Acessibilidade / Reportar erro

Saúde Mental e Abortamento Voluntário na Audiência Pública da ADPF442/STF1 1 Esta pesquisa contou com a colaboração de estudantes de graduação, voluntárias de pesquisa do Laboratório de Estudos e Pesquisas Feministas em Saúde Mental, Cultura e Psicanálise (LabEFem-CFCH) da Universidade Federal do Acre e com uma bolsa do Edital de Seleção Propeg nº 016/2019 Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica - 2019/2020.

Mental Health and Voluntary Abortion in the Public Hearing of ADPF442/STF

Salud Mental y Aborto Voluntario en la Audiencia Pública del ADPF442/STF

Resumo

O estudo teve como objetivo identificar os argumentos da estratégia de persuasão dos discursos apresentados na audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF 442, realizada em 2018, cujo propósito era discutir sobre a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana. Para tal, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, analítico-descritiva e documental. O objeto de análise foi o registro da audiência, apresentado em vídeo, disponibilizado na plataforma digital YouTube, e em ata lavrada pelo STF, ambos de acesso público. A partir de uma análise do discurso, identificou-se os argumentos utilizados na estratégia de persuasão, que foram sistematizados em quatro categorias de argumentos para cada um dos dois grupos identificados: o grupo pró e o grupo contra a descriminalização do aborto. As três primeiras categorias, Saúde mental, Direito e Saúde pública, mesmo com diferenças na forma de apresentar o argumento, se repetem nos dois grupos. Todavia, a quarta categoria, Pressupostos, se diferenciou. No grupo pró descriminalização do aborto, apresentou-se como Pressupostos filosóficos e científicos, e no grupo contra, como Pressupostos morais. Por fim, a defesa da saúde mental das mulheres foi o principal argumento numa forma de humanizar o sofrimento vivido pelas que desejam abortar e não encontram o suporte do Estado para assegurar sua dignidade, cidadania e efetiva igualdade, garantidas constitucionalmente.

Palavras-chave:
Saúde Mental; Aborto; Descriminalização; ADPF 442

Abstract

The study aimed to identify the arguments of the persuasion strategy of the speeches presented at the public hearing on the Action Against the Violation of Constitutional Fundamental Rights -ADPF 442, held in 2018, whose purpose was to discuss the voluntary interruption of pregnancy until the 12th week. To this end, a qualitative, analytical-descriptive, and documentary research was carried out. The object of analysis was the video recording of the hearing available on the YouTube platform, and in minutes drawn up by the STF, both of which are public. Based on a discourse analysis, the arguments used in the persuasion strategy were identified, which were systematized into four categories of arguments for each of the two identified groups: the group for and the group against the decriminalization of abortion. The first three categories, Mental Health, Law and Public Health, even with differences in the way of presenting the argument, are repeated in both groups. However, the fourth category, Assumptions, differed. In the group for the decriminalization of abortion, it was presented as Philosophical and Scientific Assumptions, whereas the group against, as Moral Assumptions. Finally, the defense of women’s mental health was the main argument in a way of humanizing the suffering experienced by those who wish to have an abortion and do not find the support of the State to guarantee their dignity, citizenship, and effective equality, constitutionally guaranteed.

Keywords:
Abortion; Mental Health; Decriminalization; ADPF 442

Resumen

El estudio tuvo como objetivo identificar los argumentos de la estrategia de persuasión de los discursos presentados en la audiencia pública sobre el Argumento por Incumplimiento de un Percepto Fundamental -ADPF 442, realizada en 2018, con el objetivo de discutir la interrupción voluntaria del embarazo hasta la 12.ª semana. Para ello, se llevó a cabo una investigación cualitativa, analítico-descriptiva y documental. El objeto de análisis fue la grabación de la audiencia, que está disponible en la plataforma digital YouTube, y actas levantadas por el Supremo Tribunal Federal -STF, ambas de acceso público. A partir de un análisis del discurso se identificaron los argumentos utilizados en la estrategia de persuasión, los cuales se sistematizaron en cuatro categorías de argumentos para cada uno de los dos grupos identificados: el grupo pro y el grupo en contra de la despenalización del aborto. Las tres primeras categorías (“salud mental”, “derecho” y “salud pública”) aún con diferencias en la forma de presentar el argumento se repiten en ambos grupos. Pero difiere la cuarta categoría “supuestos”. En el grupo a favor de la despenalización del aborto se presentó como “supuestos filosóficos y científicos”, y en el grupo en contra, como “supuestos morales”. Finalmente, la defensa de la salud mental de las mujeres fue el principal argumento en un intento por humanizar el sufrimiento que viven aquellas que desean abortar y no encuentran el apoyo del Estado para garantizar su dignidad, ciudadanía e igualdad efectiva, preconizadas por la Constitución.

Palabras clave:
Aborto; Salud Mental; Despenalización; ADPF 442

Introdução

Em meio a um período de retrocessos de direitos e, até mesmo, retrocessos civilizatórios no Brasil, intensificados pela pandemia de covid-19, se faz necessário continuar apontando questões que, no contexto macro, poderiam parecer irrelevantes. Todavia, a discussão sobre saúde reprodutiva e sexual, pautada na noção de direitos humanos das mulheres, faz parte das demandas civilizatórias dos países explorados e colonizados. Não é possível pensar em nenhum projeto para o país sem destacar o contexto geopolítico e as questões relacionadas aos direitos das mulheres, que integra o rol dos temas relevantes deste processo. Nesse contexto, há necessidade de efetivar a legalização do abortamento voluntário e a ampliação dos serviços e do acesso nos casos previstos em lei, pois são questões que se intensificaram com a necessidade de isolamento social, exigido para conter a contaminação pelo novo coronavírus (Sars-cov-2), em países com legislações restritivas. A pandemia explicitou problemas graves na organização das sociedades do mundo ocidental e em seu modo de produção para a vida no planeta Terra. E é nesse contexto que pensar sobre o lugar das mulheres, das formas de produção e reprodução se faz imperioso.

No Brasil, esta situação se aprofunda como consequência da diminuição dos investimentos nas políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2016, com o estabelecimento da Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto dos Gastos, que também limita o acesso às políticas de saúde sexual e reprodutiva.

Historicamente, os direitos sexuais e reprodutivos se destacam como uma pauta fundamental dos movimentos feministas e, no Brasil, foram definidas nas conferências de políticas para as mulheres (Presidência da República, 2004Presidência da República. (2004). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres., 2008Presidência da República. (2008). II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/planonacional_politicamulheres.pdf
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pla...
, 2013Presidência da República. (2013). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Secretaria de Políticas para as Mulheres. http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/PlanoNacionaldePoliticasparaasMulheres20132015.pdf
http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/F...
).

Todavia, é importante destacar que, antes das deliberações construídas a partir das conferências, importantes políticas públicas no campo dos Direitos Sexuais e Reprodutivos já estavam sendo criadas, à exemplo da Norma Técnica para Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual pelo Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 1999Ministério da Saúde. (1999). Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: Norma Técnica.). Mesmo tendo o direito de decidir por abortar nos casos de estupro, desde a primeira metade do Século XX (Brasil, 1940Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. (1940, 7 de dezembro). Código Penal. Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
), as mulheres não o alcançavam, pois, apesar do aparato legal, não existia, até o final da década de 1990, serviços de saúde que possibilitassem este acesso. Na sequência, houve a promulgação da Lei nº 10.778/2003Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. (2007, 24 de novembro). Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Presidência da República. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10778-24-novembro-2003-497669-norma-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
, que institui a Notificação Compulsória dos Casos de Violência Contra as Mulheres atendidas nos serviços de saúde, públicos ou privados. Esta norma configura uma importante conquista, pois, dessa forma, seria possível dimensionar a violência por elas vivenciada.

Contudo, não por acaso, após as manifestações ocorridas em 2013, ou mesmo concomitante a estas, iniciou-se o retrocesso dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras, juntamente com a preparação para a derrubada de um governo democraticamente eleito e dirigido, pela primeira vez, por uma mulher.

Pode-se começar destacando o Projeto de Lei nº 5.069/2013, do então deputado Eduardo Cunha, cujo dispositivo constituía em: “veda o atendimento no SUS às vítimas de violência sexual (grifo nosso), e a revogação da Portaria do Ministério da Saúde nº 415 de 2014, cujo dispositivo referia-se a: “Inclui o procedimento interrupção da gestação/antecipação terapêutica do parto previstas em lei e todos os seus atributos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/ Próteses e Materiais Especiais do SUS”. Esta diretriz gerou uma celeuma no governo federal, já abalado com os ataques iniciados em 2013, e que também pautou a campanha eleitoral do ano de 2014, quando a presidenta e candidata à reeleição, Dilma Rousseff, foi pressionada a se colocar contrária à descriminalização do abortamento voluntário. A portaria foi apresentada como uma forma de legalização do abortamento e o Ministério da Saúde acabou por não obter o apoio necessário para mantê-la, diante da pressão da bancada evangélica do Congresso Nacional.

