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Reflexões Sobre o Trabalho On-line da Neuropsicologia Infantil numa Visão Histórico-Cultural

Reflections on the Online Work of Child Neuropsychology from a Cultural-Historical Perspective

Reflexiones Sobre el Trabajo Online de la Neuropsicología Infantil Desde Una Perspectiva Histórico-cultural

Resumo

O isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 exigiu uma intensificação no estabelecimento de parâmetros para o trabalho do neuropsicólogo com suas especificidades. Assim, o objetivo deste artigo é levantar reflexões sobre a prática neuropsicológica infantil via internet baseada na nossa experiência prática vivenciada no período, relacionando com as referências teóricas da abordagem histórico-cutural e outros trabalhos que discorrem sobre as particularidades dessa modalidade de atendimento. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em fontes reconhecidas, como SciELO e Google Acadêmico, utilizando-se marcadores como “neuropsicologia on-line” e “teleneuropsicologia”, entre outros, em português, inglês e espanhol. Os trabalhos encontrados foram utilizados como fundamento para discutir as ideias aqui apresentadas, a partir da experiência dos autores durante esse período. Considera-se que os neuropsicólogos precisam enfrentar a possível necessidade do trabalho on-line, considerando que as situações vividas durante a pandemia tendem a aumentar a necessidade de avaliações e intervenções neuropsicológicas. Ao mesmo tempo, se prevê que essa via de trabalho deve se intensificar após o isolamento, dentro do que se tem denominado como “o novo normal”. Para isso, é essencial que haja esforço por parte da comunidade neuropsicológica para mostrar como essa área de trabalho pode ser útil para crianças, seus pais e professores. Conclui-se que é preciso ter a noção de que nenhuma via ou metodologia de trabalho é absolutamente completa, sendo essencial a instrumentalização das vantagens e desvantagens de todas elas.

Palavras-chave:
Neuropsicologia Histórico-Cultural; Avaliação Neuropsicológica On-line; Intervenção Neuropsicológica On-line; Isolamento Social; Covid-19

Abstract

The social isolation caused by the COVID-19 pandemic demanded intensification in the establishment of parameters for the neuropsychologist’s work with its specificities. Thus, the aim of this article is to raise reflections on child neuropsychological practice via the internet, based on our practical experience in this period, relating to the theoretical references of the cultural-historical approach and other works that discuss the particularities of this type of care. For this, a bibliographic research was carried out in recognized sources such as SciELO and Google Scholar, using markers such as “online neuropsychology” and teleneuropsychology, among others, in Portuguese, English and Spanish. The works found were used as a basis for discussing the ideas presented here which are based on the authors’ experience during this period. It is considered that neuropsychologists need to face the possible need for online work, considering that situations experienced during the pandemic tend to increase the need for neuropsychological assessments and interventions. At the same time, it is expected that this work path should intensify after isolation, within of what has been called “the new normal”. For this, an effort by the neuropsychological community is essential to show how this area of work can be useful for children, their parents and teachers. It is concluded that it is necessary to have the notion that no way or work methodology is absolutely complete, being essential the instrumentalization of the advantages and disadvantages of all of them.

Keywords:
Historical-Cultural Neuropsychology; Online Neuropsychological Assessment; Online Neuropsychological Intervention; Social Isolation; COVID-19

Resumen

El aislamiento social provocado por la pandemia de Covid-19 exigió una intensificación en el establecimiento de parámetros para el trabajo del neuropsicólogo con sus especificidades. Así, el objetivo de este artículo es plantear reflexiones sobre la práctica neuropsicológica infantil a través de internet, a partir de nuestra experiencia práctica en este período, en relación con los referentes teóricos del enfoque histórico-cultural y otros trabajos que discuten las particularidades de este tipo de cuidado. Para esto, se realizó una investigación bibliográfica en fuentes reconocidas como SciELO y Google Académico, utilizando marcadores como “neuropsicología en línea” y teleneuropsicología, entre otros, en portugués, inglés y español. Los trabajos encontrados sirvieron de base para discutir las ideas aquí presentadas a partir de la experiencia de los autores durante este período. Se considera que los neuropsicólogos necesitan enfrentar la posible necesidad de trabajo en línea, considerando que las situaciones vividas durante la pandemia tienden a incrementar la necesidad de evaluaciones e intervenciones neuropsicológicas. Al mismo tiempo, se espera que esta vía de trabajo se intensifique después del aislamiento, dentro de lo que se ha denominado “la nueva normalidad”. Para esto, un esfuerzo de la comunidad neuropsicológica es fundamental para mostrar cómo esta área de trabajo puede ser útil para los niños, sus padres y profesores. Se concluye que es necesario tener la noción de que ninguna vía o metodología de trabajo es absolutamente completa, siendo imprescindible la instrumentalización de las ventajas y desventajas de todas ellas.

Palabras-clave:
Neuropsicología Histórico-Cultural; Evaluación Neuropsicológica En Línea; Intervención Neuropsicológica En Línea; Aislamiento Social; Covid-19

Introdução

No início do ano 2020, o Brasil se viu diante da possibilidade iminente do estabelecimento de um isolamento social nacional como medida para evitar o alastramento da pandemia de covid-19, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), das Secretarias de Saúde e autoridades civis. Concretizando-se essa medida, em 16 de março de 2020, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro emitiu um comunicado à categoria orientando sobre o trabalho on-line do psicólogo, tão necessário para o apoio ao enfrentamento das consequências psicológicas das medidas de isolamento e perdas econômicas (CFP, 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020). Coronavírus: Comunicado sobre atendimento on-line. https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-sobre-atendimento-on-line/
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).

De forma repentina, muitos profissionais da Psicologia se viram diante da necessidade de se adaptar ao trabalho a distância mor meio de um computador. Para lidar com essa realidade, trabalhos começaram a ser publicados por especialistas (Loman et al., 2021Loman, M., Vogt, E., Miller, L., Landsman, R., Duong, P., Kasten, J., DeFrancisco, D., Koop, J., & Heffelfinger, A. (2021). “How to” operate a pediatric neuropsychology practice during the COVID-19 pandemic: Real tips from one practice’s experience. Child Neuropsychology, 27(2), 251-279. https://doi.org/10.1080/09297049.2020.1830962
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; Parsons et al., 2021Parsons, M. W., Gardner, M. M., Sherman, J. C., Pasquariello, K., Grieco, J. A., Kay, C. D., Pollak, L. E., Morgan, A. K., Carlson-Emerton, B., Seligsohn, K., Davidsdottir, S., Pulsifer, M. B., Zarrella, G. V., Burstein, S. M., & Mancuso, S. M. (2021). Feasibility and acceptance of direct-to-home tele-neuropsychology services during the COVID-19 Pandemic. Journal of the International Neuropsychological Society, 28(2), 1-6. https://doi.org/10.1017/S1355617721000436
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; Peterson, Ludwig & Jashar, 2020Peterson, R. K., Ludwig, N. N., & Jashar, D. T. (2020). A case series illustrating the implementation of a novel tele-neuropsychology service model during COVID-19 for children with complex medical and neurodevelopmental conditions: A companion to Pritchard et al., 2020. The Clinical Neuropsychologist, 35(1), 99-114. https://doi.org/10.1080/13854046.2020.1799075
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). O CFP, há anos, vem desenvolvendo a regulamentação de um trabalho adequado por meio dessa via e, no ano de 2000, teve sua primeira Resolução elaborada, que se referia à Comissão Nacional de Credenciamento e Fiscalização dos Serviços de Psicologia pela Internet (CFP, 2000Conselho Federal de Psicologia [CFP]. (2000). Resolução CFP nº 6/2000. https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-administrativa-financeira-n-6-2000-institui-a-comissao-nacional-de-credenciamento-e-fiscalizacao-dos-servicos-de-psicologia-pela-internet?origin=instituicao&q=Comiss%C3%A3o% 20Nacional%20de%20Credenciamento%20e%20Fiscaliza%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Servi%C3%A7os%20de%20Psicologia%20pela%20Internet
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). Em 2005, houve a regulamentação da prestação ao uso em pesquisa. Em 2012, essa prestação de serviços on-line se ampliou e, efetivamente, foi permitido o acompanhamento psicológico por essa via - ainda restrito a situações específicas, como impossibilidade de comparecimento presencial ou quando o paciente estivesse em trânsito (CFP, 2012Conselho Federal de Psicologia [CFP]. (2012). Resolução CFP nº 11/2012. https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-11-2012-regulamenta-os-servicos-psicologicos-realizados-por-meiostecnologicos-de-comunicacao-a-distancia-o-atendimento-psicoterapeutico-em-carater-experimental-e-revoga-a-resolucao-cfp-no-12-2005?origin=instituicao&q=2012
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).

