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Inclusão escolar: representações compartilhadas de profissionais da educação acerca da inclusão escolar

School inclusion: representations about school inclusion shared with professionals of education

Resumos

Este trabalho objetivou explorar as representações, compartilhadas por vinte e cinco profissionais da educação da rede regular de ensino fundamental, acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Para tanto, priorizaram-se os sistemas conversacionais mantidos na vivência da instituição escolar durante sete meses de desenvolvimento da pesquisa. As análises das informações constataram que os aspectos implícitos da instituição escolar acerca da inclusão escolar estão atrelados a distintas representações: possibilidade de desenvolvimento educacional, espaço de socialização e práticas compensatórias. Pôde-se concluir que, enquanto não forem compreendidos as crenças, os desejos, as frustrações e os afetos dos professores quanto a sua ação profissional, eles não poderão a assumir o papel de educar todo e qualquer aluno e, dessa forma, a instituição escolar continuará reproduzindo o círculo cruel da diferenciação e exclusão dos alunos. Somente seus sentidos singulares direcionarão posturas na construção e desenvolvimento de uma escola inclusiva aos alunos indistintamente.

Inclusão escolar; Ensino fundamental; Representações sociais


This article intended to explore some representations shared among twenty-five professionals of education (elementary schools) about the school inclusion of handicapped students. To achieve this goal, it was necessary to focus on a system based on conversation. The work was done through experience inside the school institutions in seven months of research development. The analises of the obtained information established that implicit aspects of schools about the theme are interlaced with different representations: possibility of educational development, place for social meetings and rewarding practices. We can conclude that as long as teacher's beliefs, desires, frustrations and affections to their professional actions are not understood, they will remain in darkness, for they are not able to assure the position of teaching any student; thus, school will certainly be trapped on the cruel circle of selection and exclusion of the handicapped students. Only the teacher's feelings will direct an attitude towards the construction and improvement of a school that can include students without selecting some of them.

School inclusion; Elementary schools; Social representation


ARTIGOS

Inclusão escolar: representações compartilhadas de profissionais da educação acerca da inclusão escolar

School inclusion: representations about school inclusion shared with professionals of education

Claudia Gomes* * Mestre em Psicologia escolar (PUC-Campinas), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia como Profissão e Ciência (PUC-Campinas). , Fernando Luis Gonzalez Rey** ** Pontifícia Unoversidade Católica de Campinas.

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fernando Luis Gonzalez Rey SQS 407 - Bloco R / Ap. 206 70256-180, Brasília, DF, Brasil Telef. (61)-2446753 E-mail: claudiagomes.psi@ bol.com.br, gonzalezrey@terra.com.br

RESUMO

Este trabalho objetivou explorar as representações, compartilhadas por vinte e cinco profissionais da educação da rede regular de ensino fundamental, acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Para tanto, priorizaram-se os sistemas conversacionais mantidos na vivência da instituição escolar durante sete meses de desenvolvimento da pesquisa. As análises das informações constataram que os aspectos implícitos da instituição escolar acerca da inclusão escolar estão atrelados a distintas representações: possibilidade de desenvolvimento educacional, espaço de socialização e práticas compensatórias. Pôde-se concluir que, enquanto não forem compreendidos as crenças, os desejos, as frustrações e os afetos dos professores quanto a sua ação profissional, eles não poderão a assumir o papel de educar todo e qualquer aluno e, dessa forma, a instituição escolar continuará reproduzindo o círculo cruel da diferenciação e exclusão dos alunos. Somente seus sentidos singulares direcionarão posturas na construção e desenvolvimento de uma escola inclusiva aos alunos indistintamente.

Palavras-chave: Inclusão escolar, Ensino fundamental, Representações sociais.

ABSTRACT

This article intended to explore some representations shared among twenty-five professionals of education (elementary schools) about the school inclusion of handicapped students. To achieve this goal, it was necessary to focus on a system based on conversation. The work was done through experience inside the school institutions in seven months of research development. The analises of the obtained information established that implicit aspects of schools about the theme are interlaced with different representations: possibility of educational development, place for social meetings and rewarding practices. We can conclude that as long as teacher's beliefs, desires, frustrations and affections to their professional actions are not understood, they will remain in darkness, for they are not able to assure the position of teaching any student; thus, school will certainly be trapped on the cruel circle of selection and exclusion of the handicapped students. Only the teacher's feelings will direct an attitude towards the construction and improvement of a school that can include students without selecting some of them.

Keywords: School inclusion, Elementary schools, Social representation.