Esse contexto aponta uma importante questão para a Psicologia no Brasil. Além de ser uma das importantes agendas da sociedade brasileira, as políticas públicas para as mulheres, instituídas após o período de redemocratização pós ditadura militar, foram, aos poucos incorporando psicólogas e psicólogos em suas propostas de intervenção multiprofissional, mesmo que de forma incipiente (Porto, 2018Porto, M. (2018). A psicologia na política para as mulheres em situação de violência: Avanços e desafios. Edufac.), incluindo a assistência aos casos de abortamento previsto em lei (Ministério da Saúde, 2005Ministério da Saúde. (2005). Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: Norma Técnica (2a ed.)., 2010Ministério da Saúde. (2010). Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica (2a ed.). Ministério da Saúde., 2014Ministério da Saúde. (2014). Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica (2a ed.).).

Este processo se institucionalizou, no âmbito do Sistema Conselhos de Psicologia, a partir dos encaminhamentos do VII Congresso Nacional de Psicologia (CNP) (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2010Conselho Federal de Psicologia. (2010). Caderno de deliberações [Apresentação de trabalho]. VII Congresso Nacional da Psicologia: psicologia e compromisso com a promoção de direitos um projeto ético-político para a profissão, Brasília, DF, Brasil. http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2016/01/Deliberacao_VII_CNP-1.pdf
http://www.crprj.org.br/site/wp-content/...
). Neste congresso, instituiu-se o compromisso das psicólogas brasileiras com a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. Sendo assim, o CFP pautou como prioritária a discussão sobre abortamento seguro previsto em lei e a legalização do abortamento voluntário, por entender que é dever do Estado garantir o acesso das mulheres brasileiras a esses direitos. Encaminhamentos que confluíram com iniciativas como o Projeto de Lei nº 882/2015, que “Estabelece as políticas públicas no âmbito da saúde sexual e direitos reprodutivos e legaliza e regulamenta a prática do aborto seguro, reconhecendo à mulher o direito a decidir sobre seu corpo” de autoria do então Deputado Jean Wyllys, fundamentados nos Tratados Internacionais, assinados pelo Estado brasileiro (Barsted & Hermann, 2001Barsted, L. L., & Hermann, J. (Orgs.). (2001). As mulheres e os direitos humanos: Traduzindo a legislação com a perspectiva de gênero. Cepia.; Ventura et al., 2003Ventura, M., Ikawa, D., Piovesan, F., & Barsted, L. (2003). Direitos sexuais e direitos reprodutivos na perspectiva dos direitos humanos: síntese para gestores, legisladores e operadores do Direito. Advocaci.).

Neste ponto, vale destacar que a interface entre interrupção voluntária da gravidez e atendimento psicológico se faz em dois pontos principais: a demanda por serviços de psicologia nas políticas de saúde para a assistência à interrupção da gravidez e a pauta dos movimentos sociais, em especial o movimento feminista, pela descriminalização do abortamento (CFP, 2010Conselho Federal de Psicologia. (2010). Caderno de deliberações [Apresentação de trabalho]. VII Congresso Nacional da Psicologia: psicologia e compromisso com a promoção de direitos um projeto ético-político para a profissão, Brasília, DF, Brasil. http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2016/01/Deliberacao_VII_CNP-1.pdf
http://www.crprj.org.br/site/wp-content/...
).

Dessa forma, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442/2017), que tem a relatoria da ministra Rosa Weber e foi proposta pelo Partido Solidariedade e Liberdade (Psol), aparece como de interesse da Psicologia como ciência e profissão.

A ADPF 442 pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a não recepção pela Constituição dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que preveem pena de prisão de até três anos para mulheres que abortam, e de até dez anos para pessoas que provocarem abortos com o consentimento da gestante. Ou seja, solicita a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, além da permissão para que profissionais de saúde façam o procedimento sem o risco de punições.

O abortamento no Brasil

A Pesquisa Nacional de Aborto publicada por Diniz e Madeiro (2010Diniz, D., & Medeiros, M. (2010). Aborto no Brasil: Uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 959-966. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) revelou um quadro que vai de encontro a algumas expectativas difundidas no senso comum. Os abortamentos acontecem, em sua maioria, com mulheres entre os 18 e 29 anos e de menor escolaridade. Os medicamentos são a forma mais utilizada por metade dessas mulheres. Dentre as que utilizaram uma medicação, metade delas precisou de uma intervenção hospitalar. Outro resultado significativo é que há semelhança na distribuição de abortamento entre mulheres que professam diferentes religiões. Esta pesquisa foi replicada em 2016 (Diniz et al., 2017Diniz, D., Medeiros, M., & Madeiro, A. (2017). Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(2), 653-660. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) e identificou uma pequena variação na comparação com os resultados de 2010, ou seja, quase uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já havia realizado, pelo menos, um abortamento. Com relação às características desse grupo de mulheres, não foi identificada diferenças significativas em seus resultados, em outras palavras, o abortamento induzido é um fenômeno frequente na vida de mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, religiosos e níveis educacionais.

Abortamento e saúde mental das mulheres

Um dos argumentos que merece destaque no contexto das discussões sobre o abortamento voluntário refere-se ao impacto na saúde mental das mulheres. Os defensores da criminalização mencionam que aumentam as chances das mulheres virem a sofrer de certos transtornos mentais. Isso se deve, principalmente, a uma pesquisa realizada por Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
), nos Estados Unidos. Todavia, este estudo foi fortemente criticado do ponto de vista metodológico, questionando assim sua fidedignidade.

O objetivo de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
) foi medir a associação entre abortamento e indicadores de transtorno mental. Pretendeu, assim, demonstrar que há uma relação entre abortamentos passados e transtornos mentais existentes no momento da coleta de dados, concluindo que, na maioria dos casos, o abortamento precedeu o diagnóstico do transtorno mental, e, dessa forma, haveria uma relação causal entre o abortamento e subsequente transtorno.

A autora fez uma revisão integrativa da literatura para analisar as pesquisas publicadas entre 1995 e 2009, a partir de meta-análises de associações entre abortamento induzido e transtornos mentais, tais como depressão, ansiedade, uso de substâncias psicoativas e comportamento suicida. Comparou, então, três subgrupos: sem tentativa de abortamento, gravidez a termo não intencional, gravidez a termo.

Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
) concluiu que as mulheres que sofreram um aborto tiveram um aumento de 81% no risco de problemas de saúde mental. Para ela, quase 10% da incidência de problemas de saúde mental se mostraram atribuíveis ao abortamento. As estimativas mais fortes do aumento do risco, ocorreram quando o abortamento foi comparado com a gravidez a termo e quando os resultados se referiam ao uso de substâncias psicoativas e comportamento suicida; fazendo a autora concluir que há um risco variável, de moderado a alto, na prevalência de transtornos mentais após uma interrupção da gravidez.

Steinberg et al. (2011Steinberg, J. R., Becker, D., & Henderson, J. T. (2011). Does the out come of a first pregnancy predict depression, suicidal ideation, or lower self-esteem? Data from the National Comorbidity Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 81(2), 193-201.) replicaram o estudo de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
) e não obtiveram os mesmos resultados. Concluíram, dessa forma, que não é possível depreender que o abortamento prejudicaria as mulheres a partir do material analisado por Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
). As autoras afirmam que Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
) mistura diagnósticos de transtornos mentais preexistentes à gravidez indesejada e à interrupção da gestação, utilizando uma categoria de diagnóstico “ao longo da vida” para classificar transtornos mentais e esta opção traz um viés para o estudo, ou seja, estabelece uma significativa falha no método. Steinberg et al. (2011Steinberg, J. R., Becker, D., & Henderson, J. T. (2011). Does the out come of a first pregnancy predict depression, suicidal ideation, or lower self-esteem? Data from the National Comorbidity Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 81(2), 193-201.) afirmam que não é possível qualquer correlação segura entre o transtorno apresentado posteriormente e o abortamento em si. Sendo assim, quando este erro é corrigido a partir da utilização do critério transtornos mentais subsequentes à gravidez, o resultado encontrado por Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
) não é demonstrado.

