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Atuação da Psicologia em Unidade Neonatal no Contexto da Pandemia da Covid-19

The work of Psychology in a Neonatal Unit in the COVID-19 Pandemic

Actuación de la Psicología en una Unidad Neonatal en el Contexto de la Pandemia de la COVID-19

Resumo

A pandemia de covid-19 provocou intensas mudanças no contexto do cuidado neonatal, exigindo dos profissionais de saúde a reformulação de práticas e o desenvolvimento de novas estratégias para a manutenção da atenção integral e humanizada ao recém-nascido. O objetivo deste artigo é relatar a atuação da Psicologia nas Unidades Neonatais de um hospital público de Fortaleza (CE), Brasil, durante o período de distanciamento físico da pandemia de covid-19. Trata-se de estudo descritivo, do tipo relato de experiência, que ocorreu no período de março a agosto de 2020. No contexto pandêmico, o serviço de Psicologia desenvolveu novas condutas assistenciais para atender às demandas emergentes do momento, como: atendimento remoto; registro e envio on-line de imagens do recém-nascido a seus familiares; visitas virtuais; e reprodução de mensagens de áudio da família para o neonato. Apesar dos desafios encontrados, as ações contribuíram para a manutenção do cuidado centrado no recém-nascido e sua família, o que demonstra a potencialidade do fazer psicológico.

Palavras-chave:
Psicologia; Neonatologia; Teleatendimento; Covid-19

Abstract

The COVID-19 pandemic brought intense changes to neonatal care and required health professionals to reformulate practices and develop new strategies to ensure comprehensive and humanized care for newborn. This study aims to report the experience of the Psychology Service in the Neonatal Units of a public hospital in Fortaleza, in the state of Ceará, Brazil, during the social distancing period of the COVID-19 pandemic. This descriptive experience report study was conducted from March to August 2020. During the pandemic, the Psychology Service developed new care practices to meet the emerging demands of that moment, such as remote care, recordings and online submission of newborns’ pictures and video images for their family, virtual tours, and reproduction of family audio messages for the newborns. Despite the challenges, the actions contributed to the maintenance of a care that is centered on the newborns and their families, which shows the potential of psychological practices.

Keywords:
Psychology; Neonatology; Teleservice; COVID-19

Resumen

La pandemia de la COVID-19 ha traído cambios intensos en el contexto de la atención neonatal, que requieren de los profesionales de la salud una reformulación de sus prácticas y el desarrollo de nuevas estrategias para asegurar una atención integral y humanizada al recién nacido. El objetivo de este artículo es reportar la experiencia del Servicio de Psicología en las Unidades Neonatales de un hospital público de Fortaleza, en Ceará, Brasil, durante el periodo de distanciamiento físico en la pandemia de la COVID-19. Se trata de un estudio descriptivo, un reporte de experiencia, que se llevó a cabo de marzo a agosto de 2020. En el contexto pandémico, el servicio de Psicología desarrolló nuevas conductas asistenciales para atender a las demandas emergentes del momento, tales como: atención remota; grabación y envío em línea de imágenes del recién nacido; visitas virtuales; y reproducción de mensajes de audio de la familia para el recién nacido. A pesar de los desafíos encontrados, las acciones contribuyeron al mantenimiento de la atención centrada en el recién nacido y su familia, lo que demuestra el potencial de la práctica psicológica.

Palabras clave:
Psicología; Neonatología; Teleservicio; Covid-19

Nas últimas décadas, tem havido uma preocupação em conciliar os avanços tecnológicos em Neonatologia com a implantação de práticas de cuidado humanizadas e qualificadas que favoreçam à atenção integral ao recém-nascido (RN) internado em unidades neonatais (L. J. da Silva et al., 2018Silva, L. J. da, Leite, J. L., Silva, T. P. da, Silva, Í. R., Mourão, P. P., & Gomes, T. M. (2018). Desafios gerenciais para boas práticas do Método Canguru na UTI Neonatal. Revista Brasileira de Enfermagem, 71, 2948-2956. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0428
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).

A assistência integral ao neonato envolve ações que, além de abranger a recuperação do corpo biológico, também têm como enfoque as necessidades psicoafetivas, familiares, ambientais e sociais do bebê. Desse modo, oferecer uma atenção neonatal que contemple os significados e sentidos da integralidade implica também incluir a família no contexto de cuidados ao RN, tendo em vista o alto grau de dependência física e emocional da criança e a necessidade de construção e de fortalecimento de vínculo entre bebê, família e profissionais de saúde (Duarte et al., 2013Duarte, E. D., Sena, R. R. D., Dittz, E. D. S., Tavares, T. S., Silva, P. M., & Walty, C. M. R. F. (2013). A integralidade do cuidado ao recém-nascido: Articulações da gestão, ensino e assistência. Escola Anna Nery, 17, 713-720. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20130016
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).

Desse modo, modelos de assistência em Neonatologia que reconhecem a relevância da presença, da aproximação e da participação da família no cotidiano do bebê durante seu período de internação hospitalar são amplamente difundidos, pois favorecem ao fortalecimento do laço afetivo e proporcionam melhor desenvolvimento da criança. No Brasil, tal modelo se ancora no Método Canguru, política de assistência humanizada ao RN grave ou potencialmente grave que reúne estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça à atenção ao recém-nascido e sua família (Ministério da Saúde, 2017Ministério da Saúde. (2017). Attenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: Manual técnico (3a ed.).). Assim, medidas como a garantia do livre acesso dos pais às unidades de tratamento neonatais, com o acolhimento e o estímulo de suas presenças para a participação nos cuidados diretos ao RN, o favorecimento do contato pele a pele precoce, o incentivo ao aleitamento materno e a permissão de visita da família ampliada, como avós e irmãos, são fortemente recomendados pelo modelo brasileiro.

Nesse cenário, a assistência psicológica mostra-se como um serviço que deve ser incluído na rotina de cuidado neonatal como forma de garantir a atenção integral centrada no RN e em sua família. O psicólogo tem como prioridade facilitar a vinculação afetiva entre pais e bebê, mediar o diálogo entre os diversos membros da família do neonato e a equipe de saúde, trabalhar as possíveis perdas ocorridas, sejam elas reais ou mesmo as que ocorrem no imaginário familiar, acompanhar a visita dos irmãos do bebê e favorecer um espaço acolhedor para os pais e familiares falarem sobre a experiência do nascimento do bebê e da hospitalização do mesmo (Souza & Pegoraro, 2017Souza, A. M. V., & Pegoraro, R. F. (2017). O psicólogo na UTI neonatal: Revisão integrativa de literatura. Saúde e Transformação Social, 8(1), 117-128. https://abre.ai/gNqJ
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).

No entanto, com o advento da pandemia da covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, novos desafios surgiram para os profissionais envolvidos com a assistência aos bebês hospitalizados em unidades neonatais. As medidas sanitárias de prevenção e de controle da doença, como o distanciamento físico, trouxeram a necessidade de reformular condutas e práticas nos serviços de atenção neonatal com a finalidade de buscar a proteção dos bebês e de seus familiares, bem como da própria equipe de saúde (Morsch, Custódio, & Lamy, 2020Morsch, D. S., Custódio, Z., & Lamy, Z. (2020). Cuidados psicoafetivos em unidade neonatal diante da pandemia de covid-19. Revista Paulista de Pediatria, 38(e). https://doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2020119
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).