Políticas inclusivas: a escola como eixo da reconstrução social

Sabe-se que, objetivamente, a ação educacional aparenta estar fortemente respaldada, seja por suas formalizações internacionais, seja pelas nacionais (ONU, 1982; ONU, 1990; ONU, 1994; Brasil, 1988; Brasil, 1990; Brasil, 1996). Porém ressalta-se que, mesmo podendo fixar-se como uma forma eficaz de propagar e difundir novas concepções, a educação não tem se apresentado como um exemplo efetivo nesse processo. Por meio da história das práticas educacionais, constata-se que, durante muito tempo, essa área teve como meta a formação e o desenvolvimento apenas dos alunos caracterizados com "normais - normalizados". Há tempos a educação vem constituindo, cada vez mais, espaços escolares limitados aos processos de ensino e aprendizagem, processos esses que se configuram na criação de ambientes fragmentados que dia a dia se transformam em um foco de enrijecimento, seleção, estigmatização e normatização dos procedimentos educacionais, e, fundamentalmente, na massificação do desenvolvimento humano (Bock, 2003; Novaes, 2002).

A necessidade de impulsionar a mudança do paradigma vivenciado nas instituições escolares deve ser compreendida na busca da reconstrução da educação e do processo educativo, não mais como foco exclusivista, mas como trajeto de inclusão e mudança do macro sistema social.

Inclusão escolar de alunos com necessidades especiais

É na consideração de um novo contexto escolar, com a inclusão de todos os alunos, inclusive de alunos com necessidades especiais, que novos olhares poderão ser direcionados a todos os sujeitos, com o devido entendimento de sua totalidade, com a reflexão da bagagem histórica da comunidade na qual está inserido e, essencialmente, ao vê-lo como uma pessoa ativa e participativa.

Esse é um grande desafio, uma vez que essa população de alunos se caracteriza, explicitamente, por possuir comprometimentos que afetam sua integridade e que podem trazer prejuízos à locomoção, à coordenação de movimentos, à fala, à compreensão de informações, à orientação espacial ou à percepção e ao contato com outras pessoas. Dentre essas, estão as deficiências físicas, mentais, visuais e auditivas (Brasil, 2001a), que exigem novos posicionamentos a fim de reconstruir as práticas educativas oferecidas.

Ao se considerar o aluno com necessidades educacionais especiais como cidadão que possui direitos e deveres, o enfoque social de suas vidas é mudado, e eles passam a ser considerados também produtores e reprodutores de sua realidade social a ponto de sua limitação ser caracterizada como secundária, o que proporciona o desenvolvimento de novas relações de convivência individuais e sociais. Essa mudança de enfoque, no entanto, parece esbarrar, prioritariamente, em aspectos subjetivos que há muito delimitam e estigmatizam esses alunos.

Subjetividade: implicações no processo de inclusão escolar

Repensar e romper o foco e as barreiras dicotomizantes reproduzidas e refletidas pela educação em nossas escolas, prioritariamente apresentada na relação inclusão/exclusão, representa um resgate das dimensões individual e coletiva, não massificadas pela cultura vigente, mas reenquadradas na busca de representações sociais, de singularidades, de significados e significações, portanto, do caráter subjetivo das relações vivenciadas.

Assim, direcionar nossas instituições escolares ao encontro dos fatos complexos é construir uma nova vertente de atuação, não apenas determinada, mas fundamentalmente determinante na busca e compreensão dos discursos, significados, aspirações e idealizações tão singulares nos agentes humanos envolvidos, que se contrapõe ativamente às fragmentações existentes, sejam elas indivíduo/sociedade, afeto/cognição ou desenvolvimento/aprendizagem, entre outros (Gonzalez Rey, 2001).

Resgatar a subjetividade fundante e presente tanto nas ações sociais como nas ações individuais impulsionará a consideração dialética entre o individual e o social, relação essa há muito descaracterizada pelas concepções mecanicistas e passivas do determinismo histórico sobre o indivíduo (Gonzalez Rey, 1989; 2003).

A consideração da subjetividade, compreendida como produção de sentidos, vem alavancar o indivíduo e toda a sua história a uma nova posição, agora com sentidos, significados e emotividade. Esses sentidos são inseparavéis tanto dos processos simbólicos quanto das emoções, e emergem integrados frente ao desenvolvimento de atividades dos sujeitos, o que de fato vem reconsiderar os elementos de sentidos de sua historicidade (Gonzalez Rey, 1995).

