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Análise da escolha profissional: uma proposta fenomenológico-existencial

Análisis de la elección profesional: una propuesta fenomenológico-existencial

Professional analysis of choice: an existential-phenomenological proposal

Resumos

Este artigo tem como objetivo mostrar a possibilidade de uma práxis em Psicologia, anteriormente denominada orientação vocacional, acontecer a partir da perspectiva fenomenológico-existencial, que recebe a denominação análise da escolha profissional. Duas temáticas presentes na análise da escolha profissional são análise e escolha, em substituição aos termos orientação e vocação da proposta de orientação vocacional. Essa prática aponta o caráter de determinação da escolha pela vocação e uma atuação que orienta a conhecer a verdade acerca do caminho a seguir. Os termos análise e escolha são relevantes para marcar o que está em questão em uma análise da escolha, que tem como fundamentos a fenomenologia, a hermenêutica e a analítica da existência. A prática da análise da escolha profissional será relatada em meio a fragmentos de relatos clínicos. Por fim, apresentaremos alguns trechos do poeta Rilke em Cartas a um Jovem Poeta, para assim poder mostrar elementos de uma análise que muito se aproxima daquela por nós proposta.

Orientação vocacional; Escolha profissional; Fenomenologia existencial; Hermenêutica


Este artículo tiene como objetivo mostrar la posibilidad de que una praxis en Psicología, anteriormente denominada orientación vocacional, suceda desde la perspectiva fenomenológico-existencial, que recibe la denominación análisis de la elección profesional. Dos temáticas presentes en el análisis de la elección profesional son el análisis y la elección, en sustitución a los términos orientación y vocación de la propuesta de orientación vocacional. Esa práctica señala el carácter de determinación de la elección por la vocación y una actuación que orienta a conocer la verdad acerca del camino a seguir. Los términos análisis y elección son relevantes para señalar qué está en evidencia en un análisis de la elección, que tiene como fundamentos la fenomenología, la hermenéutica y la analítica de la existencia. La práctica del análisis de la elección profesional será relatada en medio a fragmentos de relatos clínicos. Por fin, presentaremos algunas partes del poeta Rilke en Cartas a un Joven Poeta para, de esa manera, poder mostrar elementos de un análisis que mucho se acerca a aquella propuesta por nosotros.

Orientación vocacional; Escogimiento profesional; Fenomenología existencial; Hermenéutica


This article has the objective to show the possibility of a psychology activity, formerly called vocational guidance (OV), be held from the perspective of existential-phenomenological perspective. This activity receives the nomenclature of professional analysis of choice (AEP). Two terms present in the AEP are analysis and choice, that replace the terms orientation and vocation in vocational guidance. This practice aims to determine the character of the choice of vocation, and of an action that gives the student orientation on the truth about the decision to make. The terms analysis and choice are especially important to identify our proposal, that is based on phenomenology, hermeneutics and philosophy of life. The practice of the professional analysis of choice will be reported through the fragments of clinical reports. Finally, we present some excerpts from Rilke’s “Letters to a Young Poet” in order to show elements of an analysis that is very close to the one we propose.

Vocational guidance; Occupational choice; Existential phenomenology; Hermeneutics


ARTIGOS

Análise da escolha profissional: uma proposta fenomenológico-existencial

Professional analysis of choice: an existential-phenomenological proposal

Análisis de la elección profesional: una propuesta fenomenológico-existencial

Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo* * Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: ana.maria.feijoo@gmail.com ; Vanessa da Cunha Magnan** ** Mestranda em Psicologia Social no Programa de Pós graduação em psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: vanessa.magnan@yahoo.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo Instituto Fenomenológico Existencial Rua Barão de Pirassununga, 62. Tijuca, Rio de Janeiro – RJ – Brasil E-mail: ana.maria.feijoo@gmail.com

RESUMO

Este artigo tem como objetivo mostrar a possibilidade de uma práxis em Psicologia, anteriormente denominada orientação vocacional, acontecer a partir da perspectiva fenomenológico-existencial, que recebe a denominação análise da escolha profissional. Duas temáticas presentes na análise da escolha profissional são análise e escolha, em substituição aos termos orientação e vocação da proposta de orientação vocacional. Essa prática aponta o caráter de determinação da escolha pela vocação e uma atuação que orienta a conhecer a verdade acerca do caminho a seguir. Os termos análise e escolha são relevantes para marcar o que está em questão em uma análise da escolha, que tem como fundamentos a fenomenologia, a hermenêutica e a analítica da existência. A prática da análise da escolha profissional será relatada em meio a fragmentos de relatos clínicos. Por fim, apresentaremos alguns trechos do poeta Rilke em Cartas a um Jovem Poeta, para assim poder mostrar elementos de uma análise que muito se aproxima daquela por nós proposta.

Palavras-chave: Orientação vocacional, Escolha profissional, Fenomenologia existencial, Hermenêutica.

ABSTRACT

This article has the objective to show the possibility of a psychology activity, formerly called vocational guidance (OV), be held from the perspective of existential-phenomenological perspective. This activity receives the nomenclature of professional analysis of choice (AEP). Two terms present in the AEP are analysis and choice, that replace the terms orientation and vocation in vocational guidance. This practice aims to determine the character of the choice of vocation, and of an action that gives the student orientation on the truth about the decision to make. The terms analysis and choice are especially important to identify our proposal, that is based on phenomenology, hermeneutics and philosophy of life. The practice of the professional analysis of choice will be reported through the fragments of clinical reports. Finally, we present some excerpts from Rilke’s “Letters to a Young Poet” in order to show elements of an analysis that is very close to the one we propose.

Keywords: Vocational guidance, Occupational choice, Existential phenomenology, Hermeneutics.

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo mostrar la posibilidad de que una praxis en Psicología, anteriormente denominada orientación vocacional, suceda desde la perspectiva fenomenológico-existencial, que recibe la denominación análisis de la elección profesional. Dos temáticas presentes en el análisis de la elección profesional son el análisis y la elección, en sustitución a los términos orientación y vocación de la propuesta de orientación vocacional. Esa práctica señala el carácter de determinación de la elección por la vocación y una actuación que orienta a conocer la verdad acerca del camino a seguir. Los términos análisis y elección son relevantes para señalar qué está en evidencia en un análisis de la elección, que tiene como fundamentos la fenomenología, la hermenéutica y la analítica de la existencia. La práctica del análisis de la elección profesional será relatada en medio a fragmentos de relatos clínicos. Por fin, presentaremos algunas partes del poeta Rilke en Cartas a un Joven Poeta para, de esa manera, poder mostrar elementos de un análisis que mucho se acerca a aquella propuesta por nosotros.

Palavras clave: Orientación vocacional, Escogimiento profesional, Fenomenología existencial, Hermenéutica.

