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Configurações Subjetivas de Famílias em Litígio pela Guarda dos Filhos

Subjective settings of Families in Dispute over Child Custody

Configuraciones Subjetivas de Familias en Llitigio por la Custodia de los Hijos

Resumos

O artigo objetiva contribuir para a compreensão do litígio como produção subjetiva das famílias. Fundado na epistemologia qualitativa e na teoria cultural-histórica da subjetividade, o estudo sobre o problema incluiu ex-cônjuges com idades entre 30 e 50 e seus filhos de 5 a 20 anos. A análise construtivo-interpretativa dos resultados permite apresentar indicadores de sentido de que as ações dos membros das famílias para a manutenção, ou não, do litígio são orientadas por suas configurações subjetivas ou conjunto de emoções e processos simbólicos que integram seus sistemas de personalidade. Conclui-se que a realização de perícia psicológica sobre o litígio deve levar em conta, entre outros aspectos, as realidades subjetivas das famílias e a necessidade de produzirem novos sentidos em relação a ele para se posicionarem e resolverem o problema.

Família; Subjetividade; Custódia criança; Desenvolvimento Humano


The article seeks to contribute to the understanding of dispute as a subjective production of families. Founded on qualitative epistemology and in cultural-historical theory of subjectivity, the study on the problem included ex-spouses aged between 30 and 50 and their children of 5 to 20 years. Constructive-interpretive analysis of the results allows one to present indicators that the actions of family members for maintaining, or not, the dispute are guided by their subjective settings or a set of emotions and symbolic processes that integrate their personality systems. One concludes that realizing a psychological evaluation about the dispute must be taken into account, among other aspects, the subjective realities of families and the need to produce new directions towards it to position themselves and resolve the issue.

Family; Subjectivity; Child custody; Human Development


El artículo objetiva contribuir para la comprensión del litigio como producción subjetiva de las familias. Fundado en la epistemología cualitativa y en la teoría cultural-histórica de la subjetividad, el estudio sobre el problema incluyó a ex-cónyuges con edades entre 30 y 50 anos y sus hijos de 5 a 20 anos. El análisis constructivo-interpretativo de los resultados permite presentar indicadores de sentido de que las acciones de los miembros de las familias para el mantenimiento, o no, del litigio son orientadas por sus configuraciones subjetivas o conjunto de emociones y procesos simbólicos que integran sus sistemas de personalidad. Se concluye que la realización de pericia psicológica sobre el litigio debe llevar en consideración, entre otros aspectos, las realidades subjetivas de las familias y la necesidad de que produzcan nuevos sentidos en relación a él para posicionarse y resolver el problema.

Familia; Subjetividad; Custodia del nino; Desarrollo Humano


Configurações Subjetivas de Famílias em Litígio pela Guarda dos Filhos

Famílias em litígio pela guarda dos filhos! Eis uma realidade que se destaca na sociedade brasileira neste exato momento histórico. Em decorrência, novas situações de fragilidade social são vivenciadas por famílias concretas e precisam ser explicadas na sua complexa dimensão psicológica. O desafio é explicar como as expressões imediatas dos membros da família no cenário social do litígio estão envolvidas com as suas produções subjetivas ao longo de seus processos de desenvolvimento.

Vislumbrada no início do século XX pelo psicólogo soviético Lev Semiónovich Vygotsky (1896-1934), ao abrir novas "zonas de sentido" para o estudo do fenômeno psicológico, a subjetividade virá ser a chave para a explicação do complexo processo de constituição da psique humana inter-relacionada ao complexo processo de desenvolvimento da sociedade. Atualmente, convertida em objeto de estudo por González Rey (1995González Rey, F. L. (1995). Comunicación, personalidad y desarrollo. La Habana: Editorial. Pueblo y Educación., 1997González Rey, F. L. (1997). Epistemologia qualitativa e subjetividad. São Paulo: EDUC., 2003González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., 2005aGonzález Rey, F. L. (2005a). Pesquisa qualitativa e subjetividade. Os processos de construção da informação. São Paulo: Thomson., 2005bGonzález Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson., 2007González Rey, F. L. (2007). Psicoterapia, subjetividade e pós-modernidade. Uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Thomson. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAN). (2006). Família e dignidade humana. In ANAIS do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte.), psicólogo cubano residente no Brasil, virá permitir o desenvolvimento de uma teoria cultural-histórica da personalidade. Mais exatamente, González Rey desenvolve uma teoria da subjetividade que é a "expressão do paradigma da complexidade na psicologia" - a chave para a explicação do desenvolvimento simultâneo e recursivo do sujeito e da sociedade. Assim, a despeito de controvérsias sobre seu posicionamento teórico e epistemologico, geradas em espaços acadêmicos mais conservadores, segue desenvolvendo um pensamento sobre a constituição subjetiva da psique humana.