Para Steinberg e Finer (2012Steinberg, J. R., & Finer, L. B. (2012). Coleman, Coyle, Shuping, and Rue make false statements and draw erroneous conclusions in analyses of abortion and mental health using the National Comorbidity Survey. Journal of Psychiatric Research, 46(3), 407-411. https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01.019
https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01...
), a falha principal do estudo é a seleção da amostra, pois, dentre as mulheres que se tornaram mães, não incluíram aquelas que não desejavam essa experiência. Ou seja, a comparação precisaria ser feita entre mulheres que interromperam a gravidez e aquelas que não a interromperam, mas que também não desejavam ser mães. No estudo analisado, a comparação se deu entre mulheres que interromperam a gravidez e mulheres que deram prosseguimento à gestação. Assim, foi revelado mais um grave erro metodológico. Os autores apontam que ser mãe sem desejar sê-lo, pode ser um fator de risco para a saúde mental das mulheres, aumentando a probabilidade de uma depressão pós-parto (Steinberg & Henderson, 2011Steinberg, J. R., Becker, D., & Henderson, J. T. (2011). Does the out come of a first pregnancy predict depression, suicidal ideation, or lower self-esteem? Data from the National Comorbidity Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 81(2), 193-201.; Steinberg & Finer, 2012Steinberg, J. R., & Finer, L. B. (2012). Coleman, Coyle, Shuping, and Rue make false statements and draw erroneous conclusions in analyses of abortion and mental health using the National Comorbidity Survey. Journal of Psychiatric Research, 46(3), 407-411. https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01.019
https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01...
).

Domingues et al. (2020Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
https://doi.org/10.1590/0102-311X0019041...
) também refutaram os achados de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
), quando destacam, na revisão sistemática da produção científica publicada entre 2008 e 2018, que estudos sobre interrupção voluntária da gestação e aborto induzido em consequência de gestações não desejadas, nos Estados Unidos, não evidenciaram associação com sintomas depressivos (Gomes, 2018Gomes, A. M. (2018). Abortion and subsequent depressive symptoms: an analysis of the National Longitudinal Study of Adolescent Health. Psychological Medicine, 48(2), 294-304.) e, na Suécia, não evidenciaram associação com estresse pós-traumático (Wallin et al., 2013Wallin Lundell, I., Georgsson Öhman, S., Frans, Ö., Helström, L., Högberg, U., Nyberg, S., & Skoo, S. A. (2013). Posttraumatic stress among women after induced abortion: a wedish multi-centre cohort study. BMC Women’s Health, 13(1), 1-9.). Ou seja, dois estudos prospectivos recentes reforçam os questionamentos sobre os achados de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
), assim como os estudos de Foster (2021Foster, D. G. (2021). The Turnaway Study: Ten years, a thousand women, and the consequences of having: Or being denied: An abortion. https://www.ansirh.org/research/ongoing/turnaway-study
https://www.ansirh.org/research/ongoing/...
), Steinberg (2020Steinberg, J. R. (2020). Decision rightness and relief predominate over the years following an abortion. Social Science & Medicine, 248, 112782. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.112782
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020...
) e Rocca et al. (2020Rocca, C. H., Samari, G., Foster, D. G., Gould, H., & Kimport, K. (2020). Emotions and decision rightness over five years following an abortion: An examination of decision difficulty and abortion stigma. Social Science & Medicine, 248, Artigo 112704. https://doi:10.1016/j.socscimed.2019.112704
https://doi:10.1016/j.socscimed.2019.112...
) que afirmam: mulheres que abortam não são mais propensas à depressão, ansiedade ou ideação suicida do que aquelas a quem foi negado o direito ao procedimento, e que a sensação de alívio foi a mais frequente no relato das mulheres.

No Brasil, há o estudo de Benute et al. (2009Benute, G. R., Nomura, R. M., Pereira, P. P., Lucia, M. C., & Zugaib, M. (2009). Abortamento espontâneo e provocado: Ansiedade, depressão e culpa. Revista da Associação Médica Brasileira, 55, 322-327.), que apresenta média significativamente mais elevada de depressão e ansiedade entre mulheres com aborto inseguro, quando comparadas àquelas com aborto espontâneo. Todavia, Domingues et al. (2020Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
https://doi.org/10.1590/0102-311X0019041...
) destacam que este é um estudo com “com muitas limitações metodológicas” (p. 31).

Apontando uma tendência contrária aos resultados de Benute et al. (2009Benute, G. R., Nomura, R. M., Pereira, P. P., Lucia, M. C., & Zugaib, M. (2009). Abortamento espontâneo e provocado: Ansiedade, depressão e culpa. Revista da Associação Médica Brasileira, 55, 322-327.), há três estudos a serem destacados. Dois estudos que utilizaram método quantitativo: um que entrevistou 1.121 mulheres de uma cidade do nordeste brasileiro e identificou que tentar um aborto sem sucesso estava associado a transtorno mentais comuns (Ludermir et al., 2010Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
https://doi.org/10.1017/S003329170999184...
), e o que entrevistou 1.133 mulheres e identificou, entre outros achados, uma associação entre tentativa de aborto e depressão pós-parto (Ludermir et al., 2011Ludermir, A. B., Araya, R., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2011) Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. British Journal of Psychiatry, 198, 237-8.). Por fim, um estudo qualitativo, de estudo de caso, que observou efeitos de proteção à saúde mental de mulheres quando da realização com sucesso e segurança de um abortamento voluntário (Zanello & Porto, 2019Zanello, V., & Porto, M. (2019). Interrupção da gravidez e alívio: sobre o que não se fala das experiências emocionais das mulheres face à maternidade. In P. R. B. Gonzaga, L. Gonçalves & C. Mayorga (Orgs.), Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto (pp. 107-121). CRP04.).

O abortamento no Brasil e o Supremo Tribunal Federal - STF

A ADPF é uma ação cujo objetivo é combater o desrespeito aos conteúdos fundantes da Constituição, identificados em atos normativos ou não normativos, quando não houver outro meio capaz de corrigir a falha (Pinho, 2005Pinho, J. S. (2005). Temas de Direito Constitucional e o Supremo Tribunal Federal. Atlas.).

Na ADPF 442 o Psol pede que o STF declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Constituição da República, pois entende que estes dispositivos, que criminalizam o abortamento voluntário, violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal. Defende que os dois dispositivos do Código Penal, acima citados, aviltam postulados fundamentais garantidos na Constituição com destaque para: dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos. O objetivo principal da iniciativa é que o STF exclua do âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento” (ADFP 442, 2017Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442. (2017). Supremo Tribunal Federal. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AudnciaPblicaADPF442.pdf
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notic...
, p. 8).

Em agosto de 2018 a relatora da ADPD 442, a ministra Rosa Weber, realizou uma audiência pública para a oitiva de especialistas. Na oportunidade, a ministra destaca que caberá ao Supremo Tribunal Federal o exame e julgamento do pedido, do ponto de vista exclusivamente jurídico, e que o STF se disponibilizará para, a partir dos entendimentos expostos na oitiva, deliberar considerando o que foi evidenciado.

Nesse contexto, o objetivo do estudo foi identificar os argumentos apresentados pelos participantes desta audiência pública, na estratégia de persuasão utilizada para o convencimento do STF.

Método

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, analítico-descritiva e documental. O objeto de análise foi a audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, registrada em vídeo, de acesso público na plataforma digital YouTube, cujo tempo total é de 18 horas 44 minutos e 18 segundos, e em ata, disponibilizada pelo próprio STF, que registrou a transcrição literal das falas das discursantes, também de acesso público.

A análise foi feita a partir do texto escrito, que, inicialmente, foi conferido com a gravação em vídeo, de forma a observar possíveis lacunas ou distorções no texto de registro da audiência institucional transcrito, quando comparados ao registro audiovisual. Tinha-se como objetivo deixar o texto escrito fiel ao discurso proferido, e observar outras características dos expositores e expositoras. Houve, ainda, uma pesquisa na rede mundial de computadores, para conferir os currículos e vinculações institucionais que foram anunciados no momento da apresentação. A partir desse material, foram confeccionadas algumas tabelas, considerando a definição de algumas categorias de análise, para caracterizar os argumentos utilizados em seus discursos.

A partir do método da Análise do Discurso, procurou-se identificar o tipo de argumento escolhido para o convencimento do STF da posição defendida. Isso porque, considerando que este procedimento tem a preocupação com o discurso em si mesmo, entendendo a linguagem como construtiva e construída (Pêcheux, 2002Pêcheux, M. (2002). O Discurso: estrutura ou acontecimento (3a ed.). Pontes.), objetivou-se entendê-lo como uma forma de ação para o convencimento do Poder Judiciário de forma a influir na decisão que será proferida pelo STF a partir da ADPF 442. Sendo assim, o foco foi a organização retórica do discurso.