O modelo predominante na Psicologia, no que se refere à indecisão acerca da profissão a escolher, fundamenta-se, muito frequentemente, na Filosofia moderna, com as suas referências: dicotomia sujeito, detentor de uma interioridade psíquica, e mundo. A dicotomia sujeito-mundo refere-se à pressuposição de que o sujeito antecede e posiciona o mundo, e a interioridade psíquica diz respeito a um espaço determinado onde, em sua interioridade, se encontram as suas determinações potenciais. Dessas referências, emergem os pressupostos da Psicologia moderna de que o psiquismo apresenta propriedades de vocação, aptidão, interesse, personalidade e inteligência, daí cabe, então, falar da orientação vocacional, que traz no seu bojo uma ideia de direcionalidade, apontando o profissional que conhece a verdade, uma verdade que se encontra seja no interior (vocação), seja no exterior (reforço). Essa prática, também construída a partir dos referenciais da modernidade, visa a utilizar procedimentos e instrumentos elaborados a partir dos critérios de mensurabilidade, calculabilidade e objetividade. Dessa forma, permite descobrir aquilo que há de latente na interioridade daquele que está indeciso, a fim de mobilizar o seu potencial escondido e, assim, poder orientar, indicar, tutelar a sua escolha. A Psicologia, nesses moldes, acredita que, pelo princípio da correspondência e da verificação da verdade como veritas, poderá alcançar os elementos da vocação.

A nossa proposta aqui empreendida tem como objetivo escapar dos significados naturalmente compreendidos com os termos orientação e vocação, seja pela Psicologia, seja pelo senso comum; assim, substituímos a terminologia tradicional orientação vocacional pelo termo análise da escolha profissional (AEP) para, desse modo, apresentar a nossa proposta.

Compreendemos escolha profissional a partir do método fenomenológico de Husserl (2007) tal como tomado por Heidegger (1927/2008), cuja máxima é “ir às coisas mesmas, tal como se apresentam à consciência intencional”, e das tematizações da analítica da existência acerca de dois termos: análise e escolha; análise substitui o termo orientação, e pode ser compreendida tal como tomada por Heidegger (2001) em seu significado originário, que se refere ao tecer e destecer de uma trama. O analista irá acompanhar o analisando no tecer e no destecer de seu projetar-se, de suas escolhas, de sua decisão que, no início e na maioria das vezes, encontra-se totalmente determinada pelo impessoal, restringindo o espaço para que uma decisão singular aconteça; escolha substitui vocação, e refere-se à margem de manobras em um horizonte histórico de possibilidades. A escolha, portanto, não é mais vista como um chamado interno ou divino, mas como o caráter de indeterminação que constitui o homem, lançando-o para a segunda possibilidade, que nada mais é que a liberdade de escolha.

Discutiremos essa nossa proposta de atuação frente à indecisão profissional por meio de alguns relatos clínicos, visando a uma exemplificação de nossa prática clínica. Tais relatos correspondem a uma análise fictícia sobre a escolha profissional, a partir da experiência clínica adquirida no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA)1 1 Esses grupos constituem-se na UERJ de acordo com a procura no SPA. A faixa etária estabelecida vai de 16 a 23 anos. A maioria está prestando vestibular pela primeira vez, no entanto, alguns já ingressaram em um curso superior. da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Na nossa prática em AEP, sinalizaremos algumas atividades que podem ser realizadas em cada momento. Cabe esclarecer que as atividades não obedecem a uma ordem cronológica dada antes de conhecermos aquele que procura a análise; elas são propostas a partir do que emerge nos encontros. A exposição das atividades tem o intuito apenas de uma organização didática e não configura uma prescrição, pois muitas outras atividades podem e devem ser criadas a partir das questões presentes em cada situação. Buscamos, desse modo, ampliar um pouco mais a nossa discussão sobre o processo e responder a seguinte questão: afinal, é possível a existência de uma clínica fenomenológico-existencial frente à indecisão da escolha profissional? Para respondê-la, no entanto, tomaremos as referências do poeta Rilke (1953/1989) acerca de sua orientação a um jovem poeta que se encontrava indeciso.

Para iniciar a nossa discussão, faremos, primeiramente, uma breve apresentação da orientação vocacional na perspectiva clínica de Bohoslavsky, que aqui denominamos moderna.

A orientação vocacional em Bohoslavsky: orientação e vocação

Dentre os modelos de orientação vocacional (OV) que se encontram nas referências modernas, podemos citar as estratégias psicométricas e as clínicas. A modalidade clínica mais presente no Brasil foi a de Rodolfo Bohoslavsky, introduzida no final da década de 70.

Bohoslavsky (1991) coloca em segundo plano a abordagem psicométrica, passando a valorizar a redescoberta dos valores e dos sentimentos humanos. Essa abordagem sofre forte influência da perspectiva humanista, na medida em que valoriza o indivíduo como pessoa, bem como sua autonomia egóica, seu projeto e a sua liberdade de escolha, pessoa, aqui, tal como abarcada por Rogers, referindo-se a indivíduos que têm dentro de si mesmos amplos recursos para a autocompreensão, e que, assim, podem alterar seu autoconceito, sua atitude básica e seu comportamento autodirigido. O argentino Bohoslavsky enfatiza que a orientação vocacional deve ser fundamentada por aquilo que o indivíduo sente, e não pelo que faz. Esse autor toma também, como referência teórica, a psicanálise freudiana, ressaltando o caráter sintomático da decisão, daí a necessidade de, na articulação do individual com o social, investigar a identidade vocacional-profissional bem como os processos de luto e reparação.

Bohoslavsky (1991) propõe que, frente às dificuldades das pessoas em alcançar escolhas conscientes e autônomas, cabe à atuação do profissional de OV uma leitura interpretativa que permita compreender o caráter sobredeterminado e multideterminado da escolha, e, considerando a estrutura do aparelho psíquico, apreender aquilo que se expressa através da dialética dos desejos, das identificações e das demandas sociais; assim, por meio de suas técnicas, o psicólogo pode levar o indivíduo a uma escolha o mais livre possível da sua vida futura. Bohoslavsky conclui que seu projeto de OV implica uma decisão sobre o futuro, uma tomada de consciência e uma autonomia das decisões. Tudo isso acaba por levar os indivíduos a formar identidades próprias, e não modeladas pela adaptação a um sistema alienado. Ainda, ele define a OV como uma atividade constituída por uma ampla gama de tarefas, que inclui os aspectos psicológico e pedagógico, com fins de diagnóstico, de investigação, de prevenção e da solução da problemática vocacional. Trata-se, portanto, de um processo de orientação frente à situação de escolha.

A orientação vocacional na perspectiva clínica, tal como idealizada por Bohoslavsky, traz em seu bojo elementos de uma perspectiva moderna em Psicologia, mantendo ainda as denominações de orientação e vocação. A orientação é tarefa do especialista que conhece a verdade do psiquismo bem como as técnicas de revelação dessas verdades e que, assim, pode encontrar, pelo princípio da correspondência, a vocação que se encontra em uma interioridade. Ainda em uma perspectiva clínica, apresentaremos a proposta da escolha profissional em um posicionamento analítico, que aqui denominamos AEP.

Análise da escolha profissional: análise e escolha

Para introduzir uma possibilidade de análise da escolha profissional em uma perspectiva fenomenológico-existencial, iniciaremos discutindo duas temáticas de fundamental importância nessa atividade clínica do psicólogo: a análise e a escolha. Heidegger (2001, p. 140), para justificar a sua utilização do termo análise, retoma o sentido grego analisein, a partir da obra Odisséia, de Homero. Nesta, a palavra análise é usada para o que Penélope faz todas as noites: “desfazer a trama que ela tecera durante o dia”, que indica o desfazer de uma trama em seus componentes. Em grego, análise significa também soltar, por exemplo, soltar as algemas de um preso, libertar alguém da prisão, como também desmontar os pedaços de uma construção. Trata-se, portanto, de tecer e de destecer a trama social que, na maioria das vezes determina escolhas, e assim, nesse tecer e destecer, abrir espaço para que o analisando, em seu caráter de poder-ser, ganhe liberdade de determinarse, em um campo de indeterminação das possibilidades.

