Acessibilidade / Reportar erro

Psicologia Organizacional e do Trabalho: Relato de Experiência em Estágio Supervisionado

Work and Organizational Psychology: Experience Report on Supervised Internship

Psicología de las Organizaciones y del Trabajo: Relato de Experiencia en Pasantía Supervisada

Resumo

Trata-se de relato de experiência em estágio supervisionado em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) envolvendo um grupo de alunos de uma Instituição de Educação Superior (IES) localizada no Estado do Espírito Santo. O objetivo central foi discutir os aspectos teóricos e práticos que influenciaram na formação profissional do discente em Psicologia, tendo como foco o estágio supervisionado. Além de relatar a experiência, foi realizado um levantamento junto aos ex-alunos sobre as contribuições do estágio na sua formação educacional e profissional. Da experiência relatada foi possível verificar que: a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) constituiu-se em um marco na flexibilização curricular dos cursos; o estágio é um componente curricular de integração entre ensino, pesquisa e prática; e o estágio em POT requer dos discentes conhecimentos multidisciplinares. Além desses aspectos, observou-se que a prática do estágio supervisionado indica o rompimento com a imagem negativa do psicólogo que atua em POT, limitada à aplicação de testes e psicotécnicas. De fato, a atividade do psicólogo em POT mostrou-se muito mais ampla e complexa, sobretudo em termos dos impactos de sua intervenção no ambiente organizacional.

Estágio Supervisionado; Psicologia Organizacional e do Trabalho; Formação Educacional; Formação Profissional

Abstract

This report on supervised internship in Work and Organizational Psychology (WOP) involves a group of students at a Higher Education School (HES) in the State of Espírito Santo. Its main objective was to discuss the influence of theoretical and practical aspects on student formation in psychology, focusing on the supervised internship. In addition to providing an experience report, a survey was conducted with former students about the internship’s contributions to their educational and professional training. The survey found the following: The inauguration of the National Curriculum Guidelines (NCG) constituted a milestone in courses’ curricular flexibility; as a curricular component, the internship integrates instruction, research, and practice; and student internship in WOP requires multidisciplinary knowledge. Along with these aspects, it was observed that the practice of supervised internship indicates a rupture with the psychologist’s negative image in WOP, limited by the application of tests and psychological instruments. In fact, psychologists’ activity in WOP proved much broader and more complex, especially in their intervention’s impact within the organizational environment.

Supervised Internship; Work and Organizational Psychology; Educational Training; Professional Training

Resumen

Se trata de un relato de experiencia en la pasantía supervisada en Psicología de las Organizaciones y del Trabajo (POT) con un grupo de estudiantes de una Institución de Educación Superior (IES) en el estado Espírito Santo. El objetivo central fue discutir los aspectos teóricos y prácticos que influyeron en la formación profesional del estudiante en psicología, centrándose en la pasantía supervisada. Adicionalmente, se realizó un estudio con antiguos alumnos sobre las contribuciones de la pasantía supervisada en su formación académica y profesional. De la experiencia reportada fue posible verificar que: la imposición de las Directrices Curriculares Nacionales (DCN) representó un marco en la flexibilidad curricular de los cursos; la pasantía supervisada es un componente curricular de integración entre educación, investigación y práctica; y requiere conocimientos multidisciplinarios de los estudiantes en POT. Asimismo, se observó que la práctica de la pasantía supervisada indica una ruptura con la imagen negativa del psicólogo que trabaja en POT, limita la aplicación de puebas e instrumentos psicológicos. De hecho, la actividad de los psicólogos en POT demostró ser mucho más amplia y compleja, especialmente en términos del impacto de su intervención en el contexto de la organización.

Formación Supervisada; Psicología de las Organizaciones y el Trabajo; Formación Educativa; Formación Profesional

Introdução

O propósito central deste artigo é discutir os aspectos teóricos e práticos que influenciaram na formação profissional do discente em Psicologia com base em um relato de experiência de estágio supervisionado1 em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) de um grupo de alunos de uma Instituição de Educação Superior (IES) do Espírito Santo (aqui denominada de Faculdade de Psicologia – FAPsi2).

Dado a diversidade e a complexidade que marcam o campo da Psicologia enquanto ciência e prática profissional, o discente em Psicologia depara-se com a necessidade de fazer escolhas quanto a sua futura área de atuação profissional. Dentre as possíveis escolhas do domínio da Psicologia o discente encontra: a Psicologia clínica, educacional, do esporte, organizacional e do trabalho, da saúde, jurídica, do trânsito, dentre outras (Yamamoto & Gouveia, 2003Yamamoto, O. H., & Gouveia, V. V. (Orgs.). (2003).Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo.).

