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Psicologia, Conselho Federal de Psicologia e Covid-19: Enfrentamento às Desigualdades Psicossociais no Brasil

Psychology, FCP, and COVID-19: Facing the Psychosocial Inequalities in Brazil

Psicología, Consejo Federal de Psicología y Covid-19: Enfrentando las Desigualdades Psicosociales en Brasil

Resumo

A pandemia da covid-19 impôs transformações no cotidiano mundial, em âmbito micro e macroestrutural. Seu impacto psicológico desestabiliza e evidencia desigualdades e vulnerabilidades psicossociais brasileiras. Configura-se como um estudo de perspectiva crítica, com base na Psicologia Sócio-histórica, com o objetivo de mapear os posicionamentos da Psicologia, vindos de diferentes campos, diante das ações de saúde mental. Para tanto, utiliza-se o site do Conselho Federal de Psicologia para a análise de 62 documentos, que resultaram em dois eixos de produção crítica: 1) a relação da Psicologia com o Conselho Federal de Psicologia; e 2) da Psicologia com a sociedade. Revela-se o abismo social entre segmentos da sociedade brasileira; formas de exclusão da população carcerária; violência doméstica contra as mulheres e as crianças; dificuldades de acesso a estratégias sociais, na educação e na saúde, e de superação dos impasses acirrados com a infecção global pelo novo coronavírus. Conclui-se que a diversidade de públicos, temáticas, áreas de atuação e referenciais teóricos materializa um compromisso crítico e científico da Psicologia.

Palavras-chave:
Covid-19; Pandemia; Desigualdades; Psicologia

Abstract

The COVID-19 pandemic imposed transformations in the world daily life, at the micro and macrostructural levels. Its psychological impact destabilizes and highlights Brazilian inequalities and psychosocial vulnerabilities. This is a critical perspective study, based in socio-historical Psychology, aiming to map the positions of Psychology, from different fields, in the face of mental health actions. To this end, the Federal Council of Psychology website is utilized to analyze 62 documents, which resulted in two axes of critical production: 1) the relation between Psychology and the Federal Council of Psychology; and 2) Psychology with society. They reveal the social gap between segments of Brazilian society; ways of excluding prison po7pulation; domestic violence against women and children; and difficulties in accessing social strategies, in education and health, and in overcoming impasses aggravated by the global infection by the new coronavirus. In conclusion, the diversity of public, themes, areas of professional performance, and theoretical references materialize Psychology’s critical and scientific commitment.

Keywords:
COVID-19; Pandemic; Inequalities; Psychology

Resumen

La pandemia del COVID-19 provocó transformaciones globales en lo cotidiano a nivel micro y macroestructural. Su impacto psicológico desestabiliza y destaca las desigualdades y vulnerabilidades psicosociales en Brasil. Esta es una investigación en la perspectiva crítica, basada en la psicología sociohistórica, con el objetivo de mapear las posiciones de la Psicología, procedentes de diferentes campos, frente a las acciones de salud mental. Para este fin, se utiliza el sitio web del Consejo Federal de Psicología para el análisis de 62 documentos, lo que resultó en dos ejes de producción crítica: 1) la relación de la Psicología con el Consejo Federal de Psicología; y 2) de la Psicología con la sociedad. Se revelan la brecha social entre los segmentos de la sociedad brasileña; las formas de exclusión de la población carcelaria; la violencia doméstica contra las mujeres y los niños; y las dificultades para acceder a las estrategias sociales, en la educación y la salud, para superar los impasses agravados por la infección global por el nuevo coronavirus. Se concluye que la diversidad de públicos, temáticas, áreas de actividad y referentes teóricos materializa un compromiso crítico y científico de la Psicología.

Palabras clave:
Covid-19; Pandemia; Desigualdades; Psicología

Introdução

A pandemia da covid-19 impôs transformações no cotidiano mundial, em âmbito micro e macroestrutural. Questões surgem e são direcionadas às instituições que agregam coletivos e orientam debates, em meio ao imenso e profundo impasse gerado pelo imprevisto. Números alarmantes se apresentam e aspectos relacionados à peculiaridade do agente contaminante, falta de protocolos e de vacina dificultam a construção de afirmações teóricas e metodológicas nessa realidade pandêmica. Contudo, norteados por referenciais críticos da Psicologia Sócio-histórica, sabemos da necessidade de enfrentamento e da construção de percursos contextualizados de nossas áreas de atuação, diante dos desafios impostos pela covid-19. Duas inquietações se apresentam: se, por um lado, há uma dificuldade na definição de protocolos mais definitivos, devido ao fato de a própria covid-19 ser algo recente, o que gera novas especificidades a cada dia que a pandemia avança; por outro lado, calcados na potencialidade da compreensão crítica, buscamos enfrentar os desafios de nossas práticas diante de determinado fenômeno transformando-o em objeto de estudo. Com essa perspectiva, subsidiada por estudos do tipo metassíntese (Oliveira, 2017Oliveira, A. A. S., (Org.).(2017). Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de desigualdade psicossocial. EDUFAL. ), entendemos que uma investigação sobre movimentações institucionais do campo da Psicologia pode construir referenciais compreensivos, rumo a uma perspectiva ampliada e integrativa, vinda das diferentes áreas de atuação.