Neste contexto, no Brasil, o Ministério da Saúde publicou uma Nota Técnica com orientações aos profissionais e serviços de saúde quanto à assistência prestada ao RN em ambiente hospitalar no período da covid-19, na qual recomendou suspender a visita da família ampliada, como avós, irmãos e outras pessoas da rede de apoio, aos bebês internados em unidades neonatais, como também estabelecer maior rigor em relação à visita dos pais, garantindo exclusivamente o acesso à mãe e/ou pai assintomáticos (Ministério da Saúde, 2020Ministério da Saúde. (2020). Nota Técnica nº 10/2020-Cocam/CGCIVI/Dapes/SAPS/MS. Atenção à saúde do recém-nascido no contexto da infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). https://abre.ai/gNqr
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).

Considerando o trabalho do psicólogo no contexto neonatal, que tem como foco o acolhimento e o atendimento direto dos familiares dentro do espaço das unidades neonatais, e tendo em vista as medidas de prevenção e de controle da pandemia da covid-19, como o maior rigor em relação à visita dos familiares, surgiu a seguinte problemática: como ocorreu a atuação da Psicologia em unidades neonatais durante a pandemia da covid-19?

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é relatar a atuação da Psicologia nas unidades neonatais de um hospital público de Fortaleza (CE), durante o período de distanciamento físico da pandemia da covid-19. Para tanto, buscou-se descrever as estratégias de atenção psicológica desenvolvidas durante o período citado e discutir os desafios e as potencialidades do fazer da Psicologia na atenção integral ao RN em tempos de pandemia.

Considerou-se fundamental a realização de estudo com esta temática, tendo em vista que o cenário de atuação nas unidades neonatais durante a pandemia de covid-19 foi atravessado por particularidades que trouxeram à tona a necessidade de a Psicologia se reinventar frente a essa situação crítica e de construir uma prática que fosse flexível, congruente e adequada para atender às novas demandas apresentadas pelos sujeitos. Neste sentido, tornou-se necessária a exposição das experiências profissionais vivenciadas no período da pandemia e das atividades realizadas em tal contexto, colaborando para o avanço no âmbito da assistência neonatal e para o compartilhar de ações profissionais.

Percurso metodológico

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, acerca da atuação da Psicologia na rotina de cuidados em unidades neonatais de um hospital público localizado em Fortaleza (CE), Brasil, durante os meses de março a agosto de 2020, período em que a instituição suspendeu a visita dos familiares dos recém-nascidos internados em virtude das medidas de prevenção e de controle da pandemia de covid-19. Este hospital é caracterizado por atendimentos de alta complexidade, sendo um serviço de referência no estado, principalmente nas áreas de Ginecologia, Obstetrícia e Neonatologia.

Neste relato, será dado destaque a quatro estratégias de atenção psicológica desenvolvidas durante o período citado, que foram escolhidas devido ao ineditismo que tiveram dentro das atribuições das psicólogas atuantes na instituição, a saber: atendimento remoto; registro e envio on-line de imagens do recém-nascido a seus familiares; visitas virtuais; e reprodução de mensagens de áudio da família para o neonato.

Para o estudo, utilizaram-se as orientações de Daltro e Faria (2019Daltro, M. R., & Faria, A. A. (2019). Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(1), 223-237. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v19n1/v19n1a13.pdf
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) acerca da elaboração de relato de experiência, considerado um narrativo científico de relevância na contemporaneidade, pois se trata de uma construção teórico-prática que se propõe ao refinamento dos saberes acerca da experiência em si, por meio do olhar dos sujeitos que o narram a partir de um contexto histórico e cultural. Assim, pela experiência vivida e em diálogo com os saberes científicos, o relato de experiência se mostra com potencial de gerar novas noções teóricas e provocar a emergência de outras problematizações e processos, apresentando, de maneira objetiva, descritiva, analítica e crítica, o cenário, os atores e as técnicas utilizadas.

Devido ao fato de o estudo se tratar de um relato de experiência, não foi submetido à avaliação por Comitê de Ética. Porém, durante seu desenvolvimento, foram considerados os preceitos éticos que constam nas normativas de pesquisas científicas que envolvem seres humanos.

Contextualização do cenário da experiência

No período da experiência, o Centro de Neonatologia da instituição apresentava seis unidades neonatais com um total de 76 leitos, a saber: três Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (Utin), com dez leitos cada, sendo uma delas de isolamento, específica para recém-nascidos com diagnóstico de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag-Covid-19) ou nascidos de mulheres diagnosticadas com covid-19 e que precisaram permanecer em observação; duas Unidades de Cuidado Intermediário Convencional Neonatal (UCINCo), com 14 leitos na primeira e 22 leitos na segunda; e uma Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa) com dez leitos (Cadastro Nacional, 2021Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). (2021). http://cnes.datasus.gov.br/
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). A distinção entre as unidades intermediárias convencional a canguru reside na diferença de cuidados prestados, em que, na UCINCa, a infraestrutura física e material permite acolher a mãe e o bebê para que permaneçam juntos nas 24 horas por dia, até a alta hospitalar.

Salienta-se que, comumente, o número de bebês internados ultrapassava a quantidade de leitos cadastrados em virtude da grande demanda recebida por este hospital. No período de março a agosto de 2020, houve um total de 365 recém-nascidos hospitalizados nas Utin e 753 nas UCINCo, com média de ocupação dos leitos em torno de 160%. Geralmente, os bebês atendidos nessas unidades apresentavam as seguintes condições clínicas: prematuridade; baixo peso ao nascer; malformações; síndromes genéticas; cardiopatias; e problemas respiratórios.

As unidades neonatais, de modo geral, contavam com uma equipe de profissionais composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicas de enfermagem, fonoaudiólogas, psicólogas e assistentes sociais. Durante o período da experiência a ser relatada, a equipe de Psicologia da Neonatologia era composta, ao todo, por cinco psicólogas e duas profissionais residentes de Psicologia.

As medidas de cuidado recomendadas pelo Método Canguru eram adotadas nas rotinas dos serviços de atenção neonatal do hospital. Em vista disso, antes da covid-19, era estimulada a presença dos familiares nas unidades, sendo garantido o livre acesso da mãe e do pai e permitida a visita da família ampliada, a exemplo de avós, irmãos e outras pessoas da rede de apoio.

O fazer do Serviço de Psicologia na instituição e as mudanças ocorridas no cenário com o início da pandemia

Antes da pandemia de covid-19, o trabalho das psicólogas no hospital em questão era realizado exclusivamente de maneira presencial, principalmente por busca ativa, e envolvia, dentre outras, as seguintes atividades: acompanhamento de psicoterapia breve de apoio e avaliação psicológica individual dos pais e familiares dos RN internados; facilitação de grupos de apoio emocional, de discussão e de verbalização com pais, que objetivavam promover o diálogo e a livre expressão de pensamentos e sentimentos sobre a experiência da internação; mediação de reuniões de convivência e de educação em saúde com equipe e famílias, que consistiam em encontros a fim de realizar atividades que promovessem o esclarecimento de dúvidas dos pais e uma melhor convivência entre pais, familiares e equipe; e acompanhamento da visita dos irmãos a partir de cinco anos de idade dos bebês hospitalizados, visando ao acolhimento e à participação de irmãos mais velhos do RN no processo de internação nas unidades neonatais e ao fortalecimento dos laços fraternos.