A escolha consiste, hermeneuticamente, em que ser-aí, por sua indeterminação originária, encontra-se lançado, projetado, decidido e/ ou decidindo. Logo, as coisas não se dão necessariamente e em sua totalidade, sob o domínio do seu querer, da sua vontade. O ser-aí é, portanto, sempre decidido, tem de ser. Logo, querer, desejar, ansiar e ter vontade são tardios, pois o mais originário consiste na indeterminação do ser-aí, tendo sempre, portanto, de decidir, de construir a sua morada, que não lhe é dada a priori.

Em nossa experiência clínica, no processo de análise da escolha profissional, fica notória a busca por certeza e verdade que cada analisando traz para a discussão. Compreendemos que tal demanda está atrelada ao modo de pensar e de articular sentidos em nossa época; nisso consiste a atmosfera em que nos encontramos. Tanto para a ciência como para o senso comum, a atuação clínica se propõe a orientar o outro em sua escolha profissional verdadeira. Para tanto, deve o profissional ater-se à aplicação de técnicas e de testes pautados em teorias psicológicas. Muitos analisandos chegam à entrevista acreditando que o processo será pautado na aplicação de testes e que, dessa forma, poderíamos lhes dizer o que deveriam fazer de suas vidas profissionais. Ao prestar esclarecimentos acerca de uma prática que envolve outra possibilidade de análise, há, normalmente, certa estranheza de sua parte. Quando essa postura ocorre, compreendemos que aí se encontra a lógica da certeza, presente em nosso horizonte histórico. Esse tipo de manifestação, por parte daquele que nos procura, já se anuncia como algo a ser tematizado no processo.

A analítica da existência de Martin Heidegger: reconstrução, desconstrução e construção

A análise da escolha profissional em uma perspectiva fenomenológico-existencial, que aqui apresentaremos, tem por base a analítica existencial do filósofo alemão Martin Heidegger. Segundo esse autor, toda interpretação se funda no compreender. Para ele, a interpretação de algo como algo se baseia em uma posição prévia (Vorhabe), visão prévia (Vorsicht) e concepção prévia (Vorgriff). Temos aqui o que ele denomina círculo hermenêutico. Esse círculo exprime a estrutura-prévia existencial do ser-aí como um compreender que interpreta. O círculo hermenêutico da compreensão pertence à estrutura do sentido, que é um existencial do ser-aí. O questionamento sobre o sentido do ser não se dá como se estivesse no fundo do ser, mas a partir da compreensibilidade do ser-aí. O sentido é o que sustenta a compreensibilidade de alguma coisa, ou seja, aquilo que se pode articular na abertura compreensiva (Heidegger, 1927/2008).

No processo da análise da escolha profissional, buscamos tematizar tais estruturas sedimentadas, abrindo, assim, a possibilidade para que a quebra do círculo hermenêutico aconteça. A possibilidade dessa quebra traz à tona a desconstrução, espaço no qual outra interpretação pode se dar, rompendo, então, o círculo hermenêutico em que estamos aprisionados. Essa ruptura abriga o vislumbrar de outras possibilidades, permitindo que as orientações de mundo se mostrem em muitas outras possibilidades, para além do horizonte onde se idealizam certezas e escolhas seguras, e, assim, permitir uma construção marcada pela indeterminação originária própria do existir.

Os indicadores que norteiam o nosso processo da análise são reconstrução, desconstrução e construção. A reconstrução requer que o analista assuma uma postura antinatural, tal como discutida por Husserl (2007) e assumida por Heidegger em suas investigações. Primeiramente, reconstruímos os pressupostos históricos da ontologia presente em nossa época. Ao desconstruirmos esses pressupostos, assumindo uma atitude antinatural, não devemos partir de pressupostos em que os sentidos e as determinações das escolhas profissionais sejam previamente dados, seja pela interioridade, seja pelo social, para, assim, poder romper com os pressupostos naturalistas de que existem profissões do futuro, escolhas seguras, garantidoras de sucesso. Dessa forma, o analista rendese à descrença de que podemos, através de nosso aparato técnico, ser os agentes orientadores de tais profissões seguras para cada analisando. Sairemos, assim, de uma crença na relação de causalidade para com as coisas, suspendendo valores, posições prévias, deterministas e sedimentadas, em pleno exercício de epoché (Husserl, 2007). Por fim, partimos para a construção fenomenológica, deixando que o fenômeno se mostre tal como se dá, na intencionalidade: horizonte de realização de uma ação.

Mas o que fundamenta essa relação analista-analisando nos três momentos em que a análise se dá: reconstrução, desconstrução e construção? O que se impõe é algo totalmente diverso da relação técnica? De acordo com Heidegger (1927/2008), tal modo de ser com o outro e consigo mesmo em uma unidade estrutural da totalidade das relações do homem é cuidado (Sorge), que corresponde a uma unidade existencialontológica do ser-aí, este como ser-nomundo, que se dá em relação com os entes que lhe vêm ao encontro. O cuidado apresenta-se sempre se referindo a outro ente, seja ao modo de ser simplesmente dado ou ao modo ser-aí. Podemos compreender, respectivamente, o ser-junto ao manual como ocupação (Besorgen) e o ser com os outros, como coexistência que encontramos no mundo, como preocupação (Fürsorge). Na ocupação, temse o manuseio e o uso subordinado ao serpara dos instrumentos, a partir da utilidade instrumental. Já na preocupação, como vimos, ser-aí se relaciona com entes dotados do mesmo modo de ser, podendo se dar de três modos: da indiferença, quando não me importo com o outro, como se o outro não existisse, da substituição, quando dou um passo à frente do outro, dizendo o que ele deve fazer (tal modo pode vir a resultar em uma relação de dependência entre dominador e dominado), e na anteposição, ou modo libertador, quando dou um passo atrás e deixo o outro decidir por si mesmo. Cabe ressaltar que, no cotidiano, tais modos se dão de forma não exclusiva (Feijoo, 2000; Sá, 2005; Heidegger, 1927/2008).

A partir da discussão realizada sobre cuidado ao modo da preocupação, podemos colocar em pauta alguns questionamentos sobre o pensamento clínico frente à escolha profissional. O analisando, muitas vezes, vem buscando a escolha segura, sem riscos, como se houvesse uma interioridade encapsulada, um eu inconsciente, uma vocação a ser desvendada pelo profissional psi. Sabemos que tal expectativa está atrelada ao horizonte histórico em que vivemos. Todavia, durante o processo, procuramos, aos poucos, realizar uma desconstruição das estruturas prévias, as quais, por vezes, encobrem o que lhe é mais original: a indeterminação. Colocamos em discussão a possibilidade de não dar garantias. Nosso esforço consiste em auxiliar o analisando a assumir sua condição de indeterminação, própria do existir, e de, como fluxo, encontrar-se lançado, projetado, decidido e/ou decidindo, sabendo que as coisas não se dão necessariamente sob o domínio do seu querer, da sua vontade. Contudo, tais aspectos encontram-se em jogo no seu existir, no modo como articula a significância e em virtude daquilo no qual se encontra sendo. Como vimos, para Heidegger, ser-aí encontra-se no início e, na maioria das vezes, imerso na decadência, na impessoalidade.

