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Poder, Norma e Ideário na Lei da Alienação Parental1 1 Este artigo foi realizado e aprovado antes da promulgação de outra Lei (14.340, de 18 de maio de 2022), que alterou parte significativa da versão original da lei da alienação parental. No entanto os argumentos aqui expostos não só se mantêm como válidos, como se mostram ainda mais pertinentes diante da nova versão da lei.

Power, Norm and Ideology in the Law of Parental Alienation

Poder, Norma e Ideología en la Ley de Alienación Parental

Resumo

A recomendação ética do psicólogo para intervir criticamente sobre a demanda vai de encontro com a tarefa de diagnosticar atos de Alienação Parental e, num sentido amplo, com a judicialização das relações privadas. A genealogia de Foucault consiste num método capaz de lançar luz sobre as práticas de poder na base dos discursos relacionados ao tema da alienação parental. O eufemismo pedagógico empregado para designar as sanções da lei tem como finalidade estratégica o convencimento a respeito de supostos benefícios da tutela sobre as famílias, ao mesmo tempo em que lhes são atribuídas alguma patologia disfuncional. Numa perspectiva crítica, a assimetria de gêneros corresponde às relações de poder presentes no problema da alienação parental. Por fim, a inversão dos critérios de identificação da alienação parental revela o distanciamento entre o ideal normativo e a realidade da ruptura conjugal e familiar, apontando para a importância de práticas de cuidado e assistência em vez de judicativas e punitivas.

Palavras-chave:
Alienação parental; Lei; Genealogia; Judicialização

Abstract

The psychologist’s ethical recommendation to critically intervene on the demand goes against the task of diagnosing acts of Parental Alienation (AP) and, in a broad sense, with the judicialization of private relations. Foucault’s genealogy consists of a method able to shed on the power practices on the basis of discourses related to the theme of Parental Alienation. The pedagogical euphemism used to designate the sanctions of the law has the strategic purpose of convincing about the supposed benefits of guardianship over families, while attributing some dysfunctional pathology to them. From a critical perspective, gender asymmetry corresponds to the power relations present in the Parental Alienation problem. Finally, the inversion of the Parental Alienation’s identification criteria reveals the gap between the normative ideal and the reality of marital and family disruption, pointing to the importance of care and assistance practices instead of judicative and punitive ones.

Keywords:
Parental alienation; Law; Genealogy; Judicialization

Resumen

La recomendación ética del psicólogo de intervenir críticamente sobre la demanda va en contra de la tarea de diagnosticar actos de Alienación Parental (AP) y, en un sentido amplio, con la judicialización de las relaciones privadas. La genealogía de Foucault consiste en un método capaz de arrojar luz sobre las prácticas del poder a partir de discursos relacionados con el tema de la Alienación Parental. El eufemismo pedagógico que se utiliza para designar las sanciones de la ley tiene el propósito estratégico de convencer sobre los supuestos beneficios de la tutela sobre las familias, atribuyéndoles alguna patología disfuncional. Desde una perspectiva crítica, la asimetría de género corresponde a las relaciones de poder presentes en el problema de la Alienación Parental. Finalmente, la inversión de los criterios de identificación de la Alienación Parental revela la brecha entre el ideal normativo y la realidad de la ruptura conyugal y familiar, señalando la importancia de las prácticas de cuidado y asistencia en lugar de las judicativas y punitivas.

Palabras clave:
Alienación parental; Ley; Genealogía; Judicialización

A alienação parental é um tema controverso que, desde a promulgação da Lei 12.318 de 2010, despertou debates por diversos atores sociais e grupo de pressão sem que se chegasse a um consenso sobre sua permanência, o endurecimento ou até mesmo sua simples revogação2 2 Recuperado de https://www.camara.leg.br/noticias/631131-projeto-revoga-a-lei-de-alienacao-parental/ . Em diálogo com o direito, a psicologia vem dando contribuições para esses debates públicos, embora não haja igualmente consenso, tal como se observa na coletânea sobre o tema publicado pelo Conselho Federal de Psicologia (Silva I., 2019Silva, I. R. (Org.). (2019). Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas. CFP.). Contudo, a discussão pura e simples em torno da lei, seja em favor de seu endurecimento, seja de sua extinção, neste último caso, sob o argumento de que já existiriam leis mais eficazes, não atinge a espinha dorsal do problema: a redução dos conflitos de ordem familiar à lógica e à semântica do direito.

A judicialização da vida em profundidade é um grande desafio a ser enfrentado no cenário atual, inclusive, pela psicologia, esta correndo o risco de ser judicializada, ou seja, de se tornar um mero braço do aparelho judiciário ou das políticas criminais e de segurança (Arantes, 2019Arantes, E. (2019). Psicologia tutelada? Considerações sobre participação democrática e pauta da criança e do adolescente. In Conselho Federal de Psicologia, Discussões sobre depoimento especial no sistema conselhos de psicologia conselho federal de psicologia: Conselhos Regionais de Psicologia e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (pp. 38-56). CFP.; Brandão, 2020Brandão, E. (2020). Os riscos da judicialização da psicologia jurídica. In L. Darós, & M. Bueno (Orgs.), Escritos sobre políticas públicas e diversidade (pp. 73-82). CRV.). Para além de nos posicionarmos pura e simplesmente em favor ou desfavor da lei, a psicologia poderá dar contribuições mais efetivas por meio de estratégias de cuidado e assistência para as famílias em situação de conflito sob a tutela do judiciário. Juras (2016Juras, M. (2016). Conjugalidade e parentalidade em pais e mães separados: uma proposta de atendimento psicossocial grupal [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório Institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/21302/1/2016_MarianaMartinsJuras.pdf
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) assinala que situações de separação e divórcio exigem apoio e suporte da rede social e de saúde às famílias que necessitam superar as crises provocadas pelo rompimento conjugal, e que deveriam estar presentes no poder executivo por meio de políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente, e não concentrados no poder judiciário.

Por sua vez, a judicialização pode ser induzida por laudos e relatórios psicológicos no atendimento à demanda que o juiz e os operadores do direito dirigem aos profissionais psicólogos. Nesse contexto, observamos que a Resolução nº 6, de 29 de março de 2019 do Conselho Federal de Psicologia (2019) adverte sobre os condicionantes históricos e sociais da pessoa, grupo ou instituição atendido, fazendo eco aos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de ética profissional do psicólogo. http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
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): “O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código” (VII).

Ainda na resolução citada acima, é destacada a importância de:

Intervir sobre a demanda e construir um projeto de trabalho que aponte para a reformulação dos condicionantes que provocam o sofrimento psíquico, a violação dos Direitos Humanos e a manutenção ou prática de preconceito, discriminação, violência e exploração como formas de dominação e segregação (Resolução nº 06/2019, 2019Resolução nº 06, de 29 de março de 2019. (2019, 29 de março). Institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional e revoga a Resolução CFP nº 15/1996, a Resolução CFP nº 07/2003 e a Resolução CFP nº 04/2019. Conselho Federal de Psicologia. http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/69440957/do1-2019-04-01-resolucao-n-6-de-29-de-marco-de-2019-69440920
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, Artigo 7º, § 4º).