Foi realizada uma leitura cuidadosa, executada por, pelo menos, três juízes, caminhando entre texto e contexto para examinar o conteúdo, a organização e as funções do discurso, entendendo que um discurso não ocorre em um vácuo social e, sendo assim, é circunstancial (Gill, 2008Gill, R. (2008). Análise do discurso. In M. Bauer & G. Gaskell, Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (7a ed., pp. 244-270). Vozes.). No caso dessa pesquisa específica, que tem como objetivo identificar como o discurso se organizou, a fim de se tornar persuasivo, foi possível perceber uma versão, que será apresentada, sem desconsiderar que outras versões são possíveis.

Foram realizadas notas analíticas enquanto se realiza a transcrição a partir de uma leitura cética, enfocando a construção, organização e funções do discurso, destacando as nuances, contradições e as áreas de imprecisão. Dessa forma, procurou-se por um padrão de dados, tanto da variabilidade, quanto da consistência. Todavia, a preocupação principal foi identificar a função do discurso, a criação de hipóteses e o teste destas em frente ao dado. Quando diante da mesma referência, o objetivo de convencimento alternava entre a defesa da descriminalização, nomeados como “Pró”, e a manutenção da criminalização, apresentados como “Contra”.

Por fim, destacamos que foi necessário questionar nossos próprios pressupostos e a maneira que damos sentidos às coisas, de forma a descrever como o discurso está organizado para se tornar persuasivo.

Resultados e discussão

Após a análise das transcrições, foi identificado que 68,33% dos discursantes fizeram a defesa da interrupção voluntária da gravidez até as 12ª primeiras semanas (41). Assim, estes enquadram-se no Grupo Pró descriminalização. De forma divergente, 30% manifestaram-se contrários à interrupção (18), e ficaram reunidos no Grupo Contra a descriminalização. Uma discursante foi categorizada como neutra, ou seja, não se posicionou nem a favor e nem contra a descriminalização do abortamento voluntário. Todavia, descreveu a situação da saúde sexual e reprodutiva no Brasil a partir de levantamentos do Ministério da Saúde. Como não fez uma defesa da descriminalização, e nem foi contrária, ou seja, não defendeu uma posição, questão central da ADPF 442, seu argumento não foi considerado para os resultados abaixo apresentados. Dessa forma, identificamos a seguinte distribuição dos argumentos apresentados na audiência pública, sistematizados em quatro categorias de análise (Quadro 1):

Quadro 1
Distribuição da frequência dos argumentos apresentados para persuadir o STF pelos grupos pró e contra a descriminalização do abortamento voluntário em ordem decrescente.

No Quadro 1, é possível observar que os argumentos se repetem nos dois grupos, ou seja, há defesa da saúde mental, dos direitos, da saúde pública e de pressupostos que justificam, em tese, as razões apresentadas. Esses argumentos foram utilizados pelos dois grupos, entretanto, com focos e perspectivas diferentes e até mesmo contrárias. O Grupo Pró descriminalização se concentrou na defesa da saúde mental das mulheres, enquanto o Grupo Contra, nos direitos do feto. A saúde como direito também foi um ponto alegado pelo Grupo Pró, contudo, os argumentos da saúde mental, mesmo sendo um direito a ser defendido, foram detalhadamente justificados com mais frequência, considerando, entre outros, as consequências, danos e sequelas para a saúde mental das mulheres no contexto da criminalização do abortamento voluntário. Pode-se supor que esse argumento se destacou porque há um conjunto considerável de estudos que observam a associação entre abortamento e saúde mental, já no final do século XX (Adler et al., 1990Adler, N. E., David, H. P., Major, B. N., Roth, S. H., Russo, N. F., & Wyatt, G. E. (1990). Psychological responses after abortion. Science, 248(4951), 41-44.; Blumenthal, 1991Blumenthal, S. J. (1991). Psychiatric consequences of abortion: Overview of research findings. Psychiatric aspects of abortion, 17-37.; Shusterman, 1979Shusterman, L. R. (1979). Predicting the psychological consequences of abortion. Social Science & Medicine: Part A: Medical Psychology & Medical Sociology, 13, 683-689.), que convergem para os mesmos resultados de estudos da primeira década do século XXI (Ludermir et al., 2010Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
https://doi.org/10.1017/S003329170999184...
, 2011Ludermir, A. B., Araya, R., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2011) Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. British Journal of Psychiatry, 198, 237-8.).

É importante destacar que os argumentos de defesa dos direitos, englobando os direitos à saúde e contido nestes a saúde mental, se articulavam. Contudo, a categoria Saúde Mental foi distinguida quando este direito específico, ou uma consequência específica deste campo, eram destacadas pelas discursantes e na categoria Diretos ou Saúde Pública quando, mesmo que a saúde mental fosse incluída, houvesse o destaque da saúde física, sexual e reprodutiva e/ou pública de uma forma geral. A distribuição entre Diretos e Saúde Pública dependia do destaque dado pela discursante, fundamentado, a partir do direito ou da saúde pública, geralmente em suas consequências para a vida das pessoas.

Como se observa no Quadro 2.

Quadro 2
Frequência dos argumentos nos grupos pró e contra por categoria temática.

Saúde mental

Nesta categoria, destacou-se a defesa que a criminalização do aborto causa danos à saúde mental da mulher Essa perspectiva dos efeitos tinha foco na situação de consequências como o sofrimento psíquico, porque as mulheres se veem obrigadas a recorrer a um procedimento considerado crime, e seria essa experiência que levaria ao sofrimento psíquico, e não o procedimento em si. Convergindo com os achados de estudos no Brasil (Ludermir et al., 2010Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
https://doi.org/10.1017/S003329170999184...
, 2011Ludermir, A. B., Araya, R., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2011) Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. British Journal of Psychiatry, 198, 237-8.), os quais observaram que, quando uma mulher chega a se submeter a este nível de risco, é porque não haveria dúvidas sobre a decisão pela interrupção da gravidez. Uma outra perspectiva utilizada foi que a criminalização do abortamento perpetua preconceitos e violências contra a mulher. Assim, esta criminalização acarretaria em sofrimento psíquico, por conservar um imaginário com o qual a mulher não quer ser identificada, uma situação vivida como violência, uma condição de criminalidade, realizar um ato considerado crime e julgado de forma moral.

O estudo de Domingues et al. (2020Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
https://doi.org/10.1590/0102-311X0019041...
) parece confirmar essa tendência, pois identificou que “desfechos negativos em saúde mental foram verificados entre mulheres com tentativas malsucedidas de interrupção da gravidez, mesmo após ajuste para transtornos mentais prévios” (p. 34). Ou seja, manter a gravidez indesejada foi o que trouxe problemas de saúde mental para as mulheres.

Na sequência, observa-se o argumento de que garantir direitos fundamentais é promover saúde mental, ou seja, há a necessidade de conservar os direitos fundamentais das mulheres, de forma a proteger a integridade física e psíquica. Nesse contexto, é apresentado como direito fundamental de uma mulher decidir manter ou não uma gestação, quando, por qualquer motivo de índole pessoal ou da sua saúde psicológica, entenda que não tem condições de seguir adiante. Também foi destacado que o abortamento realizado em condições adequadas e por desejo da mulher é ação promotora de saúde mental, pois diminui as possibilidades de impactos negativos à sua saúde mental. Este argumento encontra embasamento no estudo de Major et al. (2000Major, B, Cozzarelli, C, Cooper, ML, Zubek, J, Richards, C, Wilhite, M, & Gramzow, R. H. (2000). Psychological responses of women after firsttrimester abortion. Archives of General Psychiatry, 57(8), 777-784.), o qual identificou que quando não se deseja a gestação e se consegue acessar o abortamento, na maioria dos casos, as mulheres não apresentam sofrimento psíquico, ou mesmo se arrependem de ter optado pelo procedimento. O resultado deste estudo foi obtido a partir de entrevistas realizadas dois anos após o abortamento. As mulheres que apresentavam sofrimento psíquico, nesse mesmo tempo, eram, geralmente, as que tinham história prévia de depressão.

A premissa utilizada na audiência, de que manter uma gestação indesejada é uma forma de violência, salientou que a gestação indesejada ou forçada é encarada como um tipo de violência para muitas mulheres, pois apresenta consequências de vários tipos e, dentre estas causas, danos psicológicos.

O pressuposto defendido destacava o contexto do abortamento; por ser uma prática ilegal, acarreta a submissão a uma situação insegura, com riscos diversos, seja à saúde ou de ser interpelada pelo poder Judiciário. Sendo assim, a descriminalização do abortamento promoveria benefícios à saúde mental das mulheres, pois eliminaria o estresse vivido nesse contexto. Este argumento foi reforçado a partir do relato da experiência de outros países, de forma a evidenciar os efeitos positivos à saúde mental das mulheres, em discursos que foram apresentados por estrangeiras.