O nosso desafio ao assumirmos esse pensamento para o estudo da família em litígio pela guarda dos filhos é, antes de tudo, enfrentar os preconceitos e os mitos que isso representa mediante a tradicional abordagem universal do problema, legitimada por categorias fortemente institucionalizadas. A Epistemologia Qualitativa (González Rey, 1997González Rey, F. L. (1997). Epistemologia qualitativa e subjetividad. São Paulo: EDUC.), ao contrário, nos faz encarar a "aventura" da produção do conhecimento sem qualquer a priori,sem qualquer coerção teórica ou metodológica. Assim, nos convertemos em sujeito do processo de produção do conhecimento sobre o complexo tecido que constitui o litígio, certamente implicado com as "configurações subjetivas" dos membros da família, definidas pelo autor (González Rey, 2003)González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning. como "sistemas autônomos" que "não se subordinam" à linguagem nem ao comportamento ou a "qualquer organização psíquica de caráter universal". Para Mitjáns Martinez (2005, pMartínez, M. A. (2005). A teoria da subjetividade de González Rey: uma expressão do paradigma da complexidade na psicologia. In Fernando Luis González Rey (Org), Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia(pp. 125). São Paulo: Thomson., p. 19), esse conceito "representa a articulação de diferentes momentos e de recursos subjetivos que funcionam organicamente caracterizando sua qualidade constitutiva", o que, do nosso ponto de vista, é crucial para explicar o processo de constituição do litígio na família pela guarda dos filhos.

Assumimos o pensamento de González Rey (1995González Rey, F. L. (1995). Comunicación, personalidad y desarrollo. La Habana: Editorial. Pueblo y Educación., 2005bGonzález Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson.) de que as configurações subjetivas da personalidade permitem compreender o sistema atual de relações do sujeito. A partir daí, é evidente que não somente a fala, mas todas as possíveis expressões do sujeito no cenário do litígio virão ser a nossa via de acesso às suas produções simbólicas e emocionais da experiência concreta - os "sentidos subjetivos" produzidos, como explica González Rey (2003)González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., ao longo de sua história e integrados nas suas configurações subjetivas, "processuais" e, ao mesmo tempo, "estáveis e dinâmicas".

O que isso significa senão compreender como as configurações subjetivas das famílias estão implicadas na constituição do cenário do litígio? Entretanto, se essa questão nos orienta, não determina o curso de nossa produção. É exatamente disto que se alimenta o método qualitativo de González Rey (2005a)González Rey, F. L. (2005a). Pesquisa qualitativa e subjetividade. Os processos de construção da informação. São Paulo: Thomson.: da possibilidade do pesquisador converter a investigação em um processo de reflexão sobre a multiplicidade de elementos que envolvem o fenômeno de forma dinâmica, recursiva e contraditória. Equivale dizer que a interpretação das configurações subjetivas implicadas no litígio integra os modos de vida do sujeito e os modos de vida da sociedade. Com esses elementos, o pesquisador constrói e torna explícitos os múltiplos "indicadores de sentido" que irão permitir a inteligibilidade do fenômeno.

Há de se ressaltar que o caráter complexo das configurações subjetivas determina a mobilidade das considerações do autor sobre elas. O definitivo é somente sua declaração de que elas integram o sistema da personalidade do sujeito e em determinadas circunstâncias são integradas por seus conteúdos emocionais. Implicadas em emoções diversas e contraditórias produzidas pelo sujeito ao longo de sua vida e na relação com outros espaços sociais, de forma dinâmica e recursiva, permitem compreender e explicar o seu sistema de personalidade, que González Rey (2003González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., p. 261) define como "um momento essencial na constituição subjetiva da mobilidade entre esses dois espaços, o que caracteriza o desenvolvimento do sujeito concreto, assim como as diversas formas que tomam os diferentes eventos presentes no campo da subjetividade social".

Com essa representação cultural-histórica da personalidade, González Rey avança para além do novo paradigma - o construcionismo social que, por sua vez, supera parcialmente as epistemologias tradicionais ao converter a família em espaço de atividades conjuntas (Cecchin, 1996Cecchin, G. (1996). Construcionismo social e irreverência terapêutica. In Dora Fried Schnitman (Org), Novos paradigmas, cultura e subjetividade (pp. 216-224). Porto Alegre: Artes Médicas.; Goolishian & Anderson, 1996Goolishian, H., & Anderson, H. (1996). Narrativa e Self: alguns dilemas pós-modernos da psicoterapia. In Dora Fried Schnitman (Org),Novos paradigmas, cultura e subjetividade (pp. 191-203). Porto Alegre: Artes Médicas.), cuja substância seriam as conversações ou o jogo linguístico entre seus membros (Pearce, 1996)Pearce, B. W. (1996). Novos modelos e metáforas comunicacionais: a passagem da teoria à prática, do objetivismo ao construcionismo social e da representação à reflexividade. In Dora Fried Schnitman (Org), Novos paradigmas, cultura e subjetividade (pp. 172-183). Porto Alegre: Artes Médicas.. Nesse território - o da linguagem -, a comunicação virá a ser concebida como um processo de domínio conjunto para a negociação dos significados culturais das experiências dos membros da família (Valsiner, 1998)Valsiner, J. (1998). The guided mind: a sociogenetic approach to personality. Cambridge, Massachutsetts and London, England: Harvard University Press...