A ênfase das balizas éticas acima em meio às controvérsias ligadas à Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) permite destacarmos alguns pontos chave que direcionam a prática do psicólogo para a tarefa de supostamente “diagnosticar” atos de alienação parental, quando, conforme dissemos, a melhor contribuição seria no sentido de ir na contramão da judicialização e criar dispositivos de cuidado e de assistência às famílias. A partir da identificação de pontos chaves no conjunto da querela em torno do conceito e da Lei da Alienação Parental, pretendemos esclarecer as estratégias de poder que sustentam os discursos favoráveis à prática pericial de avaliação e de diagnóstico de alienação parental e fazermos frente aos condicionantes das demandas judiciais que são encaminhadas aos psicólogos com essa finalidade.

Lançaremos como método de investigação a genealogia de Foucault que, ao retomar a crítica de Nietzsche à leitura positivista da história, critica de modo contundente os conceitos de origem e de continuidade e enfatiza os registros da dispersão e da descontinuidade. Melhor dizendo, Foucault retoma ao seu modo o projeto teórico de Nietzsche que enfatizava a prática da interpretação presente no discurso da história, evidenciando que seriam os valores que norteariam as narrativas da história e não os fatos na sua literalidade documental. Portanto, sublinha a dimensão do poder que orienta a narrativa de supostos fatos históricos (Birman, 2018Birman, J. (2018). Genealogia da clínica. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 21(3), 442-464. http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2018v21n3p442.3
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; Foucault, 1997Foucault, M. (1997). Nietzsche, Freud e Marx: Theatrum Philosoficum. Princípio editora.). Nessa esteira de raciocínio, daremos destaque às práticas de poder que produzem os discursos, os saberes e as verdades relacionadas ao tema da alienação parental.

O caráter punitivo da lei, a produção apriorística da família disfuncional e a tendência medicalizante

A alienação parental é, a rigor, um conceito jurídico, tipificado no texto da lei sob a forma de atos3 3 Art. 2o. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (Lei n° 12.318/2010, 2010). . Ela surge como resposta jurídica aos imbróglios familiares que adquiriram novos contornos nas últimas décadas devidos a mudanças sócio-políticas, nas quais se incluem a invasão masculina no território dos cuidados infantis outrora destinados às mães-mulheres (Valente, 2007Valente, M. L. (2007). Síndrome da Alienação Parental: A perspectiva do serviço social. In A. R. Paulino (Org.), Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião (pp. 81-100). Equilíbrio.).

No campo do Direito, parte-se da perspectiva de que a Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) vai ao encontro da valorização da afetividade na composição dos vínculos de parentesco. Com base nisso, recomenda-se a cautela do julgador da área de família, considerando a frequência do fato de os “juízes se depararem com disputas judiciais, cujos pais vindicam a primazia da condição de guardador, muitas vezes motivados por seus egoísticos interesses pessoais, onde visam a causar danos psíquicos ao ex-cônjuge do que o verdadeiro bem-estar do filho” (Madaleno, 2011Madaleno, R. (2011). Curso de Direito de Família. Forense., p. 324.) Diante de atos interpretados pelo julgador como alienação parental, por exemplo, em sua forma extrema de ter sido cometida uma falsa denúncia de abuso sexual, a recomendação é de que ele tome uma atitude bastante energética para coibi-los sem haver punição a posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho e colocam em risco seu equilíbrio emocional, certamente continuará aumentando esta onda de denúncias levadas a efeito de forma irresponsável (Dias, 2006Dias, M. B. (2006). Síndrome da alienação parental, o que é isso. Revista Jus Navigandi, 11(1119). https://jus.com.br/artigos/8690/sindrome-da-alienacao-parental-o-que-e-isso
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)4 4 Recuperado de https://www.mpma.mp.br/arquivos/CAOPIJ/docs/Art_19._Sindrome_da_alienacao__parental_o_que_e_isso.pdf .

Em favor da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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), argumenta-se que o ordenamento jurídico brasileiro não era, até então, eficiente para impedir o afastamento injustificado dos filhos de um dos seus genitores. A exemplo, a Lei da Guarda Compartilhada (Lei n° 13.058/2014, 2014Lei nº 13.058/2014, de 22 de dezembro de 2014. (2014, 22 de dezembro). Lei da Guarda Compartilhada ou Igualdade Parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm
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), não tem objetivo direto de impedir o abuso do poder parental, tampouco reúne instrumentos específicos para regular tal problema de forma eficaz. Seguindo esse raciocínio, a Lei da Alienação Parental aparentemente teria capacidade para validar, garantir e reforçar o cumprimento da guarda compartilhada, para tanto, lançando mão de medidas coercitivas contra aquele(a) que impede a participação e convivência de um dos pais na vida dos filhos. Ao reunir artigos dispersos em diversas leis e organizá-los em torno da Alienação Parental, a Lei 12.318/2010 confere maior força na aplicação das normas legais por parte do magistrado e maior proteção do Estado aos filhos em situação de vulnerabilidade (Brockhausen, 2019Brockhausen, T. (2019). Retrospectiva da Lei de Alienação Parental, Conselho Federal de Psicologia. In Conselho Federal de Psicologia, Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 116-133). CFP.).

Todavia, a Lei da Alienação Parental tende a colocar em primeiro plano as sanções contra o(a) suposto(a) alienador(a) em lugar do princípio de melhor interesse da criança e do adolescente (Cabral, Mercês, Alfino, Monte, Assis, & Souza, 2020Cabral, A. C., Mercês, L. B., Alfino, M. L., Monte, N. C., Assis, P., & Souza, P. (2020). Lei da mordaça? Da “alienação parental” à alienação patriarcal como expressão de violência de gênero. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 41-60). CRP-SP.). Se, de um lado, a Lei da Guarda Compartilhada valoriza o exercício parental de ambos os genitores, de outro lado, a Lei da Alienação Parental desqualifica e prevê até mesmo o afastamento do suposto alienador. Desse modo, não há harmonia entre os espíritos da Lei da Alienação Parental e da Lei da Guarda Compartilhada. Ademais, soa como mero eufemismo quando se pretende qualificar as sanções previstas na Lei da Alienação Parental como educativas (Brockhausen, 2019Brockhausen, T. (2019). Retrospectiva da Lei de Alienação Parental, Conselho Federal de Psicologia. In Conselho Federal de Psicologia, Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 116-133). CFP.) ou pedagógicas (Silva, 2019Silva, D. (2019). Alienação parental: O lado sombrio da separação. In I. R. Silva (Org.), Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 50-69). CFP.), pois tal propósito não parece compatível com medidas extremas de inversão de guarda ou suspensão da autoridade parental5 5 Art. 6o. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental ((Lei n° 12.318/2010, 2010). . A lei poderia ter sentido verdadeiramente pedagógico caso, por exemplo, num contexto doutrinário de Proteção Integral, fossem incorporadas as medidas pertinentes aos pais e responsáveis, dispostas no artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 1990 (1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990, 13 de julho). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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), das quais destacamos o encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família e encaminhamento a cursos ou programas de orientação6 6 Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do poder familiar (Lei nº 8.069/1990, 1990). .