Diante do cenário da pandemia, o governo do estado do Ceará, por intermédio do Decreto nº 33.510, de 16 de março de 2020, determinou situação de emergência em saúde e estabeleceu medidas de distanciamento físico para a contenção da transmissão do Sars-Cov-2. Em maio de 2020, devido ao avanço da doença de forma exponencial no Ceará, com maior concentração no município de Fortaleza, começou o isolamento social rígido na capital, que se estendeu até junho do referido ano (“Decreto nº 33.608”, 2020Decreto nº 33.608, de 30 de maio de 2020. (2020). Prorroga o isolamento social no estado do Ceará, na forma do decreto nº33.519, de 19 de março de 2020 e institui a regionalização das medidas de isolamento social, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Ceará. https://abre.ai/gNqG
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). Neste período, medidas mais rígidas em relação ao tráfego e à circulação de pessoas foram instauradas em toda a região. Com isso, a citada instituição hospitalar suspendeu temporariamente as visitas da mãe, do pai e de outros familiares aos recém-nascidos internados em unidades neonatais, uma vez que, naquele momento, não havia vacina contra o vírus Sars-Cov-2 disponível e os cientistas de todo o mundo ainda empenhavam esforços em estudos clínicos para sua elaboração.

Apesar do decreto estadual estipular o isolamento social rígido até junho daquele ano, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do hospital optou por prorrogar a suspensão das visitas dos familiares até agosto de 2020, considerando algumas especificidades da instituição, como a superlotação e o tamanho das unidades neonatais, que poderiam promover aglomeração de pessoas se, num mesmo ambiente e ao mesmo tempo, reunissem-se bebês, pais, família e equipe de saúde, o que representava um risco iminente de propagação de infecção.

Nesse período, observou-se que o sofrimento emocional vivenciado pelas famílias diante da internação de um filho se tornou ainda mais intenso no contexto da pandemia da covid-19, tendo em vista a maior restrição de contato entre pais e bebês hospitalizados em virtude das medidas de distanciamento físico. Além disso, percebeu-se que a presença da covid-19 afetou diretamente, no âmbito do cuidado neonatal, as práticas facilitadoras de vínculo e de proteção neurossensorial anteriormente utilizadas, como também aponta Morsh et al. (2020).

Nessa conjuntura, algumas atividades que eram desempenhadas habitualmente pela Psicologia foram interrompidas na instituição, como a facilitação de grupos de pais e multiprofissionais e o acompanhamento de visitas dos irmãos mais velhos e demais familiares. Além disso, devido à suspensão das visitas, os atendimentos presenciais se tornaram restritos às mães no breve período em que se encontravam internadas nas enfermarias do hospital.

Assim, a equipe de psicólogas se deparou com uma nova realidade de atuação e necessitou reformular suas estratégias de cuidado. Novas condutas assistenciais foram desenvolvidas, considerando as demandas emergentes do momento e as necessidades de manutenção do contato das famílias com o bebê.

Cabe ressaltar que as estratégias de intervenção a serem descritas neste estudo ocorreram, principalmente, nas Utin e UCINCo, tendo em vista que a UCINCa permaneceu acolhendo a mãe juntamente com o bebê. A seguir, as quatro novas atividades serão melhor descritas e discutidas.

Relato e discussão da experiência

Atendimento remoto

O primeiro contato que o Serviço de Psicologia tinha com a mãe do bebê ocorria ainda de maneira presencial enquanto ela permanecia internada no hospital. De modo geral, eram feitas visitas ao leito da mãe a fim de ofertar apoio psicológico, bem como orientá-la quanto ao atendimento remoto e às demais ações que a equipe de Psicologia implementaria a distância após a alta materna e enquanto o bebê permanecesse internado na unidade neonatal.

Nessa primeira abordagem, já era possível avaliar aquelas que demandariam um acompanhamento remoto mais sistemático, por apresentarem sofrimento psicológico mais intenso, crises de ansiedade e medo, dificuldades importantes de adaptação, manifestações de transtorno psicológico ou psiquiátrico, ou nas situações de maior gravidade e intercorrências com o recém-nascido. Além disso, o constante contato do Serviço de Psicologia com os pais, que ocorria durante o envio das imagens do RN, atividade que será melhor descrita à frente, levou à procura pelo atendimento psicológico remoto de maneira espontânea por parte dos familiares, seja diretamente às psicólogas do hospital ou por solicitação a outros membros da equipe assistencial.

Desde o início da suspensão das visitas, percebeu-se que o atendimento remoto deveria ser inserido na rotina de assistência da Psicologia do hospital em questão, considerando a necessidade de oferecer suporte psicológico à distância aos familiares dos recém-nascidos internados, de modo a preservá-los fisicamente, e mitigar os impactos emocionais diante da hospitalização do bebê e do distanciamento. É sabido que pais de bebês internados em unidades neonatais apresentam níveis mais elevados de estresse relacionados à separação ocasionada pela internação de seus filhos (Guttmann et al., 2020Guttmann, K., Patterson, C., Haines, T., Hoffman, C., Masten, M., Lorch, S., & Chuo, J. (2020). Parent stress in relation to use of bedside telehealth, an initiative to improve family-centeredness of care in the neonatal intensive care unit. Journal of Patient Experience, 7(6), 1378-1383. https://doi.org/10.1177/2374373520950927
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).

Diante das exigências quanto ao distanciamento físico, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulgou a Resolução nº 4/2020 que orientou os profissionais quanto aos serviços psicológicos prestados por meio de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) durante a pandemia de covid-19 e flexibilizou a realização dos atendimentos psicológicos no formato on-line (CFP, 2020Conselho Federal de Psicologia. (2020). Resolução nº 04, de 26 de março de 2020. Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia do COVID-19. CFP. https://abre.ai/gNqy
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).

A mudança para essa modalidade de atendimento apresentou a primeira dificuldade a ser enfrentada: a instituição de saúde não tinha disponível, de imediato, recursos que possibilitassem a oferta desse tipo de serviço. Para contornar essa limitação, uma das autoras deste trabalho forneceu um aparelho do tipo smartphone e um chip de telefonia celular para que fosse possível realizar o contato remoto com as famílias enquanto a instituição se reorganizava para se adequar às novas exigências do contexto pandêmico. Posteriormente, em maio de 2020, o hospital forneceu para o Serviço de Psicologia um aparelho do tipo tablet com um chip no qual foi instalado o aplicativo Whatsapp BusinessTM e disponibilizou rede de internet nas unidades neonatais.

Os atendimentos, assim, puderam ser realizados, principalmente, por meio de chamadas telefônicas ou videochamadas em que foram estabelecidas intervenções de escuta ativa, avaliação do estado emocional, apoio psicológico, fortalecimento das estratégias de enfrentamento, mapeamento e ativação da rede de apoio, psicoeducação, encaminhamentos e mediação da comunicação entre pacientes e equipe. Os atendimentos ocorreram principalmente com as mães dos bebês, por apresentarem maior necessidade de atenção psicológica naquele momento e por também se colocarem como pessoa de referência para o acompanhamento do RN, mas poderiam ser estendidos, sempre que necessário ou quando solicitado, aos pais, avós e outros familiares do neonato.