Este é o problema! Nesse espaço de domínio conjunto, como fica o sujeito e sua necessidade de confronto com o sistema familiar? Sobre isso, o diferencial da teoria cultural-histórica da subjetividade de González Rey (2003González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., 2005bGonzález Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson.) é o conceito de social: constituído pelo sujeito ao produzir uma subjetividade sobre aquilo que o rodeia. Dessa forma, sujeito e subjetividade são mútua e contraditoriamente constituídos em um complexo processo de produção de sentidos das relações sociais, o que é substancialmente diferente das posições anteriormente citadas.

Constatamos (Peres, 2007Peres, V. L. A. (2007). Metodologia de Ação/Reflexão/Ação: Entrelaçamento de Concepções Histórico-Culturais e Socionômicas. Revista brasileira de psicodrama, 15(1), 151-163.) o que diferencia e define a ação do sujeito na família - espaço social de desenvolvimento -, suas opções orientadas pelos sentidos subjetivos que gera de suas relações. Entretanto, como demonstra o Estado da Arte produzido na primeira parte deste estudo, os conflitos das famílias são relacionados ora à modernização, ora ao capitalismo de forma homogênea e linear, sem qualquer referência às opções do sujeito no seu processo ontológico (Sousa & Rizzinni, 2001Sousa, S. M. G., & Rizzini, I. (2001). Desenhos de Família. Criando os Filhos: A família goianiense e os elos parentais.Goiânia: Cânone. ; Oliveira et al., 2002Oliveira, M. L., Sousa, S. M. G., Peres, V. L. A., Paro, C. R., Borges, Z. M., & Landi, C. E. (2002, jul.). Estudo Sociofamiliar dos Moradores do Bairro Nova Cidade em Aparecida de Goiânia. In 5a Reunião Anual da SBPC, Goiânia, GO.). Na verdade, sobretudo no caso das famílias em litígio pela guarda dos filhos, não há produção sobre as configurações e os sistemas de personalidade de cada um dos membros, certamente implicados nas suas ações para a manutenção, ou não, do conflito. Encontramos indicadores, mas não a explicação de como as famílias estão ativamente implicadas na constituição do litígio e da cultura sobre ele, que recursiva e contraditoriamente as constitui.

Indicadores para o estudo de configurações subjetivas das famílias em litígio pela guarda dos filhos

Destacamos na análise crítica das produções nacionais e regionais as psicojurídicas que levam em conta o momento histórico na constituição dos aspectos psicológicos que envolvem as famílias, os litígios e a compreensão das necessidades dos filhos em relação a sua guarda (Vilhena, 2002Vilhena, J. (2002). Da Família que Temos à Família que Queremos. In Irene Rizzini, Gary Barker, & Maria Helena Zamora (Orgs), Crianças, adolescentes, famílias e políticas públicas: para além do faz-de-conta.(Vol. 1, PP45-62). Rio de Janeiro: CIESPI.; Paulo, 2009Paulo, B. M. (2009, jun./jul.). Ser pai nas novas configurações familiares: a paternidade psicoafetiva. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, 11(10), 5-33.). Rossot (2009)Rossot, R. B. (2009). O afeto nas relações familiares e a faceta substancial do princípio da convivência familiar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, 11(9),5-24. desafia os "operadores do Direito" que ainda se fundamentam na epistemologia do "saber racional e previsível", "das características gerais e unívocas dos fatos". Do seu ponto de vista, se por um lado tal saber é compatível com o "ordenamento jurídico, sistemático e coerente"; por outro, contraria a complexidade do fenômeno psicológico que envolve elementos como a emoção e o afeto, sabidamente implicados nas produções subjetivas do sujeito (Peres, 2012Peres, V. L. A. (2012). O desenvolvimento da afetividade no cenário social familiar. ECOS: estudos contemporâneos da subjetividade,2 (2), 186-199.).