O processo de análise da escolha profissional pautar-se-á por compreender as estruturas prévias, no momento da reconstrução, visando, assim, a criar a possibilidade para que a quebra do círculo hermenêutico se dê, ou seja, a desconstrução. Por fim, na construção, caberá a cada analisando apropriar-se dos sentidos que hoje mobilizam o seu agir, inclusive, se for o caso, deixar-se levar, sendo tutelado. A fim de exemplificar melhor o processo, apresentaremos algumas possíveis atividades para cada momento, em meio a alguns relatos clínicos.

O processo de análise da escolha profissional: reconstrução, desconstrução e construção 2 2 Com exceção do quadrante gosto e faço, as técnicas utilizadas foram construídas durante os estudos sobre análise da escolha profissional, e as supervisões, nos grupos coordenados pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, no SPA da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Os processos de reconstrução, desconstrução e construção, considerados no processo de análise de escolha profissional, foram inspirados na ontologia hermenêutica de Heidegger3 3 Maria Alves de Toledo Bruns, em sua tese de doutoramento na UNICAMP: Não era bem isso que eu esperava da universidade: um estudo de escolhas profissionais, também toma como referência a ontologia fenomenológica de Heidegger para o desenvolvimento da temática da escolha profissional. . Devemos lembrar que a postura do analista se pautará em acompanhar aquilo que cada analisando traz como questão. Inicialmente, o analista irá, com os analisandos, reconstruir as sedimentações de nosso horizonte histórico. Em seguida, a partir de metáforas, criará um espaço de desconstrução. E, assim, no terceiro momento, construção, compete ao analista dar um passo atrás, deixando o analisando assumir a responsabilidade pela sua escolha, tendo assim de lidar com o problema de seu existir.

1- Reconstruindo as compreensões prévias:

O primeiro encontro tem como objetivo mostrar as formalidades do contrato e a apresentação entre os membros. Iniciamos o encontro com cada analisando do grupo através de uma primeira entrevista individual. Nesta, procuramos obter o maior número de informações possíveis sobre cada um. Normalmente, começamos colhendo algumas informações gerais, como, por exemplo, nome, idade, e-mail, telefone, endereço, escola em que estudou, profissão dos pais. Perguntamos também acerca dos motivos que levaram o analisando a procurar o processo de análise da escolha profissional, como ficou sabendo do grupo, bem como se deu a sua escolha pelo processo em grupo. Buscamos compreender, também, se foi ele próprio quem escolheu participar do processo de escolha profissional ou se foram os pais que decidiram. Indagamos um pouco sobre os seus relacionamentos, seja no âmbito familiar, seja no social ou no escolar, para conhecer, enfim, um pouco sobre seu modo de ser com o outro. De uma forma mais ampla, atentamos para os aspectos econômicos, sociais, culturais e para informações relativas ao seu cotidiano, suas preferências, valores e atuais interesses, entre outros. Procuramos, ainda, tematizar a dúvida acerca da profissão a seguir; por fim, esclarecemos a respeito do processo de análise da escolha profissional. Informamos que o grupo terá de seis a oito analisandos, que os encontros serão semanais, com duração aproximada de duas horas, já deixando combinados o dia e o horário em que acontecerão, e que teremos, no mínimo, 10 encontros em grupo. Explicamos a importância da realização das tarefas sugeridas como também da pontualidade e da frequência.

Além de todas essas informações, procuramos comentar um pouco sobre cada momento do processo. Informamos que a análise será dividida da seguinte forma: apresentação, reflexão sobre o cenário atual e informação profissional, reflexão sobre o que cada um assume como norteador de suas escolhas e, por fim, a conclusão e/ou decisão. Esta caberá a cada analisando, a partir do tecer e do destecer das tramas nas quais se encontra envolvido. Esclarecemos que a nossa proposta não tem como propósito dar, ao final do processo, uma resposta fechada sobre qual escolha profissional o analisando deve seguir, mas buscar acompanhá-lo ao longo do processo. Terminamos a entrevista lembrando o compromisso de sigilo e os honorários.

No primeiro encontro em grupo, relembramos a importância do compromisso para com o processo. Conforme mencionado anteriormente, durante os encontros, compete ao analista atuar de forma não obstrutiva, buscando viabilizar uma atmosfera em que os analisandos possam reconhecer o grupo como um espaço em que é possível compartilhar as suas dúvidas, temores e anseios, de forma que cada qual, à sua maneira, possa sentir-se em casa no processo de AEP. Algumas atividades que podem dar início ao processo consistem em: apresentação livre, dinâmica sobre a origem do nome – tentar lembrar-se de quem escolheu seu nome e por quê? Qual o significado? Outras pessoas da família também têm o mesmo nome? Caso tenham, como é o modo de ser dessa (s) pessoa(s)? Em que você se identifica com essa(s) pessoa(s)? Podemos, ainda, pedir que cada analisando elabore uma carta, que enviará para si mesmo.

Nesse primeiro momento, obtivemos os relatos seguintes. Em um grupo de análise da escolha profissional, iniciamos sugerindo que eles pudessem se apresentar da forma como desejassem. Para essa dinâmica, deixamos disponíveis papéis de vários tamanhos e cores diversas, revistas, canetinhas, lápis, caneta, cola e tesoura, entre outros materiais. Como reflexão inicial, colocamos o poema Metade, de Oswaldo Montenegro. Depois deixamos tocar algumas músicas, enquanto eles pensavam na sua apresentação. Nesse encontro, após ouvir o poema, um analisando falou sobre como se sentia dividido com relação a sua escolha, e que, a cada momento, sentia vontade de fazer uma coisa diferente, e isso o deixava inquieto. Após esse depoimento, outros analisandos começaram a se pronunciar, dizendo compartilhar do mesmo sentimento. O analista, então, procurou acompanhar as inquietações trazidas pelo grupo, perguntando sobre o que acontecia, que ora apresentavam tanto interesse por uma determinada carreira e, no momento seguinte, esta já não lhes parecia tão significativa. Um dos analisandos comentou que, ao ouvir falar sobre Engenharia de Petróleo, gostou principalmente do salário, mas que, quando se informou um pouco mais sobre o cotidiano da profissão, não gostou muito, principalmente porque teria que ficar longe da família.

Em um determinado instante, quando tocava a música Metamorfose ambulante, de Raul Seixas, um analisando disse: – Essa é a minha música! Sorriu, levantou-se dizendo o seu nome e se apresentou como uma metamorfose ambulante. Nesse momento, o analista pergunta ao analisando como era ser uma metamorfose ambulante. Ele respondeu que tinha se apresentado assim por estar sempre mudando, não gostava de ficar preso a uma única forma de ver as coisas. O analista, então, lança para o grupo uma questão, buscando instigá-lo: – É possível pensarmos em uma escolha profissional dentro do modo metamorfose ambulante? Um analisando afirmou que ficava muito complicado, pois, em relação a sua escolha profissional, deveria fazer uma escolha acertada, na qual não fosse querer ficar mudando. Nesse momento, aproveitamos para colocar em discussão a busca por uma escolha segura, por verdades eternas: é possível? Como?

Em nossa prática, procuramos deixar os analisandos se apresentarem da forma como achassem melhor. Alguns se mostram de modo mais espontâneo, fazem cartazes, outros já optam pelo modo mais convencional. Após as apresentações, pedimos para que fizessem uma carta para eles mesmos. Nessa carta, poderiam constar suas expectativas, seus sentimentos, seus valores frente à escolha profissional.