A procura por esse tipo de serviço ampliou imensamente e, em 2018, com a Resolução n. 011/2018 (CFP, 2018Conselho Federal de Psicologia. (2018). Resolução nº 11/2018. https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-11-2018-regulamenta-a-prestacao-de-servicos-psicologicos-realizados-por-meios-de-tecnologias-da-informacao-e-da-comunicacao-e-revoga-a-resolucao-cfp-no-11-2012?origin=instituicao&q=11/2018
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), um importante aspecto de mudança foi o de não mais restringir o número de atendimentos. Ainda nessa Resolução, considera-se o atendimento de crianças e adolescentes, desde que ocorra com o consentimento expresso de, ao menos, um dos responsáveis legais e mediante avaliação de viabilidade técnica por parte do profissional. Os profissionais que optam pela prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologia da informação e da comunicação, como o atendimento on-line, necessitam se cadastrar no site “Cadastro e-Psi” (link: https://e-psi.cfp.org.br/). O cadastrado no e-Psi permite oferecer consultas e/ou atendimentos psicológicos. Podem ser realizados em tempo real ou de forma assíncrona, nas diferentes áreas de atuação da Psicologia voltadas à avaliação, orientação e/ou intervenção em processos individuais e grupais; processos de seleção pessoal; utilização de instrumentos psicológicos com parecer favorável do Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicológicos (Satepsi), com padronização e normatização específica para utilização on-line e devidamente regulamentados pela resolução específica; supervisão técnica dos serviços prestados por psicólogas(os) nos diferentes contextos de atuação.

No que se refere ao acompanhamento neuropsicológico infantil, as especificidades necessárias também ficam a cargo dos profissionais da área que devem se ocupar a estabelecer os parâmetros necessários. O objetivo deste trabalho é apresentar reflexões sobre aspectos positivos e negativos do trabalho on-line do neuropsicólogo. Partimos do marco teórico da neuropsicologia histórico-cultural e de abordagens quantitativas para analisar aspectos que podem ser abarcados nessa forma de trabalho e seus desafios. Baseamo-nos na experiência prática vivenciada no período relacionando com o marco teórico e com outros artigos que discorrem sobre as particularidades dessa modalidade de atendimento. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em fontes reconhecidas, como SciELO e Google Acadêmico, utilizando-se marcadores como “neuropsicologia on-line” e “teleneuropsicologia”, entre outros, em português, inglês e espanhol.

Pressupostos teóricos básicos

Lev Semenovich Vigotsky (1896-1934), Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e seus seguidores trataram de precisar a relação entre as funções psicológicas elementares e as superiores, suas atividades e a organização cerebral em adultos sãos. Posteriormente, determinaram as possíveis mudanças nos processos psicológicos que podem aparecer em diferentes formas de dano cerebral e as que caberiam esperar no desenvolvimento ontogenético anormal (Glozman, 2007Glozman, J. M. (2007). A. R. Luria and the History of Russian Neuropsychology. Journal of the History of the Neurosciences, 16(1-2), 168-180.). A neuropsicologia proposta por eles busca as origens da consciência humana e da atividade mental na vida social do homem. Considera que a estrutura do organismo pressupõe uma organização complexa de sistemas que se expressa em uma correlação funcional na qual se unem como partes muito definidas e integradas numa estrutura funcional. Isso significa que uma função mental superior consiste em muitos componentes, e cada um dos quais se baseia no trabalho de uma zona especial do cérebro e desempenha seu papel específico no sistema (Glozman, 2007Glozman, J. M. (2007). A. R. Luria and the History of Russian Neuropsychology. Journal of the History of the Neurosciences, 16(1-2), 168-180.).

Vigotsky propõe o termo “Funções Psicológicas Superiores”, atribuindo-o a funções unicamente humanas que se estruturam a partir da inserção social do indivíduo e da utilização de instrumentos culturais. Todas as funções psíquicas superiores são relações interiorizadas de ordem social, são o fundamento da estrutura social da personalidade, portanto, toda sua natureza é social (Vigotsky, 1995aVigotsky, L. S. (1995a). Obras escogidas (Tomo III). Visor., 1995bVigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ). Estabeleceu três leis sobre o desenvolvimento do sistema nervoso. A primeira dita sobre a estrutura hierárquica das zonas corticais e refere que nelas se dá uma síntese cada vez mais complexa da informação, passando das áreas primárias às secundárias e, destas, às terciárias (Peña & Pérez, 1985Peña, J., & Pérez, M. (1985). La neuropsicologia de Vigotski y Luria: El cerebro lesionado. Anuario de Psicologia, 33(2), 29-42.). Aquelas funções que, nos estágios iniciais do desenvolvimento, se realizam nos centros inferiores do cérebro, durante o desenvolvimento, começam a ocorrer nos centros mais altos. O principal dessa primeira lei é que, durante os estágios iniciais do desenvolvimento, determinadas funções cerebrais se realizam com ajuda dos centros inferiores, mas, durante o desenvolvimento, esses se subordinam aos centros superiores (Vigotsky, 1995aVigotsky, L. S. (1995a). Obras escogidas (Tomo III). Visor., 1995bVigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ).

A segunda lei se relaciona com a especificidade decrescente das zonas corticais hierarquicamente organizadas. As primárias são modal-específicas num grau máximo (processam apenas informação visual ou auditiva etc.). Nas zonas secundárias, a especificidade é menor, predomina a organização funcional. Por último, as áreas terciárias trabalham com informação supramodal (Peña & Pérez, 1985Peña, J., & Pérez, M. (1985). La neuropsicologia de Vigotski y Luria: El cerebro lesionado. Anuario de Psicologia, 33(2), 29-42.). Durante a passagem das funções “para cima”, os centros inferiores, que anteriormente realizavam essa função, não se separam totalmente dela, mas conservam como uma instância subordinada à atividade dos centros superiores (Vigotsky, 1995Vigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ). Dessa forma, Lent (2010Lent, R. (2010). Cem bilhões de neurônios. Atheneu.), ao apresentar a estrutura e função do sistema somestésico, descreve que a área somestésica secundária recebe aferentações da primária tendo acesso às informações iniciais sobre os objetos que tocam a pele. A área secundária integra diferentes regiões da pele estimuladas ao mesmo tempo, ao contrário da primária, com sua somatotopia mais restrita.

A terceira lei é a da lateralização progressiva das funções. O cérebro humano apresenta uma assimetria funcional, que é uma forma de localização. Esta vai se construindo de modo progressivo, dinâmico. O hemisfério esquerdo se especializa em processar sínteses sucessivas (fundamentalmente linguagem), e o direito é mais eficaz no tratamento de dados simultâneos (Peña & Pérez, 1985Peña, J., & Pérez, M. (1985). La neuropsicologia de Vigotski y Luria: El cerebro lesionado. Anuario de Psicologia, 33(2), 29-42.), diferenciação funcional hoje bem estabelecida na literatura (Lent, 2010Lent, R. (2010). Cem bilhões de neurônios. Atheneu.; Springer & Deutsch, 2008Springer, S. P., & Deutsch, G. (2008). Cérebro direito, cérebro esquerdo. Livraria Santos.). Vigotsky apresenta a terceira lei como a da emancipação dos centros nervosos. Significa que, na debilidade funcional dos centros superiores, que surge como consequência de causas orgânicas ou dinâmicas, os centros inferiores se emancipam e começam a agir de maneira independente, retomam a realização daquela função que não pode ser garantida pelos centros superiores afetados (Vigotsky, 1995Vigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ), ideia encontrada na literatura especializada atual de referência (Wilson, 2011Wilson (2011). Reabilitação da memória: Integrando teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.).

O primeiro princípio da neuropsicologia formulado por Vigotsky foi o da organização sistêmica e dinâmica das funções psicológicas superiores, formulado a partir da teoria acerca da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) (Akhutina, 2002Akhutina, T. V. (2002). L. S. Vigotsky y A. R. Luria: La formación de la neuropsicología. Revista Española de Neuropsicología, 4(2-3), 108-129.). A organização das funções superiores ocorre na forma de sistemas funcionais complexos, os quais constituem a base psicofisiológica das funções psicológicas. Um sistema funcional complexo está integrado por diferentes setores cerebrais, cada um dos quais corresponde aos diferentes componentes que integram uma função psicológica. A localização dinâmica significa que uma mesma função psicológica se localiza de maneira diferente na criança e no adulto, ou em dois adultos, a depender do grau de automatização e aprendizagem (Quintanar & Solovieva, 2008Quintanar, L., & Solovieva, Y. (2008). Aproximación histórico-cultural: Fundamentos teórico-metodológicos. In J. Eslava-Cobos, L. Mejía, L. Quintanar, & Y. Solovieva, Los transtornos de aprendizaje: Perspectivas neuropsicologías. Textos de neuropsicología Latinoamericana (Tomo 1, pp. 145-182). Magisterio.).