O eufemismo empregado para designar as sanções da lei não tem outra finalidade senão o convencimento estratégico das famílias, senão dos operadores do Direito, de que haverá supostos benefícios com as medidas repressivas que se imporão sobre aquelas. Tal estratégia articula-se a outra ideia, igualmente utilizada em favor do conceito e da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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), a saber, de que existem dinâmicas familiares de cunho ‘patológico’ que não seriam alcançáveis pela Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 13.058/2014, 2014Lei nº 13.058/2014, de 22 de dezembro de 2014. (2014, 22 de dezembro). Lei da Guarda Compartilhada ou Igualdade Parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm
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), tornando, em tese, necessária a aplicação da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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). Contudo, tal argumento pressupõe a existência a priori de mães ou pais alienadores, ou seja, de que a alienação parental preexistiria ao conjunto de saberes e práticas jurídicas que avaliam, julgam e punem uma relação familiar como sendo “alienadora”.

Na perspectiva da genealogia dos poderes em Foucault, é fundamental considerarmos que o sujeito não é dado a priori, e, sim, constituído por estratégias de poder das quais as práticas jurídicas são as mais importantes (Foucault, 1996Foucault, M. (1996). A Verdade e as Formas jurídicas. Nau.). Tomemos como exemplo a produção da figura do delinquente no contexto histórico das sociedades disciplinares (Foucault, 1987Foucault, M. (1987). Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Vozes.). O esboço do delinquente constituiu-se como elemento estratégico da gestão panóptica da multiplicidade humana. Para tanto, foi necessário que os exames criminológicos introduzissem em suas perícias a biografia do infrator. Dessa maneira, as perícias fizeram crer que o delinquente preexistiria ao seu ato, ou num raciocínio-limite, fora deste7 7 “Por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, revela-se o caráter delinquente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica. A introdução do ‘biográfico’ é importante na história da penalidade. Porque ela faz existir o ‘criminoso’ antes do crime e, num raciocínio-limite, fora deste. . . . O delinquente se distingue também do infrator pelo fato de não somente ser o autor de seu ato (autor responsável em função de certos critérios da vontade livre e consciente), mas também de estar amarrado a seu delito por um feixe de fios complexos (instintos, pulsões, tendências, temperamento)” (Foucault, 1987, p. 280-281). . Ora, perguntemo-nos: não é essa mesma lógica em jogo quando se busca justificar a existência da Lei da Alienação Parental para coibir patologias familiares que supostamente preexistiriam a ela própria? E que, assim, para confirmar tais patologias, a lei se encarrega de estimular o aprimoramento do perito, sendo aquele do qual é exigida “aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental” (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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, Art. 5o, § 2o)?

Na esteira desse raciocínio, Brandão (2020Brandão, E. (2020). Os riscos da judicialização da psicologia jurídica. In L. Darós, & M. Bueno (Orgs.), Escritos sobre políticas públicas e diversidade (pp. 73-82). CRV.) demonstra que no Brasil a entrada da Psicologia nas Varas da Infância e Juventude e da Família, entre as décadas de 1980 e 1990, é consequência do triunfo de uma “tendência familiarista” (Donzelot, 1986Donzelot, J. (1986). A política das famílias. Graal.) sobre os diagnósticos fatais que o perito higienista desferia sobre o campo da menoridade.

Porém, a substituição da Doutrina da Situação Irregular pela Doutrina da Proteção Integral no campo das leis menoristas não impediu o aumento exponencial da demanda por perícias (Brandão, 2016Brandão, E. (2016). Uma leitura da genealogia dos poderes sobre a perícia psicológica e a crise atual na psicologia jurídica. In E. Brandão (Org.), Atualidades em Psicologia Jurídica (pp. 115-126). Nau.). Tal paradoxo é explicado pelo fato de as perícias preservarem a autoridade simbólica do juiz, tendo por consequência a judicialização da vida em seus mais diversos níveis. Por essa razão, temas que passaram a predominar no campo do Direito de Família e do Direito da Infância e da Juventude, por exemplo, a alienação parental e o abuso sexual, não fazem outra coisa senão aprofundar a judicialização das relações doméstico-familiares. O autor conclui que a tendência familiarista comporta certas contradições, inclusive, a absorção da tendência medicalizante que aparentemente teria sido varrida mediante a desaparição da figura do psiquiatra do Código de Menores de 1927.

Lima (2016Lima, R. (2016). Psiquiatria infantil, medicalização e a síndrome da criança normal. In Comissão de Psicologia e Educação do CRP-RJ (Org.), Conversações em Psicologia e Educação (pp. 50-72). CRP-RJ.) assinala que a expansão da psiquiatria ao campo da infância a partir do aparecimento e da inflação de transtornos, do avanço dos diagnósticos ao que era considerado “normal” e da ampliação de quadros ou situações passiveis de intervenção medicamentosa, corresponde ao fenômeno da medicalização que ganhou força na década de 1990. O autor observa que a medicalização não é sempre um fenômeno total, podendo se misturar a outras esferas, em destaque, a justiça. Embora o autor cite como exemplo o mandato do cuidado em situações envolvendo uso de drogas, podemos supor que o amalgama entre medicalização e justiça se ramificou por outras searas, incluído o direito de família.

Desse modo, a Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) infiltra a tendência medicalizante sob a forma de diagnósticos a serem proferidos pelo perito, ao mesmo tempo em que substancializa a autoridade do juiz, legitimando, assim, a tomada de decisões monocráticas para a resolução do conflito familiar:

§ 1o. O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2o. A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental (Art. 5o).

Percebemos claramente a intenção do legislador de afunilar a intervenção de psicólogos e equipes interprofissionais a avaliações periciais, ordenando não apenas o procedimento metodológico a ser empregado, mas também constrangendo tais profissionais a ter como tarefa princeps o suposto “diagnóstico de alienação parental”. Nesse sentido, fazemos eco à observação de Sousa (2019Sousa, A. (2019) A (re)produção do dispositivo [síndrome da] alienação parental no Brasil. In I. R. Silva (Org.), Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 81-96). CFP.) de que:

Causa preocupação o fato de a(o) legisladora (or), ao mesmo tempo em que prioriza a avaliação individual na busca por patologias em situações de disputa de guarda de filhos, desconsidera a normativa que rege o exercício da profissão no país, assim como os debates sobre formas de intervenção que não favoreçam o acirramento do conflito entre os genitores (p. 88).

Acrescentamos chamar nossa atenção o emprego do termo “diagnosticar” pelo legislador, sugerindo certa abertura para as pretensões do psiquiatra norte americano que deu origem ao conceito de Síndrome de Alienação Parental, Richard Gardner. Como sabemos, Gardner aspirava que a síndrome fosse incorporada pelos manuais diagnósticos psiquiátricos, algo que jamais se concretizou8 8 A SAP não foi incorporada como doença pelos manuais psiquiátricos, tampouco reconhecida como tal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Entretanto, o termo alienação parental passou a constar numa versão mais recente do Manual de Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) sob forma de problema relacional e não como doença. Assim, a síndrome foi inserida no índice de termos do manual, propriamente no item QE 52.0, denominado “problemas de relacionamento com o cuidador”. .