Sabe-se do compromisso da Psicologia em promover a saúde mental de indivíduos e coletividades, levando em conta as especificidades sociais e históricas nessas relações. No contexto da pandemia da covid-19, a contribuição da Psicologia na sociedade torna-se ainda mais relevante. O impacto psicológico da situação pandêmica amplia-se por romper com estabilidades da vida cotidiana, além de escancarar desigualdades e constranger, ainda mais, sujeitos em vulnerabilidades. Vez que uma das práticas centrais no exercício da Psicologia é a promoção da escuta de possíveis processos desencadeadores do sofrimento psicossocial, entendemos que seja uma importante etapa para construção coletiva de estratégias de superação dos impactos da covid-19 em diferentes instâncias da sociedade.

A presente reflexão é subsidiada pelo debate contemporâneo, a partir das contribuições teóricas e metodológicas vigotskianas, as quais defendem a investigação em seu processo de configuração (Vigotski, 2007Vigotski, L. S. (2007). A formação social da mente. Martins Fontes.). Considera-se que a investigação da produção e o compartilhamento de conhecimento é uma prática científica de característica crítica (Oliveira, 2017Oliveira, A. A. S., (Org.).(2017). Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de desigualdade psicossocial. EDUFAL. ; Oliveira, Bueno & Rocha, 2019Oliveira, A. A. S., Bueno, L. D., & Rocha, M. L. B. (2019). Estudos da infância que utilizam fotografia como recurso metodológico: metassíntese de dissertações brasileiras em Psicologia. In Monteiro, L. P., & Roure, G. Q. (Orgs.), Por uma luta em defesa dos direitos das crianças: idades e diversidades (p.p 32-36). Vieira. ; Rocha, Oliveira & Menezes, 2019Rocha, M. L. B., Oliveira, A. A. S., & Menezes, S. K. O. (2019). A Infância no Diretório de Grupos de Pesquisa CNPq: contribuições metodológicas para uma análise Sócio-histórica dos grupos na área da Psicologia. In Monteiro, L. P., & Roure, G. Q. (Orgs.), Por uma luta em defesa dos direitos das crianças: idades e diversidades (pp. 32-36). Vieira. ). Para tanto, acompanham-se as movimentações institucionais da Psicologia, em contexto brasileiro, de documentos disponíveis no site do Conselho Federal de Psicologia (CFP), no período de 14/03/2020 a 24/07/2020.

Desse modo, acompanhar as movimentações e posicionamentos de organizações de classes profissionais apresenta-se como uma temática implicada, que requer o exercício crítico de reflexão, em um processo de escuta, indireta, de determinantes de sofrimento psicossocial. Objetiva-se mapear os posicionamentos da Psicologia, vindos de diferentes campos, referentes às ações de saúde mental. Pretende-se abordar as seguintes questões: quais são as preocupações da Psicologia durante a primeira fase da pandemia do novo coronavírus no Brasil? Como se caracteriza a relação entre a categoria profissional e a sociedade brasileira em tempos de pandemia?

Como referencial teórico e metodológico, nos apoiamos nos pressupostos da Psicologia Sócio-histórica, em especial, o que se refere às condições de desigualdades e violências (Oliveira et al., 2015Oliveira, A. A. S. et al. (Orgs.) (2015). Psicologia Social, violência e subjetividade. Edições do Bosque. ; Oliveira, 2017Oliveira, A. A. S., (Org.).(2017). Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de desigualdade psicossocial. EDUFAL. ).

Metodologia

O desenho metodológico estrutura-se através de coordenadas para pesquisas em bancos de dados on-line, cuja efetividade vem sendo observada em outros estudos (Trancoso & Oliveira, 2016Trancoso, A. E. R., & Oliveira, A. A. S. (2016). Aspectos do conceito de juventude nas Ciências Humanas e Sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 11(2), 278-294. http://seer.ufsj.edu.br/revista_ppp/article/view/1747
http://seer.ufsj.edu.br/revista_ppp/arti...
; Oliveira, 2017Oliveira, A. A. S., (Org.).(2017). Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de desigualdade psicossocial. EDUFAL. ). Trata-se de cinco etapas de busca e tratamento de dados: exploração, cruzamento, refinamento, descrição e interpretação.

Em etapa inicial, de exploração da plataforma, identificou-se os documentos presentes na plataforma por meio da consulta ao site do CFP (https://site.cfp.org.br). No campo de busca do site, foram inseridos, individualmente, os descritores “Covid”, “Corona” e “Pandemia”, com a seleção do campo “todas as áreas”, como podemos ver destacado no círculo 2 (Figura 1).

Figura 1
Site do Conselho Federal de Psicologia.

Também é possível ver que, no site do CFP, a temática do coronavírus tem certo destaque na plataforma, como se percebe no círculo 1 (Figura 1). O destaque da temática também se materializa na quantidade de documentos alcançados: obteve-se um quantitativo inicial de 162 documentos.

Em etapa posterior, através do cruzamento comparativo de informações, foram excluídas duplicações de material, o que resultou em 62 documentos. Em seguida, em uma fase de armazenamento e tratamento de dados, os documentos foram salvos em PDF, descritos em planilha e compartilhados em drive virtual, junto aos seus links de acesso. Durante o tratamento das informações, realizou-se a leitura e classificação das publicações, quanto ao tipo e temáticas tratadas nos documentos, privilegiando a própria classificação disponível no site. As informações recebem acompanhamento e atualização cronológica das publicações. Na Figura 2, podemos observar como se deu a sistematização dessas informações em planilha eletrônica on-line, acessada remotamente pelos diferentes integrantes da equipe, para o tratamento e interpretações (quantitativas e qualitativas):

Figura 2
Recorte da planilha.