Entretanto, ao referenciar o processo de inclusão escolar, verifica-se que, ao mesmo tempo em que este explicita e objetiva as legislações e políticas educacionais do País, pouco vem considerar o sentido subjetivo desses sujeitos que a lei abarca, como se as formulações tanto internacionais como nacionais, vastamente relatadas, pudessem se sobrepor ao relato particular e individual dos agentes humanos envolvidos na questão, considerando-os passivos e reprodutores fiéis de tais formulações.

Os sentidos subjetivos representam as unidades psicológicas que caraterizam a forma em que foi subjetivada a experiência vivida, experiência não no que ela, objetivamente, significa para um observador externo, mas em toda sua carga emocional e simbólica para aquele que a vive. Os sentidos constituem o sujeito e, no caso dos alunos com necessidades especiais, esses sentidos subjetivos não são menos legítimos do que aqueles que caracterizam a vida de qualquer outra pessoa. São os sistemas desses sentidos, associados às experiências vividas, que González Rey (2003) tem definido como configurações subjetivas.

A organização das configurações subjetivas, quanto à inclusão escolar de alunos com necessidades especiais, é sistêmica, intercambiando tanto os sentidos subjetivos individuais (crenças, desejos, desafios, inseguranças) quanto os sentidos subjetivos sociais (representações, organização simbólica da escola); entretanto, até então, muito pouco se explorou aquilo que, de fato, os agentes humanos envolvidos, entre eles os profissionais da educação, realmente sentem quando passa a fazer parte da rotina escolar um aluno atípico em relação aos demais, em decorrência de seus déficits mentais, físicos ou sensoriais, e que sentidos cercam seus posicionamentos frente a esse novo aluno.

Enfatiza-se a exploração de seus sentidos não apenas em um novo artigo ou parágrafo legislativo, mas na configuração subjetiva de seus posicionamentos frente à questão, impulsionada tanto por seus aspectos objetivos como, prioritariamente, pelos aspectos subjetivos que integram e se expressam de múltiplas formas nos indivíduos que vivenciam a questão, sejam eles diretores, professores, pais ou alunos.

Para tanto, ao buscar a investigação da ação educacional inclusiva de alunos com necessidades especiais no ensino regular, e tentando não explorar os aspectos explícitos, esta pesquisa propôs, como objetivo geral, explorar as representações compartilhadas pelos profissionais da educação quanto ao processo de inclusão escolar de alunos portadores de necessidades especiais.

Método

Ao buscar compreender a inclusão escolar de alunos com necessidades educativas especiais, visualizando o estudo das representações de profissionais da educação, a epistemologia de pesquisa qualitativa tornou-se essencial no desenvolvimento do trabalho. Ressalta-se que essa compreensão de pesquisa vem oferecer a forma satisfatória de alcançar as exigências epistemológicas inerentes ao estudo da subjetividade, como parte constitutiva do indivíduo e das diferentes formas de organização social (Gonzalez Rey, 2002).

Participantes

O grupo de participantes da pesquisa foi formado por vinte e cinco profissionais de distintas atribuições, sendo elas: uma diretora, uma vice-diretora, uma coordenadora pedagógica, duas inspetoras de alunos e vinte professores de 1ª à 8ª série. Quanto ao gênero dos participantes, dos vinte e cinco profissionais, vinte e três eram mulheres, e apenas dois homens; o tempo médio de atuação foi de onze anos, e, com exceção das duas inspetoras de alunos, todos os demais profissionais possuíam formação superior completa.

O critério de escolha da instituição escolar para a realização da pesquisa se deu pelo levantamento prévio do número de alunos com necessidades educativas especiais, matriculados em horário regular (matutino e vespertino) em instituições públicas estaduais. Dessa forma, foi delimitado, como local de pesquisa, uma escola estadual de ensino regular da região da Grande São Paulo / SP.

Recursos: sistemas conversacionais

O diálogo foi considerado fonte essencial e elemento imprescindível para a qualidade da informação produzida pela pesquisa (Gonzalez Rey, 2002), e evidenciou uma real construção dinâmica do pesquisador com os participantes, com a amplitude dos relatos (emotividade, expressões verbais e corporais, idealizações e perspectivas, entre outros) em diferentes momentos (atividades em sala de aula, atividades em reuniões, horário de intervalo, etc). Para tanto, tornou-se imprescindível a utilização da modalidade metodológica de um diário de pesquisa, que, segundo Flick (2004), não representa apenas uma finalidade de transcrição de informações, mas é fundamental para a reflexão sobre o processo.