O segundo princípio é o da gênese social das funções psicológicas superiores. Precisamente aqui, expressa (possivelmente, pela primeira vez) a ideia acerca da interiorização. Essa compreensão permitiu descobrir os mecanismos psicológicos concretos da gênese social das funções psicológicas e considerar suas consequências para o problema da localização (Akhutina, 2002Akhutina, T. V. (2002). L. S. Vigotsky y A. R. Luria: La formación de la neuropsicología. Revista Española de Neuropsicología, 4(2-3), 108-129.).

A terceira proposição de L. S. Vigotsky refere-se ao princípio da nova localização das funções no cérebro do homem, a qual se relaciona com áreas (lobos frontais e parietais, apesar de que se deve falar mais exatamente das zonas temporo-parieto-occipitais do cérebro) e funções especificamente humanas da atividade, que são as formas superiores da linguagem, da cognição e das ações (Akhutina, 2002Akhutina, T. V. (2002). L. S. Vigotsky y A. R. Luria: La formación de la neuropsicología. Revista Española de Neuropsicología, 4(2-3), 108-129.). Vigotsky (1991Vigotsky, L. S. (1991). Obras escogidas (Tomo I). Visor. ) discute acerca do problema da localização das funções psíquicas atribuindo um significado primordial à variabilidade das conexões e relações interfuncionais, à formação de sistemas dinâmicos complexos, integrantes de toda uma série de funções elementares, e à reflexão generalizada da realidade na consciência (Vigotsky, 1991Vigotsky, L. S. (1991). Obras escogidas (Tomo I). Visor. ).

A partir da introdução de uma nova relação funcional dos sistemas psicológicos que ocorre durante o processo de desenvolvimento do comportamento, em especial, no processo de seu desenvolvimento histórico, o que muda não são tanto as funções, assim como foi considerado anteriormente pelo próprio Vigotsky, mas precisamente as relações das funções entre si, de maneira que surgem novos agrupamentos desconhecidos no nível anterior. Assim, quando se passa de um nível ao outro, com frequência, a diferença essencial não se encontra na mudança intrafuncional, mas nas modificações interfuncionais (Vigotsky, 1991Vigotsky, L. S. (1991). Obras escogidas (Tomo I). Visor. ). A primeira conclusão a que Vigotsky chega com relação ao problema da localização é que uma função complexa específica nunca está ligada à atividade de um centro determinado e que é sempre produto da atividade integrada de diversos centros, rigorosamente diferenciados e relacionados hierarquicamente entre si. Tampouco a função global do cérebro segue da atividade conjunta e funcionalmente homogênea de cada um dos centros, mas é produto da atividade integrada das funções correspondentes a áreas específicas do cérebro separadas, diferenciadas e unidas novamente entre si hierarquicamente (Vigotsky, 1991Vigotsky, L. S. (1991). Obras escogidas (Tomo I). Visor. ).

Os trabalhos de neuropsicologia de A. R. Luria surgem da aplicação da teoria sobre a estrutura sistêmica das funções psíquicas superiores e da estrutura sistêmica da organização funcional da atividade cerebral como prolongação e desenvolvimento das ideias de L. S. Vigotsky acerca dos mecanismos cerebrais das funções psíquicas superiores do homem (Xomskaia, 2002). Luria (1979Luria, A. R. (1979). El cerebro humano y los processos psíquicos: Análisis neuropsicológico de la actividad consciente. Fontanella.) considera que a neuropsicologia assume a tarefa de qualificar as perturbações observadas das funções psíquicas superiores e de analisar os mecanismos desses transtornos dos processos psíquicos que se produziam no caso de lesões locais do cérebro. O conceito de fator neuropsicológico é um dos mais básicos na terminologia da neuropsicologia luriana, que pode ser compreendido por uma unidade funcional-estrutural que se caracteriza pelo princípio psicofisiológico de atividade e funcionamento. O fator constitui, por um lado, determinado tipo de funcionamento do cérebro produzido pelas redes neuronais de uma zona cerebral. Por outro, tem significado psicológico que é um importante componente do sistema funcional psicológico: a perturbação de um fator conduz à aparição de uma síndrome específica (Glozman, 2007Glozman, J. M. (2007). A. R. Luria and the History of Russian Neuropsychology. Journal of the History of the Neurosciences, 16(1-2), 168-180.). Toda função, em especial as superiores, representam em si um sistema funcional que se apoia no trabalho conjunto de todo um complexo de zonas do córtex cerebral. Cada uma dessas áreas aporta à construção do sistema funcional seu fator e o transtorno de cada uma delas; ao eliminar esse fator, leva à decomposição de todo o sistema funcional (Luria, 1979Luria, A. R. (1979). El cerebro humano y los processos psíquicos: Análisis neuropsicológico de la actividad consciente. Fontanella.).

Não obstante, Luria (1979Luria, A. R. (1979). El cerebro humano y los processos psíquicos: Análisis neuropsicológico de la actividad consciente. Fontanella.) considera que a descoberta do fator principal, como mecanismo central de um transtorno, não esgota a investigação neuropsicológica. Além da qualificação do sintoma e o estabelecimento do fator que o origina, segue um segundo passo tão importante quanto: a descrição da síndrome, ou seja, de todo o complexo de perturbações secundárias produzidas como consequência do defeito primário encontrado e que pode ser explicado a partir dessa perturbação principal. Daí se obtém a explicação lógica a partir do déficit funcional (Luria, 1979Luria, A. R. (1979). El cerebro humano y los processos psíquicos: Análisis neuropsicológico de la actividad consciente. Fontanella.).

Análise sindrômica é outro conceito de grande importância na neuropsicologia luriana. Refere-se a uma análise dos sintomas observados com o objetivo de encontrar uma base comum (fator neuropsicológico) que explique sua origem. Isso supõe um procedimento gradual que inclui a comparação de todos os sintomas observados, a estimativa qualitativa dos sintomas, a descoberta de sua base comum, isto é, a detecção de um déficit primário, suas consequências compensatórias e sua reorganização (Glozman, 2007Glozman, J. M. (2007). A. R. Luria and the History of Russian Neuropsychology. Journal of the History of the Neurosciences, 16(1-2), 168-180.).

A. R. Luria representa um dos maiores e mais influentes autores nas neurociências cognitivas, em particular na neuropsicologia, durante o século XX. Seus trabalhos continuam a ser publicados em todo o mundo, analisando, discutindo e promovendo suas ideias. Embora sua interpretação da cognição humana tenha sido proposta há várias décadas, novos avanços científicos e tecnológicos têm apoiado significativamente muitas de seus ideias e hipóteses (Mikadze, Ardila, & Akhutina, 2019Mikadze, Y. V., Ardila, A., Akhutina, T. A. R. (2019). Luria’s Approach to Neuropsychological Assessment and Rehabilitation. Archives of Clinical Neuropsychology, 34(6), 795-802. 10.1093/arclin/acy095
https://doi.org/10.1093/arclin/acy095...
).

Avaliação e intervenção neuropsicológica

A neuropsicologia requer a aplicação de provas para avaliar os processos psicológicos e suas bases cerebrais. Essas podem ser de natureza quantitativa ou qualitativa. As quantitativas são mais conhecidas e utilizadas por especialistas e instituições da área. Atualmente, há, no Brasil, uma revitalização do uso de testes estandarizados para a avaliação das funções psicológicas. Na lista do Satepsi, do CFP, a busca por instrumentos de aplicação informatizada especificando os processos neuropsicológicos não encontra nenhum instrumento, porém, na busca geral, é possível destacar sete deles que avaliam habilidades cognitivas: o Teste de Atenção Online (AOL); o G-38 Teste Não Verbal de Inteligência; as Matrizes Progressivas Avançadas de Raven, que avalia raciocínio e capacidade para resolução de problemas; o Teste Computadorizado de Atenção; o Teste de Memória de Reconhecimento (TEM-R); o Teste de Habilidade para o Trabalho Mental (HTM), que avalia raciocínio lógico verbal, numérico e abstrato; e o Teste d2 - Revisado (d2-R), que avalia processos perceptivos/cognitivos. Os cinco primeiros são direcionados para o público adulto e idoso, e somente os dois últimos para o uso com crianças e adolescentes (sendo um a partir dos 11 anos e, o outro, a partir dos 7). É possível, ainda, identificar alguns instrumentos específicos que não são de uso restrito do psicólogo, como é o caso do Teste do TDAH, que é uma bateria de Avaliação Cognitiva para investigação do transtorno do déficit de atenção a partir dos 7 anos de idade (site Cognifit). Assim, nas condições da pandemia provocada pela covid-2019, a realização de uma avaliação neuropsicológica completa com uso das provas quantitativas fica severamente afetada.