A experiência em determinados países que vivenciaram o processo de descriminalização do abortamento e puderam comparar informações dos dois momentos, identificaram este benefício, e esta realidade foi usada como argumento para ser considerado no debate realizado na audiência. Essa possibilidade de levar em conta as experiências em outros países demonstra que o movimento em defesa da descriminalização do abortamento voluntário no Brasil faz parte de um movimento que vem se espalhando pela América Latina, com destaque para o processo ocorrido na Argentina (Netto et al., 2021Netto, L. L., Ebersol, I., & Clasen, J. R. (2021). O que move a luta? A maré verde Argentina e a resistência das mulheres do/no Sul Global. Conjuntura Austral, 12(60), 136-147.).

Houve também um destaque sobre a recusa dos serviços de abortamento legal como ações de impacto sobre a saúde mental das mulheres, expressa nos obstáculos que estes serviços vêm oferecendo ao acesso das mulheres a um direito já garantido. A falta de alcance ao abortamento para aquelas que têm o direito, ou seja, tratando-se de uma ação legal, intensifica o impacto, sendo promotora de graves danos físicos e psíquicos na saúde das mulheres. Estas, por medo do julgamento desses serviços, acabam procurando formas ilegais e inseguras de realizar o aborto, o que pode resultar em danos psicológicos gerados pela culpa, vergonha, aflição e julgamento social. Esse medo se justifica, pois, como foi identificado por Madeiro e Diniz (2016Madeiro, A. P., & Diniz, D. (2016). Serviços de aborto legal no Brasil: um estudo nacional. Ciência & Saúde Coletiva, 21, 563-572.), há uma descrença da palavra das mulheres, por parte das equipes desses serviços, uma expectativa que elas não estão falando a verdade. Aqui, pode-se considerar que se intensifica o sofrimento psíquico, pois, além das consequências já citadas, nesses casos, seria acrescida a experiência da violência institucional.

Um outro tipo de argumento observado nesta categoria se refere aos processos psicológicos da reprodução, numa forma de ressaltar que há um investimento emocional na vivência de mulheres grávidas no processo de tomada de decisões sobre abortamento. Estas deveriam ser acolhidas psicologicamente, ou seja, necessitam obter suporte psicológico após o abortamento, de modo a evitar sequelas emocionais graves. Além disso, destaca-se, ainda, a defesa de que esse suporte psicológico deveria ser oferecido desde a descoberta da gravidez indesejada, de modo que a mulher possa tomar sua decisão de maneira segura e saudável. Neste ponto, foi considerado que há o sentimento de culpa no processo de maternagem, como discutido por Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.), quando descreve os impactos do dispositivo materno na saúde mental de mulheres. Ou seja, a expectativa pelo hétero-centramento é o que impõe às mulheres abrir mão de seus desejos e projetos para cuidar de outros e, quando não conseguem corresponder a esta expectativa, sentem-se extremamente culpadas. Nesse contexto, a psicologia poderia auxiliar nas discussões sobre a descriminalização do aborto, sendo uma forma de cuidado materno e proteção às mulheres.

Por fim, o Grupo Pró Descriminalização trouxe o impacto da religião, considerando que tradições religiosas diferentes apresentam concepções distintas sobre abortamento e sobre a saúde mental das mulheres na vivência do abortamento voluntário. Discursos que chegaram a surpreender por serem proferidos por pessoas assumidamente religiosas, uma defesa que utilizou explicitamente o conhecimento religioso. Nesse sentido, o argumento se colocou de duas formas diferentes: uma religiosa, denunciando que as tradições religiosas buscam controlar as mulheres, e que seus corpos seriam controlados a partir da culpabilização de sua condição de mulher, o que traria sofrimento psíquico para estas. E um religioso que afirmou ser o abortamento, na prática judaica, um ato permitido. Talvez um dos discursos mais inesperados tenha sido este, o de um rabino, devidamente paramentado, que defende o abortamento quando a gestação apresenta riscos à saúde mental da mulher.

Esse resultado nos mostra que o fator religião precisa ser melhor entendido, pois aparenta não possuir, necessariamente, uma relação linear entre professar uma fé e ser contra o abortamento. Nesse sentido, além do que foi registrado nesta audiência pública, há estudos como o de Menezes e Aquino (2009Menezes, G. M. S., & Aquino, E. M. L. (2009). Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva [Suplemento 2]. Cadernos de Saúde Pública, 25, 193-204.), que demonstrou que mulheres, independente da religião, aderem a esta prática, e o de Madeiro e Diniz (2016Madeiro, A. P., & Diniz, D. (2016). Serviços de aborto legal no Brasil: um estudo nacional. Ciência & Saúde Coletiva, 21, 563-572.), que verificou, nos serviços de aborto legal, que 73% das mulheres atendidas declaram ter religião.

O Grupo Contra a Descriminalização do Abortamento também se utiliza do argumento de defesa da saúde mental das mulheres, com menos destaque que o Grupo Pró. Todavia, o fazem de forma diferente, pois, para eles, a prática do abortamento é a causadora do sofrimento psíquico, ou seja, o ato do abortamento acarretaria consequências para a saúde mental da mulher e geraria um sofrimento psíquico a elas, mesmo que seja oferecida assistência psicológica. Dessa forma, o abortamento, por si só, seria um risco à saúde mental da mulher, pois poderia resultar no desenvolvimento de psicopatologias e seria um tipo de transtorno mental sem possibilidade de recuperação. Este argumento, é possível supor, encontrou embasamento no estudo de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
), pois, apesar dos questionamentos apontados em seu viés metodológico, ainda é utilizado para dar sustentação ‘científica’ àqueles que defendem a criminalização do abortamento voluntário como ação de defesa da saúde mental das mulheres. Em contrapartida, os estudos mais robustos, do ponto de vista do método, demostram que mulheres cujo aborto foi negado apresentaram níveis de ansiedade mais elevados no início do acompanhamento, em detrimento àquelas que o realizaram (Horvath & Schreiber, 2017Horvath, S., & Schreiber, C. A. (2017). Unintended pregnancy, induced abortion, and mental health. Current Psychiatry Reports, 19(11), 1-6.). Esse estudo se destaca, pois as autoras tiveram o cuidado de realizar uma pesquisa metodologicamente adequada: um estudo prospectivo, com 956 mulheres que demandaram a realização de um abortamento, realizando, ainda, um acompanhamento dos resultados de sua saúde mental por um período de cinco anos. O ponto mais importante neste estudo foi a escolha do grupo controle, composto por mulheres que tiveram o aborto negado com base nos limites de idade gestacional. Dessa forma, foi possível contornar a principal falha metodológica que havia sido questionada no estudo de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
).

O fundamento do Grupo Contra a descriminalização do abortamento estava baseado na compreensão que, ainda que a mulher tenha acompanhamento médico e psicológico, o aborto poderá ter consequências irremediáveis a sua saúde mental. Por outro lado, houve a defesa de que a intervenção psicológica deve ter como objetivo evitar o abortamento, oferecendo-se cuidados psicológicos às gestantes, para que elas não abortem, evitando-se, assim, o sofrimento mental. Esta hipótese passa a não se sustentar quando os estudos, com destaque para as revisões de pesquisas empíricas, constatam que o aborto legal voluntário, ocorrido, em especial, no primeiro trimestre da gravidez, não representa um risco considerável à saúde mental das mulheres (Major et al., 2000Major, B, Cozzarelli, C, Cooper, ML, Zubek, J, Richards, C, Wilhite, M, & Gramzow, R. H. (2000). Psychological responses of women after firsttrimester abortion. Archives of General Psychiatry, 57(8), 777-784.).

Por fim, o Grupo Contra a Descriminalização revela uma compreensão da intervenção psicológica como instrumento para a prevenção do abortamento, e não como oferecimento de cuidados a uma pessoa que sofre, neste caso, uma mulher, vivenciando uma gestação indesejada. Não considera uma evidência, observada há pelo menos três décadas, de que a interrupção de uma gestação não desejada é em si mesma “terapêutica” (Zolese & Blacker, 1992Zolese, G., & Blacker, C. (1992). As Complicações Psicológicas do Aborto Terapêutico. British Journal of Psychiatry, 160(6), 742-749. https://doi:10.1192/bjp.160.6.742
https://doi:10.1192/bjp.160.6.742...
), e a manutenção da gestação está associada a sofrimento psíquico (Ludermir et al., 2010Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
https://doi.org/10.1017/S003329170999184...
).