Ademais, muitas famílias entravam em contato direto com o Serviço de Psicologia pelo aplicativo, por meio de mensagens de texto e de áudio, para solicitar informações e esclarecimentos sobre o recém-nascido, apesar de diariamente a equipe de enfermagem do hospital realizar ligações às famílias para o repasse de informações sobre o quadro de saúde do bebê. Percebia-se, em tais mensagens, a expressão de suas angústias frente às dúvidas relacionadas ao processo de internação e devido ao distanciamento do filho. Neste sentido, por não competir ao Serviço de Psicologia o repasse de informações clínicas do RN, as psicólogas realizavam a articulação e a mediação da comunicação da família com a equipe assistencial, como médicas e enfermeiras, a fim de amenizar a ansiedade dos familiares e proporcionar esclarecimentos sobre o estado de saúde do bebê. Seguido de tal ação, o atendimento psicológico era realizado a fim de promover maior suporte emocional.

Atender por meio de TIC foi desafiador, especialmente porque as psicólogas não possuíam experiência anterior em tal estratégia. A formação em Psicologia ainda se mostrava deficitária no que diz respeito a temas referentes a novas modalidades de atendimento, a se destacar o atendimento não-presencial (Cosenza, Pereira, Silva, & Medeiros, 2021Cosenza, T. R. S. B., Pereira, E. R., Silva, R. M. C. R. A., & Medeiros, A. Y. B. B. V. (2021). Desafios da telepsicologia no contexto do atendimento psicoterapêutico on-line durante a pandemia de covid-19. Research, Society and Development, 10(4), e52210414482. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14482
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).

Ademais, gerou-se um debate entre as psicólogas da instituição a respeito do local a ocorrer o atendimento remoto, pois algumas defendiam que esse deveria ocorrer em sala reservada a fim de garantir o sigilo e evitar interrupções, enquanto outras argumentavam que, durante a modalidade presencial, o fazer do psicólogo hospitalar pode ocorrer nos mais diversos settings, o que não teria que ser diferente na modalidade a distância, cabendo apenas orientar a equipe a respeito do momento em que o atendimento acontece, a fim de evitar intromissões. Assim, aquelas que optaram em realizar o atendimento em local reservado na instituição tiveram que negociar e pactuar com os demais membros da equipe horários para o uso dos poucos espaços privativos existentes no hospital.

Outro obstáculo encontrado pelas profissionais foi apresentado pelas próprias famílias que, com frequência, não dispunham em seus lares de ambiente privado ou não se sentiam à vontade com esse tipo de atendimento, além de dificuldades relacionadas ao sinal da rede de internet, que por vezes prejudicava a qualidade do serviço prestado. O público atendido era, principalmente, das camadas mais populares e residentes nos mais diversos municípios do estado, inclusive da zona rural. Algumas delas, inclusive, preferiam permanecer no atendimento por mensagens de áudio ou texto, recusando o recebimento de ligação telefônica ou de videochamada.

O atendimento remoto também retirou aspectos importantes da comunicação presencial, como a proximidade, o contato físico e o olhar. Durante o diálogo, o corpo emite diversos sinais, como gestos e movimentos, os quais facilitam a interação social e a compreensão do que está sendo dito (Wiederhold, 2020Wiederhold, B. K. (2020). Connecting through technology during the Coronavirus disease 2019 pandemic: Avoiding “zoom fatigue”. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 23(7), 437-438. https://doi.org/10.1089/cyber.2020.29188.bkw
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). No entanto, a conversa virtual ou mesmo por meio de chats pode dificultar o acesso e a percepção dessas expressões não-verbais, de modo que torna a comunicação mais exaustiva e desgastante.

A telepsicologia, isto é, qualquer prestação de serviço de saúde mental, o que inclui a terapia, a consulta e a psicoeducação prestadas pelo profissional de Psicologia a um cliente ou paciente em um atendimento que ocorre por meio tecnológico à distância (Cosenza et al., 2021Cosenza, T. R. S. B., Pereira, E. R., Silva, R. M. C. R. A., & Medeiros, A. Y. B. B. V. (2021). Desafios da telepsicologia no contexto do atendimento psicoterapêutico on-line durante a pandemia de covid-19. Research, Society and Development, 10(4), e52210414482. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14482
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), ainda era muito pouco praticada até metade da década passada (A. C. N. Silva, Sales, Dutra, Carnot, & Barbosa, 2020Silva, A. C. do N., Sales, E. M., Dutra, A. F., Carnot, L. R., & Barbosa, A. J. (2020). Telepsicologia para famílias durante a pandemia de covid-19: Uma experiência com telepsicoterapia e telepsicoeducação. HU Revista, 46, 1-7. https://doi.org/10.34019/1982-8047.2020.v46.31143
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). A pandemia de covid-19 impôs uma urgência que forçou a busca por essa modalidade de assistência, embora as evidências de pesquisa sobre o uso da telepsicologia para lidar com o estresse pandêmico fossem limitadas e ainda estejam sendo estudadas (Argüero-Fonseca et al., 2021Argüero-Fonseca, A., Cervantes-Luna, B. S., Martínez-Soto, J., Santos-Ávila, F., Aguirre-Ojeda, D. P., Espinosa-Parra, I. M., & Beltrán, I. L. (2021). Telepsicología en la pandemia covid-19: Una revisión sistemática. Uaricha, 18, 1-10. https://www.researchgate.net/publication/352054949
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).

Apesar disso, acredita-se que a telepsicologia apresente mais vantagens do que desvantagens pelo fato de ser de baixo custo, atingir pessoas residentes em locais de difícil acesso, de ser muito útil na psicoeducação, além de servir para o apoio a situações que possam provocar ansiedade ou estresse. Alguns estudos também evidenciaram que tratamentos on-line e presenciais foram considerados de igual eficácia (Cosenza et al., 2021Cosenza, T. R. S. B., Pereira, E. R., Silva, R. M. C. R. A., & Medeiros, A. Y. B. B. V. (2021). Desafios da telepsicologia no contexto do atendimento psicoterapêutico on-line durante a pandemia de covid-19. Research, Society and Development, 10(4), e52210414482. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14482
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).

Assim, apesar das dificuldades e limitações, o atendimento remoto possibilitou a aquisição e o aprimoramento de habilidades e competências profissionais nas psicólogas envolvidas nesta experiência, como a criatividade, a flexibilidade, o incremento da escuta qualificada e o fortalecimento do papel de mediação da Psicologia nas relações família-equipe. Além disso, percebeu-se que, mesmo com o distanciamento, foi possível estabelecer um vínculo empático com os familiares, assegurando a oferta de cuidado em saúde mental de forma segura.

Registro e envio on-line de imagens do recém-nascido a seus familiares

Na ocasião do primeiro atendimento presencial, as mães eram informadas a respeito do registro de imagens dos recém-nascidos internados nas Utin e UCINCo para posterior envio on-line a seus familiares. Essa estratégia objetivou reduzir os impactos do distanciamento físico entre pais e bebês, possibilitar o acompanhamento do desenvolvimento da criança pelos familiares e favorecer à formação do vínculo afetivo.

Antes da pandemia, a prática do registro de imagem do RN não era autorizada nas unidades neonatais do hospital em questão. Inclusive, quando alguma família manifestava interesse em registrar a imagem do bebê durante a internação, esta atitude era reprimida pela equipe de saúde, a despeito do clamor das psicólogas, que sempre reconheceram sua importância. Assim, ao ser implantada, a atividade gerou, inicialmente, estranhamento na equipe assistencial, mas com o tempo, os profissionais se adaptaram a essa nova prática e começaram a enxergá-la com maior naturalidade. As equipes de enfermagem e de fisioterapia contribuíam com a preparação do bebê para o momento do registro, como posicionar o recém-nascido de forma segura, adequada e confortável.