Como demonstrado no recorte da planilha, os documentos foram dispostos, de acordo com seu armazenamento, no banco virtual de informações da pesquisa e classificados em conformidade com: nome do documento, descritores com os quais foram alcançados, data de publicação, tipo de documento, campo da Psicologia ao qual o documento se refere, temática abordada, informações adicionais e os links de acesso (tanto os internos ao próprio banco da pesquisa quanto o link original do site do CFP).

Ressalta-se que as estratégias de armazenamento das páginas em PDF, no drive virtual, protegem os dados de possíveis exclusões ou edição de materiais no site de origem, funcionando como um recorte temporal dos dados no momento da pesquisa (Oliveira, 2017Oliveira, A. A. S., (Org.).(2017). Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de desigualdade psicossocial. EDUFAL. ). Além disso, as estratégias de escrita e compartilhamento simultâneo, utilizadas no grupo de pesquisa “Epistemologia e Ciência Psicológica”, apresentam-se como ainda mais pertinentes no cenário de distanciamento social.

Resultados

Os resultados permitem descrever um histórico de postagens, bem como identificar 14 tipos de documentos produzidos e veiculados pelo CFP durante o período pandêmico estudado, como demonstrado na Figura 1.

No corpus da pesquisa, o tipo de documento que se destacou foi a categoria “eventos”, com 16 documentos, os quais apresentam os principais cuidados em tempo de pandemia, como a questão do atendimento e o combate a violências contra minorias. Em seguida, aparecem 12 documentos referentes ao tipo “notícias”, com quatro títulos sobre medidas administrativas nesse momento de pandemia. As “notas” aparecem em destaque, com dez arquivos. Os “comunicados” apareceram na amostra com quatro tipos de documentos, seguidos das “resoluções”, “orientações” e “ofícios circulares”, com o total de três cada categoria. “Cursos”, “manuais” e “recomendações” com dois documentos cada, o restante apresenta um cada (instruções normativas/portaria, instrução normativa, manifesto, revista e recomendação).

Figura 3
Quantidade de documentos por tipo.

Em meio a esse material, dois eixos de produção de conteúdo destacam-se e norteiam as reflexões deste artigo: a relação da Psicologia com o CFP e da Psicologia com a sociedade.

A relação da Psicologia com o Conselho Federal de Psicologia

O primeiro eixo engloba, principalmente, diálogos permanentes com diversas temáticas e campos de atuação da categoria, medidas administrativas e notas referentes às questões do atendimento on-line e de atividades acadêmicas de graduação durante a pandemia da covid-19.

Nesse contexto, são inúmeros os campos de atuação que subsidiam a discussão do CFP com a Psicologia. Dentre os quais se destacam: Avaliação Psicológica; saúde mental; Psicologia na Assistência Social; atendimento on-line; atividade docente; Psicologia Hospitalar e Judiciária e nos departamentos estaduais de trânsito. Além disso, o CFP orienta sobre o cuidado em atuar, em acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo, especialmente no trabalho voluntário e na Publicidade e Propaganda.

Nessa perspectiva, o CFP pretende contribuir, de forma significativa, no uso de suas atribuições, com o apoio à categoria de psicólogos e psicólogas e sua atuação durante a pandemia. Desde recomendações sobre como proceder ao comunicar óbito por covid-19, no contexto hospitalar Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda, 2020Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2020). Recomendações do CONANDA para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do COVID-19. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Recomenda%C3%A7%C3%B5es-CONANDA_Covid-19.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
), à elaboração de documentos psicológicos para o poder judiciário (CFP, 11 maio 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 11 de maio). Recomendações do CFP para elaboração de documentos psicológicos para o Poder Judiciário. https://site.cfp.org.br/recomendacoes-do-cfp-para-elaboracao-de-documentos-psicologicos-para-o-poder-judiciario/
https://site.cfp.org.br/recomendacoes-do...
).

Em busca do bem-estar dos profissionais e da sociedade, também flexibilizou resoluções já existentes para a atuação de forma remota, recomendou gestores sobre a disponibilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), solicitou à Agência Nacional de Saúde (ANS) a inclusão de serviços de Psicologia on-line em planos de saúde. Além disso, convida à reflexão coordenadores e docentes da graduação em Psicologia para as consequências do ensino a distância de disciplinas e estágio. Entretanto, orienta, especialmente sobre o ensino de Avaliação Psicológica, o uso de testes e sugere adequações à prática de ensino.

A seguir, a partir de categorias analíticas que visam sinalizar a distribuição das publicações no site do CFP entre os campos de atuação da Psicologia (eixo 1), buscamos mapear as movimentações institucionais que possam demonstrar fluxos de organização de segmentos da Psicologia frente à pandemia do novo coronavírus (Figura 4).

Figura 4
Distribuição das publicações por campo de atuação da Psicologia.