No contexto brasileiro, de ilegalidade do aborto, em que mulheres na clandestinidade estão sujeitas a métodos inseguros, é esperado que uma gestação não desejada represente um estresse psicológico e emocional ainda maior, agravado pelo estigma do aborto nos serviços de saúde (Domingues et al., 2020Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
https://doi.org/10.1590/0102-311X0019041...
, p. 34).

Direitos

Nesta categoria, também ficou evidente a diferença no uso dos argumentos dos direitos, inclusive quando se utilizava da mesma lei, como, por exemplo, a Constituição Federal de 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
. O Grupo Pró Descriminalização argumentou pela defesa dos direitos das mulheres, e o Grupo Contra, pelo direito do feto. O Grupo Pró aponta os problemas da criminalização e a necessidade da descriminalização. A criminalização foi destacada a partir do entendimento da ameaça de punição do Estado, mas ficando enfatizado de que esta não impede o abortamento, apenas o coloca em uma condição de prática de risco que tem como consequências a insegurança e a morte, aumentando a vulnerabilidade das mulheres. Já a descriminalização foi apontada como a garantia do direito à vida e à saúde das mulheres. A defesa favorável à prática utilizou tanto o argumento das consequências dos riscos quando considerada crime, quanto pela necessidade de acessar uma nova condição que só será possível com a descriminalização. Neste conjunto de argumentos, o abortamento voluntário deve ser uma decisão da mulher, por ser um direito humano desta, que precisaria ser acessado dentro de uma concepção de direitos sexuais e reprodutivos, tendo o Estado o papel de garantir o acesso a este direito, e não de o proibir.

O Grupo Contra a Descriminalização fez a defesa dos direitos do feto, considerando-o como sujeito de direito do ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, utilizaram como argumento que o feto tem direito à vida a partir da concepção e, sendo assim, a proteção à vida do feto seria necessária. Argumentam, ainda, que esta proteção ao feto é constitucional, quando consideram a vida humana como iniciada na concepção e, dessa forma, o feto teria direito à vida. Também, para defender esta afirmação, utilizam de argumentos como: não há aborto seguro para o feto, a dignidade do feto está vinculada a seu direito à vida e, por fim, que o aborto éo assassinato do feto. A partir desse pressuposto, outro argumento destacado é que a descriminalização do aborto seria inconstitucional, aumentaria a prática do abortamento e, ainda, retiraria o direito de “escolha” e “autonomia” das mulheres, como o direito de constituir família. Por fim, ainda se fez referência à hipótese de que a legalização poderia fazer homens obrigarem mulheres a abortarem. Esses são argumentos comuns das pessoas com argumentos conservadores, que integram grupos que se denominam Pró-vida. Em outras palavras, “utilizam argumentos relacionais, ou seja, apenas tangenciais ao tema”, assuntos contíguos, com foco em questões religiosas ou morais, sem apresentar argumentos estruturais, que são aqueles que reportam a aspectos jurídicos e legais da questão, e “acionam em maior número a estratégia ético-moral” (Rizzotto et al., 2021Rizzotto, C. C., Belin, L. L., Hoshino, C., Marioto, D. J. F., & Liebel, V. (2021). Pró-escolha x pró-vida: Análise sistêmica das estratégias comunicacionais nas discussões on-line e presenciais sobre a descriminalização do aborto. Contemporânea: Revista de Comunicação e Cultura, 19(2), 6-35., p. 31), ou mesmo de desonestidade intelectual, quando relacionam a descriminalização à obrigatoriedade da realização de abortamentos, como uma forma de amedrontar a sociedade. É importante destacar que se percebe a presença de um esforço para disfarçar os argumentos relacionais, de forma a que pareçam premissas embasadas na ciência ou no direito, quando o enunciador do discurso, apoiado na sua formação acadêmica, por exemplo, anunciava um argumento distante das evidências científicas:

sou Doutora em Direito Penal e docente em Direito Penal, professora de Direito Penal também da Universidade . . . importante que fique claro: A discussão que estamos tendo aqui não é uma discussão religiosa. Porque, em regra, o discurso religioso, que gira em torno do aborto, vai até no sentido de que existe uma absoluta igualdade entre a vida ultrauterina [sic] e a vida extrauterina. . . . É disso que estamos falando. É do direito que o indivíduo tem a nascer.

Saúde pública

Para o Grupo Pró, a descriminalização do abortamento é uma necessidade, tendo em vista o impacto que o aborto inseguro tem na saúde das mulheres e, consequentemente, no sistema de saúde. Nesse sentido, este grupo defende que uma das responsabilidades da saúde pública é o cuidado da saúde sexual e reprodutiva. Cuidado este que é assegurado pelo entendimento de que se faz necessário garantir os direitos sexuais e reprodutivos, que são reivindicados há algumas décadas no Brasil (Corrêa & Petchesky, 1996Corrêa, S., & Petchesky, R. (1996). Direitos sexuais e reprodutivos: Uma perspectiva feminista. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 6, 147-177.), pois integram o rol dos direitos humanos das mulheres.

É importante salientar que, no Grupo Pró, trata-se de um argumento que poderia ser entendido como contido no anterior, a defesa dos direitos, mas que, todavia, merece ser destacado separadamente. A saúde foi apresentada como um direito que precisa ser garantido, entretanto, os argumentos intrínsecos à saúde deram o tom da especialidade no debate, ou seja, uma seara que os juristas não dominam. Os argumentos se fundamentavam no cuidado, na saúde sexual e reprodutiva, mas com destaque para os aspectos referentes à saúde pública - com alegações que também incluíam aspectos demográficos e genéticos, além dos epidemiológicos. Explicitavam que o Estado é responsável pela garantia de direito das mulheres em relação a abortos seguros, o acesso pleno à saúde pública, uma forma de interpretar os direitos acessados pelas mulheres a partir da Constituição de 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
.

Houve o destaque, ainda, para o fato de que os abortamentos inseguros causam mortes evitáveis, ocasionando um custo significativo ao Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) aparece como o ente que encontra dificuldades na garantia de direito à saúde das mulheres. A atenção à saúde das mulheres precisaria incorporar a intervenção do abortamento no rol dos cuidados às mulheres, como um procedimento médico seguro, para que a proteção às mulheres se efetive em casos como, por exemplo, gravidez de risco.

Foram apresentadas as técnicas do procedimento que oferece segurança para garantir a vida e a saúde das mulheres, diminuindo riscos, os limites dos contraceptivos e a necessidade de registros e notificações que possibilitem planejar políticas de saúde. Sobre os contraceptivos, foi salientado que a contracepção é parte integrante de uma política de saúde sexual e reprodutiva, que necessita inserir o abortamento seguro e legal. Esta defesa se apoiou na concepção, considerada uma questão histórica, que métodos contraceptivos são falhos, sendo sua eficácia não garantida em 100%. Assim, uma política de cuidados à reprodução precisaria considerar a decisão pelo abortamento nos serviços de saúde. Sobre os registros, um dos argumentos proferidos destacava que a produção de dados estatísticos é fundamental para revelar informações importantes não somente sobre o perfil de mulheres que abortam, mas também sobre gravidez não planejada/ desejada, além de poder resolver o problema da subnotificação de mortes maternas.

Neste contexto da saúde pública, o Grupo Contra a Descriminalização argumentou em um sentido contrário, ou seja, apontava que a descriminalização traria problemas para a saúde pública, como aumento da mortalidade materna e superlotação de maternidades. Entendiam que a qualificação na atenção à saúde da mulher evitaria o aborto, bem como que existiam dados incorretos a respeito de morte por abortos, e que métodos contraceptivos são similares aos abortivos. Nesse sentido, suas ideias iam de encontro aos protocolos instituídos pelo SUS (Ministério da Saúde, 2013Ministério da Saúde. (2013). Saúde sexual e saúde reprodutiva.).

Pressupostos

Essa categoria de análise aproximou os argumentos que não tiveram a especificidade que pudessem ser classificadas nas anteriormente apresentadas. O Grupo Pró Descriminalização apresentou como pressupostos de seus argumentos o conhecimento filosófico ou/e científico. Nesse sentido, expressaram-se por exemplo, premissas de princípios como laicidade, que permitiria compreender o abortamento voluntário como uma decisão da mulher e não de grupos que professam determinadas religiões, bem como a ética profissional e a importância da educação sexual, que se mostraria eficaz na quebra de estigmas e violência. Também foram expostos argumentos para desfazer ideias como a de que o aborto é uma decisão eugênica - que muitas vezes são relacionados com os abortamentos de fetos anencefálicos, questão já discutida no STF - e para os casos de zika vírus (STF, 2020), que também está pautado na corte. Dessa forma, essas considerações convergem com o resultado do estudo o qual identificou que pessoas que se posicionam favoravelmente à descriminalização do aborto apresentam argumentos estruturais, os aspectos jurídicos e legais (Rizzotto et al., 2021Rizzotto, C. C., Belin, L. L., Hoshino, C., Marioto, D. J. F., & Liebel, V. (2021). Pró-escolha x pró-vida: Análise sistêmica das estratégias comunicacionais nas discussões on-line e presenciais sobre a descriminalização do aborto. Contemporânea: Revista de Comunicação e Cultura, 19(2), 6-35.), e também científicos, baseados em evidências, quando estão fazendo uma defesa de sua posição.