Outra possibilidade é a avaliação a partir do uso de procedimentos qualitativos que têm como fundamento a psicologia e a neuropsicologia histórico-cultural. Essa forma de avaliação é muito menos conhecida e começou a ser utilizada no Brasil a partir da década de 1990 (Facci, Eidt & Tuleski, 2006Facci, M. G. D., Eidt, N. M., & Tuleski, S. C. (2006). Contribuições da teoria histórico-cultural para o processo de avaliação psicoeducacional. Psicologia USP, 17(1), 99-124.). Alguns dos instrumentos conhecidos no Brasil são os elaborados no México por parte dos seguidores do enfoque histórico-cultural e adaptados ao idioma português (Chastinet, Morais, Solovieva & Quintanar, 2012Chastinet, J. B., Morais, C., Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2012). Propuesta de adaptación de la prueba de abordaje luriano “evaluación neuropsicológica infantil Puebla-Sevilla” para el idioma portugués Magis. Revista Internacional de Investigación en Educación, 4(9), 669-683.; Morais, Chastinet, Quintanar, & Solovieva, 2012Morais, C., Chastinet, J., Quintanar, L., & Solovieva, Y. (2012). Evaluación luriana de la afasia para el portugués brasileño. Revista Neuropsicología Latinoamericana, 4(3), 19-37.; Quintanar & Solovieva, 2013Quintanar, L., & Solovieva, Y. (2013). Avaliação das neoformações psicológicas na idade pré-escolar (C. Morais & J. Chastinet, Trad.). Edufu.; Vieira, Leal & Solovieva, 2018Vieira, A. P. A., Leal, Z. F. R. G., & Solovieva, Y. (2018). A avaliação psicológica da atividade voluntária a partir da Psicologia Histórico-Cultural: Os instrumentos desenvolvidos no México. Psicologia Escolar e Educacional, 22(2), 271-280. ). As provas qualitativas têm por benefício a possibilidade de modificar as instruções, os tempos, os materiais e a forma de apresentação das tarefas de maneira variável e flexível, de acordo com as necessidades. Por outro lado, exigem a comparação do paciente a ele mesmo, não sendo possível fazê-la com os resultados de uma amostra populacional, exigindo e ficando à mercê da análise pessoal do profissional avaliador.

Um dos objetivos da avaliação neuropsicológica é fundar as bases para o desenho de programas de intervenção para cada idade ontogenética (Solovieva & Quintanar, 2018Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2018). Educación neuropsicológica infantil. Trillas.). São propostos princípios teórico-metodológicos particulares de organização da intervenção neuropsicológica infantil, entre os quais estão os seguintes (Solovieva & Quintanar, 2014Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2014). Principios y objetivos para la corrección y el desarrollo en la neuropsicología infantil. In H. Patiño, & V. López, Prevención y evaluación en Psicología (pp. 61-74). Manual Moderno.; 2018Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2018). Educación neuropsicológica infantil. Trillas.):

  • Formação do mecanismo funcional cerebral débil com base nos mecanismos fortes;

  • Interiorização gradual das ações que incluem o mecanismo cerebral disfuncional;

  • Inclusão das ações na atividade guia própria da idade psicológica de cada criança;

  • Organização das sessões de correção de acordo com o uso da ZDP.

A intervenção neuropsicológica deve garantir o desenvolvimento da criança junto com a conformação dos sistemas funcionais que correspondem às suas ações. Pode ser de uma reorganização intra ou intersistêmica dos sistemas funcionais que já foram anteriormente adquiridos pelo paciente (Luria, 1979Luria, A. R. (1979). El cerebro humano y los processos psíquicos: Análisis neuropsicológico de la actividad consciente. Fontanella.). Queremos sublinhar que a aquisição de uma ação cultural nova sempre implica na conformação de um sistema funcional novo desde a participação do sistema nervoso central e periférico (Leontiev & Zaporozhets, 2012Leontiev, A. N., & Zaporozhets, A. V. (2012). Rehabilitación de movimientos. Estudio psicofisiológico de la rehabilitación de las funciones de la mano después de heridas de guerra. In A. N., Leontiev, Evolución, movimiento, actividad (pp. 323-555). Sentido.). Esses sistemas funcionais formam bases para a produção futura de outros novos que utilizam os mesmos elementos funcionais do sistema anteriormente criado (Leontiev, 1983Leontiev, A. N. (1983). Obras psicológicas escogidas. Universidad Estatal de Moscú.). Esse princípio permite que a reabilitação tenha um efeito duradouro e ultrapasse os limites de um simples treinamento.

Um dos objetivos da intervenção neuropsicológica infantil é, além de apoiar a aquisição de mecanismos cerebrais correspondentes a cada síndrome, garantir a consolidação do transcurso do desenvolvimento psicológico em cada período particular do desenvolvimento psicológico. Esse último é avaliado pelo transcurso da aquisição cultural por parte da criança. Os indicadores podem ser concretizados pelo estudo, avaliação e constituição das neoformações para cada idade psicológica (Vigotsky, 1995bVigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ). Não estamos falando de idades cronológicas, mas das qualidades de personalidade e atividade próprias de cada criança em particular. A organização das ações e todos os procedimentos durante a intervenção neuropsicológica devem corresponder à idade psicológica e à atividade guia de cada criança (Solovieva & Quintanar, 2014Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2014). Principios y objetivos para la corrección y el desarrollo en la neuropsicología infantil. In H. Patiño, & V. López, Prevención y evaluación en Psicología (pp. 61-74). Manual Moderno.).

A ZDP é um conceito proposto por Vigotsky (1995bVigotsky, L. S. (1995b). Obras escogidas (Tomo IV). Visor. ) em relação à avaliação do desenvolvimento intelectual da criança em idade escolar. O autor menciona que o indicador mais preciso do desenvolvimento intelectual infantil é sua possibilidade para realizar tarefas difíceis, quer dizer, as que a criança ainda não adquiriu numa situação de colaboração que implica ajuda, participação ativa e guia do adulto. Os seguidores de Vigotsky têm aplicado esse conceito não apenas para a avaliação do desenvolvimento intelectual (Talizina, 2018Talizina, N. F. (2018). La teoría de la enseñanza desde la teoría de la actividad. Universidad Estatal de Moscú.), mas também para a organização de procedimentos de intervenção em casos de transtornos do sistema nervoso e problemas de aprendizagem (Akhutina & Pilayeva, 2012Akhutina, T. V., & Pilayeva, N. M. (2012). Overcoming learning disabilities. A Vigotskian-Lurian neuropsychological approach. Cambridge University Press.; Solovieva & Quintanar, 2018Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2018). Educación neuropsicológica infantil. Trillas.). Trata-se da organização de todas as sessões com a criança de tal forma que se configurem situações de colaboração cuja realização a criança necessite de ajuda com constante explicação comunicativa por parte do especialista. A colaboração deve ser constantemente guiada por parte do adulto, o que implica num trabalho com a Função Reguladora da Linguagem (FRL). Essa não surge por si mesma, mas a partir da regulação externa do adulto durante a realização das tarefas colaborativas, logo, passa pela etapa da linguagem reguladora externa da criança, chamada também “linguagem egocêntrica”. Apenas mais tarde, durante a etapa escolar, essa função se interioriza, se automatiza e se reduz, dando lugar à linguagem interna.

A ZDP e a FRL se unem num conceito psicológico posterior a Vigotsky. Trata-se da base orientadora da ação (BOA) (Galperin, 2000Galperin, P. Ya. (2000). Cuatro conferencias sobre psicología. Escuela Superior.). A BOA é o elemento estrutural central de qualquer ação dirigida a um objetivo. Essa posição é importante para a organização dos procedimentos de intervenção neuropsicológica infantil, pois permite estabelecer os objetivos acessíveis para cada criança e conseguir uma realização conjunta de tal forma que a própria criança tenha compreensão do que realiza. O apoio na ZDP e na BOA implica em realizar aquelas ações que a criança pode executar com ajuda externa proporcionada pelo reabilitador. A ajuda pode ser proporcionada em relação aos aspectos seguintes: 1) a base orientadora da ação elaborada pelo adulto ou reabilitador; 2) com as operações de execução da ação; 3) de acordo com o plano de realização da ação (material, materializada, perceptiva, verbal etc.). Explicaremos essas três possibilidades de uso da ZDP mais detalhadamente.