As categorias temáticas com maior expressividade são as de publicações relacionadas aos atendimentos on-line de profissionais da Psicologia (10 publicações) e de medidas administrativas do CFP para organizar seus procedimentos administrativos diante da pandemia (11 publicações), que, juntas, representam 36,58% dos documentos. Demonstram maior expressividade no total de documentos estudados, pois estão ligados, diretamente, às movimentações institucionais no intuito de subsidiar a continuidade do exercício das práticas da Psicologia, em um momento de muitas incertezas. Materializam, portanto, o papel do CFP em criar referencial técnico para as diferentes áreas de atuação.

Referência ao campo jurídico da Psicologia aparece em cinco documentos, dos quais três são destinados a profissionais da Psicologia que atuam junto à população carcerária, um documento trata de recomendações acerca da elaboração de documentos para o Poder Judiciário, e o último versa sobre um curso relacionado a crianças e adolescentes voltado aos profissionais de tribunais de justiça, ministérios públicos, defensorias públicas, Procons e conselhos tutelares. O site de CFP disponibilizou link de acesso, informando também aos profissionais que, para maiores esclarecimentos sobre o documento, deveriam procurar seus CRPs de origem.

Vale ressaltar que o CFP, nesse período, tem reforçado a importância da categoria em emergências e desastres, principalmente com populações vulnerabilizadas. Para isso, promove debates sobre o trabalho de psicólogos em políticas públicas de saúde e de assistência social, orientando-os a atuar de forma segura e adequada ao momento atual. Nesse contexto, o CFP considera que a Psicologia também tem o papel de contribuir para que não ocorra discriminação e nenhum tipo de violência, além de promover saúde e qualidade de vida às pessoas de forma igualitária.

Nessa direção, orienta os profissionais que atuam na Assistência Social sobre o papel do psicólogo na proteção de crianças e adolescentes em tempos de pandemia. Com uma preocupação especial nos atendimentos a adolescentes, em cumprimento de medida socioeducativa, e a respeito da violência contra a mulher no período de isolamento social.

Ressaltamos, ainda, que o CFP destaca em suas orientações, recomendações e estratégias de atuação o uso adequado do Código de Ética Profissional do Psicólogo, em todos os campos nos quais estiverem inseridos. Reside aqui uma confluência importante e necessária entre as demandas de profissionais e o atendimento de respaldo do órgão colegiado.

Por fim, a diversidade de áreas de atuação apresentada nos documentos estudados demonstra a atuação ampla da Psicologia em diferentes contextos de nossa sociedade, com quantitativos representativos nas áreas de saúde e hospitalar, de assistência psicossocial, em contextos clínicos, entre outros.

Psicologia e sociedade

Enquanto no eixo anterior de discussão destacamos a diversidade da Psicologia em suas áreas de atuação representadas pelos documentos, e seus fluxos distintos dentro de um momento de pandemia, este eixo pretende avançar, qualitativamente, em outra direção: as relações temáticas estabelecidas a partir das publicações no site do CFP. Aspecto que se materializa nos temas aos quais os documentos se destinam, em diálogo com diferentes segmentos da sociedade.

A seguir, a distribuição gráfica das temáticas (Figura 5):

Figura 5
Distribuição das publicações por temáticas.

Dos 62 documentos, 35 são direcionados aos profissionais - categoria que inclui profissionais da saúde, público geral, profissionais que realizam, especificamente, atendimento clínico on-line e estagiários. Percebemos, com essa predominância, um movimento social de estruturação de estratégias remotas de manutenção de atividade da Psicologia e de profissionais de saúde em geral, durante o momento da pandemia.

Em seguida, temos a temática de direitos humanos, crianças e adolescentes e formação em Psicologia, com quatro documentos. Isso demonstra preocupação com públicos que necessitam de medidas de proteção, bem como com a construção de táticas que minimizem prejuízos no que diz respeito à formação de estudantes e potencialização de diálogo coletivo sobre a problemática.

Além disso, três dos documentos eram voltados à população carcerária. Com essa temática, percebemos o intuito de buscar garantir atendimento psicológico nos espaços prisionais. Desastres, urgências e emergências; profissionais (atendimento clínico/avaliação), saúde mental e pandemia; e violência contra a mulher tiveram dois documentos cada. Já atividades esportivas; orientações sexuais e identidades de gênero; população em situação de rua e imigrantes; psicologia jurídica; saúde do trabalhador; e segurança no trânsito tiveram um documento que abordaram cada uma dessas temáticas.

Assim, percebemos a busca por contemplar direcionamentos às mais diversas temáticas por parte do Conselho Federal de Psicologia, ainda que dando maior ou menor destaque entre elas. Dessa forma, percebe-se um movimento ativo da entidade em buscar formas/meios de repensar as práticas da Psicologia, diante do imprevisto emergencial acarretado pela pandemia da covid-19. Em seguida, discutiremos com maior profundidade cada uma dessas temáticas contempladas pelos documentos do CFP.

Podemos destacar que a Psicologia, em razão da intensificação de vulnerabilidades psicossociais decorrentes da pandemia, se posiciona em defesa da vida ao fazer críticas oficiais à saída do distanciamento social em desrespeito às orientações das autoridades de saúde; a favor da manutenção de direitos dos trabalhadores e condições de trabalho; e em prol da flexibilização de atendimentos on-line. Além de disponibilizar links de acesso a debates ao vivo, realizados através de mídias sociais, sobre assuntos de relevância social.