Há juristas que reconhecem a possibilidade dessa aproximação. Sanches (2011)Sanches, A. L. N. (2011). Diálogos entre a Psicologia e o Direito. In M. C. N. de Carvalho, T. Fontoura, & V. R. Miranda (Orgs),Psicologia Jurídica. Temas de Aplicação II, (pp. 17-30). Curitiba: Juruá reconhece a subjetividade como o "fenômeno central do Direito" e se refere a um "sujeito individual das emoções e desejos", ao se posicionar em favor do "paradigma do agir comunicativo", o qual, segundo ele, é responsável pela abertura do Direito aos postulados da Psicologia. Sua conclusão é de que as categorias:

[...] Direito e Psicologia, até então completamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois, na medida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, se ocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas de normas jurídicas, a Psicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações intrapsíquicas e inter-relacionais (Sanches, 2011Sanches, A. L. N. (2011). Diálogos entre a Psicologia e o Direito. In M. C. N. de Carvalho, T. Fontoura, & V. R. Miranda (Orgs),Psicologia Jurídica. Temas de Aplicação II, (pp. 17-30). Curitiba: Juruá, p. 28)

Contudo, se o resultado é, de fato, o desenvolvimento das relações entre o Direito e a Psicologia, a tradicional dicotomia entre o interno e o externo, entre a família e a sociedade permanece. Definitivamente, não há, nas duas disciplinas, uma visão dialética da família ou de sua interação complexa, dinâmica e contraditória com a sociedade. Na área do Direito de Família (Instituto Brasileiro de Direito de Família [IBDFAM], 2006), provavelmente em função do aumento dos divórcios (Kaslow & Schawartz, 1995Kaslow, W. F., & Schawartz, L. L. (1995). As dinâmicas do divórcio. Uma perspectiva de ciclo vital (M. Lopes e M. Carbajal, trads.). São Paulo: Editorial PSY.), os estudos (Souza & Ramires, 2006Souza, R. M., & Ramirez, V. R. R. (2006). Amor, casamento, família, divórcio e depois, segundo as crianças. São Paulo: Summus.; Birman, 2006Birman, J. (2006). Tatuando o desamparo. In M. R. de Cardoso (Org),Adolescentes. São Paulo: Escuta.; Pereira, 2006)Pereira, R. C. (2006). Uma Principiologia para o Direito de Família: In Família e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família (pp. 843-851). Belo Horizonte: IBDFAM . abrangem os mais diversos temas em seu caráter universal, como no caso da mediação familiar. No geral, tais estudos buscam definir princípios que norteiem o trabalho dos operadores do Direito, especialmente no que concerne à preservação da dignidade humana, sem dúvida um avanço na compreensão da importância de sua atuação na vida das pessoas. Outro avanço nessa compreensão é a discussão deCézar-Ferreira (2007)Cezar-Ferreira, V. A. da M. (2007). Familia, separação e mediação. Uma visão psicojurídica (2a ed.). São Paulo: Editora Método. sobre uma possível atuação sistêmica desses profissionais, de forma a abranger não somente os aspectos jurídicos, mas também os aspectos emocionais das famílias. O problema, na visão deReis (2010, pReis, E. F. (2010). Varas de Família. Um encontro entre Psicologia e Direit. (pp. 102-120) Curitiba: Juruá., p. 102), é a identidade das Varas de Família relacionada à imposição de "lugares sociais, psicológicos e afetivos para os indivíduos", historicamente legitimados. A despeito disso, cresce a demanda por Perícias Psicológicas. Segundo Perotti e Siqueira (2011, pPerotti, D. C. O., & Siqueira, I. L. S. M. A perícia psicológica e seu papel como prova nos processos judiciais. In Maria Cristina Neiva de Carvalho, Telma Fontoura, & Vera Regina M. (2011). (Orgs),Psicologia Jurídica. Temas de Aplicação II. (pp. 119-130)., p. 119), juízes e promotores "necessitam do conhecimento especializado sobre os aspectos subjetivos das relações humanas que estão envolvidas nos processos e que interferem em seu andamento e resolução".

Na Psicologia, o conhecimento predominante atende à visão linear das consequências do divórcio (Sousa & Ramires, 2006Souza, R. M., & Ramirez, V. R. R. (2006). Amor, casamento, família, divórcio e depois, segundo as crianças. São Paulo: Summus.; Galina, 2009Galina, R. (2009). Separação como resultado da difícil arte de negociar. In Osório, L. C., & Valle, M. E. P. (Orgs.), Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed.; Duarte, 2009Duarte, L. P L. (2009). A Guarda dos Filhos na Família em Litígio. Uma Interlocução da Psicanálise com o Direito. Rio de Janeiro: Lumes.; Tyber, 1995Tyber, E. (1995). Ajudando as crianças a conviver com o divórcio (C. Youssef, trad.). São Paulo: Nobel.; Minuchin & Nichols, 1995)Minuchin, S., & Nichols, P M. (1995). A cura da família. História de esperança e renovação contadas pelas terapias familiares.Porto Alegre: Artes Médicas Sul.. Os autores atribuem as dificuldades dos filhos aos conflitos e divergências dos ex-cônjuges, sem relacioná-las à complexidade de suas produções subjetivas da convivência com essas circunstâncias. Assim, os conceitos elaborados na tentativa de explicar essas situações ainda são representativos de uma epistemologia positivista. Não há um modelo teórico suficientemente capaz de explicar a singularidade da experiência do litígio, incluindo a psicanálise (Duarte, 2009)Duarte, L. P L. (2009). A Guarda dos Filhos na Família em Litígio. Uma Interlocução da Psicanálise com o Direito. Rio de Janeiro: Lumes..