O registro da imagem, que poderia ser por meio de fotos e/ou vídeos de um minuto de duração para facilitar seu envio e recebimento, foi realizado pela equipe de Psicologia mediante a assinatura do Termo de Consentimento e Responsabilidade de Uso de Imagem (TC) por um dos genitores ou responsável legal do bebê. Após a assinatura do TC, iniciava-se o trabalho de registro e envio, em que as fotos e os vídeos de todos os bebês internados eram captados evitando que outros recém-nascidos tivessem a privacidade violada, focando a câmera apenas no bebê em questão. A fim de promover a correta identificação do neonato, era adicionado, na imagem, o nome do bebê, se já o tivesse, o nome da mãe e a data do registro.

O envio das imagens ocorreu durante todo o período de internação de cada neonato. As imagens eram enviadas pelo aplicativo WhatsApp Business™ para o número fornecido pela família no TC numa frequência de duas fotos e/ou vídeos por semana, a contar da data da primeira imagem enviada, e também nos “mesversários” (comemoração de cada mês de vida completado pela criança) para os casos de longa internação. Estes critérios foram estabelecidos considerando o número de profissionais envolvidas para a realização da atividade, a escala de trabalho e a quantidade de bebês internados, que, como dito anteriormente, comumente ultrapassava o número de leitos cadastrados, sendo constante a situação de superlotação.

Com pouco tempo de experiência, foi percebido que muitas famílias apresentavam a demanda de visualizar o recém-nascido no momento em que ele estivesse acordado e/ou se mexendo, como forma de ter garantias de que o bebê estava vivo. Assim, as imagens passaram a ser realizadas no horário do manuseio do RN, como troca de fraldas e alimentação, considerando que nestas ocasiões o neonato tende a despertar e a ficar mais reativo. Dessa forma, o registro fotográfico e/ou de vídeo era realizado de modo a respeitar o ciclo sono-vigília do RN, sem deixar de atender aos pedidos das famílias. Salienta-se que, durante a gravação dos vídeos, os profissionais da Psicologia buscavam conversar com o bebê ou mesmo simular a voz da criança como em uma conversa com a mãe ou o pai, de modo a transmitir afeto, a buscar maior aproximação com a família, a personalizar o paciente e a favorecer o processo de subjetivação do RN.

Ao receberem as imagens dos bebês, muitos pais expressavam dúvidas relacionadas à hospitalização do recém-nascido. Sabe-se que as profissionais de enfermagem, durante a ligação para o repasse do boletim clínico do neonato à família, buscavam explicar, de maneira mais detalhada possível, sobre os equipamentos, os procedimentos e os cuidados realizados, de modo a tentar esclarecer o que vinha ocorrendo com o RN. Observou-se, no entanto, que a não participação presencial da família na rotina dos cuidados neonatais levou a uma dificuldade de compreensão das necessidades e características da criança, bem como obstáculos na apreensão da realidade da internação e das particularidades que envolvem o universo da unidade neonatal.

Por isso, após o envio das imagens, eram realizadas intervenções psicoeducativas, apoiadas nas fotos e nos vídeos para ilustrar e elucidar aquilo que era explicado pelas enfermeiras, com o intuito de diminuir fantasias e angústias dos familiares relacionadas ao processo de hospitalização do bebê e de aumentar a aquisição de informações dos pais acerca do recém-nascido, da internação, da rotina das unidades e da ambiência.

A necessidade de o bebê ser encaminhado a uma unidade neonatal faz com que os pais lidem com as frustrações de não realizar suas expectativas, com as tensões diante da fragilidade do filho e com o receio de perdê-lo. Além disso, a alta materna não associada à alta do bebê provoca na mãe medo e dor, pois o desejo de levar o filho para o lar manifesta-se desde a gestação, acompanhado de sonhos e fantasias. Assim, as mães, em geral, sentem-se inseguras e preocupadas, mesmo compreendendo a necessidade clínica da hospitalização do bebê (Lima & Smeha, 2019Lima, L. G., Smeha, L. N. (2019). A experiência da maternidade diante da internação do bebê em UTI: Uma montanha russa de sentimentos. Psicologia em Estudo, 24(38179), 1-14. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.38179
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).

Morsch, Braga, Borges, Kislanov e Cupolillo (2012Morsch, D. S., Braga, N. A., Borges, J. S-S., Kislanov, S., & Cupolillo, S. (2012). Redes de suporte à parentalidade em UTI neonatal: Um relato de experiência. In C. A. Piccinini & P. Alvarenga, Maternidade e paternidade: A parentalidade em diferentes contextos (pp. 59-82). Casa do Psicólogo.) salientam que essa é uma situação carregada de angústia, ansiedade, culpa e impotência diante da vulnerabilidade do recém-nascido. Nesse cenário, as mães, por terem gerado em seu ventre o filho e por seu papel em sua criação, acabam estando mais presentes durante a internação da criança e, diante de tudo o que pode ocorrer com o bebê, sentem-se confusas, ansiosas e cansadas, incapazes de entender o que está acontecendo e como responder adequadamente ao contexto.

Isso parece ter ligação com uma série de desafios que a mulher terá que enfrentar e que eram inesperados para ela, como ter que lidar com um bebê que ela pode ter dificuldade de reconhecer como seu devido à destituição da tarefa materna de cuidar do filho internado em unidade neonatal e que, inclusive, pode até não sobreviver (Pontes & Cantilino, 2014Pontes, G. A. R. & Cantilino, A. (2014). A influência do nascimento prematuro no vínculo mãe-bebê. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 63(4), 290-298. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000037
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).

Uma situação particularmente delicada de registro de imagem do bebê se deu nas situações de óbito. Essa estratégia foi pensada levando em consideração as circunstâncias do contexto da pandemia. Devido às medidas sanitárias, muitos pais que perderam seus filhos neste período não tiveram a oportunidade de realizar um momento de despedida, não tendo sido possível ver, tocar e colocar o bebê nos braços. Alguns familiares não chegaram a conhecer presencialmente ou a estar mais próximo do filho, tendo sido uma situação geradora de intenso sofrimento psíquico.

A ocorrência de rituais que auxiliem os pais a se apropriarem da perda do bebê deve ser considerada a fim de promover a apropriação psíquica da morte da criança e auxiliar na elaboração do luto. Assim, o psicólogo hospitalar que atua em neonatologia deve ofertar, de maneira individualizada, espaços para a expressão da dor, verificar a presença de algum desejo ritualístico que seja possível dentro do contexto do hospital e promover o acolhimento e a escuta terapêutica dos pais e outros familiares (Arrais & Mourão, 2013Arrais, A. R., & Mourão, M. A. (2013). Proposta de atuação do psicólogo hospitalar em maternidade e UTI neonatal baseada em uma experiência de estágio. Revista Psicologia e Saúde, 5(2), 152-164. https://abre.ai/gNqm
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).

Neste sentido, o registro fotográfico em situação de óbito buscou possibilitar que a perda fosse acolhida, simbolizada e significada, como também ajudar na preservação da memória do bebê que teve uma partida tão precoce. Assim, após a comunicação do óbito por parte da equipe médica, era sugerida essa possibilidade para a família, sendo respeitado o seu desejo. Inclusive, alguns familiares já pediam a imagem antes mesmo dela ser ofertada. As fotos em caso de óbito costumavam ser feitas após a preparação do corpo do recém-nascido pela equipe de enfermagem, a qual retirava os aparelhos respiratórios, as sondas e cateteres, caso estivessem presentes, e colocava o bebê em posição adequada, limpo, com fralda descartável e identificado. O atendimento psicológico de apoio à situação de óbito acompanhava esse momento, colocando-se a equipe de Psicologia à disposição para ser contatada caso os pais manifestassem interesse ou necessidade de suporte posterior.