  • A ajuda em orientação implica em elaboração da BOA, o que considera a construção da imagem da situação presente, a identificação do significado (sentido para a necessidade do sujeito) dos componentes básicos nessa situação, a elaboração do plano das ações futuras, a regulação da ação durante sua execução, o controle e a preparação da correção (Galperin, 1976Galperin, P. Ya. (1976). Introducción a la psicología. Universidad Estatal de Moscú., 1998).

  • A ajuda em operações implica realização conjunta de diversas tarefas objetais (se vestir, lavar as mãos etc.) junto com o paciente infantil, adolescente ou adulto, quando o especialista inicia a ação e dá ao paciente a possibilidade de continuar.

  • A ajuda de acordo com o plano de apresentação da ação significa conhecer as possibilidades de realização da ação num dos planos de sua formação por etapas (Galperin, 1998Galperin, P. Ya. (1998). Psicología como ciencia objetiva. Academia de las Ciencias Pedagógicas y Sociales de Rusia.; Solovieva, 2004Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2004). La utilización de la zona del desarrollo próximo durante el diagnóstico del desarrollo de la actividad intelectual. In S. Castañeda, Educación, aprendizaje y cognición: Teoría en la práctica (pp. 75-92). Manual moderno.; Solovieva & Quintanar, 2004Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2004). La utilización de la zona del desarrollo próximo durante el diagnóstico del desarrollo de la actividad intelectual. In S. Castañeda, Educación, aprendizaje y cognición: Teoría en la práctica (pp. 75-92). Manual moderno.; Talizina, 2019Talizina, N. F. (2019). Teoría de la actividad aplicada a la enseñanza. Universidad Autónoma de Puebla.). Esses planos são úteis para implementar as ações práticas e intelectuais durante a intervenção neuropsicológica.

Os conceitos apresentados até aqui devem orientar a prática da neuropsicologia segundo uma orientação histórico-cultural. Consideramos que os conceitos fundamentais desse enfoque, tais como ZDP, BOA, avaliação interventiva (Quintanar & Solovieva, 2000Quintanar, L., & Solovieva, Y. (2000). La discapacidad infantil desde la perspectiva neuropsicológica. In M. A. Cubillo, J. Guevara, & A. Pedroza. Discapacidad humana, presente y futuro: El reto de la rehabilitación en México (pp. 51-63). Universidad del Valle de Tlaxcala.) e intervenção neuropsicológica propriamente dita são úteis e adequados para seu uso em condições pouco usuais. Assim, também necessitam nortear o trabalho on-line. A partir deles e da necessidade que se impõe, vamos analisar as possibilidades de uma prática neuropsicológica via internet.

Reflexões sobre a avaliação neuropsicológica infantil on-line

O distanciamento social provocado pela pandemia de covid-19 provocou os neuropsicólogos infantis a considerarem a utilidade de avaliações via on-line (Peterson et al., 2020Peterson, R. K., Ludwig, N. N., & Jashar, D. T. (2020). A case series illustrating the implementation of a novel tele-neuropsychology service model during COVID-19 for children with complex medical and neurodevelopmental conditions: A companion to Pritchard et al., 2020. The Clinical Neuropsychologist, 35(1), 99-114. https://doi.org/10.1080/13854046.2020.1799075
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). Jacobsen, Sprenger, Andersson e Krogstad (2003Jacobsen SE, Sprenger T, Andersson S, Krogstad JM. Neuropsychological assessment and telemedicine: a preliminary study examining the reliability of neuropsychology services performed via telecommunication. J Int Neuropsychol Soc. 2003 Mar;9(3):472-8. doi: 10.1017/S1355617703930128. PMID: 12666771.
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) relatam que essa via facilita a prestação de serviços médicos a pacientes localizados em áreas rurais, longe dos hospitais. Eles opinam que a tecnologia também pode ser útil para estender os serviços neuropsicológicos para pessoas que vivem em áreas carentes e reduzir o tempo de viagem e os custos aos pacientes. Em seu estudo, 12 testes foram administrados presencialmente e por meio de videochamadas a 32 participantes voluntários para examinar a consistência e estabilidade de pontuações nos instrumentos quando utilizados por meios diferentes. Concluiram que o formato de administração não parece afetar a confiabilidade da medição, mas o desempenho em testes neuropsicológicos é significativamente mais alto nas medidas de atenção e memória quando fornecidas por videochamada, e que são necessários dados normativos específicos por meio de telecomunicações antes que as avaliações sejam realizadas.

Jollivet, Fortier, Besnard, Le Gall e Allain (2018Jollivet, M., Fortier, J., Besnard, J., Le Gall, D. & Allain, P. (2018). Neuropsychologie et technologies numériques. Revue de neuropsychologie, 10, 69-81. https://doi.org/10.3917/rne.101.0069
https://doi.org/10.3917/rne.101.0069...
) apresentaram o que consideraram uma reflexão geral, crítica e ilustrada centrada no estado de adaptação tecnológica no campo da neuropsicologia clínica. Para isso, concentraram-se nos interesses e limitações da neuropsicologia clínica tradicional, na neuropsicologia assistida por computador baseada em ambientes virtuais e na teleneuropsicologia (on-line). Discutem que a neuropsicologia parece mostrar um atraso significativo no uso de tecnologia digital na prática clínica e, por isso, saúdam iniciativas de criação de comitês de trabalho sobre o uso e padronização de ferramentas digitais em neuropsicologia, como o Greco e o Grepad.

Semelhantemente a este trabalho, Loman et al. (2021Loman, M., Vogt, E., Miller, L., Landsman, R., Duong, P., Kasten, J., DeFrancisco, D., Koop, J., & Heffelfinger, A. (2021). “How to” operate a pediatric neuropsychology practice during the COVID-19 pandemic: Real tips from one practice’s experience. Child Neuropsychology, 27(2), 251-279. https://doi.org/10.1080/09297049.2020.1830962
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) publicaram um artigo em que fornecem aos neuropsicólogos infantis sugestões para os serviços de teleneuropsicologia. Basearam-se em sua experiência prática em um centro médico acadêmico/hospital infantil durante a pandemia global de covid-19. Com relação à viabilidade e aceitação dessa via de trabalho, Parsons et al. (2021Parsons, M. W., Gardner, M. M., Sherman, J. C., Pasquariello, K., Grieco, J. A., Kay, C. D., Pollak, L. E., Morgan, A. K., Carlson-Emerton, B., Seligsohn, K., Davidsdottir, S., Pulsifer, M. B., Zarrella, G. V., Burstein, S. M., & Mancuso, S. M. (2021). Feasibility and acceptance of direct-to-home tele-neuropsychology services during the COVID-19 Pandemic. Journal of the International Neuropsychological Society, 28(2), 1-6. https://doi.org/10.1017/S1355617721000436
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) colocam que a literatura existente demonstra que, embora poucos estudos tenham examinado esses elementos até o momento, dados qualitativos sugerem que os pacientes e médicos consideraram o trabalho da teleneuropsicologia satisfatório durante a pandemia de covid-19, ao mesmo tempo que reconhecem suas limitações. Eles apoiam o crescente corpo de literatura sugerindo que a teleneuropsicologia fornece um serviço valioso, embora ainda sejam necessárias pesquisas para estabelecer sua confiabilidade e validade.

Da mesma forma, Peterson et al. (2020Peterson, R. K., Ludwig, N. N., & Jashar, D. T. (2020). A case series illustrating the implementation of a novel tele-neuropsychology service model during COVID-19 for children with complex medical and neurodevelopmental conditions: A companion to Pritchard et al., 2020. The Clinical Neuropsychologist, 35(1), 99-114. https://doi.org/10.1080/13854046.2020.1799075
https://doi.org/10.1080/13854046.2020.17...
) discutem que, com o início do distanciamento social devido à covid-19, o campo da neuropsicologia pediátrica foi encorajado a considerar a utilidade de avaliações teleneuropsicológicas não tradicionais e, para isso, desenvolveram um modelo de atendimento de telessaúde em três camadas. Publicaram exemplos que descrevem como as decisões de serviço clínico foram feitas na aplicação de seu modelo com a intenção de fornecer um guia para outros provedores de neuropsicologia pediátrica, considerando serviços teleneuropsicológicos para pacientes pediátricos complexos durante o distanciamento social.