O discente, diante da necessidade de optar por um dos domínios da Psicologia enquanto perspectiva teórica, metodológica e profissional, vê-se incitado a buscar maiores informações por meio da prática da atuação que almeja se aprimorar, já que a formação em Psicologia fornece um embasamento teórico e prático básico ao aluno sobre quase todas as possíveis formas de atuação. Considerando a diversidade de áreas de atuação profissional da Psicologia (Yamamoto & Gouveia, 2003Yamamoto, O. H., & Gouveia, V. V. (Orgs.). (2003).Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo.), optou-se neste relato de experiência por abordar a perspectiva do homem no ambiente organizacional e do trabalho e explorar a vertente teórica de atuação profissional em POT.

Segundo Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed., o aparecimento e o desenvolvimento da POT estão associados ao processo de industrialização que, inicialmente, ocorreu em países centrais do cenário ocidental no fim do século XIX e início do século XX, coincidindo com o despertar da própria Psicologia como campo geral de estudos e aplicação. Para Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed., Walter Dill Scott é considerado um dos psicólogos pioneiros na área ao publicar, em 1903, o livro intitulado “The theory of advertising”. Mais tarde em 1913, Hugo Münsterberg publicou a obra “Psychology and industrial efficiency” que pode ser considerada como o primeiro compêndio da área. Esses dois psicólogos experimentais ensaiaram os primeiros passos na aplicação dos conhecimentos da Psicologia nas relações de trabalho, sobretudo em aspectos como seleção de pessoal e uso de testes psicológicos com a finalidade de maximizar os ajustes das pessoas aos cargos (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.). Na visão de Spector (2002)Spector, P. E. (2002). Psicologia nas organizações. São Paulo: Saraiva., a POT, porém, não se desenvolveu apenas no âmbito da Psicologia, sendo também considerado como pioneiro neste campo de estudo o engenheiro de formação Frederick W. Taylor que inaugurou a Administração Científica e influenciou toda a evolução do corpo de conhecimento da administração.

No Brasil, o surgimento da POT também está relacionado à industrialização que somente ocorreu a partir da terceira década do século XX com a tentativa de racionalização e a procura de caráter científico e inovador no controle dos processos produtivos. Neste contexto, foram centrais as ideias postuladas pela Administração Científica, que tinha como proposta central o alcance de maior eficiência econômica, sob o argumento de melhoria das condições do trabalho do operário (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.).

A partir dessas contribuições pioneiras, a industrialização e o mundo do trabalho passaram por transformações no cenário internacional e brasileiro, fazendo com que a POT também se transformasse para acompanhar a evolução das relações entre o homem, o trabalho e as organizações. O processo de desenvolvimento da POT acarretou a ampliação do seu escopo inicial (seleção de pessoal e uso de testes psicológicos) para alcançar fenômenos mais abrangentes e complexos como comportamentos, relações entre as pessoas e grupos, disposições, motivos, percepções, crenças, reações, atitudes, significados, valores e sentimentos tal como outras subáreas da Psicologia, tendo como foco de interesse o contexto de trabalho e das organizações (Borges-Andrade & Zanelli, 2004Borges-Andrade, J. E., & Zanelli, J. (2004). Psicologia e produção de conhecimento em organizações e trabalho. In J. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. (pp. 492-517). Porto Alegre: Artmed.).

Semelhante ao que ocorreu com a POT, o processo de formação educacional em Psicologia em nível superior de graduação também tem passado por transformações, especialmente nos últimos anos, sobretudo após a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Psicologia pela Resolução nº 08/2004 (Brasil, 2004Brasil. Conselho Nacional de Educação. (2004). Resolução nº 8, de 7 de maio de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Psicologia. Brasília, DF: Autor.) da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES). Enquanto que o Currículo Mínimo possuía por base teorias da aprendizagem formais e constituía-se basicamente de processos institucionais de transmissão de conhecimentos e de inculcação de valores socialmente aceitos (Bernardes, 2012Bernardes, J. S. (2012). A formação em psicologia após 50 anos do primeiro currículo nacional de psicologia: alguns desafios atuais.Psicologia: Ciência e Profissão, 32(n. especial), 216-231.), as DCN, atualmente em vigor, constituem-se de orientações sobre “princípios, fundamentos, condições de oferecimento e procedimentos para o planejamento, a implementação e a avaliação” dos cursos envolvidos (Art. 2 da Resolução nº 8/2004).

Essas mudanças na forma de concepção, implementação e avaliação de cursos de graduação proporcionaram às IES e aos cursos maior liberdade de escolha sobre o tipo de formação a ser ofertado aos discentes. No caso específico das DCN para o curso de Psicologia, dois conceitos são considerados por Bernardes (2012)Bernardes, J. S. (2012). A formação em psicologia após 50 anos do primeiro currículo nacional de psicologia: alguns desafios atuais.Psicologia: Ciência e Profissão, 32(n. especial), 216-231. como centrais: (a) as ênfases curriculares e (b) as competências e habilidades gerais (que todo psicólogo deve ter) e específicas (que são direcionadas de acordo com as ênfases curriculares).

