suas idéias foram tomadas como pontos de partida, explicitadas, confrontadas, apontadas as contradições, desequilibradas e, finalmente discutidas, promovendo algumas reflexões. Idéias apriorísticas de conhecimento surgiram com menor frequência, como "Conhecimento é o conjunto de informações que o indivíduo tem sôbre determinado assunto", como se o conhecimento já existisse no indivíduo de forma inata ou programado na bagagem hereditária, reforçando a idéia de que o mundo das coisas ou dos objetos tem função apenas subsidiária: abastece com conteúdo, as formas existentes a priori. Idéias empiristas foram bastante frequentes, como "O conhecimento ocorre através da percepção e das experiências que a pessoa adquire ao longo de sua vida" ou "O conhecimento ocorre com a pesquisa e captando culturas", como se o conhecimento fosse algo que vem de fora do indivíduo e se instala nele, independentemente de sua vontade, reforçando a idéia que o conhecimento acontece porque vemos, ouvimos, tateamos, etc. e não porque agimos e pensamos. Idéias apriorísticas e empiristas também se mesclavam, como "O conhecimento se dá aplicando as informações que o indivíduo tem". Demonstramos, através de suas falas, que tanto as idéias apriorísticas como as empíricas propõem a mesma visão passiva de conhecimento. O termo 'construir' apareceu em várias definições, ora mesclando-se com as idéias anteriores, ora de forma isolada, mas de qualquer modo, bastante confuso "Conhecer é toda a capacidade de construir seu pensamento pela interpretação das situações de atuação" ou, "se dá através da observação e de informações sistematizadas", "ocorre construção gradual de um dado conhecimento". Interessante observar que tanto o professor como o diretor oscilavam entre diferentes tendências pedagógicas. A discussão da atividade mereceu uma série de intervenções teóricas, que buscavam não somente explicitar as idéias dos professores, mas caracterizá-las segundo teorias do conhecimento e remetê-los a prática, tentando enfatizar a importância do construtivismo, enquanto teoria analítica, que permite avançar os limites impostos pela prática e romper o senso-comum. Possivelmente, a confusão de concepções sôbre conhecimento e como este pode ser construído no processo ensino-aprendizagem que os participantes do curso manifestaram reflete, em parte, a própria indefinição do construtivismo no plano teórico e, em parte, na falta de diálogo e reflexão que tem marcado o fazer pedagógico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto teve como principal objetivo discutir, sem contudo esgotar, o projeto voltado para a formação continuada de educadores, por nós coordenado, que busca integrar a gestão e o currículo no cotidiano da escola básica, entendendo que este elo se dá pela convicção de que o objetivo básico da educação é a formação de um cidadão crítico e consciente e que a função dos profissionais da educação é assegurar que este objetivo seja atingido pela maioria da população brasileira que frequenta a escola pública.

O projeto em pauta tem a duração de dois anos. Por isso, ressaltamos alguns aspectos das atividades desenvolvidas no 1º e 2º módulos. O 3º módulo iniciado em meados do 2º semestre de 1997 teve como principal objetivo a elaboração pelos participantes de um projeto de pesquisa-ação, tendo em vista os temas desenvolvidos nos módulos iniciais numa perspectiva de integração teoria-prática.

Os participantes divididos em grupos definiram as temáticas/problemas que estão sendo pesquisados e atendem um universo de interesses. As temáticas escolhidas foram: Gestão Escolar, Avaliação Educacional, Ensino Médio, Disciplina, Relações Família - Escola, Formação Continuada de Professores. As fases de identificação e seleção de estratégias para seu equacionamento já foram realizadas, ficando para o próximo semestre, as atividades de análise, interpretação dos dados coletados e o relato ou comunicação dos mesmos. Sabemos que a metodologia investigativa é apenas uma entre as várias possibilidades de envolvimento ativo do sujeito no processo de apropriação de conhecimentos. Mas, suas vantagens são óbvias, pois ele permite aos educadores, terem uma visão mais analítica da realidade, atenção aos mecanismos ocultos e aos aspectos não apreensíveis à primeira vista, consciência do arbitrário e da complexidade e multiplicidade dos pontos de vista, bem como interpretações e relativização das evidências do senso comum.

Porém devemos adiantar que os participantes estão encontrando muitas dificuldades em elaborar um projeto de pesquisa, o que concebemos como decorrente da formação tecnicista da maioria deles e do fato da graduação ter ocorrido em faculdades particulares que não consideram como parte do currículo o estabelecimento de procedimentos de investigação científica.

Nesse sentido, podemos considerar que o Projeto desenvolvido tem ajudado os educadores a adotarem uma "prática reflexiva" (Perrenoud, 1993), ou seja, uma disposição para um olhar introspectivo, antecipando resultados de determinados processos ou atitudes. O que importa enfatizar aqui é o potencial que este curso proporciona ao educador, ou seja, pensar o próprio trabalho com referenciais que o ajudem a superar práticas inadequadas e ineficazes.

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    Este projeto está sendo coordenado pelos professores: Clarice S. Kawasaki, José Marcelino R. Pinto, Natalina A. L. Sicca e Noeli P. P. Rivas do Departamento de Psicologia e Educação/ Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 1997
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