Nesse momento inicial, procuraremos reconstruir as estruturas prévias determinadoras das escolhas. Muitas vezes, alguns temas estão presentes, tais como: a possibilidade de uma escolha segura, profissões que pagam bem, mercado de trabalho em expansão, profissões do futuro, pressões familiares e vestibular como único caminho a seguir. Assim sendo, ficamos atentos ao modo como cada analisando fala sobre aquilo que determina suas escolhas.

As informações sobre as profissões nas quais trabalhamos também correspondem às orientações dadas pelo mundo. Esse momento possibilita ainda que o analisando se aproxime um pouco mais do cotidiano de diferentes atividades profissionais. Consiste em um momento de cunho informativo sobre o cotidiano dos profissionais, no exercício de sua atividade, em que cada profissão é descrita do modo mais objetivo possível. Sugerimos algumas atividades para esse momento da análise: leitura de textos que discutam sobre o mercado de trabalho, a influência da globalização, profissões do futuro, profissões mais bem pagas e profissões tradicionais. Apresentamos, também, vídeos sobre diferentes profissões e dramatizações que busquem reconstruir o cotidiano da profissão; ainda, para prosseguir na etapa das informações sobre as profissões, trabalhamos com: fichas de profissões, guia do estudante, sites e vídeos. Aproveitamos todo esse material para discutir também as verdades, os mitos e as certezas que estão envolvidos em cada uma das profissões.

Alguns relatos desse momento serão exemplificados. Em um jogo lúdico contendo informações sobre as profissões, elegemos algumas profissões que não haviam sido consideradas e outras pelas quais alguns analisandos já haviam demonstrado interesse. Dividimos o grupo em dois. Espalhamos os cartões pela sala, e cada grupo pegava uma ficha e informava algumas pistas ao outro grupo, que, por sua vez, deveria dizer de qual profissão se tratava. Visando ao envolvimento de todos os integrantes, solicitamos que cada analisando só falasse uma única vez o nome da profissão pensada, até que todos o tivessem feito. Dividimos o jogo em dois momentos; no primeiro, poderiam conversar para dar a resposta, no segundo, não poderiam trocar informações, estariam por sua conta. No final da dinâmica, discutimos um pouco sobre o que ocorrera. Com relação ao primeiro momento do jogo, os orientandos relataram que este havia sido bem melhor, pois puderam compartilhar as informações. Já no segundo, consideraram ruim o fato de não poderem trocar informações com o amigo. Alguns disseram que se sentiam angustiados por saberem de qual profissão se tratava e não poderem dizer, pois já haviam utilizado a sua vez de falar. Os analisandos discutiram também acerca da importância de disporem de um espaço onde pudessem expor os seus anseios e dúvidas sobre a escolha da profissão. Procurávamos deixar que cada um se posicionasse sobre como estavam se sentindo, frente às possibilidades de escolhas, sobre o fato de, em alguns momentos, elegerem algumas profissões e descartarem outras, e, ainda, sobre quais sentidos se mostravam presentes como mobilizadores.

Outra atividade a ser proposta é a busca por informações sobre o cotidiano de algumas profissões: salário, ritmo de trabalho, custo da faculdade ou do curso profissionalizante e oportunidade de remuneração durante a profissionalização da carreira, entre outros. Lançamos uma pergunta: a profissão que escolho, em tese, sustenta o padrão de vida que almejo? Propusemos essa atividade como tarefa para fazer em casa. Na semana seguinte, a maior parte do grupo trouxe a tarefa executada, outros não. Os analisandos que realizaram a tarefa disseram ter gostado de executá-la. Alguns comentaram que foi bom constatar que o padrão de vida almejado pode ser conseguido com a profissão desejada. Outros relataram ter sido bom trocar informações com os pais, pois puderam conhecer melhor os gastos do cotidiano de sua família, e ficaram surpreendidos em saber a respeito dos recursos necessários para manter o seu padrão de vida. Houve aqueles que se empenharam muito, calculando despesas como aluguel, gastos com luz, água, telefone, internet, compra de apartamento, bem como outros gastos considerados relevantes, tais como viagens, lazer em geral e carro. Outros analisandos também conversaram com os seus professores para conhecer um pouco mais sobre a profissão. Aqueles que não realizaram a tarefa apenas ouviram a discussão.

2- Desconstruindo as posições prévias:

No momento referente à desconstrução das determinações sedimentadas, convidamos os analisandos a meditar sobre o modo como o lado impessoal se apresenta, determinando as escolhas seguras, tuteladas, impondo verdades, ditando modos de ser, de tal forma que eles acabam acreditando, muitas vezes, não terem liberdade para escolher outras, senão aquelas profissões ditas garantidas, adequadas. Sendo assim, buscamos tematizar algumas estruturas sedimentadas, normalmente trazidas pelos analisandos, como, por exemplo, as profissões do futuro, as bem remuneradas, o mercado de trabalho favorável, o vestibular como único caminho, as verdades a priori. Desse modo, colocamos em discussão algumas questões, tais como: quanto às profissões que hoje são apresentadas como profissões do futuro, que garantias teremos de que amanhã continuarão sendo? É possível uma escolha sem risco? Como? Assim, buscamos ir até o outro, onde ele se encontra, procurando desfazer os laços da ilusão, ou seja, as sedimentações do mundo, com suas promessas de garantia. Para esse momento, pensamos em algumas atividades: textos diversos, discussão de filmes que tratem de alguma temática emergida no grupo, contos em geral, poesias, dinâmicas nas quais uma parte do grupo se posiciona a favor de determinadas carreiras ditas, por exemplo, profissões do futuro, garantidas, enquanto outros devem se colocar contra, dramatizações em que exprimam situações de conflitos – propomos um tema geral que tenha emergido no grupo, e este deve criar uma peça, como, por exemplo, consumo, escolha segura, influência familiar e felicidade, entre outros temas. Depois, abrimos espaço para a discussão.

Conforme mencionamos anteriormente, partimos da compreensão originária de que o analisando não apresenta nenhum potencial a ser descoberto, explorado, desenvolvido. Ele é lançado às possibilidades, e algumas serão escolhidas e outras, abandonadas. Dessa forma, não há nada a priori que determine sua decisão. Certa determinação só se dará tardiamente, nos modos de ser do analisando, junto àquilo que encontra. No momento da desconstrução, buscamos, através de metáforas, possibilitar a quebra das referências estabelecidas, a fim de que se possa abrir espaço para o poder-ser.

Com essas atividades, obtivemos alguns relatos. Propusemos a discussão do texto Viagem longa, destino incerto, de Rubem Alves (1995), pois alguns analisandos não viam a reescolha como uma possibilidade. Em sua maioria, desejavam uma escolha única, segura, para assim não perderem tempo. Pedimos que lessem individualmente o texto e que marcassem o que lhes havia chamado mais a atenção. Depois, conversamos sobre os pontos principais por eles destacados. De um modo geral, disseram que se sentiram acolhidos com a leitura do texto, pois acreditavam que o autor entendia as suas aflições. Também relataram que se sentiam incomodados algumas vezes, pois Rubem Alves colocava tudo de uma forma muito instável, sem dar garantia da possibilidade de uma escolha segura. Procuramos tematizar algumas questões: é possível que alguém possa dar ao outro uma escolha segura? A reescolha é uma possibilidade?