Para refletir sobre as possibilidades, vantagens e desvantagens da intervenção neuropsicológica via internet, julgamos necessário considerar os aspectos dos quais depende a eficácia da intervenção neuropsicológica na infância e na adolescência. A eficácia da elaboração de métodos para a intervenção neuropsicológica de crianças e adolescentes se relaciona com os seguintes aspectos:

  1. Estabelecimento de uma relação direta entre o diagnóstico sugerido e a proposta de intervenção;

  2. Conhecimento das necessidades psicológicas básicas de cada idade ontogenética;

  3. Necessidade de um desenho dos métodos que correspondam à síndrome neuropsicológica e à idade psicológica/nível educativo de cada paciente;

  4. Consideração das características particulares e individuais do paciente relacionadas com sua situação social de desenvolvimento e de vida;

  5. Possibilidades de mudanças e adaptação dos materiais, procedimentos e tempos utilizados durante a avaliação;

  6. Possibilidades de alteração e adaptação dos materiais, procedimentos e tempos utilizados durante a intervenção.

A partir de nossa ótica, opinamos que as principais desvantagens se relacionam com a ausência de contato comunicativo vivencial direto entre o neuropsicólogo e o paciente. Nesse sentido, inclusive a realização de uma avaliação neuropsicológica se vê dificultada. Resulta complexa a aplicação de procedimentos dos protocolos de avaliação, assim como o seguimento preciso de todo o procedimento de aplicação. Ao mesmo tempo, quanto mais rígido for o procedimento de avaliação (por exemplo, as indicações precisas, registro de tempo, ausência de ajudas com a impossibilidade de modificação dos itens das provas), mais difícil o trabalho por atendimento remoto. Justo esse é o panorama das provas psicométricas. Ao contrário, a avaliação qualitativa mostra certas vantagens, pois não apenas permite, mas exige o manejo de situações e procedimentos flexíveis. Sugere-se a mudança de apresentação dos itens das provas que podem variar no grau de complexidade, duração de aplicação e plano da ação (material, perceptiva ou verbal). Numa avaliação qualitativa, todas as tarefas são apresentadas com ajuda, modificação de expressões verbais e procedimentos. Essas considerações sugerem que a avaliação poderia ser realizada on-line, quando o neuropsicólogo interage de forma simultânea com o paciente e lhe solicita a realização das ações que implicam tarefas dos protocolos de avaliação.

Entretanto, os métodos quantitativos e qualitativos de avaliação apresentam aspectos positivos e negativos. Os primeiros se caracterizam pela necessidade de uma aplicação rígida para a fiabilidade dos dados que produzem, fazendo com que seja necessária a produção de instrumentos específicos para o trabalho remoto, pois sua aplicação de forma adaptada ou improvisada, a rigor, inviabiliza os dados. Por outro lado, por permitirem a comparação das execuções do paciente a uma amostra populacional, em tese, oferecem dados mais objetivos. Já os métodos qualitativos não permitem a comparação com uma população amostral, exigindo que se compare o paciente com ele mesmo e que a interpretação dos dados fique maiormente sujeita à avaliação do profissional, a princípio afetando a objetividade. Entretanto são métodos mais flexíveis e adaptáveis a diferentes contextos de trabalho. A comparação entre ambos não se esgota nas características citadas, mas não é objetivo deste trabalho se aprofundar nisso.

Cabe assinalar que tudo indica que a presença dos familiares durante os procedimentos de avaliação on-line possa ser necessária, especialmente com crianças em idade pré-escolar (educação infantil) e com aquelas cujas dificuldades são graves e envolvem severos problemas de compreensão de linguagem e da atividade voluntária. Em todo caso, tais circunstâncias devem ser explicadas à família antecipadamente. A desvantagem, nesse sentido, se relaciona com o desgaste de tempo dos familiares. Entretanto sua presença não necessariamente é sempre benéfica para uma adequada apreciação das dificuldades e a ZDP de cada paciente. Uma possibilidade seria solicitar a permissão da família para gravar a sessão.

É útil dividir as ações investigadas num processo de avaliação neuropsicológica em tarefas motoras, perceptuais (imagens) e verbais, já que sua apreciação requer diferentes estratégias. No que diz respeito às tarefas motoras, estas devem ser diretamente observadas pelo neuropsicólogo, que deve permitir a gravação das sessões em todas as aplicações de plataformas virtuais, tais como Zoom, Skype, GoToMeeting etc., sempre e quando devidamente autorizado.

As tarefas no plano perceptivo, que compreendem execuções gráficas, como desenhos, e todas as de escrita podem ser mostradas ao profissional, o que é útil, mas não suficiente para análise posterior dos dados clínicos. Por essa razão, as execuções podem ser enviadas ao profissional, o que pode ser trabalhoso e complicado para os familiares. Outra possibilidade seria que o neuropsicólogo possa tirar fotos (printscreens) dessas execuções no momento, para o qual se requer que o próprio paciente ou seus familiares possam mostrar diretamente à câmera as folhas com essas execuções.

No caso de tarefas verbais orais, o avaliador pode escutar e fazer as anotações, assim como acontece durante uma avaliação presencial. A duração das sessões de avaliação pode ser entre 30 e 60 minutos. É necessário levar em conta que o trabalho on-line tende a ser considerado mais cansativo que o presencial, pois exige maior esforço atencional, além da exposição prolongada à luz.

Reflexões sobre a intervenção neuropsicológica infantil on-line

Diante dessa perspectiva, pode-se pensar que a intervenção funciona de forma semelhante. As sessões podem ter duração entre 30 e 60 minutos, de acordo com as características próprias de cada paciente. De nenhuma maneira a intervenção pode ser substituída pela indicação de observar certos programas de televisão, jogos virtuais ou programas de entretenimento que o paciente utilize individualmente. Não se trata de uma proibição dessas tarefas, porém estas não podem substituir a intervenção especializada quando se trata do enfoque histórico-cultural. Ao mesmo tempo, para serem utilizadas, precisam cumprir os critérios descritos no tópico anterior (encontrar-se na ZDP - que implica a realização conjunta e mediada, estar de acordo com a caracterização neuropsicológica e com a idade psicológica da criança etc.).

Também é necessário discutir as características negativas da diminuição do acompanhamento simultâneo das ações que o paciente realiza durante as sessões de intervenção no caso do acompanhamento on-line. No trabalho individual e isolado, podem não ser cumpridos os princípios metodológicos básicos, como o trabalho na ZDP e a interiorização da ação por etapas. A ZDP implica na execução colaborativa, comunicativa e dialógica de todas as tarefas, o que se exclui no caso de trabalho individual diante da tela. Este último apenas pode levar à mecanização e repetição constante de uma tarefa sem a reflexão sobre seu conteúdo.

O princípio de interiorização da ação por etapas implica que a ação varia em seus planos de apresentação, desde o material ou materializado, passando pela ação perceptiva - seja mais concreta, como uma foto, ou mais abstrata, como um desenho estilizado -, até a ação verbal, que pode ser oral ou escrita. Essa condição é difícil de ser coberta frente a uma tela, pois sempre vai se tratar dos mesmos planos da ação: o perceptivo e o verbal. O anterior se relaciona necessariamente com o princípio de apoio na atividade guia da idade psicológica da criança, já que as diferentes fases do período pré-escolar incluem as atividades lúdicas flexíveis, variadas, que requerem o uso de objetos materiais e não dos objetos apresentados virtualmente.

O único princípio que poderia ser coberto a partir do trabalho individual com os meios virtuais é o do trabalho com o mecanismo neuropsicológico débil. Nesse sentido, não podemos descartar que alguns jogos, programas ou tarefas computacionais podem ser úteis para o desenvolvimento da funcionalidade dos mecanismos funcionais cerebrais. Nesse caso, o ideal seria que, em suas casas, as crianças pudessem realizar as tarefas de jogos sugeridos, explicados e revisados pelo neuropsicólogo, sempre e quando seja acompanhado pela presença de adultos que possam dirigir, orientar e, comunicativamente, acompanhar as execuções das crianças. Assim, o profissional tem a possibilidade de buscar, com a família, conhecer os jogos e brinquedos disponíveis na casa e, inclusive, no edifício ou condomínio em que vive, quando é o caso. É possível solicitar à família que inclua em sua rotina momentos em família para jogos e atividades sugeridas pelo profissional dentro do que esteja disponível no contexto (ou que possa ser adquirido).

Os princípios de intervenção aqui apresentados estabelecem que a forma de aplicação dos instrumentos utilizados para a intervenção é tão importante quanto os próprios instrumentos ou mais. Isso porque se deve trabalhar na ZDP, ou seja, a tarefa aplicada não pode ser tão fácil a ponto de o paciente ser capaz de fazê-la sozinho, nem tão difícil que não consiga nem mesmo com ajuda. O ponto ideal se caracteriza por um nível de dificuldade no qual a criança necessite e seja exitosa com a mediação do profissional. Então, a família deve ser orientada a ajudar a criança a conseguir alcançar os objetivos dos jogos através da análise em conjunto da atividade para o estabelecimento de planos e estratégias. É possível que os familiares realizem vídeos desses momentos para que o profissional acompanhe o trabalho analisando as execuções da criança e oferecendo sugestões. Sublinhamos aqui que, além de tudo, essas sugestões vão no sentido de avaliar momentos de interação de qualidade e diminuir o tempo de exposição a telas.