No caso do curso de Psicologia da FAPsi analisado e discutido neste relato de experiência de estágio supervisionado, uma das opções foi pela POT que estava vinculada à ênfase em “Dinâmica Social, Comunitária e do Trabalho”. O relato de experiência que será apresentado neste artigo, além da presente introdução, está estruturado da seguinte forma: (a) no segundo tópico, será apresentado e discutido a formação educacional em Psicologia e em POT; (b) no terceiro, as formas de atuação em POT; (c) no quarto, o contexto em que o estágio supervisionado foi realizado; (d) no quinto, o relato de experiência em estágio supervisionado em POT; (e) no sexto as influências do estágio supervisionado em POT sob a perspectiva dos estagiários; e, por fim, (f) as considerações finais.

Formação em Psicologia e em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT)

Conforme já comentado anteriormente, o curso de Psicologia passou por transformações nos últimos anos, sobretudo com a substituição do Currículo Mínimo pelas DCN. Ao então criticado Currículo Mínimo foi atribuído uma parcela da responsabilidade pela insatisfação do psicólogo com a sua própria formação, uma vez que era considerada fraca, insatisfatória e que vinha piorando ao longo dos anos (Gomide, 1988Gomide, P. I. C. (1988). A formação acadêmica: onde residem suas deficiências. In Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? (pp. 69-85). São Paulo: Edicon.), além de negligenciar a inclusão de trabalhos de pesquisa, seja no nível das disciplinas ou do estágio (Weber, 1982Weber, S. (1982). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão,8(1), 1-13.).

Segundo Iema (1999)Iema, C. R. D. (1999). Um estudo teórico sobre a formação do psicólogo organizacional no Brasil. Psicologia Teoria e Prática, 1(1), 31-41., uma das possibilidades para correção dessas deficiências na formação do psicólogo seria a alteração do Currículo Mínimo, que para Weber (1982)Weber, S. (1982). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão,8(1), 1-13.deveria ocorrer por meio de diretrizes, como forma de orientar os currículos que precisam tanto veicular os conhecimentos básicos e métodos e técnicas de atuação próprios do psicólogo; quanto assegurar aos discentes, a participação na construção de conhecimentos que estejam sendo realizados em cada curso de cada IES.

Com a extinção do Currículo Mínimo e a instituição das DCN em 2004, as propostas deWeber (1982)Weber, S. (1982). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão,8(1), 1-13. e outros acadêmicos puderam se materializar, ao assegurar aos cursos, às IES e aos discentes a possibilidade de escolha de uma matriz curricular capaz de proporcionar uma formação educacional que contemple conhecimentos básicos e específicos, definidos coletivamente, considerando as características de contexto (Bernardes, 2012Bernardes, J. S. (2012). A formação em psicologia após 50 anos do primeiro currículo nacional de psicologia: alguns desafios atuais.Psicologia: Ciência e Profissão, 32(n. especial), 216-231.).

No que tange ao estágio supervisionado, objeto de análise deste relato de experiência, as DCN definem que estes são vistos como “um conjunto de atividades de formação, programados e diretamente supervisionados por membros do corpo docente da instituição formadora e procuram assegurar a consolidação e articulação das competências estabelecidas” (Art. 20 da Resolução nº 08/2004). Os estágios supervisionados, que devem ser estruturados em dois níveis – básico e específico –, têm por finalidade “assegurar o contato do formando com situações, contextos e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais” (Art. 21 da Resolução nº 08/2004).

Após realizar a análise ocupacional com a descrição das atividades exercidas de um grupo de psicólogos, Bastos e Galvão-Martins (1990)Bastos, A. V. B., & Galvão-Martins, A. H. C. (1990). O que pode fazer o psicólogo organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 10(1), 10-18. organizaram uma lista das funções e tarefas para o psicólogo que atua em POT, da qual pode-se destacar: (1) contribuir para a produção teórica sobre o comportamento humano nas organizações; (2) trabalhando em equipe multidisciplinar realizar diagnósticos e proposições sobre os problemas organizacionais relativos à área de gestão de pessoas; (3) analisar as atividades intrínsecas ao trabalho desenvolvido na organização para subsidiar a elaboração de instrumentos necessários à área de gestão de pessoas, bem como modernização administrativa; (4) entre outras.

No entendimento de Iema (1999)Iema, C. R. D. (1999). Um estudo teórico sobre a formação do psicólogo organizacional no Brasil. Psicologia Teoria e Prática, 1(1), 31-41., a formação do psicólogo no Brasil não prepara o profissional para exercer as funções e tarefas elaboradas por Bastos e Galvão-Martins (1990)Bastos, A. V. B., & Galvão-Martins, A. H. C. (1990). O que pode fazer o psicólogo organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 10(1), 10-18.. Semelhante é a visão de Zanelli (2009)Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed. ao afirmar que os cursos de Psicologia não têm preparado seus alunos para a área da POT, contribuindo, muitas vezes, de forma negativa para o incentivo à formação neste domínio da Psicologia. Segundo o autor, a formação em Psicologia tem uma característica histórica de privilegiar as práticas clínicas, sendo muitas vezes relapsa com as demais áreas de atuação (ou domínios) do psicólogo.