O que legitima e dá sentido à nossa pesquisa é exatamente a possibilidade de explicar essa singularidade. Como as emoções expressas pelos ex-cônjuges e seus filhos no cenário do litígio são produzidas e integradas nas suas configurações subjetivas nesse momento específico?

Tyber (1995)Tyber, E. (1995). Ajudando as crianças a conviver com o divórcio (C. Youssef, trad.). São Paulo: Nobel. descreve como as crianças expressam o medo do abandono com a ausência de um dos genitores e o atribui, de forma linear, aos conflitos dos ex-cônjuges. Cézar-Ferreira (2007)Cezar-Ferreira, V. A. da M. (2007). Familia, separação e mediação. Uma visão psicojurídica (2a ed.). São Paulo: Editora Método. evidencia o sentimento de culpa dos filhos mediante o divórcio dos pais, mas não explica sua gênese.

Com a teoria da subjetividade de González Rey (2003)González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., podemos explorar os aspectos subjetivos da constituição dessas emoções em cada caso concreto e, consequentemente, a organização psicológica de cada sujeito envolvido. Permanece a questão: como as emoções produzidas pelos ex-cônjuges em relação ao divórcio repercutem na sua disputa pelos filhos e que consequências elas terão nos processos de desenvolvimento das famílias e no processo de desenvolvimento da sociedade?

Em uma abordagem cultural-histórica, o que essa questão virá possibilitar? Sobre isso tem a palavra Gonzalez Rey (2003)González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning., para quem o desenvolvimento é um processo do sujeito, por meio do qual constitui sua personalidade que integra, dialeticamente, aspectos cognitivos e afetivos, intrapsíquicos e intersubjetivos, sociais e biológicos, individuais e sociais. Desse ponto de vista, perguntamos, especificamente, sobre a gênese cultural-histórica do litígio na sociedade atual: como as produções subjetivas das famílias em litígio estão envolvidas dialética e recursivamente com a subjetividade social? Como as práticas do litígio são subjetivadas e convertidas em elementos psicológicos que orientam as atividades, relações e ações sociais das famílias? Com essas questões, a nossa pretensão foi, exatamente, concretizar uma "análise construtivo-interpretativa" da gênese cultural-histórica do litígio, com foco nas configurações subjetivas das famílias. Em certo sentido, construir um modelo teórico para a explicação do fenômeno, possivelmente com desdobramentos para políticas públicas e práticas educativas em diversos espaços sociais.

Método

Trabalhamos com o método qualitativo fundado na Epistemologia Qualitativa de González Rey (1997González Rey, F. L. (1997). Epistemologia qualitativa e subjetividad. São Paulo: EDUC., 2005aGonzález Rey, F. L. (2005a). Pesquisa qualitativa e subjetividade. Os processos de construção da informação. São Paulo: Thomson.). O foco foram as produções subjetivas de famílias no cenário do litígio pela guarda dos filhos. O processo de construção das informações incluiu ex-cônjuges com idades entre 30 e 50 anos e seus filhos de 5 a 20 anos, em diferentes momentos empíricos e com diferentes instrumentos qualitativos: o conflito de diálogos, o completamento de frases e a discussão tematizada (González Rey, 2005aGonzález Rey, F. L. (2005a). Pesquisa qualitativa e subjetividade. Os processos de construção da informação. São Paulo: Thomson.).

O conflito de diálogos consistiu em convocar os ex-cônjuges a se posicionarem em relação ao complexo conteúdo do litígio e, nisso, a produzirem algo novo sobre o problema. O completamento de frases foi realizado em diferentes momentos do processo de construção das informações e com diferentes membros das famílias participantes. As múltiplas frases, elaboradas pela pesquisadora a partir das narrativas sobre o litígio e completadas por adultos, adolescentes e crianças, puderam ser articuladas com outras informações no processo de construção interpretativa. A discussão tematizada consistiu no diálogo aberto sobre um tema da vida da família, escolhido pelo grupo a partir das expressões de seus membros sobre os aspectos relevantes do cotidiano.

Os instrumentos foram "disparadores" da expressão dos sujeitos, diferentes formas de dialogarem sobre o problema e expressarem as suas produções subjetivas em relação a ele.

A interpretação das informações indiretas e implícitas, norteada pela Epistemologia Qualitativa de Gonzalez Rey (1997)González Rey, F. L. (1997). Epistemologia qualitativa e subjetividad. São Paulo: EDUC. serviu à construção de um "sistema de indicadores" e à abertura de "zonas de sentido" para a explicação do litígio em cada caso concreto. Como diria González Rey (2005b)González Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson., serviu à interpretação da gênese do litígio que integra múltiplos elementos de sentido produzidos pelos sujeitos na vida social, isto é, um complexo a ser interpretado pelo pesquisador de forma sistêmica (Morin, 2008)Morin, E. (2008). A Cabeça Bem Feita. Repensar a reforma. Reformar o pensamento (E. Jacobina, trad.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008..