Realizar as imagens do RN, mesmo num cenário tão desafiador e com tantas restrições, possibilitou o registro de diversos momentos da hospitalização do bebê, de modo que as famílias puderam construir verdadeiros álbuns de memória acerca dessa vivência, podendo, posteriormente, rememorar e recontar essa história com o auxílio das fotos e dos vídeos. O retorno recebido pelos familiares acerca das imagens foi bastante positivo, sendo recorrente o recebimento de mensagens de agradecimento pela atenção e pelo cuidado proporcionados. Muitas, após a alta, continuaram a manter contato com o Serviço de Psicologia por meio do aplicativo e, dessa vez, eram elas que enviavam imagens dos bebês às psicólogas à medida que eles iam crescendo em seus lares.

Visitas virtuais

Ainda visando promover a proximidade dos pais com o bebê internado durante o contexto pandêmico, também foram realizadas visitas virtuais da família ao recém-nascido por meio de videochamadas. Essa intervenção será descrita em um tópico a parte por ter especificidades que a distingue da atividade descrita anteriormente, apesar de que ambas tiveram como objetivo a busca pelo fortalecimento do vínculo afetivo entre RN e família e também de acolher a demanda emocional dos familiares, tendo em vista que muitos apresentavam sinais de angústia e de ansiedade que, comumente, estavam relacionados à hospitalização e à restrição de contato presencial com o neonato.

A principal diferença entre as duas atividades esteve na possibilidade de a família, na visita virtual, ver ao vivo o bebê e tentar interagir com ele no momento da videochamada. No entanto, essa ação foi realizada com apenas alguns bebês que se mostravam mais aptos para tal, uma vez que era preciso considerar o quadro clínico do RN, bem como a sua capacidade de suportar os estímulos de luz e de som emitidos pelo tablet durante a chamada em vídeo.

Quando o RN é levado para a unidade neonatal, encontra um ambiente extremamente distinto do que experimentava no útero materno. Devido a sua incipiente capacidade de organização perceptiva-sensorial e de autorregulação, um ou mais estímulos coincidentes, mesmo que não aversivos, podem representar um excesso que o leva a apresentar respostas e reações simultâneas, intensas, capazes de levá-lo à exaustão, o que pode refletir negativamente, em termos fisiológicos, no desenvolvimento de seu sistema nervoso central e mesmo em seu processo interacional. Entre os efeitos fisiológicos dos ruídos e da luz em RN, estão alteração na frequência cardíaca, aumento na pressão arterial, diminuição na saturação de oxigênio, apneia, interferência na consolidação ou mesmo privação do sono, aumento na pressão intracraniana e possíveis efeitos neuroendócrinos e na imunidade (Ministério da Saúde, 2017Ministério da Saúde. (2017). Attenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: Manual técnico (3a ed.).).

Por isso, por causa do perfil dos bebês internados, muitos deles prematuros ou prematuros extremos, e do elevado número de leitos para o número reduzido de psicólogas, as videochamadas eram realizadas com menos frequência, sendo proposta principalmente nos casos em que as famílias apresentavam maior ansiedade para a visualização imediata do RN. Nessas situações, os benefícios da intervenção eram percebidos já no momento da visita virtual, com os sorrisos e a emoção dos familiares ao ver, ao vivo, o bebê.

Dessa forma, para realizar a visita virtual, uma das psicólogas entrava em contato com a equipe assistencial e também com os familiares para agendar o horário mais adequado para sua realização, considerando as características individuais do bebê, a rotina das unidades e o horário do manuseio do recém-nascido. No momento previamente combinado, as videochamadas eram realizadas pelas psicólogas pelo mesmo aplicativo de mensagens já utilizado.

O nascimento de um bebê marcado por complicações clínicas ou pela prematuridade dificulta um primeiro contato corporal entre mãe e filho, tão importante para a construção da vinculação entre ambos (Lima & Smeha, 2019Lima, L. G., Smeha, L. N. (2019). A experiência da maternidade diante da internação do bebê em UTI: Uma montanha russa de sentimentos. Psicologia em Estudo, 24(38179), 1-14. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.38179
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). Na situação pandêmica, essa separação foi ainda mais prolongada. As mães foram privadas desses primeiros toques que as auxiliariam a descobrir modos particulares de se relacionar e de cuidar dos filhos. Portanto, estratégias que buscassem promover uma sensação de proximidade foram fundamentais, pois, na ausência da presença física, tentou-se possibilitar o envolvimento emocional e a manifestação de interações próprias entre a mãe e seu bebê.

Reprodução de mensagens de áudio da família para o neonato

Outra estratégia estabelecida foi a reprodução de mensagens de áudio da família para o recém-nascido como uma intervenção terapêutica para o desenvolvimento e recuperação da saúde do bebê, bem como para o fortalecimento do vínculo. Escutar a voz da mãe pode atenuar a sensação de descontinuidade e de estranhamento experimentada pelo recém-nascido hospitalizado, que se encontra separado de sua família. Ademais, caso o pai ou outro membro da família também tenha conversado com o bebê durante a gestação, o reconhecimento da voz é bastante provável. Neste sentido, em caso de ausência prolongada, gravar a voz dos familiares e reproduzir para o bebê pode ser um estímulo que proporciona conforto e segurança em meio a um ambiente desconhecido. No entanto, é importante considerar, nos casos de RN prematuros, que qualquer som extra pode incomodá-lo, principalmente nos momentos em que ele estiver mais irritado ou muito estimulado (Moreira, Braga, & Morsch, 2003Moreira, M. E. L., Braga, N. D. A. & Morsch, D. S. (2003). Quando a vida começa diferente: O bebê e sua família na UTI neonatal. Fiocruz.).

Assim, os pais costumavam enviar mensagens de áudio nas quais relatavam seus desejos, suas esperanças, manifestavam a saudade e o amor que sentiam pelo bebê. Por vezes, eram orações que faziam ao filho como expressão de religiosidade e fé pela recuperação da criança. Além do pai e da mãe, outros membros da família também enviavam mensagens de voz para que fossem reproduzidas para o bebê, como avós e irmãos. Além desses áudios, algumas famílias também solicitavam que determinada canção fosse transmitida para o neonato. Geralmente, eram músicas de ninar e melodias que as mães relataram ter ouvido durante a gestação.

Para realizar este contato intermediado entre a família e o recém-nascido, era necessário avaliar junto à equipe de saúde o estado clínico do neonato, a fim de verificar sua capacidade de suportar a reprodução do áudio, pois, como referido anteriormente, bebês muito graves, prematuros extremos ou com quadros de convulsão podem não se beneficiar com a ação e, ao contrário, ter seu quadro clínico comprometido pelo excesso de estímulo.

Dessa forma, o momento da reprodução do áudio era realizado em horário mais oportuno para o bebê, respeitando suas particularidades e rotina, e, então, registrado em vídeo com envio posterior para a família, a fim de que ela pudesse acompanhar a ocasião e as reações do bebê. Muitos bebês demonstravam maior relaxamento ao ouvirem a voz da mãe ou do pai, alguns chegando a dormir; outros, em momentos de choro, silenciavam-se e se mantinham atentos ao que escutavam. As famílias, por sua vez, ao receberem o vídeo do momento, referiam maior tranquilidade e a sensação de maior proximidade, mescladas à tristeza pelo afastamento.