Para Zanelli (2009)Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed., há uma resistência dos cursos de Psicologia em acompanhar as mudanças nos valores das organizações, isso porque se observa ainda resquícios da visão de que o psicólogo que trabalha em organizações tem sua atuação voltada para a prática exclusiva de aplicação de testes e psicotécnicas. No entanto, esta visão restrita caracteriza a atuação típica da década de 1930, que foi sendo paulatinamente modificada e ampliada conforme o desenvolvimento da POT.

Aparentemente esta realidade apontada por Iema (1999)Iema, C. R. D. (1999). Um estudo teórico sobre a formação do psicólogo organizacional no Brasil. Psicologia Teoria e Prática, 1(1), 31-41., Bastos e Galvão-Martins (1990)Bastos, A. V. B., & Galvão-Martins, A. H. C. (1990). O que pode fazer o psicólogo organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 10(1), 10-18. e Zanelli (2009)Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed. vem se modificando, possivelmente motivada por um conjunto de fatores interdependentes, tais como: (1) pela flexibilidade para a organização do PPC e do currículo do curso de Psicologia instituída pelas DCN (Brasil, 2004Brasil. Conselho Nacional de Educação. (2004). Resolução nº 8, de 7 de maio de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Psicologia. Brasília, DF: Autor.); (2) pelas transformações no mundo do trabalho e no universo organizacional (Zanelli, 2009Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed.); (3) pelas mudanças e ampliações no campo de atuação e no mercado de trabalho do psicólogo; (4) entre outros. As modificações instituídas por esses fatores poderão ser observadas no relato de experiência aqui apresentado, ao se observar que a demanda discente foi um dos aspectos determinantes para que a FAPsi e o curso optassem por adotar a POT como uma das ênfases na formação educacional em Psicologia.

Formas de atuação em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT)

A POT, como um dos domínios da Psicologia, passou por transformações, desde os anos inaugurais, quando o seu escopo de atuação era a realização de seleção de pessoal e uso de testes psicológicos, até o momento atual, em que houve ampliação desse escopo. Com a ampliação da área de atuação, tornou-se necessário que a POT desenvolvesse intercâmbios mais fecundos com outros domínios da Psicologia e com outras áreas do conhecimento como, por exemplo, a sociologia, a administração e a economia (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.).

Após analisar o campo da POT no contexto brasileiro, Bastos (1992)Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo., apoiado em ampla revisão da literatura, propôs uma estrutura para o campo de atuação da POT, constituída por seis subcampos, quais sejam: administração de pessoal, qualificação/desenvolvimento, comportamento organizacional, condições e higiene do trabalho, relações de trabalho e mudança organizacional. Cada um desses subcampos é integrado por um conjunto de atividades profissionais cuja disposição é apresentada por meio da Figura.

Para Bastos (1992)Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo., todas as atividades apresentadas na Figura 1 possuem três níveis distintos de intervenção: (1) técnico, em que o profissional intervém em processos a partir de instrumentos e procedimentos disponíveis no campo; (2) estratégico, em que o profissional tem a possibilidade de participar da formulação de estratégias organizacionais que incorporam uma atividade específica qualquer; e (3) das políticas, em que o profissional tem a possibilidade de intervenção no nível da formulação das políticas globais para a organização que serão desdobradas em ações estratégicas e técnicas congruentes.

Figura 1
Áreas de atuação da POT.

Conforme defende Bastos (1992)Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo., neste campo de atuação da POT, a atividade de pesquisa em contextos organizacionais e frente a problemas de trabalho é vista como atividade essencial de todo o campo, fundamental para quaisquer níveis de intervenção e para quaisquer atividades relacionadas aos seus diversos subcampos de atuação. Dessa forma, a pesquisa é considerada como indissociável de uma prática profissional competente e eticamente responsável.

Numa perspectiva complementar, Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed., baseando-se nas contribuições de Drenth, Thierry e Wolff (1998), desenvolveram uma representação esquemática de como se articulam os diversos fenômenos que integram o campo da POT. Essa representação esquemática tem a forma de um triângulo cujos vértices representam três fenômenos que formam a POT: comportamento humano/fazer humano; trabalho; e organizações. As interfaces entre esses três fenômenos, que são os lados do triângulo delimitam os três subcampos da POT, cada qual com focos de interesses específicos: (1) Psicologia do Trabalho: mercado de trabalho, análise de trabalho (cargas), desemprego, fatores de desempenho, saúde no trabalho; (2) Gestão de Pessoas: recrutamento e seleção, educação e treinamento, avaliação de desempenho, plano de carreira e desenvolvimento gerencial; e (3) Psicologia Organizacional: atitudes, percepções e emoções, motivação e satisfação, lideranças e processo decisório, gestão, poder e conflito, cultura organizacional e processo de mudança.

No entendimento dos autores, o subcampo da Psicologia do Trabalho com os seus focos de interesses emerge da interação entre a ação humana (comportamento) e o trabalho; enquanto que o subcampo da Psicologia Organizacional emerge da interação entre o comportamento no trabalho e as organizações e o subcampo da gestão de pessoas da interação entre a ação humana e as organizações (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.).