As posições e discussões viabilizadas neste segundo eixo explicitam desigualdades e diversidades nos modos de vivenciar os desafios decorrentes da pandemia, aspectos que revelam o abismo social entre segmentos da sociedade brasileira. Desafios que se materializam na forma de exclusão, violências e dificuldades de acesso a estratégias sociais de superação dos impasses decorrentes da infecção global pelo novo coronavírus.

Considerando os aspectos sócio-históricos de populações em situações de exclusão, compreende-se que as desigualdades apresentadas não são geradas como consequências da covid-19, mas, na verdade, fazem parte de uma realidade que apenas vem à tona e se agrava durante o cenário de pandemia. As desigualdades sociais citadas são motivadas, em primeiro momento, por pensamentos preconceituosos formados a partir de conhecimentos não legitimados (Allport, 1954Allport, G. (1954). The nature of prejudice. Addison-Wesley.), internalizados sem que estejam cientes da existência de conexões. As situações de exclusão são ocasionadas por ideias fossilizadas (Vigotski, 2007Vigotski, L. S. (2007). A formação social da mente. Martins Fontes.), as quais são automatizadas, em virtude de repetições que internalizam o conteúdo preconceituoso e discriminatório. Formam, com isso, os comportamentos mecanizados. Esses comportamentos passam a ser naturalizados na sociedade. Como exemplo, as vítimas de violência doméstica se encontram em um impasse perverso, pois o lugar no qual devem permanecer, visando sua proteção em relação à doença, é também onde acontece a violência. Os índices apontam para o aumento mundial da violência física, sexual e emocional em consequência da covid-19, principalmente nas famílias que já estavam em situação de pobreza e fragilidade (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020). Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. http://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf
http://forumseguranca.org.br/wp-content/...
; World Vision, 2020World Vision. (2020). A perfect storm: Millions more children at risk of violence under lockdown and into the ‘new normal’. https://www.wvi.org/sites/default/files/2020-05/Aftershocks%20FINAL%20VERSION_0.pdf
https://www.wvi.org/sites/default/files/...
).

Na temática “crianças e adolescentes”, encontram-se quatro publicações: divulgação de um curso de Psicologia Jurídica e do evento “Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em tempos de pandemia”, mediado pela presidente do CFP, Ana Sandra Fernandes; recomendações para a proteção de crianças e adolescentes durante a pandemia do coronavírus e referências técnicas para atuação de Psicólogos na Rede de Proteção às Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual. Compreende-se que o problema da violência estrutural e intrafamiliar contra crianças e adolescentes não é uma novidade causada pela covid-19, entretanto, as condições que a pandemia estabelece vêm se mostrando como agravantes desse cenário, principalmente na esfera privada.

Nessa direção, as recomendações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), reiteradas pelo CFP na sua publicação, destacam o caráter emergencial da atuação no socorro aos segmentos mais vulnerabilizados da população infanto-juvenil. Para além de medidas para diminuição da transmissão comunitária do coronavírus, as orientações defendem que os direitos dos cuidadores primários das crianças e adolescentes também devem ser garantidos, pois a população infanto-juvenil depende da proteção deles. Desse modo, argumentam que as famílias em situação de vulnerabilidade precisam de assistência do governo na forma de apoio financeiro, isenções ou descontos em contas de água, gás e eletricidade, recebimento de cestas básicas e produtos de higiene, entre outros (Conanda, 2020Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2020). Recomendações do CONANDA para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do COVID-19. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Recomenda%C3%A7%C3%B5es-CONANDA_Covid-19.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
).

Como visualizado, uma das consequências da quarentena é o aumento da violência doméstica. A violência contra a mulher sofreu aumento, segundo dados do Fórum de Segurança (2020), entretanto o número de subnotificações chega a ser maior pela diminuição de denúncias nessa fase. Mesmo com os obstáculos para realizar as denúncias por conta das medidas de distanciamento, o estado de São Paulo, por exemplo, teve uma crescente de 44,9% de atendimentos pela Polícia Militar de mulheres vítimas de violência (FBSP, 2020).

Com relação à temática da violência contra a mulher, o CFP realizou um evento intitulado “CFP debate papel da Psicologia diante da violência contra a mulher na pandemia da Covid-19”. A transmissão do debate ao vivo foi realizada pelo Facebook do CFP. Nessa perspectiva, objetivou-se discutir o crescimento da violência contra as mulheres no período de pandemia. Além disso, buscou-se refletir sobre o que pode ser feito pela Psicologia diante desse problema. Representantes do CFP, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e psicólogas clínicas especialistas em violência intrafamiliar e políticas de enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres participaram do evento.

Com o aumento da violência doméstica e familiar, foi sancionada a Lei nº 14.022/2020, que auxilia no enfrentamento contra as crescentes agressões sofridas pelas mulheres, crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência (Lei n. 14.022, 2020Lei nº 14.022, de 7 de julho de 2020. (8 jul. 2020, 8). Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14022.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Com isso, todo atendimento a vítimas dessas violências passou a ser considerado como serviço essencial e, portanto, não pode ser interrompido, enquanto perdurar o estado de calamidade ocasionada pela pandemia do novo coronavírus. Segundo art. 3, § 2º (Lei n. 14.022, 2020Lei nº 14.022, de 7 de julho de 2020. (8 jul. 2020, 8). Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14022.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), o poder público passa a ser obrigado a garantir o atendimento presencial, para situações que envolvam feminicídio, lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou com resultado morte, estupro, crimes diretamente ligados as Leis n. 11.340/2006, n. 8.069/1990 e n. 10.741/2003 que se referem, respectivamente, à Lei Maria da Penha, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Estatuto do Idoso.