Alguns analisandos comentaram que se sentiam acolhidos, dando destaque aos seguintes fragmentos do texto: – Sofro mais por causa de vocês, moços. Tenho dó (Alves, 1995). Outros disseram que se sentiam não apenas acolhidos mas também incomodados com o caráter de incerteza presente no texto, marcando, por exemplo, o seguinte recorte: – Ainda nem deixaram de ser adolescentes, e já são obrigados a comprar passagens para um destino desconhecido, passagens só de ida, as de volta são difíceis, raras, há uma longa lista de espera (Alves, 1995). Um analisando, que havia destacado essa parte, diz: – Voltar atrás seria perda de tempo. Imagina passar anos em uma profissão e depois começar tudo de novo. Outro analisando, que já se encontrava na faculdade e estava repensando a sua escolha, comenta: – Eu não acho perda de tempo. Se não faz sentido, por que continuar?

Um analisando, que falava pouco no grupo, fez um relato escrito, em que comentava sobre como se posiciona frente à possibilidade de reescolher. Ele destacou os seguintes fragmentos:

Mas a viagem para a qual vocês estão comprando passagens dura cinco anos, pelo menos. E se depois de chegar lá, vocês não gostarem? Nada garante. Vocês nunca estiveram lá. E se quiserem voltar? Não é como no casamento. É complicado. Leva pelo menos outros cinco anos para chegar a outro lugar, com esse bilhete que se chama vestibular e essa ferrovia que se chama universidade. E é duro voltar atrás, começar tudo de novo. Muitos não têm coragem para isso, e passam a vida inteira num lugar que odeiam, sonhando com outro (Alves, 1995, p.42)

Rubem Alves coloca o casamento como um caminho para o qual se compra passagem de ida e de volta: – Hoje casamento é destino para o qual só se vende passagem de ida e volta (Alves, 1995). Já na vida profissional, afirma ser difícil pegar o caminho de volta: – Muitos não têm coragem para isso, e passam a vida inteira num lugar que odeiam, sonhando com outro (Alves, 1995). Após indicar tais fragmentos do texto, o analisando faz o seguinte comentário: – Estive relendo estes recortes e me identifiquei com o tema do casamento e o medo de voltar atrás. Hoje já terminei um casamento e estou entrando, mergulhando em minha profissão, quero me decidir e não mais me separar, mas sei que isto pode não acontecer e, se for assim, terei que recomeçar. Nesse relato, podemos perceber que o analisando não se vê como algo determinado, fechado. Ele mostra-se assumindo o caráter de temporalidade e transitoriedade da existência.

Outra analisanda comentou que havia considerado interessante a seguinte parte: – Para se conhecer uma pessoa, é preciso comer um saco de sal com ela (Alves, 1995). E ainda: – Coisa muito parecida acontece com a profissão: a gente se apaixona pela bela viola, e só tarde demais, no meio do saco de sal, se dá conta do pão bolorento (Alves, 1995). Ela relatou temer escolher algo que, ao final, possa lhe parecer um pão bolorento. Afirma ter procurado o grupo para ter certeza do que quer. O analista, então, devolve a questão para o grupo: Estamos dispostos a comer um saco de sal em prol da profissão que assumiremos como nossa escolha? A analisanda responde: – Como saber antecipadamente? Não sei ainda o que vou escolher. Sei que gosto de esportes, mas não quero ser professora, nem fazer educação física, é muito ruim ter que ficar gritando com os alunos, dando aula, ganhando pouco, isto eu não quero. O analista interroga: – Você está dizendo que, neste momento, não estaria disposta a comer um saco de sal por essa profissão? A analisanda ficou em silêncio, pensando.

Outro aspecto que emergiu no grupo diz respeito à questão familiar. Certo analisando comentou sobre a seguinte parte do texto: – Por razões que Freud explica, qualquer mãe e qualquer pai desejam ter um filho médico (Alves, 1995). Em seu relato, conta que todos em sua casa querem que ele faça Medicina. Dizem que, por ele ser um bom aluno, aplicado, passaria bem no vestibular. O analista, então, mobilizou o analisando a procurar os seus próprios referenciais, perguntando: –Todos em sua casa pensam que para você a melhor opção profissional seria Medicina, e você, o que me diz?

Uma analisanda comenta que marcou o seguinte fragmento: – Todas as profissões têm seus uniformes, suas belas imagens, sua estética. Por isso nos apaixonamos e compramos o bilhete de ida... Mas a profissão não é isso. Por fora, bela viola, por dentro pão bolorento... (Alves, 1995). Expõe ter destacado essa parte, pois acha bonito ver pessoas andando de jaleco banco, diz que já quis ser médica para ser chamada de doutora, comenta que a estética do jaleco branco a atrai. O analista, procurando mobilizar o outro a meditar e a se aprofundar na questão, de modo compreensivo e acolhedor, pergunta: – O que mais a atrai, além do jaleco branco?

Outra tarefa na qual o grupo costuma demonstrar grande descontração e integração consiste na dinâmica da batata quente: colamos dentro de uma caixa um bombom e um papel dizendo coma o bombom. Dissemos aos analisandos que quem ficasse por último deveria realizar uma tarefa presente dentro da caixa. Quando a música parava, quem estava com a caixa saía. Quando só restavam duas pessoas, as regras mudavam, e quem ficasse com a caixa deveria escolher se desejava realizar a tarefa ou dar a caixa a outra pessoa. Ao final, o analisando que havia ficado com a caixa resolveu entregá-la a outro. Todos riram quando descobriram de qual tarefa se tratava – coma o bombom. Quando o analisando que escolheu entregar a caixa a outro, descobriu em que consistia a tarefa, afirmou: – Como poderia ser algo ruim, então, era melhor evitar.

Conversamos sobre o fato de às vezes escolhermos não realizar uma determinada tarefa por temer o que pudesse acontecer. Discutimos que, no caso da caixa, evitar o risco foi uma tarefa fácil, porém, ao não escolher a caixa, também se evitou o que poderia vir de bom com ela, pois não sabiam a priori de qual tarefa se tratava. Tematizamos sobre as incertezas, as não garantias de uma escolha segura. Dialogamos, ainda, sobre o fato de deixarmos de fazer alguma coisa por acreditarmos que, assim, não correremos riscos e, desse modo, não vivenciamos algumas situações pelo temor do desconhecido. Colocamos em discussão se teríamos como saber a priori se determinada experiência resultaria em algo considerado bom ou ruim. Questionamos quanto à possibilidade de uma escolha sem riscos. Comentamos sobre o fato de que, em algumas situações, como no caso em que se evita ficar com a caixa, evitar o risco pode ser algo possível, mas será que podemos dar a medida exata da vida? É possível uma vida sem riscos? E possível controlar nossa existência?

3-Construção fenomenológica

Nesse momento, procedemos à análise sobre os referenciais que hoje norteiam as escolhas dos analisandos. Cabe a cada um conhecer os sentidos que movem o seu agir, o que assume como singular no instante de sua escolha. Conforme já dissemos, o que se configura como próprio se dá a partir da ideia de abertura, no jogo com o impróprio. Nossa proposta, assim, pauta-se no poderser, na abertura, na indeterminação originária. Nesse ultimo momento, o analista continua acompanhando o analisando, mas dando um passo atrás, pois a decisão sobre o seu existir pertence a cada analisando, no fluxo temporal de sua existência.