Procedimentos

Os sistemas conversacionais foram firmados entre a pesquisadora e os participantes, direcionados com a devida exploração e o aprofundamento nos níveis de discursos ou narrativas construídas durante sete meses, no período de agosto/2004 a abril/2005, que totalizaram vinte e oito semanas de coleta de informações, obtidas nas visitas realizadas pela pesquisadora, três vezes por semana, nos períodos das 7h às 12h, e das 13h às 17h.

Vale ressaltar que foi previamente firmado um contato com a direção da escola a fim de obter a autorização; foi entregue, a todos os participantes, um termo de consentimento livre e esclarecido quanto às questões éticas da pesquisa.

Plano de análise das informações

As informações obtidas por meio dos sistemas conversacionais foram, primeiramente, contextualizadas, e, posteriormente, elencadas em categorias de indicadores, com a formação de agrupamentos significativos em constante relação e discussão com o contexto gerador. As elaborações teóricas foram conduzidas e alavancadas para uma nova representação do estudo da inclusão escolar de alunos portadores de necessidades especiais, que permitiram chegar a zonas de sentido do problema inacessíveis à representação anterior e, em conseqüência, visualizar o impulso de novos níveis de construção teórica sobre a questão educacional inclusiva em nossas escolas.

Resultados e discussão

Pôde ser constatado, durante o desenvolvimento da pesquisa, que a organização escolar, frente à ação inclusiva de alunos com necessidades especiais, parece ser ordenada por três distintas representações.

Inclusão escolar: proposta de modernização das práticas educacionais que enfatizam o respeito às diferenças e diversidades dos alunos: uma das representações acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades educativas especiais, compartilhada por um número muito reduzido de profissionais da educação, vem configurar núcleos de sentidos subjetivos, que impulsionam a modernização das práticas educacionais e enfatizam o respeito às diferenças e às diversidades dos alunos, com o realce da possibilidade da elaboração e desenvolvimento de atividades diferenciadas, como pôde ser constatado no relato de uma das profissionais da educação:

Apresento o tema da aula e cada um desenvolve da maneira que prefere, desenhos, histórias, colagens, pinturas"; "não vejo problemas em realizar uma adaptação das atividades para ele, a turma gosta dele, ele participa se sabe responder, isto é incluí-lo"; "eu busco acreditar nele respeitando o ritmo dele.

Assim como prioriza um ambiente escolar que inclui maiores demonstrações de respeito e afetos, como explicitado pela mesma professora: "Que desenho é este, você gosta mesmo desse esporte? Eu também gosto, e gostaria que se esforçasse mais, gosto muito de você, acredito em você", a representação compartilhada pelos profissionais, configurada por núcleos que realçam e consideram a diversidade dos alunos, com a elaboração de atividades diferenciadas, parece vir rebatendo a prática dos demais professores quanto à denominada liberdade de saídas constantes da sala que os alunos com necessidades especiais possuem, fato que pôde ser constatado no seguinte relato:

Se der uma forçada nele, ele vai, o problema é que todo mundo deixa ele fazer o que quer, e, quando ele vê a dificuldade, sabe que não precisa enfrentar... é mais fácil para muitos professores, deixar ele fora da sala, pois daí não dá trabalho"; "antes não fazia nada, mas agora tenta juntar as letras, montar as palavras... quanto às continhas, ele vai muito bem.

A exclusão acentua-se ainda mais quando os alunos são eximidos de seus deveres escolares e não têm um acompanhamento que lhes garanta progresso dentro de seus limites. Isso produz sentidos subjetivos que levam o aluno a vivenciar ansiedade, menos valia e insegurança, verdadeiras barreiras emocionais para o seu desenvolvimento.

Constata-se que o princípio de liberdade adotado por inúmeros profissionais frente aos alunos com necessidades especiais se traduz muito mais por um descaso e descomprometimento do que por posturas de respeito e de consideração às limitações do aluno, o que marca um padrão diferenciado de relações, como explicitado no relato de uma das profissionais:

Acho um desperdício ele vir até a escola e ninguém dá nada; fica andando de um lado para o outro, e ainda quer limpar a escola; já proibi, na minha aula, dele limpar as carteiras, ele é aluno, não funcionário; ele me procurou na saída da sala e me disse que precisa aprender a ler e a escrever, pois vai arrumar um emprego.