Assim como o isolamento doméstico implicou em uma maior exposição de parte da população a fatores de risco à saúde, como a violência em outros segmentos sociais, os agravantes têm relação com aspectos referentes à aglomeração e ao acesso a direitos, como a educação. Desse modo, fica evidenciada a necessidade de perspectivas contextualizadas na formulação de condições de enfrentamento da pandemia que levem em conta essas especificidades.

A população carcerária é uma das temáticas que aparece na descrição dos documentos e evidencia condições de superlotação do sistema penitenciário. Foram encontrados três documentos (CFP, 28 abr. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 28 de abril). Ministra Damares obstrui trabalho do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura durante crise de coronavírus no Sistema Carcerário. https://site.cfp.org.br/ministra-damares-obstrui-trabalho-do-comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-durante-crise-de-coronavirus-no-sistema-carcerario/
https://site.cfp.org.br/ministra-damares...
; CFP, 13 abr. 2020aConselho Federal de Psicologia. (2020a, 13 de abril). Nota sobre a atuação de psicólogas(os) no Sistema Prisional em relação à pandemia do novo coronavírus. https://site.cfp.org.br/nota-sobre-a-atuacao-de-psicologosos-no-sistema-prisional-em-relacao-a-pandemia-do-novo-coronavirus/
https://site.cfp.org.br/nota-sobre-a-atu...
; CFP, 13 abr. 2020bConselho Federal de Psicologia. (2020b, 13 de abril). CFP publica Nota de orientação a psicólogas(os) que atuam em Sistema Socioeducativo. https://site.cfp.org.br/nota-de-orientacao-a-psicologas-e-psicologos-que-atuam-em-sistema-socioeducativo/
https://site.cfp.org.br/nota-de-orientac...
), entre eles: uma notícia e duas notas. A notícia correspondente ao dia 28 de abril de 2020, referente a uma crítica à atuação da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura durante a crise de coronavírus no Sistema Carcerário.

Outro ponto de destaque se refere às situações de aglomeração que decorrem do contexto de pandemia, que vão de encontro ao que propõe a Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, distanciamento social como prevenção à contaminação (WHO, 2020World Health Organization. (2020). Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public. https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public
https://www.who.int/emergencies/diseases...
). Nesse sentido, destacamos duas situações em que os riscos se mostram acentuados: 1) existem filas gigantescas que se formam às portas dos bancos para resgate do auxílio emergencial, ofertado pelo Governo Federal, para pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social (Lei nº 13.982, 2020Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. (2020, 2 de abril). Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) - o que aumenta o risco de contaminação de uma parcela da população que já é vulnerável; 2) vemos a situação da população carcerária, que, apesar de reclusa, conta com superlotação e baixas condições de saúde que precedem a situação da pandemia. Nesse último caso, como há entrada e saída de pessoas nos espaços do sistema prisional, amplia-se a possibilidade de entrada do vírus nesses ambientes, e as condições precárias de saúde dessa parcela da população agravam ainda mais o risco de contaminação e morte daqueles que se encontram no sistema prisional (Iglesias, 2020Iglesias, P. (2020, 26 de maio). Quando aglomeração é realidade, combate à covid-19 se torna desafio ainda maior. Revista Arco. https://www.ufsm.br/midias/arco/covid-19-presidios/
https://www.ufsm.br/midias/arco/covid-19...
).

Outra temática em análise se refere ao atendimento a distância, por meio de tecnologias, que foi regularizado pela resolução 11/2018, ou seja, “condicionada à realização de um cadastro prévio junto ao Conselho Regional de Psicologia e sua autorização” (Resolução 11/2018, art. 3º). Entretanto, com a pandemia de covid-19, e para garantir o distanciamento social e a continuidade da assistência à população, houve a flexibilização que possibilita os atendimentos sem a aprovação prévia do cadastro e-Psi, com a obrigatoriedade do cadastro (Resolução 04/2020).

Na temática dos Direitos Humanos, dentre os três documentos, encontram-se uma nota, um manifesto e uma notícia. A notícia refere-se à posse dos novos integrantes da comissão de Direitos Humanos da CFP, do dia 1 de abril de 2020, e nela adianta-se a realização de uma Nota sobre os Direitos Humanos e a população em estado de vulnerabilidade (CFP, 1 abr. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020 1 de abril). CFP dá posse à nova Comissão de Direitos Humanos. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/cfp-da-posse-a-nova-comissao-de-direitos-humanos/
https://site.cfp.org.br/cfp-da-posse-a-n...
).