Para completar o quadro, a tarefa de diagnosticar atos de alienação parental pressupõe que o fenômeno esteja dado a priori, imputando ao autor desses atos a vontade consciente de afastar a prole de seus familiares. Nesse raciocínio, caberia ao perito tão somente revelar a verdade dos fatos para subsidiar a decisão judicial, sem nenhuma apreciação crítica sobre a objetividade requerida pelo direito. Em contrapartida, a leitura genealógica permite vislumbrar que a verdade corresponde a um conjunto de procedimentos regulados para a produção dos enunciados, ligados a jogos de poder que a produzem e a apoiam (Foucault, 1993Foucault, M. (1993). Microfísica do poder. Graal.).

Ideário de igualdade parental e a desigualdade de gênero

Das estratégias de poder colocadas em jogo na alienação parental, cabe destacar a mais central nesse campo de discussão, a saber, a política de gêneros. Para tanto, convém nos debruçarmos sobre o contexto norte-americano do final da década de 1960 a 1980, quando ocorreu um intenso movimento feminista de crítica ao modelo tradicional de família centrada no patriarcado. Naquela paisagem de forte contestação, a figura do homem passou a ser representada como um predador em potencial tanto da mulher como de seus filhos. Nela teve origem uma série de denúncias de abuso infantil supostamente cometidas por seus pais, configurando aquilo que poderia ser chamado de uma epidemia de abuso sexual infantil (Birman, 2017Birman, J. (2017). Genealogia do trauma e formas de subjetivação na contemporaneidade. In C. Oliveira, & R. Müller (Orgs.), Subjetivações e gestão dos riscos na atualidade (pp. 13-29). Contracapa/FAPERJ.). Foi dado início a uma ampla agenda política em que o homem foi visto como figura predatória, seja na vertente do estupro contra as mulheres denunciado especialmente por líderes feministas, seja na vertente dos maus-tratos e abusos infantis trazida à lume por médicos e movimentos sociais.

Na corrente desses acontecimentos, surge a teoria da múltipla personalidade segundo a qual a dissociação em fragmentos da personalidade na vida adulta seria causada por traumas infantis, em sua grande maioria, ligados ao abuso sexual. Logo, a múltipla personalidade transformou-se em diagnóstico oficial da Associação Americana de Psiquiatria em 1980 e, dois anos depois, foi alçada ao patamar de epidemia pelos psiquiatras norte-americanos. Para estes, o diagnóstico tornou-se mais fácil de identificar depois que reconheceram a causa mais comum de personalidades dissociadas, a saber, repetidos abusos sexuais vividos na infância que ficavam esquecidos ao longo do desenvolvimento individual (Hacking, 2000Hacking, I. (2000). Múltipla Personalidade e as Ciências da Memória. José Olympio.).

Ao ser associado ao abuso infantil, o distúrbio da múltipla personalidade provocou intensas opiniões sobre a família, o patriarcado, a violência e a opressão de todo um sistema social favorável aos homens. No campo terapêutico, os pacientes múltiplos eram encorajados a rememorar as cenas traumáticas vividas na infância que, porém, se tornavam cada vez mais bizarras, abalando a credibilidade de suas memórias. Com efeito, a desconfiança sobre as lembranças dos múltiplos foi institucionalizada em 1992, na Fundação da Síndrome da Falsa Memória, cujo grupo dedicou-se a apoiar os pais acusados, a abrir processos judiciais e a advertir sobre os riscos de uma psicoterapia irresponsável (Hacking, 2000Hacking, I. (2000). Múltipla Personalidade e as Ciências da Memória. José Olympio.). Era comum a condenação dos pais por seus filhos, mesmo sem provas contundentes, por meio apenas da memória recuperada pelo paciente e o testemunho de seu terapeuta (Pinto, Pureza, & Feijó, 2010Pinto, L., Pureza, J., & Feijó, L. (2010). Síndrome das falsas memórias. In Stein, L. (Org.), Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas (pp. 240-259). Artmed.). Se, por um lado, essa Fundação acusava os clínicos de gerarem lembranças de abuso infantil que nunca ocorrera, por outro lado, os ativistas acusavam o grupo de apoiar aqueles que abusam de crianças. Dilema que, vale dizer, se encontra ainda hoje nas querelas sobre alienação parental.

Tais linhas de força promoveram as condições de surgimento da teoria de Gardner, associando as denúncias falsas de abuso sexual à Síndrome de Alienação Parental (SAP). Diante da epidemia de casos de abuso sexual que seriam rememorados por pacientes com múltipla personalidade, dos quais as mulheres eram maioria, Gardner alertava sobre outra epidemia, a de denúncias falsas de abuso sexual, conduzidas por crianças atingidas pela SAP por influência, sobretudo, de mulheres impelidas por sentimentos de rancor, mágoa e vingança.

Há um campo de batalha de gêneros como pano de fundo dos discursos e das práticas jurídicas orientados pela alienação parental (Brandão, 2019aBrandão, E. (2019a). Psicanálise e Direito: Subversões do sujeito no campo jurídico. Nau., 2019bBrandão, E. (2019b). Os problemas de gênero na alienação parental e na guarda compartilhada. In Conselho Federal de Psicologia, Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 173-184). CFP.). Nesse contexto de discussão, Sottomayor (2011Sottomayor, M. (2011). Uma análise crítica da síndrome de alienação parental e os riscos da sua utilização nos tribunais de família. Coimbra. http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/073-107-Aliena%C3%A7%C3%A3o-parental.pdf.
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) adverte que a teoria de Gardner transforma em patologia o exercício dos direitos legais da mulher que, em determinadas situações, defende os seus filhos. Tal teoria parte da presunção de má-fé daquela sob a qual recai a suspeita de alienadora, tendo como consequência a desvalorização da palavra das crianças e a invisibilidade da violência contra mulheres e crianças.

Em defesa da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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), Brockhausen (2019Brockhausen, T. (2019). Retrospectiva da Lei de Alienação Parental, Conselho Federal de Psicologia. In Conselho Federal de Psicologia, Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 116-133). CFP.) comenta que Gardner reformulou a definição original de alienação parental para conferir gênero neutro ao agente alienador. Desse modo, o autor dedica parte do seu livro à alienação praticada por homens, embora também afirme que as mães obtêm mais sucesso na prática alienadora em razão do tempo maior que passam com a prole ou do vínculo primário que constitui a primeira infância. Em contrapartida, podemos considerar que tais argumentos não são outra coisa senão a admissão de que as teses de Gardner mascaram a desigualdade entre os gêneros. O fato de substituir a terminologia em nada resolve o problema, apenas o disfarça.