Resultados

O processo da pesquisa permitiu uma interpretação da realidade subjetiva do litígio. Que implicações isso teve exatamente? Primeiro, na decisão de não fazermos uso prático e mecânico de categorias universais definidas a priori,tomadas como rótulo de significação e classificação de diferentes ex-cônjuges e de diferentes filhos. Entendemos que as ações do sujeito no processo do litígio, orientadas por sua realidade subjetiva, são perpassadas por elementos contraditórios de sua história e, ao mesmo tempo, por elementos da história da sociedade. Em síntese, compreendemos como os sentidos subjetivos e as configurações subjetivas estão presentes nas formas do sujeito constituir e vivenciar emocionalmente o litígio.

Sentidos subjetivos, configurações subjetivas e realidades do litígio

Com foco na singularidade, interpretamos as produções subjetivas de famílias concretas em relação a múltiplos significados do litígio. Como diria González Rey (2005b)González Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson., fizemos uma análise construtivo-interpretativa da gênese do litígio, que integra múltiplos elementos de sentido da vida social do sujeito. Como diria Morin (2008)Morin, E. (2008). A Cabeça Bem Feita. Repensar a reforma. Reformar o pensamento (E. Jacobina, trad.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., interpretamos um complexo ou o contexto global do litígio, de forma sistêmica, porém levando em conta o sujeito, portanto, suas configurações subjetivas e suas representações sociais. Nossa preocupação é contribuir para o desenvolvimento das famílias que vivenciam essa situação, construindo indicadores de sentido e apontando princípios teóricos que norteiem o trabalho dos profissionais implicados na explicação e resolução do problema.

Um indicador de sentido em relação aos filhos é a reprodução de representações sociais de genitores ausentes, ainda que suas produções subjetivas as contrariem. Por exemplo, uma criança que "rejeita" o genitor ausente e que, simultânea e contraditoriamente, torna visível no espaço social da pesquisa sua impotência para expressar livremente suas emoções e motivações afetivas em relação a ele. Nesse momento de impotência, consegue, pelo menos no espaço social da pesquisa, transformar sua interação com o genitor em uma vivência emocional totalmente diferente de sua representação sobre ele, o que a encaminha para a produção da saúde.

Aí está o resultado da não submissão do pesquisador à expressão imediata do sujeito, um princípio que tem alimentado o nosso trabalho de "construção-interpretativa" dos sentidos subjetivos que integram a singularidade das famílias no processo do litígio. Disso, o que pode resultar, nós ainda não sabemos. Contudo, sabemos que apenas uma sólida teoria da personalidade poderá subsidiar o desenvolvimento da prática da perícia psicológica, tão em voga atualmente.

Como diria González Rey (2005b)González Rey, F. L. (2005b). Subjetividade, complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Thomson., seria necessário construir um modelo teórico que permitisse explicar como as configurações subjetivas das famílias são implicadas na situação do litígio e como elas podem encontrar alternativas criativas para ele.

É provável que a criança do caso acima citado tenha encontrado uma alternativa para a sua sofrida vivência do litígio ao se deparar com o genitor ausente no cenário social da pesquisa. O seu genitor - com o qual ativa e espontaneamente se interage - configura um novo momento de sua vivência emocional do litígio, isto é, a oportunidade para produzir novos sentidos e novas emoções em relação a ele. Sobre a criança, é interessante notar que, na escola, seu "comportamento inquieto e agressivo" é compreendido pelos educadores como patologia e não como expressão de sua produção subjetiva do litígio. A partir disso, é possível entender o motivo pelo qual é rotulada, classificada e submetida a uma prescrição ideológica sem nenhuma correspondência com o conflito.

Há caso em que a criança logo se posiciona para a família a despeito de sua representação social das consequências do litígio: "escolhi um, perdi o outro". A questão é que o sentido subjetivo dessa representação, como um dos elementos do seu complexo tecido psicológico, virá fazer parte de sua configuração subjetiva das relações afetivas com o outro. Somente se reorganiza psicologicamente ao tomar consciência de que esse sentido orienta suas ações. Assim, a explicação da realidade do litígio exige a interpretação da configuração subjetiva ou do conjunto de fatores dinâmicos e contraditórios que orienta as ações do sujeito. Esses fatores psicológicos - social e historicamente constituídos - emergem na situação do litígio, sem que ele se dê conta.