Ainda segundo Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed., a articulação dos diversos fenômenos relativos à POT nesta perspectiva, requer a observação de três aspectos centrais: (1) há uma ampla diversidade de fenômenos que suscitam interesse de pesquisa e demandam intervenções do psicólogo com atuação em POT; (2) o domínio da POT envolve vários âmbitos de análise e intervenção, destacando-se entre eles os âmbitos individual, grupal, organizacional e o contextual ou ambiental (interorganizacional); e (3) a POT para cumprir sua missão como área de conhecimento e campo de intervenção, requer, necessariamente, estreita interface com outras áreas e campos do conhecimento, como a sociologia, a educação, a administração, a economia, entre outras.

Visto dessa forma, e considerando os argumentos de Bastos (1992)Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo. e Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed., constata-se que a POT, como campo de intervenção e área de conhecimento e de pesquisa, além de possuir diversidade de subcampos de atuação, atividades e focos de interesses, em razão da interface com outras áreas do conhecimento, requer do psicólogo uma formação e atuação multidisciplinar de forma permanente e continuada.

Contexto em que o Estágio Supervisionado em POT foi realizado

Para atender as DCN, a FAPsi disponibilizou aos alunos três ênfases curriculares para que estes pudessem escolher duas para cursar. Dentre as ênfases disponíveis estava a ênfase em “Dinâmica Social, Comunitária e do Trabalho”.

Para que os alunos pudessem escolher a ênfase “Dinâmica Social, Comunitária e do Trabalho” e realizar o estágio supervisionado, era preciso que tivessem cursado disciplinas que fornecessem o conhecimento, assim como as competências e habilidades necessárias. As disciplinas consideradas como pré-requisitos para cursar esta ênfase eram: Relações Sociais e do Trabalho I, Relações Sociais e do Trabalho II, Psicologia Social I, Psicologia Social II e Psicologia de Grupos.

Inicialmente a ênfase “Dinâmica Social, Comunitária e do Trabalho” tinha como objetivo tratar das questões referentes à Psicologia Social e à Psicologia Social Comunitária. O tema trabalho fazia parte da ênfase, mas não como a questão principal. Contudo, devido às demandas dos alunos e a presença de um profissional da FAPsi que tinha experiência em POT, foi aberto aos alunos a possibilidade de realizar o estágio supervisionado em POT.

É relevante ressaltar que esta foi uma solicitação da primeira turma de formandos da FAPsi e que se repetiu na segunda turma. O relato de experiência a ser apresentado retrata o estágio supervisionado em POT dessas duas primeiras turmas de formandos da IES.

Experiência de Estágio Profissionalizante em Psicologia Organizacional e do Trabalho

O estágio supervisionado em POT foi planejado de forma que os alunos pudessem atuar nos diversos subcampos da POT (Bastos, 1992Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo.) e reconhecer as interfaces pertinentes ao campo da POT (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.). Para que esse objetivo fosse alcançado, foi importante o suporte da FAPsi, que forneceu todas as condições em termos de materiais, equipamentos e espaço físico para atendimento das demandas do estágio supervisionado.

Inicialmente foi verificado junto aos alunos as possíveis lacunas nos conteúdos teóricos abordados durante a sua formação no curso para que estas questões pudessem ser supridas. Como resultado, observou-se que grande parte dos conteúdos em POT tinha sido discutida nas disciplinas. Diante dessa realidade optou-se pelo aprofundamento de questões relevantes em relação aos processos de gestão e a POT, como por exemplo, as diferentes formas de organização (simplificada, funcional, multidivisional, matricial, híbrida, em rede, familiar, entre outras) e os tipos de relações sociais estabelecidas em cada uma delas (Hacth & Cunliffe, 2006Hacth, M. J., & Cunliffe, A. L. (2006). Organization theory: modern, symbolic, and postmodern perspectives. (2a ed.). New York: Oxford University Press.).

Além das questões de conteúdo teórico também foram discutidas questões sobre a postura profissional e sobre o código de ética da profissão. Essas questões são de grande relevância para a realização do estágio supervisionado, pois, dos alunos, era esperado que assumissem um posicionamento de compromisso profissional como psicólogo (embora ainda em formação).

Para a realização do estágio supervisionado foi feito um convênio entre a FAPsi e a empresa Alfa3, que atua no setor metal mecânico no fornecimento de produtos e serviços para empresas de médio e grande porte do setor. Desde que foi firmado o convênio, os alunos participaram ativamente de todas as atividades realizadas. Na Alfa, foram desenvolvidas as seguintes atividades: recrutamento e seleção, elaboração de questionário de satisfação, confecção de um manual para os novos funcionários, desenvolvimento de proposta de remuneração por desempenho integrada à avaliação de desempenho diferenciada por cargo. Após a execução dessas atividades, embora o convênio ainda estivesse ativo, a empresa não apresentou novas demandas.