O trabalho on-line, por ser a distância, limita o processo de mediação principalmente considerando o uso de instrumentos que não são construídos para esse objetivo, como os jogos de internet. Isso torna importante que o profissional construa as ferramentas de trabalho e mediação antes das sessões, pois pode ser difícil fazê-lo durante a sessão on-line. O meio por excelência nesse contexto seria a FRL, à qual a criança deve ser sensível, mas instrumentos de outros planos (material, materializado ou perceptivo) podem e devem ser utilizados sempre que possível. É presumível que o neuropsicólogo necessite de mais tempo de dedicação para a preparação das sessões que no trabalho presencial, o que deve ser considerado no planejamento do programa interventivo.

O modelo de intervenção neuropsicológica infantil aqui apresentado considera de grande importância que se tenha em conta a atividade guia da criança e a etapa de desenvolvimento do jogo com marcadores para estabelecer sua idade psicológica. Esses elementos fazem parte do perfil neuropsicológico traçado na avaliação para estabelecer os objetivos da intervenção. Dessa forma, a criança apresentar o jogo de regras deve ser um elemento que ajuda a constituir as condições para a possibilidade de uma intervenção on-line. Os jogos de manipulação, objetal, simbólico e de papéis exigem a participação física do adulto ou companheiro de jogo. Cronologicamente, o marco seria a partir dos 6 anos de idade, mas é importante considerar que o principal aqui é a idade psicológica, não a cronológica, a qual apontamos apenas como medida de referência média. A presença do jogo de papéis costuma exigir maior capacidade de seguir normas e, ao mesmo tempo, permite a utilização de jogos de internet como instrumento de intervenção. Faz parte da atuação do profissional analisar a estrutura e o funcionamento desses jogos e determinar quais se adequam aos critérios para o uso com cada paciente, que seriam: encontrar-se na ZDP, estar de acordo com objetivo fixado a partir do diagnóstico neuropsicológico por fatores e o nível de motivação pelo jogo. Essa função reguladora pode ser usada pelos familiares da criança com a orientação do neuropsicólogo. Essas condições favorecem, inclusive, o estabelecimento da ZDP entre a criança e seus pais, sob a guia on-line do neuropsicólogo.

Outro elemento que precisa ser caracterizado para o estabelecimento do trabalho a distância mediado por computador é que a criança possa ser regulada pela linguagem do outro. Caso contrário, a interferência do profissional fica prejudicada. Elemento essencial no trabalho presencial, a intervenção nesse contexto pode potencializar sua influência, pois é constantemente necessária. Durante todo o tempo da sessão, instruções como “compartilhe a tela”, “abra esse arquivo”, “procure o botão de apresentação” ou “o botão está no canto inferior direito”, por exemplo, estão presentes.

Diante de tudo isso, chamamos atenção para o fato de que o trabalho on-line aumenta a necessidade de instrumentos virtuais baseados em evidência para avaliação e intervenção neuropsicológicas, como, por exemplo, jogos de internet estruturados a partir dos conceitos neuropsicológicos.

Considerações gerais

O trabalho nesse contexto acontece com a criança em sua casa tendo presente seus elementos de interesse, como jogos, brinquedos, televisão etc. Esses estímulos concorrem contra o envolvimento com a sessão de neuropsicologia, o que dificulta bastante a apresentação de tarefas que sejam suficientemente motivadoras e prejudicam o controle do foco atencional. Conseguir condições apropriadas nesse contexto, como estar adequadamente sentada, disposta e sem interferentes externos, é muito difícil e aumenta o desafio do profissional para preparar e executar as sessões. Esse quadro aumenta a necessidade de o neuropsicólogo mostrar de forma clara ao paciente os objetivos e a importância do processo interventivo no intuito de manter seu comprometimento, o que também depende do seu nível de maturação psicológica.

É comum que o ambiente em que a criança se encontra seja consideravelmente permeável e sujeito a interferências de outros. Durante as sessões, pessoas podem entrar ou interferir por motivos diversos, prejudicando o sigilo e a sensação de privacidade. É importante que a família trabalhe com o profissional no sentido de construir um ambiente de sigilo e privacidade, onde a criança se sinta segura e confiante no trabalho. Considerando as questões apresentadas até aqui, observa-se a necessidade de estabelecer regras claras para o trabalho de intervenção neuropsicológica infantil construídas em acordo entre profissional, paciente e família.

O novo modelo de atendimento neuropsicológico on-line, que surgiu com a situação da pandemia, oferece algumas reflexões para a prática clínica na perspectiva tanto da avaliação quanto da reabilitação neuropsicológica. Esse novo modelo oferece limitações cruciais no que se refere, principalmente, aos princípios básicos da abordagem histórico-cultural, porém foi possível experimentar alguns aspectos positivos dentro do novo formato.

Dos princípios básicos da abordagem luriana, esse modelo impõe um entrave categórico referente ao conceito de Zona de Desenvolvimento proximal. Esse conceito propõe que, ao longo da avaliação, o profissional esteja sempre atento e acompanhando o processo que o paciente realiza até chegar à resposta. A investigação é uma das partes mais importantes do processo avaliativo dentro dessa perspectiva. Em se tratando do processo de reabilitação, essa é a técnica básica, o acompanhamento do processo de realização da tarefa para intervir encontrando as melhores formas de oferta da base orientadora da ação. No trabalho on-line, ainda que seja de maneira síncrona, é limitada a forma de poder acompanhar o processo de realização da tarefa, principalmente por não ser possível visualizar todo material que o paciente manuseia. Essa dificuldade poderia ser amenizada com a utilização de recursos tecnológicos mais sofisticados, no entanto isso esbarraria em outra limitação, que é o acesso a essas plataformas. Na perspectiva luriana, tanto avaliar quanto reabilitar não deve depender de recursos muito caros e sofisticados, já que imporia uma limitação de acesso ao trabalho a classes socioeconômicas específicas. Também implicaria na realização de tarefas somente no plano perceptivo, retirando do processo a utilização do plano concreto. Principalmente para os pacientes que ainda necessitam trabalhar nesse plano, essa é uma limitação básica.

Dessa forma, é possível perceber o prejuízo que se tem para a mediação do profissional. Outro aspecto sobre a mediação é a presença de outras pessoas no ambiente; ainda que isso tenha sido acordado ao início do trabalho, às vezes é inevitável a participação de outros no momento da atividade. Uma mediação é feita pelo profissional e, por diversas ocasiões, a resposta é dada pelo irmão, tia, avó... até mesmo pelos pais, que foram as pessoas que receberam as instruções iniciais. Essas pessoas também interferem oferecendo ajudas não eficazes para o processo. A participação de membros familiares também impõe outra restrição, que é a limitação de trabalhos com questões emocionais diversas que podem surgir. Em uma situação na qual a criança sentiu dificuldade de realizar uma tarefa, por exemplo, manifestou choro e a mãe interferiu dizendo-lhe que deixasse de frescura e parasse de chorar para retornar à atividade. Em outra experiência, uma prima, ao ver a criança ter dificuldade em uma tarefa, entrou no processo para informar que ela não conseguiria fazer porque ela “não sabe nada”. Além de tudo, esse aspecto compromete seriamente a questão da ética profissional do psicólogo no que diz respeito ao sigilo.

No trabalho neuropsicológico, a participação da família é fundamental no processo, mas normalmente não ocorre no momento da sessão e, se for, neste momento, é uma participação orientada e prevista no processo, não aparecendo como interferência no trabalho. As situações descritas acima podem ser vistas também como aspecto positivo, no sentido de que o profissional pode usar essas ocorrências para discutir questões que, por vezes, podem não ter sido relatadas pela família, como situações agressivas que inferiorizam o sujeito ou de comparações entre o paciente e um parente, por exemplo. Assim como também propicia a discussão de formas mais eficientes de mediação do sujeito em suas atividades, tanto acadêmicas quanto de vida diária. Essa última é um aspecto bastante positivo, considerando o modelo on-line, que propicia conhecer a residência do paciente, visualizando aspectos físicos e sociais presentes no espaço.