Tampouco nos parece válido o argumento de que o texto legal não possui conotação de gênero (Araújo, 2019Araújo, S. (2019). Alienação parental e normativas: O histórico da aprovação da Lei n. 12.318, de 26 de agosto de 2010, capitalização de normativas infralegais nos âmbitos judicial, MP e Legislativo. Movimentos de defesa e questionamentos da Lei. Conselho Federal de Psicologia. In I. R. Silva (Org.), Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 97-115). CFP.), pois a abstração jurídica em torno do melhor interesse da criança entra em descompasso com a divisão dos papéis sociais reservados a homens e mulheres. Sabemos que a igualdade formal jurídica entre os dois gêneros não gera por si só a emancipação econômica destas últimas, normalmente destinadas a duplas jornadas e ao trabalho doméstico com maior frequência do que os homens (Cisne, 2018Cisne, M. (2018). Feminismo e marxismo: Apontamentos teórico-políticos para o enfrentamento das desigualdades sociais. Serviço Social & Sociedade, (132), 211-230. https://doi.org/10.1590/0101-6628.138
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). A conquista formal de isonomia entre homens e mulheres não foi acompanhada pelos sistemas de hierarquia existentes entre os gêneros que podem ser verificados na desvalorização do trabalho reprodutivo e nas funções de cuidado, na divisão sexual do trabalho, no exercício de responsabilidade parental, bem como na normalização de relações familiares violentas (Cabral et al., 2020Cabral, A. C., Mercês, L. B., Alfino, M. L., Monte, N. C., Assis, P., & Souza, P. (2020). Lei da mordaça? Da “alienação parental” à alienação patriarcal como expressão de violência de gênero. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 41-60). CRP-SP.).

Do ponto de vista da psicologia, devemos levar em conta a tensão existente entre parentalidade e conjugalidade. Tal tensão corresponde ao fato de que o ideário de igualdade parental ofusca um amplo debate sobre a desigualdade de gêneros. Dessa maneira, a igualdade parental não é senão, de um ponto de vista crítico, uma construção ideológica sem suporte na realidade das vidas familiares e da divisão desigual do trabalho entre os sexos (Devreux, 2006Devreux, A-M. (2006). A paternidade na França: Entre igualização dos direitos parentais e lutas ligadas às relações sociais de sexo. Sociedade e Estado, 21(3), 607-624. https://doi.org/10.1590/S0102-69922006000300003
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).

Sem a ótica de gênero, incorre-se frequentemente no erro de naturalizar as desigualdades histórico-sociais como um problema de ordem moral-individual, como podemos observar no comentário de Silva (2019Silva, D. (2019). Alienação parental: O lado sombrio da separação. In I. R. Silva (Org.), Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 50-69). CFP.):

Em outros casos, a Alienação Parental costuma ser praticada pelos dois genitores, por vezes também movidos pela raiva, mágoa, ressentimentos pelo fracasso da conjugalidade e/ou do sucesso do outro - principalmente, se o sucesso afetivo e/ou profissional próprio não ocorreu, ou não na mesma proporção (p. 55).

Ou então, no comentário de Buosi (2012Buosi, C. (2012). Alienação Parental: Uma interface do direito e da psicologia. Juruá.):

É frequente perceber em audiências judiciais muitas mães que se apresentam com uma fisionomia muito diferente que tinham na época em que conviviam com seus companheiros. São diversas as mudanças utilizadas para dramatizar e colocar-se numa posição de vítima da situação, tais como mudanças significativas de peso (excessivamente magras ou obesas), falta de cuidados próprios com unhas, cabelos e roupas, olhar e cabeça cabisbaixos, fala inaudível aparentando sofrimento e muita dor (p. 83).

A diferença entre os gêneros se materializa, inclusive, no tipo de ação judicial que homens e mulheres acionam uns contra os outros nas contendas de família. Há prevalência de ações de alienação parental contra as mulheres, ao passo que as ações de indenização por abandono afetivo predominam contra os homens. Enquanto as mães são denunciadas pelo abuso do exercício parental, os pais são acusados pelo distanciamento afetivo, ainda que as obrigações alimentícias sejam cumpridas. A autora percebe que a função de provedor sobressai em relação aos homens, sendo que, quando acusados de alienação parental, atribui-se um abuso da força econômica destes sobre os filhos. Por sua vez, as motivações atribuídas às mães acusadas de alienação parental dividem-se entre a insatisfação quanto aos valores da pensão alimentícia e uma vingança dirigida ao outro movida pelo rancor em decorrência da sua decisão de pôr fim ao relacionamento afetivo, na qual se acentuam as desqualificações da mulher e da mãe em virtude de sua natureza passional (Dias, 2020Dias, J. (2020). Filhos entre laços familiares judicializados: Uma leitura psicanalítica sobre o fenômeno da alienação parental [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório Institucional da UFBA. https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba.br/files/dissertao_verso_final_julia_torres_dias.pdf
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).

Nesse caso, as ações judiciais normalmente destacam o poder supostamente nocivo da afetividade materna, dirigidas ora contra os excessos da influência da mãe sobre os filhos, ora contra um suposto exercício incompetente e desequilibrado da maternidade.

Urra (2020Urra, F. (2020). Masculinidades e a produção de “alienação parental”. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 20-26). CRP-SP.) constata que alguns homens recorrem à alienação parental para negociar o valor da pensão ou para simplesmente atingir as ex-companheiras, sobretudo, quando confrontados com um movimento de tomada de consciência da mulher e consequente busca de liberdade. Por sua vez, Nakamura (2020Nakamura, C R. (2020). O mito do superior interesse da criança e do adolescente. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 27-41). CRP-SP.) adverte sobre o uso do interesse superior da criança nos processos de alienação parental como mecanismo subliminar de atendimento aos interesses dos adultos, fazendo dele uma alegoria sem compromisso com a realidade.

Cabral et al. (2020Cabral, A. C., Mercês, L. B., Alfino, M. L., Monte, N. C., Assis, P., & Souza, P. (2020). Lei da mordaça? Da “alienação parental” à alienação patriarcal como expressão de violência de gênero. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 41-60). CRP-SP.) afirmam que o espaço jurídico procura manter aparente neutralidade quando, na verdade, corresponde a um campo discursivo no qual atores e papéis estão em disputa. Com efeito, o uso instrumental da alienação parental está associado a mecanismos de reprodução patriarcal, incidindo de forma desproporcional entre homens e mulheres. Dito de outro modo, a acusação de alienação parental é utilizada como uma nova forma de violência de gênero contra mulheres, assim como crianças e adolescentes, com impacto negativo a todas as pessoas envolvidas, inclusive aos homens-pais, na medida em que tende a acirrar e perpetuar conflitos relacionais. Tal situação ainda pode ser mais complicada diante da suspeita materna de que a criança possa ser abusada pelo pai, pois, na falta de provas que confirmem algum fato, elas possam ser acusadas de alienadoras, ou cometerem propositalmente falsa alegação de abuso sexual. E por mais que insista em denunciar fatos ou indícios de violência e abuso, a mulher que recebe o estereótipo de alienadora passa a ser vista como descontrolada e manipuladora na mesma proporção com que sua fala passa a ser desqualificada. Consequentemente, dizem as autoras:

Algumas [mulheres] chegam a adoecer no decorrer dos longos e extenuantes processos jurídicos, ao serem instadas a produzirem incessantemente provas, que são requisitadas para convencimento do juízo; e, tal qual a profecia auto realizadora, têm esse adoecimento produzido, posteriormente, usado contra elas. Por outro lado, outras se submetem, e se calam, como estratégia necessária “para não piorar ainda mais a situação”, sob orientação de suas/seus advogadas/os; e outras ainda, em desespero, buscam alternativas à margem do sistema, como fugir, se esconder, sair do estado, do país ou da vida (suicídio) (Cabral et al., 2020Cabral, A. C., Mercês, L. B., Alfino, M. L., Monte, N. C., Assis, P., & Souza, P. (2020). Lei da mordaça? Da “alienação parental” à alienação patriarcal como expressão de violência de gênero. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Cristalização, patologização e criminalização da vida no sistema de Justiça: “Alienação Parental” e a atuação da/o psicóloga/o (pp. 41-60). CRP-SP., p. 52).