A partir dos resultados obtidos nesta primeira experiência no estágio supervisionado em POT, a própria FAPsi demonstrou interesse na realização de atividades relacionadas ao desenvolvimento de pessoal pelo grupo de alunos. Sendo assim, a FAPsi solicitou a realização de treinamentos direcionados para o trabalho em equipe.

Após a realização das atividades para a empresa Alfa e para a FAPsi, verificou-se a necessidade de estabelecer outros convênios para que os alunos pudessem continuar a aplicar os conhecimentos teóricos. Foi solicitado então aos alunos que eles assumissem a tarefa de prospecção de empresas. A tarefa foi realizada com êxito e outro convênio foi estabelecido com a empresaBeta, também pertencente ao setor metal mecânico. Para esta empresa, as seguintes atividades foram desenvolvidas: recrutamento e seleção, pesquisa de clima organizacional (realização da pesquisa, devolução para a diretoria, elaboração de plano de ação junto com a diretoria e devolução dos resultados para todos os funcionários da empresa) e treinamento e desenvolvimento de lideranças.

Para a realização de todas essas atividades, foi necessário retomar o conhecimento teórico aprendido nas disciplinas, assim como, buscar e aprofundar novos conhecimentos, o que proporcionou a conexão da teoria com prática profissional. Um aspecto importante a ser mencionado é que para a realização das atividades os alunos precisaram organizar-se em grupos de forma que as tarefas fossem compartilhadas. Para cada atividade existia um ou dois alunos responsáveis que se tornavam o contato com a empresa. Dessa forma, os alunos assumiam uma posição ativa sob as orientações do docente.

É relevante ressaltar ainda que os resultados obtidos nos trabalhos desenvolvidos no estágio supervisionado foram objeto de publicação de um artigo completo e de quatro resumos em congressos da área da Psicologia. A produção dessas publicações permitiu aos alunos verificar a importância da realização de pesquisas em POT, fazendo com que a conexão entre teoria, aplicação de conhecimento e pesquisa se materializasse no contexto da formação educacional em nível de graduação.

Ao desenvolver as atividades do estágio supervisionado, os alunos tiveram a oportunidade de verificar a indissociabilidade entre pesquisa e prática (Bastos, 1992Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo.); atuar em pelo menos uma atividade de cada subcampo da POT (Bastos, 1992Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo.); e vivenciar as diversas interfaces entre trabalho, comportamento humano/fator humano e organização (Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.).

O processo de avaliação do estágio supervisionado possuía três instrumentos: a) a ficha de avaliação bimestral, em que o aluno era avaliado em termos do comportamento observado durante o bimestre; b) o portfólio, que é uma pasta em que constam todas as atividades desenvolvidas em cada supervisão, assim como o relatório das atividades desenvolvidas nas empresas conveniadas; e c) o relatório semestral, no qual deve constar um relato da experiência vivida no semestre de forma a contemplar também as questões teóricas.

O processo de avaliação descrito contribuiu para a experiência no estágio supervisionado uma vez que deixava claro quais comportamentos eram esperados e exigia do aluno a constante atualização do portfólio, fazendo com que ele anotasse todas as atividades desenvolvidas e as articulasse com os aspectos teóricos correspondentes. Além disso, o relatório semestral possibilitava, ainda, ao aluno que tanto as questões teóricas quanto as vivências obtidas fossem revisitadas e articuladas em um texto coerente.

As influências do Estágio Supervisionado em POT na formação do psicólogo: a perspectiva dos estagiários

Objetivando conhecer as influências do estágio supervisionado em POT na formação dos psicólogos graduados na FAPsi, foi realizado um levantamento junto aos 18 alunos que participaram do estágio nos anos de 2007 e 2008. Os dados foram coletados via questionário on line enviado por e-mail e por mensagem doFacebook. Obteve-se uma taxa de retorno de questionários de 61,11%, correspondendo ao total de 11 respondentes. Embora o grupo seja relativamente pequeno e a proposta do levantamento não tenha pretensão de generalização de resultados, foi possível identificar o perfil dos respondentes, um amplo aspecto de opiniões e relatos de experiências sobre o estágio e a formação em Psicologia, conforme será apresentado a seguir.

O grupo de respondentes tem as seguintes características demográficas ocupacionais: (1) 81,8% são do sexo feminino e os demais são do sexo masculino; (2) possuem em média 30,5 anos (DP = 9,69); (3) a maioria é casada correspondendo 54,5% e sem filhos; (4) 72,8% possui pós-graduação (lato e stricto sensu) ou está cursando; (5) apenas uma pessoa não atua como psicólogo, pois já atuava como empresário antes de realizar o curso; (6) dos respondentes que atuam como psicólogos: (7) 90% assumiu uma posição profissional em até seis meses de formado, apenas uma levou um ano para assumir uma posição profissional; (8) 70% estão atualmente atuando nas seguintes áreas: clínica, da saúde, social, jurídica, do trânsito e POT em organizações do setor privado, público e organizações não governamentais (ONG).