Algumas atividades possíveis são: preencher os quatro quadrantes (Soares, 1993) gosto e faço; não gosto e faço; gosto e não faço; não gosto e não faço. O analisando pode escrever uma redação de conclusão, da forma mais clara que lhe for possível, de como se encontra frente a sua escolha profissional, abrir a carta que escreveu no primeiro encontro, caso tenha sido feita essa tarefa, deixar que cada um fale como foi o processo e como está sendo o seu fechamento, ou seja, como se posicionava frente à escolha profissional, o analista pode mobilizar o grupo com algumas questões, tais como: O que valorizo? Quais os sentidos que mobilizam o meu agir hoje?, tematizando através de metáforas – crônicas, fábulas, poesias, trechos de livros, músicas.

Nesse momento, obtivemos alguns relatos. Uma atividade que normalmente gera muita discussão é a do quadrante gosto e faço; não gosto e faço; gosto e não faço; não gosto e não faço. Para a realização dessa tarefa, entregamos uma folha para cada analisando contendo aqueles quadrantes, para que eles os completassem. Enquanto os analisandos estavam escrevendo, o analista procurava se aproximar de quem já havia terminado para conversar um pouco. Aproximava-se, especialmente, daqueles analisandos que não gostavam de falar no grupo. Em um desses momentos, o analista se aproximou de uma analisanda que havia escrito várias coisas em gosto e faço, mas, nos demais, apenas uma. Em gosto e não faço, colocou apenas que queria tocar um instrumento; em não gosto e faço, colocou falar em público (fazendo referência apenas a questões essenciais); em não gosto e não faço, afirma que não gosta de expor sua opinião em público (algo que ela sustentava em seu modo de ser no grupo). O analista perguntou sobre o que havia achado da dinâmica. A analisanda respondeu ter gostado, pois havia percebido que fazia muitas coisas de que gostava, com exceção do instrumento musical que desejava começar, quando tivesse dinheiro. O analista, então, pergunta: – Como é o seu cotidiano? A analisanda responde: –Faço um curso de informática, que acho bem interessante, neste não preciso ficar falando com muitas pessoas. O analista interroga: – Como assim, interessante? A analisanda responde: – Sinto que é interessante, pois sou boa no que faço e porque posso ficar mais sozinha. O analista comenta: – Parece que saber que executa bem uma tarefa e poder ficar sozinha faz parte daquilo que considera interessante em suas escolhas cotidianas. Nesse curto diálogo, percebemos que o analista tenta auxiliar a analisanda a reconhecer os seus modos de ser e a responsabilizar-se por sua escolha.

Outro analisando escreve: – Muitas coisas presentes em ‘não gosto e faço’ são obrigações, deveres; então, mesmo após a minha escolha profissional, vão continuar, talvez até em maior número. Acredito que muitas coisas em ‘gosto e não faço’ posso resolver a partir de minha escolha profissional, principalmente, por me tornar independente, mas sei, também, que o tempo livre se tornará menor. Hoje a minha escolha profissional está sendo pautada em muitos itens de ‘gosto e faço’, acreditando que posso ser ‘bem-sucedido’ a partir de uma escolha pautada no que eu gosto de fazer, sem visar exclusivamente ao dinheiro.

Em outra atividade, sugerimos que todos caminhassem pela sala e lessem algumas frases que havíamos proposto. Após teremnas lido, pedimos para cada um pegar a que lhes parecesse mais significativa naquele momento. Colocamos algumas frases, tais como: – Em tempos de correria, pedir paciência pode parecer romantismo, um ideal inatingível, contudo, como conhecer os sentidos que nos movem quando nos sentimos carregados pela multidão?; – Há muitos possíveis, mas qual desses possíveis faz sentido para mim, hoje?; – Que valores eu assumo como significativos para mim, hoje?; – Quais os critérios que hoje assumo para as minhas escolhas?; Eles fazem sentido para mim?; – Os valores que hoje norteiam a minha escolha fazem parte de um conjunto de coisas nas quais assumo como significativas para mim?; – Que cotidianos assumo querer hoje para minha vida profissional?; – Considerando o meu contexto histórico, como me posiciono frente à minha existência?; – Arrepender-se é possível? Indicaremos abaixo alguns relatos de analisandos. Procedemos da seguinte forma: primeiro expomos a frase escolhida e, em seguida, o comentário:

– Em tempos de correria, pedir paciência pode parecer romantismo, um ideal inatingível, contudo, como conhecer os sentidos que nos movem quando nos sentimos carregados pela multidão? Um analisando escolheu essa frase, afirmando sentir-se desse modo, carregado pela multidão. O grupo, no entanto, estava auxiliando-o a refletir um pouco mais sobre aquilo que verdadeiramente fazia sentido para ele. Relata não ter decidido qual profissão escolheria, pois desejava pensar um pouco mais antes de decidir, comentando que, como estava no segundo ano do 2º grau, ainda tinha tempo.

– Que cotidianos assumo querer hoje para minha vida profissional? O analisando disse que escolheu essa frase, pois deseja pensar uma pouco mais sobre o cotidiano que almeja para sua vida antes de fazer a sua escolha, explicando que ainda teria algum tempo para isso (também cursava o segundo ano do 2º grau).

– Os valores que hoje norteiam a minha escolha fazem parte de um conjunto de coisas nas quais assumo como significativas para mim? O analisando disse que hoje faz a sua escolha buscando atender o que gosta muito de fazer: escrever. Conta ter vontade de cursar uma faculdade, e, por isso, escolhe fazer Jornalismo. Diz saber que não precisaria, necessariamente, da faculdade para escrever, mas considerava tal experiência significativa; desse modo, desejava vivenciá-la.

– Quais os critérios que hoje assumo para as minhas escolhas? Eles fazem sentido para mim? Um analisando expressa que ele chegou ao processo querendo saber quais eram as suas potencialidades, mas que, a partir das discussões, pôde perceber que poderia escolher se adaptar ao que desejasse fazer. Relata que escolheu Direito, pois, além de gostar da profissão, deseja fazer um concurso. Dessa forma, pensa poder equilibrar melhor as obrigações e o lazer como também manter a qualidade de vida que hoje possui.

Como último relato, gostaríamos de apresentar frases retiradas do livro de Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta. Nessa atividade, espalhamos balões pela sala, e dentro deles havia frases retiradas do referido livro; nosso intuito era criar uma atmosfera que mobilizasse a reflexão sobre: – Que sentidos hoje movem o meu existir? Pedimos que cada analisando estourasse um balão e lesse a frase para o grupo. Algumas pessoas se identificaram com algumas frases, tais como: “Examine se essa concepção das coisas deriva de uma necessidade de seu ser“ (Rilke, 1953/1989, p.28). O analisando que pegou esse verso disse que a sua escolha estaria atrelada ao que gostava de fazer e que tal frase havia vindo ao encontro de sua escolha, pois hoje a sua necessidade consistia em escrever.

Outra frase retirada foi: – Deve ter a paciência de um doente e a confiança de um convalescente, pois talvez seja um e outro. Mais ainda: “o senhor é também o médico que se deve vigiar a si mesmo. Em muitas doenças, porém, há dias em que o médico nada pode fazer senão esperar“ (Rilke, 1953/1989, p. 69). O analisando que tirou essa passagem afirma que tal fragmento também havia vindo ao encontro do que estava passando. Contou que, naquele momento, preferia refletir um pouco mais antes de tomar a sua decisão. Relata precisar pensar se escolheria fazer o vestibular ou um curso profissionalizante.