As crianças geram diferentes sentidos subjetivos de suas relações com os genitores e participam ativamente da constituição da realidade do litígio. Suas escolhas traduzem as produções emocionais e simbólicas que geram do conjunto da vivência do litígio. Dessa forma, o foco da perícia psicológica deve ser o sentido e as emoções produzidas pelos filhos e seus pais. Decorre daí a nossa preocupação com juízos de valor sobre os comportamentos de ex-cônjuges - com base na representação sobre eles ou a partir da utilização mecânica e reducionista de conceitos como "alienação parental", discutido por diferentes autores (Aguilar, 2008Aguilar, J. M. (2008). Sindrome de alienação parental. Filhos manipulados por um cônjuge para odiar o outro. São Paulo: Caleidoscópio.; Duarte, 2009)Duarte, L. P L. (2009). A Guarda dos Filhos na Família em Litígio. Uma Interlocução da Psicanálise com o Direito. Rio de Janeiro: Lumes.. Aguilar define a alienação parental como uma forma de um cônjuge manipular os filhos para odiarem o outro. Para o autor, é "um processo de enorme perversidade, pois faz-se[sic] com dolo para um dos pais e a pretexto da vontade expressa ou sobre o consentimento tácito de uma criança" (Aguilar, 2008, pAguilar, J. M. (2008). Sindrome de alienação parental. Filhos manipulados por um cônjuge para odiar o outro. São Paulo: Caleidoscópio., p. 16).

A aparente submissão da criança às representações construídas sobre o genitor ausente pelo genitor guardião, como no primeiro caso citado, não justifica ignorar os sentidos subjetivos que a criança gerou da experiência vivida com tal genitor e que estão por detrás de suas expressões imediatas.

Como diria Vasen (2011)Vasen, J. (2011). Una Nueva Epidemia de Nombres Impropios. El DSM-V Invade la Infancia em la Clinica y las aulas. Buenos Aires, México: NOVEDUC., assim sendo, o conceito de alienação parental não viria fazer parte da "epidemia de nomes impróprios que invadem a infância na clínica atual"? É fato que conceitos podem representar a criança como objeto dos genitores e não como fonte geradora de sentido de suas próprias vivências emocionais ou como sujeito do seu processo de desenvolvimento. Mediante isso, não podemos evitar outra preocupação, desta vez, com as metodologias que consolidam a tradicional dicotomia entre o individual e o social, bem como a visão imediata das relações do filho na família, ignorando a singularidade do seu processo psíquico.

Nenhuma metodologia deveria excluir da análise psicológica do litígio a condição de sujeito da criança que é orientada por um conjunto de sentidos subjetivos de sua histórica vivência emocional na família. Como vimos, embora inevitavelmente conviva com o modelo judicial predominante na dinâmica cultural do divórcio - o modelo "adversarial" ou da divisão entre "as partes", fortemente implicado nas suas próprias representações, sua "escolha" é orientada pelos sentidos subjetivos da relação com os genitores no espaço social familiar. Motivada por esses sentidos, participa ativamente da constituição da realidade do litígio, que passa a fazer parte de sua constituição psicológica.

Esse indicador reafirma o conceito de González Rey (2003)González Rey, F. L. (2003). Sujeito e subjetividade..São Paulo: Pioneira Thomson Learning. sobre o social que atua sobre as produções subjetivas do sujeito, não como uma dimensão externa a ele, mas constituída por ele e que recursivamente o constitui.

Nos casos com acusação de "atentado violento ao pudor" - supostamente mais graves -, vemos a necessidade de explicar as configurações subjetivas dos ex-cônjuges, suas personalidades implicadas nos elementos objetivos do litígio. Suas emoções e processos simbólicos, ao serem compreendidos, servirão tanto à explicação do litígio quanto à sua resolução. Por exemplo: o ex-cônjuge com histórico sentido subjetivo de "rejeição", convertido em elemento de sua configuração subjetiva da sexualidade e integrado a sua vivencia emocional da vida conjugal. Sem que tenha consciência, esse sentido o motiva para ações violentas na situação do litígio, com o envolvimento dos filhos, sem levar em conta as consequências.

No contexto da perícia judicial, é importante que a gênese dos sentidos subjetivos produzidos pelas crianças em relação ao conflito dos genitores, muitas vezes implicada com seus jogos e sua imaginação, seja explicada. Deve causar preocupação a descrição de seus comportamentos e expressões imediatas com base em categoriasa priori e universais, diretamente associadas à representação social do abuso. Essa prática dificulta a compreensão da realidade subjetiva do litígio que envolve a produção de emoções que também precisam ser explicadas na sua gênese. Por exemplo, o "medo" expresso por crianças e jovens na situação do litígio. Sua explicação deverá integrar outros elementos de sentido ou os registros emocionais contraditórios e simultâneos de suas relações em outros espaços sociais. Como a criança que tinha medo de se confrontar com os genitores, elemento de sentido de sua configuração subjetiva da autoridade, gerado ao longo de sua vivencia da vida em família. Na situação do litígio, torna evidente essa dificuldade. Não consegue manifestar para o genitor guardião suas necessidades afetivas em relação ao genitor ausente, culpabiliza-se, isola-se e agride-se. Também, nesse caso, o comportamento da criança é tomado como patologia e não como expressão de produções subjetivas da situação do litígio, o que serve como argumento e explicação para a acusação de abuso.