Constatou-se que, após a conclusão do estágio supervisionado e do curso de Psicologia, apenas quatro respondentes optaram pela POT como campo de atuação. Embora os demais respondentes tenham optado por outros campos da Psicologia, 90,91% afirmou que os conhecimentos e a experiência obtidos no estágio supervisionado em POT foram fundamentais em três aspectos: a sua formação educacional e profissional; sua inserção no mercado profissional; e o seu desempenho profissional. O extrato da fala de um respondente ilustra essa questão: “[...] o que se aprende no estágio supervisionado em POT sempre colabora para as demais áreas, uma vez que a estrutura organizacional está presente” (Respondente 2).

Quanto à formação educacional e profissional, os respondentes afirmaram que o estágio supervisionado contribuiu em termos da (1) compreensão dos processos organizacionais, independente do tipo de organização; (2) oportunidade de vivenciar as demandas organizacionais; (3) compreensão da importância da realização de diagnóstico organizacional para o planejamento e para a ação de intervenção; (4) relevância do trabalho em equipes e da divisão de tarefas; e (5) utilização de ferramentas da POT para intervenção organizacional (recrutamento e seleção, diagnóstico organizacional, pesquisa de clima organizacional, etc.).

No que tange à inserção no mercado de trabalho, os respondentes relataram que o estágio supervisionado proporcionou o primeiro contato com o ambiente organizacional fornecendo as primeiras experiências para lidar com esse contexto. Destaca-se duas falas dos respondentes:

O estágio auxiliou quando elaborei o currículo, pois me proporcionou experiência, uma vez que ao sair da faculdade você nem sempre tem oportunidades por falta de experiência (Respondente 3).

As vivências desse estágio me proporcionaram conhecer um pouco dos processos. E, ainda, o estágio permitiu a construção e discussão de possibilidades para chegar às empresas, apresentar o trabalho, etc. (Respondente 11).

O estágio supervisionado também contribuiu para o desempenho profissional. Segundo os respondentes, à medida que forneceu conhecimento sobre as possíveis atuações na área de gestão de pessoas (recrutamento e seleção, avaliação de desempenho, desenvolvimento de equipes entre outros); segurança na atuação profissional devido ao conhecimento adquirido e a vivência prática obtida; e permitiu a realização de autoavaliação enquanto profissional. A seguir estão extratos de falas que ilustram as questões identificadas.

O conhecimento adquirido mais a prática do estágio me deu segurança para atuar nesta área (Respondente 4).

Contribuiu com a minha pontualidade, organização, observação, criatividade, trabalho em equipe [...] (Respondente 2).

Contribuiu para um pensamento mais aberto e proativo para novas tarefas e caminhos a serem seguidos (Respondente 8).

No relato de experiência em questão foi possível verificar que a formação básica de cunho teórico associado com a produção de conhecimento foram determinantes para que, por meio da prática no estágio supervisionado, os alunos reunissem as condições para que pudessem aprender a serem psicólogos, seja no domínio específico da POT ou em outros domínios da Psicologia. Em parte, o que permite a articulação entre o conhecimento específico de um domínio (no caso a POT) com os outros domínios da Psicologia é o fato da POT caracterizar-se por ser multidisciplinar e estabelecer interfaces com outras áreas do conhecimento (Bastos, 1992Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo.; Zanelli & Bastos, 2004Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.).

Considerações finais

O relato de experiência em estágio supervisionado em POT, aqui apresentado, possibilitou reflexões de diversos aspectos relacionados ao processo de formação educacional e profissional em Psicologia merecendo destaque três aspectos essenciais.

O primeiro aspecto relaciona-se à constatação de que a extinção do Currículo Mínimo e a implantação das DCN favoreceu a discussão entre as IES (e os cursos de Psicologia) e a comunidade acadêmica sobre as melhores propostas de formação educacional e profissional tendo como referência o contexto sócio, político, econômico e ambiental a qual estão inseridos. Essa constatação está alinhada às considerações de Bernardes (2012)Bernardes, J. S. (2012). A formação em psicologia após 50 anos do primeiro currículo nacional de psicologia: alguns desafios atuais.Psicologia: Ciência e Profissão, 32(n. especial), 216-231. sobre as mudanças curriculares do curso de Psicologia.

O segundo aspecto refere-se ao processo de formação educacional e profissional dos discentes, sobretudo em termos da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e prática; e da avaliação da atuação do discente no estágio supervisionado. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e prática permitiu aos discentes articular os conhecimentos teóricos e metodológicos na vivência do contexto real de uma organização em que as suas ações e decisões têm implicações concretas na dinâmica organizacional e das pessoas que nela atuam. Essas ações e decisões foram submetidas e acompanhadas por meio de três instrumentos avaliativos que articulavam o comportamento esperado com o realizado servindo como mecanismo de autocrítica importante para o desenvolvimento profissional do discente.