Por fim, Silva (2020Silva, G. (2020) A lei de alienação parental: Da promessa de proteção à banalização de sua aplicação. Instituto Brasileiro de Direito de Família. https://bit.ly/3ZsjfFu.
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) aponta igualmente para os problemas destacados acima, incluído o uso da alienação parental como meio de coibir denúncias de abuso sexual que, por sua vez, são realizadas na maioria pela mãe em face do pai. A autora chama atenção para as medidas penalizantes presentes na lei, diante das quais a mãe que suspeita do suposto abuso paterno tem, e voltar-se contra si as penalidades citadas no referido artigo, em vista da dificuldade de provar o abuso sexual. Na medida em que a lei pode se materializar como uma ferramenta de violência de gênero, deve-se temer a sua banalização.

É certo que o mau uso de uma lei não implica por si só que ela deva ser abolida. Nesse raciocínio, Brockhausen (2019Brockhausen, T. (2019). Retrospectiva da Lei de Alienação Parental, Conselho Federal de Psicologia. In Conselho Federal de Psicologia, Debatendo sobre alienação parental: Diferentes perspectivas (pp. 116-133). CFP.) defende a necessidade do aprimoramento profissional do perito para identificar a alienação parental e, assim, fazer o diagnóstico diferencial do abuso sexual infantil. O mau uso da lei por supostos abusadores poderia ser, assim, refreado a partir de “formas mais efetivas de identificação de problemas complexos e de aprimoramento dos serviços, minimizando erros e maximizando a proteção de vítimas” (p. 127).

Todavia, conforme argumentamos acima, há no texto da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) a intenção de afunilar a atuação de psicólogos e das equipes interprofissionais em torno da tarefa de “diagnosticar” a alienação parental, atendendo, assim, à estreita demanda judicial pela busca da verdade factual e objetiva. Cabe nos questionarmos se esse “aprimoramento dos serviços” entra em rota de colisão com a diversidade e amplitude de teorias e técnicas que orientam a práxis do psicólogo, assim como sobre a complexidade dos conflitos familiares que aportam o judiciário.

O ideal de família e as estratégias de normalização

Há um ideal normativo de família implícito no texto da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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), sobre o qual convém determo-nos. Com objetivo de examiná-lo, tomaremos de empréstimo a inversão que Lima (2016Lima, R. (2016). Psiquiatria infantil, medicalização e a síndrome da criança normal. In Comissão de Psicologia e Educação do CRP-RJ (Org.), Conversações em Psicologia e Educação (pp. 50-72). CRP-RJ.) realiza, num outro contexto de discussão, sobre a inflação diagnóstica sobre a infância, com ênfase no TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).

Lima (2016Lima, R. (2016). Psiquiatria infantil, medicalização e a síndrome da criança normal. In Comissão de Psicologia e Educação do CRP-RJ (Org.), Conversações em Psicologia e Educação (pp. 50-72). CRP-RJ.) assinala que as fronteiras entre normalidade e patologia, especialmente no campo da saúde mental, estão sujeitas a constantes redefinições. Referente ao universo infantil, em razão do desenvolvimento da criança, o desafio de estabelecer essa distinção com clareza é ainda maior. Por isso, estabelecer o limite entre normal e patológico para uma criança pressupõe necessariamente a relação dela com o seu meio - familiar, escolar, comunitário, biológico -, não fazendo sentido atribuir a ela um diagnóstico sem que o ambiente seja levado em conta. O autor pergunta-se então que concepção de normalidade está implícita nas novas categorias psiquiátricas infantis e juvenis, sobretudo, aquelas que adquiriram maior popularidade desde as últimas versões dos manuais diagnósticos, como o TDAH ou TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador). Em busca de resposta, ele inverte os critérios de definição de alguns quadros psiquiátricos da infância descritos no DSM-V. Com efeito, ao inverter as proposições dos diagnósticos mais corriqueiros hoje em dia destinados à infância, ele chega à norma psiquiátrica e conclui que esta requer elevados ideais que dificilmente correspondem a uma criança da realidade comum.

Tomemos de empréstimo o método de virar do avesso os critérios diagnósticos que, no caso em particular, são utilizados na definição da síndrome de alienação parental ou da alienação parental. Segundo Baker e Darnall (2006Baker, A. J., & Darnall, D. (2006). Behaviors and strategies employed in parental alienation: A survey of parental experiences. Journal of Divorce & Remarriage, 45(1-2), 97-124. https://doi.org/10.1300/J087v45n01_06
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), alguns critérios elencados para identificar a criança alienada são a presença das seguintes características: Campanha de difamação; Razões fracas, frívolas ou absurdas para a rejeição; Falta de ambivalência; Fenômeno do “pensador independente”; Apoio reflexivo do pai alienante; Ausência de culpa; A presença de cenários emprestados; e Rejeição de parentes e amigos do pai rejeitado.9 9 No original: Campaign of denigration; Weak, frivolous, or absurd reasons for the rejection; Lack of ambivalence; “Independent thinker” phenomenon; Reflexive support of the alienating parent; Absence of guilt; The presence of borrowed scenarios; and Rejection of extended family and friends of the rejected parent. https://pasg.info/app/uploads/2020/03/FAQ-Behavior-of-alienated-child-2020-03-11.pdf

Ao invertermos tais critérios para compreender o que se espera da criança diante do litígio dos pais, encontraríamos idealmente nela o seguinte comportamento em relação aos genitores: Enaltecimento do pai e da mãe; Rejeição apenas diante de razões fortes, necessárias e razoáveis; Sentimento ambivalente de amor e ódio; Capacidade verdadeira de pensar com autonomia; Independente do apoio reflexivo de sua mãe ou de seu pai; Sentimento de culpa diante de alguma rejeição sua; Cenários originais e incólumes; e Demanda pela convivência de parentes e amigos do pai e da mãe.

Observamos que, ao operarmos a inversão dos critérios acima, há uma expectativa subjacente de que a criança apresente atitudes de autonomia e amorosidade que, eventualmente, poderá ser incompatível com sua etapa do desenvolvimento ou com o ambiente de ruptura familiar e disputa judicial.

Em relação ao suposto alienador, são arroladas as seguintes atitudes em relação aos filhos: Fala mal do genitor alvo; 2Limita o contato; Interfere na comunicação; Interfere na comunicação simbólica; Ameaça retirar o seu amor; Diz que o genitor-alvo é perigoso; Força a escolher entre os pais; Diz que o pai alvo não ama a criança; Transforma a criança numa confidente; Força a criança a rejeitar o genitor alvo; Pede à criança para espionar o genitor alvo; Pede para guardar segredos em relação genitor alvo; Refere-se ao genitor alvo pelo primeiro nome; Refere-se a uma madrasta ou um padrasto como mamãe ou papai; Omite informações importantes do genitor alvo; Muda o nome da criança; e Mina a autoridade do genitor alvo10 10 No original: Badmouthing; Limiting contact; Interfering with communication; Interfering with symbolic communication; Threat of withdrawal of love; Telling the child that the targeted parent is dangerous; Forcing the child to choose between the parents; Telling that the targeted parent does not love the child; Confiding in the child; Forcing the child to reject the targeted parent (TP); Asking the child to spy on the TP; Asking the child to keep secrets from the TP; Referring to the TP by first name; Referring to a stepparent as “mom” or “dad”; Withholding important information from the TP; Changing the child’s name; and undermining the authority of the TP. https://www.solonlegalsolutions.com/en/2020/06/05/parental-alienation-part-1-17-strategies/ .