Para González Rey (2007)González Rey, F. L. (2007). Psicoterapia, subjetividade e pós-modernidade. Uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Thomson. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAN). (2006). Família e dignidade humana. In ANAIS do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte., é exatamente quando o sujeito define o problema com ações que contrariam seu desenvolvimento e seu bem-estar, não buscando outras opções de subjetivação, que ele perpetua e aprofunda o conflito.

De outro lado, temos o exemplo da adolescente cujo "medo" do genitor ausente - elemento de sentido de sua configuração subjetiva da conjugalidade - a impede de assumir suas necessidades afetivas e seus sonhos para o futuro. Ao se interagir e se confrontar com o genitor ausente, produz novos sentidos subjetivos em relação ao casamento e converte seu medo na possibilidade de constituir uma vida afetiva qualitativamente mais rica. Em síntese, a explicação do medo, como parte de uma configuração subjetiva integrante da personalidade do sujeito, virá mudar substancialmente o raciocínio sobre a produção do litígio em cada caso concreto, sabidamente complexa e subjetiva.

Conclusão

São significativos os indicadores de que a constituição do litígio é comprometida com as históricas produções subjetivas dos membros da família, especialmente daqueles que inicialmente o geram: os ex-cônjuges. Sentidos e emoções contraditórias, como amor e ódio, confiança e desconfiança, segurança e desamparo, integram suas configurações subjetivas presentes no litígio e orientam suas ações para a manutenção, ou não, do problema. Os filhos, sabidamente em períodos sensíveis do desenvolvimento, geram "uma das emoções mais perigosas": o medo, talvez, de perderem a segurança, conforme Deleuze e Guattari (1980/1996Deleuze, G., & Guattari, F. (1996). Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia (34a ed. V. 3. A. Guerra Neto, A. de Oliveira, L. C. Leão & S. Rolnik, trads.). Rio de Janeiro: Ed. 34. (Trabalho original publicado em 1980)., p. 109), "a grande organização molar que nos sustenta".

Diríamos que o medo integra a produção subjetiva dos filhos em relação ao litígio e os impele a confrontar a incerteza ou a fugir dela, portanto, a criar, ou não, alternativas para o seu desenvolvimento. No sentido do que defende Deleuze e Guattari, o medo talvez seja uma forma do filho romper com a histórica representação social do casamento - uma união afetiva dos genitores, o que o tranquilizava - e enfrentar o desarranjo de sua família mediante o litígio. O problema é a perpetuação do litígio, que contribui para a sua institucionalização, cujo valor normativo tem influenciado sobremaneira as representações sobre ele, construídas pelos operadores do Direito e pelas famílias, quase sempre sem nenhum juízo moral sobre seus resultados e suas conse-quências culturais e sociais. De fato, a institucionalização tem contribuído com uma compreensão universal do litígio - reducionista, mecânica, por que não dizer intervencionista? -, o que dificulta um trabalho de conscientização das famílias, para que elas possam assumir a condição de sujeito desse processo e de sua resolução.

O que isso representa senão o "cego processo técnico-científico" atual, claramente criticado por Morin (2008)Morin, E. (2008). A Cabeça Bem Feita. Repensar a reforma. Reformar o pensamento (E. Jacobina, trad.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. e um desafio para os experts do Direito e da Psicologia, que, na nossa opinião, ainda virão reconhecer e assumir que a constituição do litígio é singular, não universal?

Nesse contexto, a transformação da representação econômica do litígio é o maior desafio a ser assumido, principalmente pelas famílias. Sua vulgarização, constituída na prática discursiva da sociedade e nos autos dos processos judiciais, inclusive com o envolvimento dos filhos, tem servido apenas ao conflito. Assim, é possível constatar o valor da explicação da singularidade do litígio em cada caso concreto: a definição judicial sobre a guarda, atendendo ao princípio do "melhor interesse da criança"; a fundamentação de cursos de formação e trabalhos de educação e de intervenção psicológica nos fóruns judiciais e nas escolas.

As famílias deverão ser convocadas a refletir sobre suas produções subjetivas implicadas na constituição e manutenção do litígio e a assumir a responsabilidade de resolver o problema. Os profissionais, por seu turno, deverão ser convocados a refletir sobre a multiplicidade dos elementos de sentido que envolve a constituição e resolução de cada litígio, sem se apegarem a conhecimentos universais e dogmáticos, sobretudo em favor da condição humana, importante neste momento histórico. Nesta direção, a principal limitação desta pesquisa é também comprometida com a Epistemologia Qualitativa ou com a necessidade de abrirmos novas "zonas de sentido" do problema, já que a nossa conclusão não é definitiva ou dogmática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2013
  • Revisado
    29 Jul 2014
  • Aceito
    05 Ago 2014
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