A nota das Comissões de Direitos Humanos do CFP, publicada em 22 de abril de 2020, dispõe sobre a preservação e garantia dos Direitos humanos, tendo como preocupação os efeitos da pandemia do novo coronavírus para as populações em estado de vulnerabilidade. Nessa nota há recomendações para promover condições de saúde e acesso a informação para as pessoas historicamente desprotegidas. No documento, algumas dessas populações são citadas explicitamente: pessoas que vivem em extrema pobreza, população negra, LGBTQI, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, entre outras (Comissões de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia, 2020Comissões de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia. (2020, 22 de abril). Direitos Humanos e populações vulnerabilizadas na pandemia de Covid-19. Conselho Federal de Psicologia. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Nota-CDHs_Covid-19_22-abril-2020_final.pdf
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).

Por sua vez, o manifesto contra a retirada de direitos durante a pandemia da covid-19 foi produzido e assinado por 20 instituições, dentre elas, o CFP. O manifesto critica as resoluções e atitudes do Governo Federal frente à pandemia da covid-19. No documento, existe a descrição de medidas adotadas que as entidades envolvidas acreditam terem sido tomadas sem embasamento ou evidências científicas (FENPB, 2020Fórum das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira. (2020, 27 de março). Manifesto FENPB. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/03/MANIFESTO-FENPB-Conjuntura_03-2020.pdf
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).

Por último, essa temática persiste na divulgação do evento “Psicologia e antirracismo: em defesa da vida”, organizado pelo CFP e destinado a todas as áreas da categoria, com o objetivo de dialogar com questões “sobre a importância da vida, democracia, ciência, SUS, da solidariedade, do meio ambiente e do respeito à Constituição Federal para a defesa dos direitos humanos, sobretudo diante do cenário de pandemia da Covid-19” (CFP, 8 jun. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 8 de junho). Marcha pela Vida: CFP realiza atividade virtual para discutir Psicologia e combate ao racismo. https://site.cfp.org.br/marcha-pela-vida-cfp-realiza-atividade-virtual-para-discutir-psicologia-e-combate-ao-racismo/
https://site.cfp.org.br/marcha-pela-vida...
).

Por sua vez, a temática de desastres, urgências e emergências recebe atenção em duas publicações: um evento de debate on-line, ao vivo, sobre a atuação da Psicologia em emergências e desastres (CFP, 7 abr. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 7 de abril). CFP realiza debate ao vivo sobre atuação da Psicologia em emergências e desastres nesta quarta-feira (8). https://site.cfp.org.br/cfp-realiza-debate-ao-vivo-sobre-atuacao-da-psicologia-em-emergencias-e-desastres-nesta-quarta-feira-8/
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), e um comunicado sobre o papel da Psicologia e as estratégias de atuação profissional em função da pandemia (CFP, 14 mar. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 14 de março). Coronavírus: Comunicado à categoria. https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-a-categoria/
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). O evento, ocorrido no dia 7 de abril de 2020, trouxe como principais preocupações questões voltadas para a gestão em momentos de crise e emergência, destacando estratégias de atuação em rede que sejam rápidas, efetivas e resolutivas (CFP, 7 abr. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 7 de abril). CFP realiza debate ao vivo sobre atuação da Psicologia em emergências e desastres nesta quarta-feira (8). https://site.cfp.org.br/cfp-realiza-debate-ao-vivo-sobre-atuacao-da-psicologia-em-emergencias-e-desastres-nesta-quarta-feira-8/
https://site.cfp.org.br/cfp-realiza-deba...
). Discutiram-se, também, aspectos do trabalho de profissionais da saúde (mais especificamente, da Psicologia) e suas condições, destacando a importância de serem seguidas as recomendações de biossegurança dos principais órgãos de saúde, bem como os sentidos e significados que esse momento de crise pode apresentar para a população.

Em consonância, o Comunicado publicado pelo CFP, no dia 14 de março de 2020 (CFP, 14 mar. 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020, 14 de março). Coronavírus: Comunicado à categoria. https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-a-categoria/
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), visa à apresentação de orientações sobre as normativas a serem seguidas pela categoria profissional, estruturas dos locais de atendimento presencial, fornecimento de serviços on-line (Resolução CFP nº 11/2018) e medidas de prevenção à contaminação propostas pela OMS.

No tema de Formação em Psicologia, encontraram-se duas notas e dois eventos. A primeira nota, publicada no dia 25 de março de 2020, com base nas Portarias nº 343 e nº 345, de 17 de março de 2020, do Ministério da Educação, traz a possibilidade de oferta de disciplinas a distância em substituição às presenciais, no contexto de pandemia, desde que a instituição de ensino tenha como garantir acesso igualitário a todos(as) os(as) estudantes. A nota destaca, ainda, a impossibilidade de substituir práticas de estágio por atividades a distância, tendo em vista o proposto na Lei do Estágio. O documento é assinado por diversas entidades voltadas ao ensino e/ou à Psicologia, bem como pelos 24 Conselhos Regionais de Psicologia.

Por sua vez, a segunda nota, do dia 30 de março de 2020, trata sobre o ensino da Avaliação Psicológica na modalidade remota durante a pandemia. Nela, são apresentadas sugestões a serem implementadas por profissionais que precisam adequar sua prática de ensino da disciplina, especialmente no que tange ao ensino de Avaliação Psicológica e de testes privativos da(o) psicóloga(o) na modalidade a distância. Destaca-se que, diante do proposto no Código de Ética Profissional, os(as) profissionais devem prezar pelo sigilo sobre os testes psicológicos. Sendo assim, ficam impossibilitadas atividades virtuais que tragam informações sobre aplicação, correção e interpretação de testes psicológicos. A nota é assinada pela Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP) do Conselho Federal de Psicologia (CFP), juntamente com o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBro) e Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento (IBNeC).