A importância das estratégias desenvolvidas e o papel da psicologia hospitalar nas unidades neonatais em tempos de pandemia

Quando um bebê nasce, necessitando de cuidados hospitalares, a família vivencia uma experiência permeada de intenso sofrimento, apresentando, muitas vezes, sentimentos de preocupação, tristeza, medo, insegurança, impotência e ansiedade. Além disso, a internação do recém-nascido nas unidades neonatais e o estresse emocional vivenciado pela família frente a este acontecimento podem prejudicar os contatos iniciais entre pais e bebê e interferir no processo de construção e fortalecimento do vínculo afetivo (K. C. Silva, Silva, Almeida, Santos, & Kleber, 2018Silva, K. C. de, Silva, B. B. da, Almeida, C. R., Santos, L. M. dos, & Kerber, N. P. da C. (2018). Forças maternas utilizadas durante a hospitalização do recém-nascido prematuro na unidade de terapia intensiva neonatal. Revista Baiana de Saúde Pública, 42, 178-191. https://doi.org/10.22278/2318-2660.2018.v42.n0.a2877
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).

Vínculo é o termo comumente usado nas situações em que os pais venham a conhecer, amar e aceitar seu novo bebê e foi definido como uma relação duradoura que é positiva e única para a criança. Três atributos são identificados como centrais para o processo de ligação pais-bebê: proximidade, reciprocidade e comprometimento parental (Kerr et al., 2017Kerr, S., King, C., Hogg, R., McPherson, K., Hanley, J., Brierton, M., & Ainsworth, S. (2017). Transition to parenthood in the neonatal care unit: A qualitative study and conceptual model designed to illuminate parent and professional views of the impact of webcam technology. BMC Pediatrics, 17(1), 1-13. https://doi.org/10.1186/s12887-017-0917-6
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).

A vinculação mãe-bebê é considerada uma necessidade primária do ser humano e que será consolidada a partir de atividades continuadas de interação entre mãe e filho. É por meio dela que o bebê terá um adequado desenvolvimento emocional e repercutirá em todas as suas relações sociais futuras (Klaus, Kennel, & Klaus, 2000Klaus, M. H., Kennell, J. H., & Klaus, P. H. (2000). Vínculo: Construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Artes Médicas Sul.). Por se tratar de uma necessidade física e psicológica do bebê, a mãe acaba sendo considerada a figura primordial para o estabelecimento dessas primeiras ligações emocionais da criança.

Kerr et al. (2017Kerr, S., King, C., Hogg, R., McPherson, K., Hanley, J., Brierton, M., & Ainsworth, S. (2017). Transition to parenthood in the neonatal care unit: A qualitative study and conceptual model designed to illuminate parent and professional views of the impact of webcam technology. BMC Pediatrics, 17(1), 1-13. https://doi.org/10.1186/s12887-017-0917-6
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) apresentam o conceito de “transição para a maternidade” como um processo de mudança que ocorre quando uma mulher que começa a cuidar de seu filho se avalia como mãe. Os mesmos autores reforçam que as mães com bebês admitidos em unidades neonatais são conhecidas por experimentar maiores dificuldades na transição para o papel materno do que as mães com bebês saudáveis. As razões incluem períodos de separação e redução de oportunidades de vínculo precoce que podem levar à diminuição dos níveis de responsividade e sensibilidade materna. Além disso, a preocupação com a saúde imediata e de longo prazo e o desenvolvimento do bebê têm se mostrado como fator para níveis mais elevados de estresse, ansiedade e depressão nas mães, que podem persistir após a alta do bebê. É importante destacar que o bem-estar psicológico das mães é conhecido por influenciar as interações precoces com seus filhos e pode impactar no desenvolvimento social, emocional, comportamental e cognitivo das crianças a curto e longo prazo.

Na unidade neonatal, vida e morte caminham lado a lado. Trata-se do lugar do não-saber, do investimento em um bebê que talvez não sobreviva. A possibilidade de construção de vínculo com um filho que se pode perder é o drama com o qual o psicólogo hospitalar deve buscar realizar seu trabalhar (Baltazar, Gomes, & Segal, 2014Baltazar, D. V., Gomes, R. F. de S., & Segal, V. L. (2014). Construção de vínculo e possibilidade de luto em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. Revista da SBPH 17(1), 88-98. https://abre.ai/gNqo
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). Por isso, nesse período, é fundamental a implementação de intervenções que possam minimizar o sofrimento psíquico materno causado pelo conflito em gerar um filho, muitas vezes, percebido como frágil e incompleto, ajudando a mãe no enfrentamento dessa situação, e oferecer suporte psicológico (Shermann & Brum, 2012Shermann, L., & Brum, E. H. M. (2012). Parentalidade no contexto do nascimento pré-termo: A importância das intervenções pais-bebê. In C. A. Piccinini & P. Alvarenga. Maternidade e paternidade: A parentalidade em diferentes contextos (pp. 34-58). Casa do Psicólogo.).

Em vista disso, considera-se fundamental a atuação da Psicologia neste contexto, no sentido de prevenir agravos à saúde mental, proporcionar alívio das angústias dos familiares, identificar as famílias que necessitam de um suporte maior, facilitar a formação do vínculo entre pais-bebê, em especial da mãe com o filho, e mediar a comunicação da família com a equipe de saúde (Souza & Pegoraro, 2017Souza, A. M. V., & Pegoraro, R. F. (2017). O psicólogo na UTI neonatal: Revisão integrativa de literatura. Saúde e Transformação Social, 8(1), 117-128. https://abre.ai/gNqJ
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).

Como a proximidade é necessária para permitir que os pais se conectem com seu bebê, é importante que sejam feitos esforços para incentivar esse processo, buscando uma maneira de levá-los a se sentirem mais próximos e envolvidos nos cuidados com o bebê em situações em que não puderem estar fisicamente presentes. Na situação da pandemia de covid-19, em decorrência do distanciamento físico que privou ainda mais esse contato de pais e filhos, foi urgente a criação de estratégias que pudessem promover essa aproximação.

Pesquisas a respeito do impacto do uso de webcam em unidades neonatais para envio de imagens do neonato para a família (Goutte et al., 2017Goutte, S., Sauron, C., Mestrallet, G., Chambon, M., Charvet, E., & Rebaud, P. (2017). La surveillance vidéo: Une innovation au service des soins de développement en unité de soins intensifs de néonatologie. Archives de Pediatrie, 24(9), 837-842. https://doi.org/10.1016/j.arcped.2017.06.006
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; Guttmann et al., 2020Guttmann, K., Patterson, C., Haines, T., Hoffman, C., Masten, M., Lorch, S., & Chuo, J. (2020). Parent stress in relation to use of bedside telehealth, an initiative to improve family-centeredness of care in the neonatal intensive care unit. Journal of Patient Experience, 7(6), 1378-1383. https://doi.org/10.1177/2374373520950927
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; Kerr et al., 2017Kerr, S., King, C., Hogg, R., McPherson, K., Hanley, J., Brierton, M., & Ainsworth, S. (2017). Transition to parenthood in the neonatal care unit: A qualitative study and conceptual model designed to illuminate parent and professional views of the impact of webcam technology. BMC Pediatrics, 17(1), 1-13. https://doi.org/10.1186/s12887-017-0917-6
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) sugerem que tecnologias que permitiram o acompanhamento remoto por meio de imagens do RN puderam promover uma contribuição importante no aumento dos sentimentos de proximidade e, por sua vez, facilitaram o processo de vinculação pais-bebê quando momentos de separação foram impostos. Além disso, tais tecnologias puderam colaborar para que os pais mostrassem significativamente menos estresse relacionado à separação de seu bebê em comparação aos que não fizeram esse tipo de acompanhamento a distância.