Ainda neste grupo, foi apontado o lugar que a religião precisaria ter neste debate, e este não seria religião versus ciência, pois a confrontação destes dois tipos de conhecimentos não seria apropriada, já que ambos têm concepções sobre o início da vida. Assim sendo, já que a questão do início da vida não é o ponto principal para a decisão que precisará ser tomada pelo STF, por fim, a religião não deveria ter lugar neste debate em um estado laico.

Também houve a utilização de conceitos e teorias de perspectiva feminista de forma explícita, para fundamentar a defesa da descriminalização, como, por exemplo, autonomia da mulher sobre seu corpo. Contudo, foi um tipo de argumento pouco utilizado pelo Grupo Pró Descriminalização.

O Grupo Contra recorreu a pressupostos morais, ou seja, argumentos fundados em dogmas religiosos e/ou senso comum, recorrentes nos discursos de grupos denominados Pró-vida (Rizzotto et al., 2021Rizzotto, C. C., Belin, L. L., Hoshino, C., Marioto, D. J. F., & Liebel, V. (2021). Pró-escolha x pró-vida: Análise sistêmica das estratégias comunicacionais nas discussões on-line e presenciais sobre a descriminalização do aborto. Contemporânea: Revista de Comunicação e Cultura, 19(2), 6-35.). O argumento utilizado foi de que a descriminalização do abortamento voluntário trará consequências para a sociedade, como, por exemplo, para a classe médica, uma fonte de lucro e que afetaria o controle populacional. Também foi reforçada a defesa de programas de assistência social, pois havendo apoio social, não haverá abortamentos. Ou seja, pressupõe que abortamentos voluntários só existiriam em classes sociais menos favorecidas, suposição que não se confirma, de acordo com os estudos de Diniz e Madeiro (2010Diniz, D., & Medeiros, M. (2010). Aborto no Brasil: Uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 959-966. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) e Diniz et al. (2017Diniz, D., Medeiros, M., & Madeiro, A. (2017). Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(2), 653-660. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Por fim, houve a culpabilização dos movimentos de mulheres por pautar este problema, como se o problema levado ao STF somente existisse porque as feministas falam sobre ele. Em outras palavras, para o Grupo Contra, os defensores dos direitos humanos, o feminismo e os estudos sobre sexualidade disseminam o abortamento, pois este só ocorre porque há ausência de “responsabilidade materno-parental”, e a decisão pelo abortamento deve considerar o desejo do homem, como se as mulheres abortassem à revelia do desejo masculino de manter a gestação. Estes argumentos limitam as questões do abortamento voluntário às questões privadas de uma determinada classe social, que não teve apoio em nenhum estudo, convertendo-se em mera especulação, ideias de senso comum.

Considerações finais

No decorrer da audiência foram expostos argumentos semelhantes, a partir de determinadas leis ou estudos, visando a defesa de posições opostas. O argumento do Direito é o principal nos dois grupos, quando se compreende a defesa da Saúde Mental e da Saúde Pública como um direito. Contudo, o sujeito de direito é diferente: o Grupo Pró defende o direito das mulheres, enquanto, em contrapartida, o Grupo Contra defende o direito do feto. Essa lógica perpassou pelos diversos argumentos proferidos e na forma como foram utilizados, isto é, o confronto colocado foi entre a vida, direito e dignidade da mulher e a vida, direito e dignidade do feto. Para isso, os argumentos, sejam dos direitos constitucionais, da saúde pública ou da saúde mental, buscavam embasar a defesa assumida na audiência, mesmo que não fizesse sentido, como, por exemplo, a ideia que a legalização do abortamento retiraria o direito das mulheres constituírem família, ou que somente após a descriminalização, os homens poderiam obrigar mulheres a abortar. Dois argumentos que não têm correspondência na realidade factual, pois, o direito de constituir família não seria modificado caso o abortamento voluntário até a 12ª semana de gestação seja descriminalizado. Ainda nesse sentido, a condição atual já torna possível a um homem obrigar uma mulher a abortar, portanto, não seria a descriminalização do abortamento que promoveria esse tipo de situação, pelo contrário, pois ocorreriam em locais seguros e as mulheres se encontrariam em uma circunstância na qual poderiam pedir ajuda.

É perceptível que nem mesmo os discursantes religiosos, que tinham posição contrária à descriminalização, conseguiram realizar sua fala sem tentar utilizar do discurso da Ciência. Fizeram um apelo à razão, mesmo que, para isso, fosse utilizado o senso comum ou noções propaladas pela pesquisa de Coleman (2011Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.07723...
), refutadas por Steinberg et al. (2011Steinberg, J. R., Becker, D., & Henderson, J. T. (2011). Does the out come of a first pregnancy predict depression, suicidal ideation, or lower self-esteem? Data from the National Comorbidity Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 81(2), 193-201.), Steinberg e Finer (2012Steinberg, J. R., & Finer, L. B. (2012). Coleman, Coyle, Shuping, and Rue make false statements and draw erroneous conclusions in analyses of abortion and mental health using the National Comorbidity Survey. Journal of Psychiatric Research, 46(3), 407-411. https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01.019
https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01...
), Domingues et al. (2020Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
https://doi.org/10.1590/0102-311X0019041...
), Ludermir et al. (2010Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
https://doi.org/10.1017/S003329170999184...
, 2011Ludermir, A. B., Araya, R., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2011) Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. British Journal of Psychiatry, 198, 237-8.), como já registrado anteriormente, mas que figuravam nos argumentos que se diziam científicos.

Por fim, o destaque da defesa da saúde mental é o que diferencia este argumento da maioria dos argumentos restritivos, que são aqueles que aceitam a prática só em condições limite da mulher, ou seja, em caso de risco à sua vida. Um discursante religioso explicitou que a prática judaica permite o aborto, caso a gravidez apresente riscos à saúde mental da mulher. Nesse ponto, há uma janela que se abre neste debate, pois antes se admitia o abortamento na defesa da saúde física, para que a vida da mulher fosse preservada, argumento que também era utilizado nos casos de estupro, principalmente de crianças. Entretanto, essa defesa da vida da mulher se amplia quando passa a ter importância a saúde mental. Um processo que iniciou na ADPF 54 (2012Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. (2012) Supremo Tribunal Federal. https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
) que versou sobre o abortamento em gestações de fetos anencéfalos, no qual houve a defesa da saúde mental das mulheres, como aspecto fundamental da vida, argumento que foi aprofundado no debate sobre a descriminalização nos casos de gestação no contexto do Zica vírus e, agora, na audiência pública da ADPF 442.

Em suma, pode-se afirmar que o argumento principal da audiência foi a proteção à saúde mental, quando se respeita a dignidade da mulher em seus direitos fundamentais de cidadania e igualdade. Obrigar a vivência de uma gestação indesejada é conferir maus tratos, uma espécie de tortura, castigo, que não encontra amparo na Constituição Federal de 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
. O Supremo Tribunal Federal (STF), nesta audiência, foi confrontado com argumentos baseados em evidências científicas, que apontam os riscos à saúde e a afronta ao direito constitucional das mulheres, caso se mantenham os artigos 124 e 126 do Código Penal. Resta saber qual será a decisão.