Já na frase: “ Agora que chegou, não o posso tranquilizar, mas apenas aconselhar-lhe que examine se todas as profissões não são assim cheias de exigências, de hostilidades contra o indivíduo“ (Rilke, 1953/1989, p. 50), o analisando que a retirou disse saber que a profissão escolhida terá momentos difíceis, mas que se sente capaz de se adaptar para fazer aquilo em que acredita, e, assim, poder conciliar uma boa condição financeira e lazer.

Considerações finais

Ao longo de nossa discussão, pudemos esclarecer a viabilidade de uma atuação clínica na escolha profissional em uma perspectiva fenomenológico-existencial.

O analista, nessa perspectiva, não deve desprezar os horizontes hermenêuticos que estarão sempre presentes na situação clínica. O que de fato se interpreta são os encontros de horizontes, que consistem precisamente no que se fala e se escuta, a partir de uma relação intencional. Esse choque de horizontes é o horizonte mesmo de aparição do que acontece no encontro clínico, ou seja, da aparição da coisa. Quando o fundir dos horizontes se dá de maneira integral, essa fusão abre espaço para o outro aparecer para ele mesmo. O que o analisando diz vai ser escutado a partir do horizonte compreensivo do analista, porém, o analisando é sempre a medida.

A obra Cartas a um Jovem Poeta, do poeta alemão Rainer Maria Rilke, apresenta 10 cartas encaminhadas por Rilke a Kappus como respostas para as suas indecisões. Kappus não sabia se deveria seguir a carreira literária ou a militar, por isso, pediu a opinião de Rilke. O poeta alemão, em suas cartas, tentou mobilizar o jovem, a fim de que este assumisse aquilo que justificava o seu existir no instante de sua escolha. Como vimos, em nosso trabalho, tais relações de sentido estão em jogo na existência, em tensão. Não se mostram prontas, acabadas, fechadas, nem mesmo internalizadas; elas se dão no fluxo temporal, pois o que há de mais próprio refere-se ao caráter da indeterminação. Na primeira carta, Rilke afirma:

Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, – ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: ‘Sou mesmo forçado a escrever?’ Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples ‘sou’, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade (1953/1989, pp.22-23)

Tomamos a expressão “entrar em si mesmo”, utilizada por Rilke, não como algo internalizado, que deva ser descoberto, mas como aquilo que mobiliza o agir, aquilo que é anterior à própria ação, a significância e o em virtude de, no qual de algum modo se movia a existência de Kappus. Podemos identificar então uma grande proximidade com a proposta da análise da escolha profissional, pois também não temos como dar garantias sobre a possibilidade de uma escolha segura; todavia, nós nos empenhamos em acompanhar o analisando de modo não obstrutivo, procurando romper as estruturas sedimentadas, que fazem com que este não reconheça sua condição de liberdade, de indeterminação originária.

Na sexta carta, Rilke orienta Kappus a examinar as outras profissões, a fim de verificar se não são repletas de exigências, hostilidades “como que ensopadas do ódio daqueles que, mudos, resmungando, se tiveram que conformar com o simples dever” (1953/1989, p50). Rilke relata as dificuldades nas quais as relações de trabalho estão inseridas, seja pelos obstáculos a serem enfrentados ou por serem tomadas como simples dever. Chega a expressar ao jovem que o que ele vivencia, na qualidade de oficial, teria sentido em qualquer profissão. Acreditamos que, se para além de tais dificuldades há uma escolha em voltar à tarefa, em lidar com as suas complicações e adversidades, esta corresponderá, no instante presente, à escolha que, de alguma maneira, mobiliza a sua existência, a sua ação.

Na última carta, Rilke faz a seguinte ressalva a Kappus: que ele pudesse, no ano seguinte, se manter e se confirmar em sua escolha. Em tal passagem, podemos notar outro aspecto discutido no decorrer do presente trabalho: o caráter da inexatidão, de indeterminação, do risco, a não garantia que permeia o escolher. Conforme já expomos, na perspectiva fenomenológico-existencial, a escolha está sempre presente, assim como a indeterminação originária. Como não há a possibilidade de não ser cuidado (sorge), seja de modo cuidadoso ou descuidado, caberá a cada analisando projetar o sentido de sua existência. Como vimos, o analisando pode chegar ao final do processo até mesmo sem uma escolha profissional definida, sendo livre para assumir a sua decisão, porém, decidido ou indeciso, a sua existência lhe pertence, ou seja, não decidir também é uma decisão. Sendo assim, o analista deve ter paciência para desfazer os laços da ilusão, sabendo que não é possível assim fazer sem temor e tremor, como indica Kierkegaard (citado em Feijoo, 2000).

Recebido 26/9/2010

1ª Reformulação 25/10/2011

Aprovado 10/1/2012.

  • Alves, R. (1995). Estórias de quem gosta de ensinar. Săo Paulo: Editora Ars Poetica.
  • Bohoslavsky, R. (1991). Orientaçăo vocacional: a estratégia clínica (8a. ed.). Săo Paulo: Ed. Martins Fontes.
  • Feijoo, A. M. L. C. (2000). A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico existencial. Săo Paulo: Vetor.
  • Heidegger, M. (2001). Seminários de Zollikon. (G. Arnhold & M. de F. de Almeida Prado, trads.). Săo Paulo: EDUC; Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Heidegger, M. (2008). Ser e tempo. (M. Sá Cavalcante Schuback, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária Săo Francisco (Trabalho original publicado em 1927).
  • Husserl, E. (2007). Investigaçőes lógicas. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (Trabalho original publicada em 1900).
  • Rilke, R. M. (1989). Cartas a um jovem poeta. (P. Rónai, trads.). Rio de Janeiro: Globo (Trabalho original publicado em 1953).
  • Sá, R.N. (2005). O pensamento de Martin Heidegger e a clínica psicoterápica Monografia de especializaçăo em Psicologia Clínica. Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial, Rio de Janeiro, RJ.
  • Soares, D. H. (1993). Pensando e vivendo a orientaçăo vocacional. Săo Paulo: Summus.
  • Endereço para correspondência
    Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
    Instituto Fenomenológico Existencial
    Rua Barão de Pirassununga, 62. Tijuca, Rio de Janeiro – RJ – Brasil
    E-mail:
  • *
    Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail:
  • **
    Mestranda em Psicologia Social no Programa de Pós graduação em psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail:
  • 1
    Esses grupos constituem-se na UERJ de acordo com a procura no SPA. A faixa etária estabelecida vai de 16 a 23 anos. A maioria está prestando vestibular pela primeira vez, no entanto, alguns já ingressaram em um curso superior.
  • 2
    Com exceção do quadrante gosto e faço, as técnicas utilizadas foram construídas durante os estudos sobre análise da escolha profissional, e as supervisões, nos grupos coordenados pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, no SPA da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • 3
    Maria Alves de Toledo Bruns, em sua tese de doutoramento na UNICAMP: Não era bem isso que eu esperava da universidade: um estudo de escolhas profissionais, também toma como referência a ontologia fenomenológica de Heidegger para o desenvolvimento da temática da escolha profissional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2010
    • Aceito
      10 Jan 2012
    • Revisado
      25 Out 2011
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