Essa parece ainda ser uma proposta distante da realidade dos hospitais públicos brasileiros. Porém, as pesquisas e o relato aqui apresentado podem inspirar a criação de outras estratégias viáveis ao cenário local e que auxiliem, de alguma forma, o acompanhamento remoto do bebê pelos familiares. Em nossa experiência, percebeu-se que o envio de imagens do RN, a reprodução dos áudios e as visitas virtuais auxiliaram as famílias a conhecerem melhor as características de seus bebês, gerando uma sensação de proximidade e de participação durante a internação. Foram formas, também, de estabelecer, de alguma maneira, o contato do bebê com sua família, permitindo que o processo de reconhecimento de seus pais e de vinculação pudesse ser mantido. Além disso, o recurso de fotos e vídeos possibilitou que as imagens pudessem ser usadas para apresentar o bebê à família e aos amigos, o que facilitou a integração do recém-nascido com os demais familiares.

Essas ações, de maneira articulada com os atendimentos psicológicos remotos, buscaram atender às necessidades emocionais e aos déficits de conhecimento das famílias sobre o bebê. O atendimento remoto mediado por TIC apresentou vantagens para a oferta de suporte psicológico durante a pandemia, uma vez que este tipo de serviço corroborou com as recomendações de isolamento social e, ao mesmo tempo, garantiu a continuidade dos atendimentos. Nesse contexto, os aplicativos multiplataforma de mensagens instantâneas mostraram-se como ferramentas potentes no exercício das atividades que envolveram a atenção à saúde. Tais aplicativos dispõem de uma série de recursos que possibilitaram novas formas de comunicação entre profissional e paciente, como o compartilhamento de imagens, a realização de chamadas de áudio ou de vídeo e a troca de mensagens escritas ou de voz. Além disso, alguns deles se mostraram amplamente difundidos, a exemplo do WhatsAppTM, mesmo nos aparelhos celulares mais simples, de forma que facilitou o acesso por parte da população e expandiu o cuidado de forma segura para quem dele precisou.

A inserção dessas novas estratégias de cuidado na rotina de assistência da Psicologia a tornou mais intensa e exaustiva, considerando que a maioria dos atendimentos do serviço passou a ocorrer de forma remota, os quais eram atravessados pelas dificuldades mencionadas. Além disso, em virtude da restrição de contato entre pais e bebês hospitalizados, houve um aumento de demandas emocionais relacionadas à necessidade de proximidade com o bebê, tornando cada vez mais crescente o número de famílias a serem atendidas pela Psicologia com o envio de imagens e com a realização de visitas virtuais, mesmo ainda se mantendo com um dimensionamento de profissionais insuficiente para tal, o que também contribuiu para gerar maior exaustão na equipe de psicólogas.

Essa situação tornou evidente a necessidade de desenvolver estratégias de autocuidado no sentido de perceber, acolher e atender às próprias necessidades físicas e emocionais. Profissionais que atuam em situações de crise precisam lidar com suas demandas pessoais e estar atentos às suas reações, aos seus sentimentos e aos seus limites, haja vista que não somente a saúde, como a própria atuação do profissional, pode ser comprometida diante da exposição prolongada ao estresse (Franco, 2015Franco, M. H. P. (2015). A intervenção psicológica em emergências: Fundamentos para a prática. Summus.). Dessa forma, foi desenvolvida uma escala de rodízio no serviço entre as psicólogas com o objetivo de modular o estresse, além de serem garantidos espaços e momentos de repouso e de cuidado, com ampliação do apoio mútuo dentro da equipe.

Apesar dos desafios encontrados, participar do desenvolvimento e da realização das novas estratégias de atenção psicológica ao RN e seus familiares foi extremamente gratificante, pois as intervenções realizadas pareceram promover algum conforto para as famílias que se encontravam separadas fisicamente de seus filhos em virtude das medidas sanitárias estabelecidas no contexto pandêmico.

Considerações finais

Atuar como psicólogas nas unidades neonatais durante o período da pandemia de covid-19 proporcionou muitos desafios. No campo das intervenções, encontrou-se uma realidade nunca antes vivenciada, que exigiu mudanças significativas na assistência psicológica. Nesse novo cenário permeado por medo, incertezas e ansiedade, o Serviço de Psicologia precisou se reinventar e construir estratégias de cuidado adequadas para atender às demandas emergentes dos sujeitos e às novas características da instituição.

Tais intervenções só foram possíveis devido às TICs disponíveis atualmente e à ampla difusão do uso de smartphones, que facilitaram a realização de videochamadas, audiochamadas, trocas rápidas de mensagens de textos e de voz por meio de aplicativo multiplataforma. As TICs ofereceram uma solução importante para o período de separação forçada entre famílias e bebês internados. Além disso, as intervenções com uso dessas tecnologias apresentaram um duplo benefício: facilidade de aplicação e baixo custo.

As transformações ocorridas na assistência psicológica foram pautadas na criatividade, na flexibilidade e, sobretudo, no respeito e no comprometimento com o bebê e seus familiares. Apesar das dificuldades encontradas, acredita-se que as estratégias descritas neste artigo contribuíram para promover, em tempos de pandemia, o cuidado integral e humanizado ao recém-nascido e sua família, o que demonstra a potencialidade do fazer psicológico.

Almeja-se que algumas dessas estratégias permaneçam posteriormente, como o registro de imagem do recém-nascido, tendo em vista os impactos favoráveis apresentados pela intervenção no fortalecimento da sensação de proximidade da família com o bebê e na preservação de memórias e lembranças acerca do período vivenciado e que faz parte da história de vida desses sujeitos.

Ressalta-se que este estudo não teve o intuito de esgotar as possibilidades de reflexões sobre a temática, mas, sim, de compartilhar conhecimentos e práticas. Como limitação do presente relato, pontua-se o fato de ter sido vivenciado em um único hospital, que, de certa forma, apresenta uma realidade distinta de outras instituições de saúde. Além disso, este relato envolveu apenas a percepção de duas das psicólogas que compunham a equipe de Psicologia atuante na neonatologia da instituição, e não das demais profissionais envolvidas ou das famílias atendidas.

Embora as intervenções realizadas tenham se mostrado úteis, mais pesquisas são necessárias para desenvolver e avaliar estratégias que auxiliem os pais a se sentirem mais próximos de seus bebês quando, por algum motivo, deles estiverem fisicamente separados durante o período de internação. Porém, o relato aqui apresentado traz informações e direcionamentos para uma prática em Psicologia hospitalar num contexto de distanciamento físico e isolamento de pacientes neonatais.

Referências

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  • Arrais, A. R., & Mourão, M. A. (2013). Proposta de atuação do psicólogo hospitalar em maternidade e UTI neonatal baseada em uma experiência de estágio. Revista Psicologia e Saúde, 5(2), 152-164. https://abre.ai/gNqm
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    02 Ago 2022
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