O terceiro aspecto está relacionado com as características da POT defendidas porBastos (1992)Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo. e Zanelli e Bastos (2004)Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.. O fato da POT possuir uma diversidade de subcampos de atuação, atividades e focos de interesse requer do psicólogo em formação conhecimentos multidisciplinares para a atuação no contexto organizacional. Essa realidade por um lado requereu dos envolvidos (docente supervisor e discentes) um esforço no sentido da busca por novos conhecimentos para atender às múltiplas demandas das organizações onde o estágio foi realizado e, por outro, impôs limitações na aplicação de conhecimentos já adquiridos, uma vez que as demandas eram limitadas aos interesses dessas organizações.

A convergência dos três aspectos anteriores norteou a reflexão de que a prática do estágio supervisionado em POT contribuiu para o rompimento da imagem negativa do psicólogo que atua em POT (Zanelli, 2009Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed.). Em outras palavras, o estágio permitiu constatar que a visão de que o profissional em POT limita-se à aplicação de testes e psicotécnicas é equivocada, uma vez que o presente relato de experiência indica que os alunos puderam vivenciar a complexidade do trabalho do psicólogo nas organizações, sobretudo no que diz respeito aos impactos de sua intervenção no ambiente organizacional.

Espera-se que esse relato de experiência de estágio supervisionado possa ser útil no sentido de possibilitar que as IES reflitam sobre as suas políticas e práticas institucionais para a formação educacional e profissional do discente; que as organizações sejam mais receptivas a receberem alunos para realização de estágio supervisionado em POT; e que os órgãos de regulação, supervisão e avaliação da educação superior brasileira possam fomentar as discussões com a comunidade acadêmica, científica e a sociedade em geral a adoção de instrumentos que proporcionem a melhoria na qualidade do processo formação educacional e profissional em Psicologia.

Referências

  • Bastos, A. V. B. (1992). Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços(pp. 51-86). Campinas: Átomo.
  • Bastos, A. V. B., & Galvão-Martins, A. H. C. (1990). O que pode fazer o psicólogo organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 10(1), 10-18.
  • Bernardes, J. S. (2012). A formação em psicologia após 50 anos do primeiro currículo nacional de psicologia: alguns desafios atuais.Psicologia: Ciência e Profissão, 32(n. especial), 216-231.
  • Brasil. Conselho Nacional de Educação. (2004). Resolução nº 8, de 7 de maio de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Psicologia. Brasília, DF: Autor.
  • Borges-Andrade, J. E., & Zanelli, J. (2004). Psicologia e produção de conhecimento em organizações e trabalho. In J. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. (pp. 492-517). Porto Alegre: Artmed.
  • Drenth, P. J. D., Thierry, H., & Wolff, C. J. (1988). What is work and organization psychology? In P. J. D. Drenth, H. Thierry, & C. J. Wolff (orgs.), Handbook of work and organizational psychology.(pp. 1-10, v.1, 2a ed.). Sussex: Psychology Press.
  • Gomide, P. I. C. (1988). A formação acadêmica: onde residem suas deficiências. In Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? (pp. 69-85). São Paulo: Edicon.
  • Hacth, M. J., & Cunliffe, A. L. (2006). Organization theory: modern, symbolic, and postmodern perspectives. (2a ed.). New York: Oxford University Press.
  • Iema, C. R. D. (1999). Um estudo teórico sobre a formação do psicólogo organizacional no Brasil. Psicologia Teoria e Prática, 1(1), 31-41.
  • Spector, P. E. (2002). Psicologia nas organizações São Paulo: Saraiva.
  • Weber, S. (1982). Currículo mínimo e o espaço da pesquisa na formação do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão,8(1), 1-13.
  • Yamamoto, O. H., & Gouveia, V. V. (Orgs.). (2003).Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Zanelli, J. C. (2009). O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed.
  • Zanelli, J., & Bastos, A. V. B. (2004). Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. Zabelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491). Porto Alegre: Artmed.
  • 1
    Segundo a Resolução nº 08/2004 CNE/CES que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Psicologia, em razão da “diversidade de orientações teórico-metodológicas, práticas e contextos de inserção profissional, a formação em Psicologia diferencia-se em ênfases curriculares, entendidas como um conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da Psicologia” (Art. 10 da Resolução nº 08/2004). As DCN para o curso de Psicologia estabelecem que cabe ao Projeto Pedagógico de Curso (PPC) de cada curso o detalhamento dessas ênfases curriculares. No caso em questão, a IES definiu, em seu PPC, que uma das ênfases do curso seria em “Dinâmica Social, Comunitária e do Trabalho”, que permitia a realização de estágio supervisionado em POT. Esta ênfase encontra-se estruturada para garantir o desenvolvimento das competências específicas previstas, bem como, tem explicitadas no PPC todas as condições de funcionamento.
  • 2
    Optou-se por utilizar o nome fictício Faculdade de Psicologia – FAPsi para a identificação da IES do Espírito Santo.
  • 3
    Optou-se por utilizar nome fictício para as empresas conveniadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2014
  • Aceito
    20 Out 2015
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br