Referências

  • Ação Direta de Constitucionalidade nº 5.581. (2018). Supremo Tribunal Federal. https://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5-581-df
    » https://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5-581-df
  • Adler, N. E., David, H. P., Major, B. N., Roth, S. H., Russo, N. F., & Wyatt, G. E. (1990). Psychological responses after abortion. Science, 248(4951), 41-44.
  • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442. (2017). Supremo Tribunal Federal. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AudnciaPblicaADPF442.pdf
    » https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AudnciaPblicaADPF442.pdf
  • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. (2012) Supremo Tribunal Federal. https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334
    » https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334
  • Audiência Pública: Descriminalização do aborto (1/4) [Vídeo]. (2018). YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=dugDjoH-PYI&t=7170s
    » https://www.youtube.com/watch?v=dugDjoH-PYI&t=7170s
  • Audiência pública: Interrupção voluntária da gravidez nº 442. (2018). Superior Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/TranscrioInterrupovoluntriadagravidez.pdf
    » http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/TranscrioInterrupovoluntriadagravidez.pdf
  • Barsted, L. L., & Hermann, J. (Orgs.). (2001). As mulheres e os direitos humanos: Traduzindo a legislação com a perspectiva de gênero. Cepia.
  • Benute, G. R., Nomura, R. M., Pereira, P. P., Lucia, M. C., & Zugaib, M. (2009). Abortamento espontâneo e provocado: Ansiedade, depressão e culpa. Revista da Associação Médica Brasileira, 55, 322-327.
  • Blumenthal, S. J. (1991). Psychiatric consequences of abortion: Overview of research findings. Psychiatric aspects of abortion, 17-37.
  • Coleman, P. (2011). Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. The British Journal of Psychiatry, 199, 180-186. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
    » https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.077230
  • Conselho Federal de Psicologia. (2010). Caderno de deliberações [Apresentação de trabalho]. VII Congresso Nacional da Psicologia: psicologia e compromisso com a promoção de direitos um projeto ético-político para a profissão, Brasília, DF, Brasil. http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2016/01/Deliberacao_VII_CNP-1.pdf
    » http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2016/01/Deliberacao_VII_CNP-1.pdf
  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • Corrêa, S., & Petchesky, R. (1996). Direitos sexuais e reprodutivos: Uma perspectiva feminista. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 6, 147-177.
  • Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. (1940, 7 de dezembro). Código Penal. Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
  • Diniz, D., & Medeiros, M. (2010). Aborto no Brasil: Uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 959-966. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002
  • Diniz, D., Medeiros, M., & Madeiro, A. (2017). Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, 22(2), 653-660. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&tlng=pt
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=pt&tlng=pt
  • Domingues, R. M. S. M., Fonseca, S. C., Leal, M. C., Aquino, E. M. L., Menezes, G. M. S. (2020). Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018 [Suplemento 1]. Cadernos de Saúde Pública, 36, Artigo e00190418. https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00190418
  • Foster, D. G. (2021). The Turnaway Study: Ten years, a thousand women, and the consequences of having: Or being denied: An abortion. https://www.ansirh.org/research/ongoing/turnaway-study
    » https://www.ansirh.org/research/ongoing/turnaway-study
  • Gill, R. (2008). Análise do discurso. In M. Bauer & G. Gaskell, Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (7a ed., pp. 244-270). Vozes.
  • Gomes, A. M. (2018). Abortion and subsequent depressive symptoms: an analysis of the National Longitudinal Study of Adolescent Health. Psychological Medicine, 48(2), 294-304.
  • Horvath, S., & Schreiber, C. A. (2017). Unintended pregnancy, induced abortion, and mental health. Current Psychiatry Reports, 19(11), 1-6.
  • Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. (2007, 24 de novembro). Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Presidência da República. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10778-24-novembro-2003-497669-norma-pl.html
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10778-24-novembro-2003-497669-norma-pl.html
  • Ludermir, A. B., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2010). Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychological Medicine, 40, 1467-1473. https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
    » https://doi.org/10.1017/S003329170999184X
  • Ludermir, A. B., Araya, R., Araújo, T. V., Valongueiro, S. A., & Lewis, G. (2011) Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. British Journal of Psychiatry, 198, 237-8.
  • Madeiro, A. P., & Diniz, D. (2016). Serviços de aborto legal no Brasil: um estudo nacional. Ciência & Saúde Coletiva, 21, 563-572.
  • Major, B, Cozzarelli, C, Cooper, ML, Zubek, J, Richards, C, Wilhite, M, & Gramzow, R. H. (2000). Psychological responses of women after firsttrimester abortion. Archives of General Psychiatry, 57(8), 777-784.
  • Menezes, G. M. S., & Aquino, E. M. L. (2009). Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva [Suplemento 2]. Cadernos de Saúde Pública, 25, 193-204.
  • Ministério da Saúde. (1999). Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: Norma Técnica.
  • Ministério da Saúde. (2005). Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: Norma Técnica (2a ed.).
  • Ministério da Saúde. (2010). Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica (2a ed.). Ministério da Saúde.
  • Ministério da Saúde. (2013). Saúde sexual e saúde reprodutiva.
  • Ministério da Saúde. (2014). Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica (2a ed.).
  • Netto, L. L., Ebersol, I., & Clasen, J. R. (2021). O que move a luta? A maré verde Argentina e a resistência das mulheres do/no Sul Global. Conjuntura Austral, 12(60), 136-147.
  • Pêcheux, M. (2002). O Discurso: estrutura ou acontecimento (3a ed.). Pontes.
  • Pinho, J. S. (2005). Temas de Direito Constitucional e o Supremo Tribunal Federal. Atlas.
  • Porto, M. (2018). A psicologia na política para as mulheres em situação de violência: Avanços e desafios. Edufac.
  • Presidência da República. (2004). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
  • Presidência da República. (2008). II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/planonacional_politicamulheres.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/planonacional_politicamulheres.pdf
  • Presidência da República. (2013). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Secretaria de Políticas para as Mulheres. http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/PlanoNacionaldePoliticasparaasMulheres20132015.pdf
    » http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/PlanoNacionaldePoliticasparaasMulheres20132015.pdf
  • Rizzotto, C. C., Belin, L. L., Hoshino, C., Marioto, D. J. F., & Liebel, V. (2021). Pró-escolha x pró-vida: Análise sistêmica das estratégias comunicacionais nas discussões on-line e presenciais sobre a descriminalização do aborto. Contemporânea: Revista de Comunicação e Cultura, 19(2), 6-35.
  • Rocca, C. H., Samari, G., Foster, D. G., Gould, H., & Kimport, K. (2020). Emotions and decision rightness over five years following an abortion: An examination of decision difficulty and abortion stigma. Social Science & Medicine, 248, Artigo 112704. https://doi:10.1016/j.socscimed.2019.112704
    » https://doi:10.1016/j.socscimed.2019.112704
  • Shusterman, L. R. (1979). Predicting the psychological consequences of abortion. Social Science & Medicine: Part A: Medical Psychology & Medical Sociology, 13, 683-689.
  • Steinberg, J. R. (2020). Decision rightness and relief predominate over the years following an abortion. Social Science & Medicine, 248, 112782. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.112782
    » https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.112782
  • Steinberg, J. R., & Finer, L. B. (2012). Coleman, Coyle, Shuping, and Rue make false statements and draw erroneous conclusions in analyses of abortion and mental health using the National Comorbidity Survey. Journal of Psychiatric Research, 46(3), 407-411. https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01.019
    » https://doi:10.1016/j.jpsychires.2012.01.019
  • Steinberg, J. R., Becker, D., & Henderson, J. T. (2011). Does the out come of a first pregnancy predict depression, suicidal ideation, or lower self-esteem? Data from the National Comorbidity Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 81(2), 193-201.
  • Ventura, M., Ikawa, D., Piovesan, F., & Barsted, L. (2003). Direitos sexuais e direitos reprodutivos na perspectiva dos direitos humanos: síntese para gestores, legisladores e operadores do Direito. Advocaci.
  • Wallin Lundell, I., Georgsson Öhman, S., Frans, Ö., Helström, L., Högberg, U., Nyberg, S., & Skoo, S. A. (2013). Posttraumatic stress among women after induced abortion: a wedish multi-centre cohort study. BMC Women’s Health, 13(1), 1-9.
  • Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.
  • Zanello, V., & Porto, M. (2019). Interrupção da gravidez e alívio: sobre o que não se fala das experiências emocionais das mulheres face à maternidade. In P. R. B. Gonzaga, L. Gonçalves & C. Mayorga (Orgs.), Práticas acadêmicas e políticas sobre o aborto (pp. 107-121). CRP04.
  • Zolese, G., & Blacker, C. (1992). As Complicações Psicológicas do Aborto Terapêutico. British Journal of Psychiatry, 160(6), 742-749. https://doi:10.1192/bjp.160.6.742
    » https://doi:10.1192/bjp.160.6.742
  • 1
    Esta pesquisa contou com a colaboração de estudantes de graduação, voluntárias de pesquisa do Laboratório de Estudos e Pesquisas Feministas em Saúde Mental, Cultura e Psicanálise (LabEFem-CFCH) da Universidade Federal do Acre e com uma bolsa do Edital de Seleção Propeg nº 016/2019 Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica - 2019/2020.
  • Fonte de financiamento: Programa de Iniciação Científica - Pibic (Edital Propeg-Ufac nº 16/2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2022
  • Aceito
    13 Dez 2022
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br