O evento, divulgado no dia 25 de junho de 2020, trata-se de seminário nacional que se propõe a debater acerca da formação e de estágios em Psicologia em meio ao contexto da covid-19 de organização do CFP juntamente à Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), chamado “Seminário Nacional Formação em Psicologia no Contexto da covid-19”, ocorrido em 14 de julho de 2020. Seu objetivo foi discutir as consequências e os desdobramentos da situação de ensino remoto na formação de Psicologia (Portaria 544, de 16 de junho de 2020, do MEC). É importante destacar que tanto o CFP quanto a ABEP foram a favor da exclusividade da experiência presencial de estágio, uma vez que consideram que os processos de ensino-aprendizagem se realizam por meio da troca de experiências, incluindo convivências e diálogos presenciais. No dia 21 de julho de 2020, foi divulgada a chamada para o encontro que encerrou o ciclo desses debates virtuais acerca da temática, podendo levar tanto à decisão de aprovar a prática de estágios não-presenciais quanto sobre a formação de estudantes de Psicologia.

Quando o assunto é educação, as desigualdades sociais aparecem com maior nitidez no contexto da pandemia. A necessidade de adaptação à modalidade de ensino a distância (EAD) trouxe inúmeras dificuldades a diversos alunos, pais e professores. Estes últimos precisaram reinventar de forma radical suas práticas de planejamento e ensino, utilizando-se de ferramentas digitais que, muitas vezes, não conheciam ou não estavam habituados. Isso lhes trouxe angústia e ansiedade. “Na pandemia, grande parte das escolas e das universidades estão fazendo o possível para garantir o uso das ferramentas digitais, mas sem terem tempo hábil para testá-las ou capacitar o corpo docente e técnico-administrativo para utilizá-las corretamente” (Dias & Pinto, 2020Dias, E., & Pinto, F. C. F. (2020). A educação e a Covid-19. Ensaio: aval. pol. publ. Edu., 28(108), 545-554., p. 546).

Com relação aos alunos, as dificuldades de acesso a aulas on-line dos menos favorecidos, especialmente os do último ano do Ensino Médio, expôs o abismo entre as classes sociais: de um lado, os que assistem de seus lares aulas do colégio e cursinho e, de outro, os que não possuem equipamentos e/ou internet para acompanhar. Nesse sentido, as pressões sociais e do Poder Legislativo culminaram no adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020. Aos universitários que necessitem, várias universidades têm oferecido, por meio de editais de seleção, equipamentos e chips de acesso de dados para que possam participar das aulas remotas.

Por último, a temática Saúde Mental e Pandemia está presente em dois documentos: um foi o encontro para debater os desafios à atuação da categoria diante do contexto de pandemia da covid-19 e outro foi o evento vinculado ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, contextualizando a data com a nova realidade decorrente da pandemia de covid-19. No que diz respeito à Saúde do Trabalhador, foi encontrado um evento sobre o debate on-line organizado pelo CFP e pela Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT), que teve como convidada a socióloga Graça Drukc. O evento em questão foi transmitido, ao vivo, pelas redes sociais das duas entidades organizadoras, no dia 1º de maio (mundialmente reconhecido como Dia do Trabalhador). Na ocasião, foram discutidos os impactos da pandemia sobre o trabalho e as mudanças que estão ocorrendo na vida dos(as) trabalhadores(as) - da Psicologia ou não. Destacou-se, ainda, como esse momento demonstra a centralidade do trabalho na vida social e individual, as desigualdades entre classes sociais - que precedem a situação de pandemia - e o papel do Estado e das políticas públicas no contexto de crise.

Considerações finais

Podemos considerar que os documentos informam sobre os dois eixos de produção de conteúdo, a Psicologia na sua relação com o Conselho e com a sociedade. Nota-se, ademais, que algumas temáticas aparecem em conexão mais contundente com determinadas áreas da Psicologia. A Psicologia Jurídica, por exemplo, apresenta, nos documentos analisados, uma ligação maior com o tema de proteção de crianças e adolescentes e da população carcerária no período pandêmico. Enquanto isso, o atendimento on-line aparece como transversal às áreas, como endereçada a toda a categoria profissional.

Outro elemento transversal, em posicionamentos do CFP, na primeira fase da pandemia de covid-19, é o aspecto da vulnerabilidade social e suas especificidades na relação com diferentes grupos sociais (crianças, adolescentes, mulheres, população carcerária, trabalhadores e pessoas em situações de urgência e emergência), bem como os impactos no campo da saúde mental. As posições e discussões viabilizadas pelo eixo “Psicologia e Sociedade” explicitam vulnerabilidades e diversidades nos modos de vivenciar os desafios agravados no período da pandemia.

Concluímos que a diversidade de públicos e temáticas, bem como áreas distintas de atuação, presentes nas publicações veiculadas pelo site do CFP, materializa um compromisso crítico da Psicologia, a partir de seus diferentes referenciais, no enfrentamento de desigualdades sociais que podem desencadear ou intensificar sofrimento psicossocial.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2020
  • Aceito
    10 Ago 2021
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