Uma vivência interessante foi a construção do alfabeto por parte da genitora de uma paciente com paralisia cerebral, que tem limitações severas no controle do movimento nos membros superiores que inviabilizam a sua escrita no papel, e a família não tem condições financeiras para adquirir um tablet. Foi realizada uma sessão com ela para pensar juntamente com a profissional, formas de construção das palavras com letras concretas (que no modelo presencial era realizado com alfabeto de madeira), dentro das possibilidades de material presentes na casa, já que a compra de materiais era limitada, tanto por questões financeiras quanto pelas limitações que a pandemia impõe. Assim, a genitora construiu um alfabeto com papelão. As peças eram coladas em duas folhas de papelão (para serem mais grossas e resistentes) cobertas com papel branco e as letras escritas em caixa alta com hidrocor colorido. Assim, é possível realizar a escrita de palavras a partir de imagens apresentadas pela terapeuta no momento da sessão, e a família realiza, ao longo da semana, a construção de novas palavras com a paciente.

Outra situação ocorrido durante esse período foi a necessidade de uma pessoa para auxiliar no processo terapêutico por questões que, na maioria dos casos, são de deficiência física que limita o uso dos equipamentos tecnológicos ou por transtornos de linguagem que, por essa via, dificultam ainda mais a compreensão do que é dito pelo paciente. Os auxiliares têm alguns agravantes, como a qualificação, para realizar o trabalho de forma eficiente e a necessidade da família em variar a pessoa que irá auxiliar a cada sessão, dificultando a constância das mediações e o processo de aprendizagem desse auxiliar.

A limitação de materiais a serem oferecidos no processo terapêutico também é outro aspecto negativo para o trabalho. Apesar de serem inúmeras as possibilidades de recursos tecnológicos, o preparo do material para cada sessão, que ocorre na proposta da perspectiva histórico-cultural, de forma individualizada, dificulta as possibilidades de modificação da tarefa ao longo da sessão, a partir das respostas do paciente. Dentro da clínica, a disponibilidade de materiais específicos para reabilitação é muito maior; já no ambiente virtual, o preparo fica muito limitado. Por exemplo, se um material construído para uma sessão não for eficaz para o paciente, a disponibilidade de outros materiais fica reduzida. Essa limitação com o tempo irá diminuir, posto que, cada vez mais, o profissional construirá novos instrumentos. No momento inicial de atendimento virtual, o profissional dispõe de poucos recursos, ainda que, mesmo dentro da neuropsicologia histórico-cultural, já exista o esforço do uso de instrumentos concordantes com a vida moderna. Akhutina et al. (2003Akhutina, T., Foreman, N., Krichevets, A., Matikka, L., Narhi, V., Pylaeva, N., & Vahakuopus, J. (2003). Improving spatial functioning in children with cerebral palsy using computerized and traditional game tasks. Disability and Rehabilitation, 25(24), 1361-1371. https://doi.org/10.1080/09638280310001616358
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) examinaram a eficácia da combinação de jogos virtuais com tarefas tradicionais, baseando-se na metodologia de Luria e Vigotsky, para intervenção em crianças com deficiências motoras complexas. Concluiram que a intervenção baseada na utilização de ambientes virtuais é eficaz para crianças com deficiências complexas, especialmente quando combinadas com tarefas que estimulam as fraquezas cognitivas.

A forma assíncrona de atendimento tem se tornado uma importante aliada, posto que ampliou as possibilidades de atividades para serem executadas pela família e observadas pelo profissional. Em um caso com um paciente autista verbal, para ampliação de suas formas de expressão, foram fornecidas à família imagens de situações corriqueiras. Os pais foram orientados sobre formas de mediar a criança para explorar ao máximo a descrição do que via em cada imagem. Ao ser realizada, a atividade era gravada e enviada para a profissional, que, ao assistir, pontuava formas de mediação e observava a evolução da linguagem do paciente.

De acordo com a teoria luriana, a verificação da idade psicológica do paciente é imprescindível para a decisão de formas de ação. Para os pacientes que estão na idade pré-escolar, o modelo on-line impõe muitas limitações, considerando que é um paciente que tem como atividade guia o jogo de papeis. Promover esse tipo de atividade on-line é inviável, sendo possível, para essa idade psicológica, apenas o desenvolvimento de outras atividades que não a atividade guia que a criança apresenta, como a de desenho ou de construção de histórias orais (com ou sem o uso de materiais). Nessa fase, também, o trabalho com a motivação para essa via de atendimento é bastante limitado.

Solovieva & Quintanar (2021Solovieva, Y., & Quintanar, L. (2021). Playing with Social Roles in Online Sessions for Preschoolers. Cultural-Historical Psychology, 17(2), 123-132. https://doi.org/10.17759/chp.2021170212
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) relatam uma experiência de organização de sessões grupais de jogo de papéis por uma instituição pré-escolar no México. Apresentam a necessidade de modificar alguns dos elementos da estrutura da atividade lúdica, como os meios e a orientação da atividade. Para os jogos on-line, foi utilizada uma ampla variedade de meios a nível concreto, perceptual e verbal. Em suas conclusões, afirmam a necessidade de uma análise aprofundada da modalidade on-line de trabalho para o desenvolvimento psicológico infantil juntamente com a urgente reconceituação dos conteúdos do período pré-escolar como processo de comunicação afetiva e preparação para o estudo na escola.

Os atendimentos em grupo, ainda que se busque o resgate de formas de socialização, são também limitados e impõem maior necessidade de seguimento da troca de turnos numa conversação, caso contrário, a compreensão é bastante reduzida. Em alguns casos, pode funcionar como treinamento para essa habilidade de troca de turno, mas, em outros casos, pode ser um empecilho para a viabilidade de diálogos. Citamos o exemplo do caso de um paciente com questões atencionais importantes, ainda sem recursos de autocontrole, que não escutava nenhum colega do grupo e falava todo o tempo, provocando, nos outros membros do grupo, choros e desistência da participação. A atuação do profissional também ficou limitada, posto que não tinha, por exemplo, o recurso do contato físico, e a possibilidade de escuta e observação do comportamento do paciente é reduzida.

Conclusões

Os instrumentos culturais (Vigotsky, 1995aVigotsky, L. S. (1995a). Obras escogidas (Tomo III). Visor.) vão mudando ao longo da história pessoal de cada criança, assim como de toda a humanidade. A mudança das necessidades sociais, dos produtos da sociedade, provoca sempre e de maneira dialética novas mudanças sociais. Computadores, smartphones, internet e a vida on-line são exemplo disso. Essa dinâmica dialética exige uma capacidade constante de adaptação das pessoas, e a neuropsicologia não é uma exceção. A pandemia de covid-19 se apresentou como importante elemento estimulador dessa capacidade adaptativa, e a internet, um significativo instrumento para ela. Os neuropsicólogos precisam enfrentar a possível necessidade do trabalho on-line, considerando que as situações vividas durante a pandemia tendem a aumentar a necessidade de avaliações e intervenções neuropsicológicas para sujeitos de diferentes períodos do desenvolvimento ontogenético. Para isso, é essencial que haja esforço da comunidade neuropsicológica para mostrar como essa área de trabalho pode ser útil para crianças, seus pais e professores.

Em primeiro lugar, a produção de instrumentos baseados em evidência específicos para o trabalho via on-line (tanto para avaliação quanto para intervenção) é essencial. Associado a isso, a forma de utilização desses instrumentos é tão importante quanto. Sua utilização dentro da ZDP é necessária para sua efetividade, assim, analisar suas possibilidades num contexto on-line é importante. Para isso, são diversos os conceitos a serem considerados, como “idade psicológica” e “idade cronológica”, configurando ampla diversidade nas possibilidades de trabalho. É necessário, então, uma larga consideração do contexto, avaliando-se, por exemplo, a viabilidade da participação de familiares. Acima de tudo, é preciso ter a noção de que nenhuma via ou metodologia de trabalho é absolutamente completa, sendo essencial a instrumentalização das vantagens e desvantagens de todas elas.

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  • 1
    Caio Pereira Gottschalk Morais Psicólogo, Mestre em Diagnóstico e Reabilitação Neuropsicológica (BUAP-México). Sócio-fundador do Instituto Luria de Neuropsicologia (Salvador-BA). Docente do Programa de Pós-Graduação da UniRuy Wyden, Salvador - BA. Brasil. E-mail: morais_caio@yahoo.com.br
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    Yulia Solovieva Professora-investigadora da Faculdade de Ciências para o Desenvolvimento Humano da Universidade Autônoma de Tlaxcala (México). Professora-investigadora da Faculdade de Psicologia da BUAP (México). Tlaxcala - Tlax. México. E-mail: aveivolosailuy@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2020
  • Aceito
    08 Set 2021
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