Se invertermos as proposições, teremos o ‘tipo-ideal’ de genitor ou genitora que, diante da separação e do conflito familiar, terá as seguintes condutas: Elogia o outro genitor; Libera o contato com o outro; Permite a comunicação; Permite a comunicação simbólica; Garante preservar o seu amor em relação à criança; Diz que o outro genitor é inofensivo; Não sugere escolher entre os pais; Diz que o outro genitor ama a criança; Não transforma o filho num confidente; Estimula a criança a querer o outro genitor; Recusa que a criança dê informações sobre o outro genitor; Não guarda segredos com a criança em relação ao outro genitor; Refere-se ao outro genitor como pai ou mãe e não pelo primeiro nome; Não se refere ao padrasto ou madrasta como papai ou mamãe; Comunica informações importantes para o outro genitor; Chama ou refere-se à criança pelo nome; e Edifica a autoridade do outro genitor.

Embora possamos considerar tais atitudes do genitor como ideais para proteger a criança diante da separação e do divórcio, não podemos negligenciar o contexto de ruptura e conflito familiar no qual a criança se transforma, muitas vezes de forma passageira, no suporte emocional dos pais. São inegáveis os aspectos emocionais envolvidos na separação do casal, dos quais a decepção, a frustração, o ódio, o sofrimento e a dor são sentimentos comuns que antecedem a dissolução oficial da união amorosa. Nesse ambiente de crise conjugal e familiar, os ex-parceiros são confrontados a reorganizarem suas vidas pessoais e negociarem os cuidados e a convivência dos filhos sob novas bases.

Féres-Carneiro (2003Féres-Carneiro, T. (2003). Separação: O doloroso processo de dissolução da conjugalidade. Estudos de Psicologia, 8(3), 367-374. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2003000300003
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) destaca, numa pesquisa realizada com homens e mulheres das camadas médias da população carioca sobre como vivenciam a construção e a dissolução do casamento, a importância do gênero enquanto fator diferencial na experiência da separação conjugal. Enquanto as mulheres concebem casamento como relação amorosa, para os homens, casamento é, sobretudo, constituição de família. Com efeito, o desejo e a decisão de separação são predominantemente femininos, o que não significa que a intensidade da dor vivenciada por homens e mulheres seja diferente. Entretanto, homens sentem-se de sobremaneira frustrados e fracassados, e mulheres vivenciam principalmente a mágoa e a solidão.

É importante ressaltar que a crise não se limita aos aspectos emocionais, mas envolvem diversos outros, incluídos materiais e econômicos que, conforme destacado acima, estão relacionados com as desigualdades de gênero.

Nesse contexto de discussão, Côté (2016Côté, D. (2016). Guarda compartilhada e simetria nos papéis de gênero: Novos desafios para a igualdade de gênero. Revista Observatório, 2(3), 182-198. https://doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2016v2n3p182
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) observa que, no contexto de separação e divórcio, ao mesmo tempo em que a guarda compartilhada liberta as mulheres da atribuição exclusiva de cuidado das crianças, paradoxalmente ela pode se transformar em fonte de subordinação. Ou seja, a guarda compartilhada representa um grande reconhecimento formal da mobilidade da vida particular de mães e mulheres, e isso constitui uma grande conquista para elas, mas quando a guarda compartilhada vira modelo, profissionais e tribunais a recomendam vivamente, mesmo para aqueles incapazes de chegarem a um acordo.

Com efeito, a autora aponta para a existência de casos no quais a subordinação das mulheres é perpetuada por meio do compartilhamento da guarda, sendo frequentes incidentes de violência física, psicológica, sexual e econômica após a separação. Para agravar a situação, juízes de família inclinam-se a punir o ex-cônjuge que se recusa a “cooperar” com o outro genitor, deixando a vítima de violência doméstica com o expressivo ônus da prova quando levanta tal questão.

Ao darmos luz ao ideal normativo subjacente aos critérios de identificação da alienação parental, percebemos que ele se distancia da realidade de ruptura conjugal e familiar. No entanto, a Lei (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) afunila uma solução jurídica com base na punição, embora revestida com propósito pedagógico, respaldada no diagnóstico de atos de alienação parental examinado por um perito psicólogo. Para agravar o quadro, a análise das políticas de desigualdade de gênero leva a crer que a punição incide sobre o lado mais vulnerável do par familiar, como sendo aquela pessoa que “não coopera” com o cumprimento da lei ou, melhor dizendo, com o ideal normativo que ela implica.

É importante destacar que o ideal normativo não é produto direto da lei jurídica. De acordo com a genealogia de Foucault, o poder não se limita a seu aspecto repressivo, tampouco se exerce no domínio exclusivo da lei. O poder é exercido capilarmente no campo da norma, por meio da qual se regula a vida tanto das individualidades quanto das populações. Seguindo esse raciocínio, o poder não reprime simplesmente uma individualidade ou uma natureza já dada, mas positivamente a constitui, dito de outra forma, produz subjetividades, como vimos acima.

O discurso formal da lei serve de vetor para as estratégias de normalização. Enquanto a lei remete as condutas individuais a um corpus de códigos e textos, qualificando-as como permitidas ou proibidas e buscando a condenação, por sua vez a norma diferencia os indivíduos em relação a uma média, um optimum a ser alcançado, hierarquizando suas capacidades em termos de valor e impondo-lhes uma conformidade que deve ser alcançada.

Nesse contexto de discussão, Scheinvar (2012Scheinvar, E. (2012). Conselho tutelar e escola: A potência da lógica penal no fazer cotidiano. [Número especial]. Psicologia & Sociedade, 24, 45-51. https://www.scielo.br/j/psoc/a/fsDNprVwpV4rS5p8NcShT7x/?format=pdf⟨=pt
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) assinala que as análises de Foucault sobre a biopolítica contribuem para entender a judicialização da vida no contexto do liberalismo, fazendo a ressalva de que assistimos a uma intensificação da lógica penal que clama por mais punições. Instaura-se, assim, uma lógica de vida que desqualifica outras possibilidades de existência e “define como deve ser uma mãe, o que é o controle dos filhos e o que é maltrato; como deve organizar-se uma família” (Scheinvar, 2012Scheinvar, E. (2012). Conselho tutelar e escola: A potência da lógica penal no fazer cotidiano. [Número especial]. Psicologia & Sociedade, 24, 45-51. https://www.scielo.br/j/psoc/a/fsDNprVwpV4rS5p8NcShT7x/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/psoc/a/fsDNprVwp...
, p. 46). A autora conclui que “os modos de vida estão na mira da regra geral definida por leis e elas, para serem aplicadas, intervêm na intimidade das existências, incluídos os desejos e as expectativas” (p. 46).

São colocadas em marcha sanções cada vez mais duras contra aqueles que desobedecem às leis, naturalizando-se a relação lei-punição como condição de justiça.

O cerceamento da Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) em torno da realização de perícia com vista a diagnosticar atos de alienação parental corresponde à lógica punitiva, assim como à tendência medicalizante, no contexto da judicialização da vida comum. Contudo, conforme assinalamos desde o início deste ensaio, não basta nos opormos pura e simplesmente à Lei, ou em caso contrário referendá-la, sem levar em conta os mecanismos de normalização que ultrapassam o campo doutrinário. Diante do panorama complexo de estratégias de poder que incidem sobre a família, torna-se urgente a revisão crítica da inserção da Psicologia e das equipes interprofissionais nas engrenagens jurídicas, sobretudo, em relação à demanda crescente por laudos e relatórios.

Considerações finais

A controvérsia sobre a Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
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) na qual os debatedores costumam se entrincheirar em polos opostos, de um lado, o enaltecimento do texto legal e de outro o seu repúdio total, deve ser superada passados cerca de 10 anos desde a sua promulgação. Com base na genealogia de Foucault, lançamos luz sobre o que consideramos como sendo pontos chave da controvérsia, por meio dos quais destacamos as práticas de poder que, inspiradas especialmente no artigo 5° da Lei n° 12.318/2010, estreitam as demandas judiciais em torno de perícias centradas no diagnóstico de atos de alienação parental.

Tais práticas de poder inscrevem-se na esteira da judicialização da vida, por meio da qual percebemos a existência de estratégias punitivistas que, no entanto, são tratadas como pedagógicas. A mitigação para que as sanções previstas na lei sejam vistas como educativas corresponde tacitamente à tentativa de convencimento tanto das famílias quanto dos operadores do Direito sobre a necessidade de tais medidas, tendo como pressuposto a existência a priori da patologia individual de algum membro do grupo familiar. Desconsidera-se, assim, o aspecto relacional do conflito e o contexto de crise oriunda da ruptura da união conjugal.

Outra dimensão de poder que está na base dos discursos em torno da alienação parental é a política de gêneros, observando que o ideário de igualdade parental que pauta os argumentos em favor da lei procura escamotear a desigualdade entre homens e mulheres, masculino e feminino. Por motivo óbvio, o texto legal não possui conotação de gênero que sugira medidas discriminatórias. Tampouco poderíamos negar a existência de casos concretos em que a mulher é quem recorre à lei para coibir o abuso familiar por parte do homem. Porém, a desigualdade entre gêneros é um eixo de análise inescapável quando se busca abordar as famílias, sendo algo que é, numa leitura genealógica, colocada em marcha por meio de práticas de normalização e disciplina, e não propriamente a partir do texto legal. Contudo, a lei serve de vetor para os jogos de poder que tipificam as pessoas que não se conformam aos ideais alicerçados numa estrutura de profunda desigualdade sociocultural.

Não temos dúvida de que o laudo ou relatório psicológico possa ter lugar de importância no contexto das Varas de Família, inclusive, no sentido do deslinde do litígio e não necessariamente da detecção de atos de alienação parental. Nesse sentido, fazemos eco à observação de Oliveira, Moreira e Natividade (2020Oliveira, R., Moreira, L., & Natividade, C. (2020). Saberes e fazeres da psicologia social no campo da justiça e dos direitos. In L. C. Soares, & L. E. Moreira (Orgs.), Psicologia social na trama do(s) direito(s) e da justiça. Abrapso.) que, ao partir das reflexões da Psicologia Social sobre como profissionais da Psicologia têm lidado com as diferentes demandas de judicialização, afirma: “Esse talvez seja um dos principais desafios da Psicologia na interface com a Justiça - colocar em evidência estratégias de enfrentamento às lógicas normalizadoras” (p. 32).

Na medida em que as estratégias de normalização não se exercem no domínio exclusivo das leis, não nos parece relevante o entrincheiramento em favor ou desfavor da lei, e sim a promoção de práticas de cuidado e de assistência às famílias em processo de dissolução do ninho familiar, com ações efetivas que preferencialmente não estejam concentradas no poder judiciário.

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  • 1
    Este artigo foi realizado e aprovado antes da promulgação de outra Lei (14.340, de 18 de maio de 2022), que alterou parte significativa da versão original da lei da alienação parental. No entanto os argumentos aqui expostos não só se mantêm como válidos, como se mostram ainda mais pertinentes diante da nova versão da lei.
  • 2
  • 3
    Art. 2o. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 4
  • 5
    Art. 6o. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental ((Lei n° 12.318/2010, 2010Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010. (2010, 26 de agosto). Dispõe sobre alienação parental. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 6
    Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do poder familiar (Lei nº 8.069/1990, 1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990, 13 de julho). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 7
    “Por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, revela-se o caráter delinquente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica. A introdução do ‘biográfico’ é importante na história da penalidade. Porque ela faz existir o ‘criminoso’ antes do crime e, num raciocínio-limite, fora deste. . . . O delinquente se distingue também do infrator pelo fato de não somente ser o autor de seu ato (autor responsável em função de certos critérios da vontade livre e consciente), mas também de estar amarrado a seu delito por um feixe de fios complexos (instintos, pulsões, tendências, temperamento)” (Foucault, 1987Foucault, M. (1987). Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Vozes., p. 280-281).
  • 8
    A SAP não foi incorporada como doença pelos manuais psiquiátricos, tampouco reconhecida como tal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Entretanto, o termo alienação parental passou a constar numa versão mais recente do Manual de Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) sob forma de problema relacional e não como doença. Assim, a síndrome foi inserida no índice de termos do manual, propriamente no item QE 52.0, denominado “problemas de relacionamento com o cuidador”.
  • 9
    No original: Campaign of denigration; Weak, frivolous, or absurd reasons for the rejection; Lack of ambivalence; “Independent thinker” phenomenon; Reflexive support of the alienating parent; Absence of guilt; The presence of borrowed scenarios; and Rejection of extended family and friends of the rejected parent. https://pasg.info/app/uploads/2020/03/FAQ-Behavior-of-alienated-child-2020-03-11.pdf
  • 10
    No original: Badmouthing; Limiting contact; Interfering with communication; Interfering with symbolic communication; Threat of withdrawal of love; Telling the child that the targeted parent is dangerous; Forcing the child to choose between the parents; Telling that the targeted parent does not love the child; Confiding in the child; Forcing the child to reject the targeted parent (TP); Asking the child to spy on the TP; Asking the child to keep secrets from the TP; Referring to the TP by first name; Referring to a stepparent as “mom” or “dad”; Withholding important information from the TP; Changing the child’s name; and undermining the authority of the TP. https://www.solonlegalsolutions.com/en/2020/06/05/parental-alienation-part-1-17-strategies/
  • 11
    Eduardo Ponte Brandão Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro - RJ. Brasil. Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Psicólogo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. E-mail: eduardopbrandao@gmail.com
  • 12
    Luciana Jaramillo Caruso de Azevedo Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro - RJ. Brasil. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. E-mail: lucianajaramillo@msn.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Revisado
    01 Nov 2021
  • Aceito
    11 Dez 2021
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