Esse fato vem, aparentemente, mostrar um sentimento de reconhecimento e busca de aliança e cumplicidade do aluno com essa professora, como se a reconhecesse pelas tentativas de novas ações profissionais ao seu processo de inclusão escolar.

A possibilidade de alguns professores considerarem o processo de inclusão escolar pluralidade de desenvolvimento vem proporcionar espaço aos excluídos, com o resguardo de suas singularidades e, necessariamente, identidades diferenciadas, para que, assim, esses alunos possam assumir a construção e a constituição de suas próprias relações escolares e, em conseqüência, sociais (Vaistman, 1995).

A efetivação de um processo escolar de qualidade traz a prioridade do desenvolvimento de novas atitudes e formas de interação na escola e exige mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de se efetivar os processos de ensino-aprendizagem (Mantoan, 1997).

A inclusão escolar de alunos com necessidades especiais só será bem sucedida se antes forem tomados e observados alguns significados: o professor regular deve acreditar que o aluno será bem sucedido, toda a escola deve estar convicta de aceitar e compartilhar a responsabilidade pela aprendizagem de estudantes com necessidades especiais e os profissionais de educação devem estar predispostos a trabalhar em colaboração com as salas de aula regulares (Eric, 2002).

No entanto, posturas dissonantes foram observadas quanto ao próprio professor, e foram claramente evidenciadas ao submergirem os aspectos individuais desses mesmos professores, que vivenciam sentidos subjetivos de potencialidades, desejos, frustrações e competências, mas que são desconsiderados em sua unicidade e singularidade individual: "Não é isso que é inclusão, colocar todo mundo na escola junto, e o resto, a insegurança, a falta de preparo do professor, nada disso conta..." - relato de uma das professoras que reitera a falta de consideração ao professor (suas expectativas e seus desafios).

A instrumentalização e a racionalização dos elementos de sentidos subjetivos, que são singulares e individuais, vêm abarcar a tão bem divulgada, porém extremamente ineficiente, proposta educacional inclusiva, que considera seus agentes meros reprodutores, sem se dar conta de que o sentido subjetivo parte de uma organização singular que poderá impulsionar ou não a tão divulgada busca por novas posturas profissionais.

Somente com a devida consideração à singularidade dos professores é que novas representações acerca do processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais, com novas posturas e formações teóricas e práticas, serão alcançadas.

A vivência de sentidos subjetivos calcados em verdades, a priori estabelecidas, que, ao invés de contrapor, vem enraizar conceitos dominantes, é claramente constatada no que se refere ao tratamento de alguns alunos. Entretanto, a inexistência de posicionamentos ativos frente a esses sentidos sociais vem delimitar tanto os professores como os alunos na posição de a-sujeitamento.

Documentos, publicações e pesquisas concluem que a efetivação de uma prática educacional inclusiva requer, necessariamente, que todos os professores e outros profissionais da educação sejam dotados de materiais, instrumentos e referenciais teóricos e práticos para que possam adaptar suas práticas pedagógicas a fim de incluir todos os alunos, entre eles o aluno com necessidades especiais, com a construção de novas concepções quanto às diferenças, e, acima de tudo, com o trabalho em relação à diversidade, seja ela física, cognitiva ou social, dentro da escola (Marques, Oliveira & Santos, 1998).

Entretanto, esses mesmos documentos nada relatam quanto à vivência dos sentidos subjetivos desses profissionais frente a esse processo e, mais uma vez, a simplificação da proposta inclusiva, por meio da instrumentalização baseada em seus inúmeros artigos, cede prioridade às expectativas, temores e aspirações dos professores em relação à inclusão escolar.

A meta de atender e desenvolver todos os alunos indistintamente (proposta da educação inclusiva) depende de os professores se posicionarem efetivamente quanto à questão e serem impulsionados prioritariamente a reconhecer seus desejos e definir que contribuições podem dar no que se refere à proposta escolar inclusiva.

O desenvolvimento de uma política educacional que realmente oficialize uma ação educativa embasada nas construções e singularidades deve avaliar e impulsionar o processo de inclusão escolar focado nas diferenças, diversidades e identidades diferenciadas de seus alunos (Silva, 2000).

Enquanto os docentes não forem revistos como expressão de sentidos subjetivos individuais e sociais, como sujeitos construtores e singulares, dotados de crenças, desejos, frustrações e afetos, não poderão assumir o papel de educar todo e qualquer aluno, de modificar e redirecionar sua prática profissional para ações mais igualitárias, e a instituição escolar continuará reproduzindo o círculo cruel da diferenciação e exclusão dos alunos.

Esse fato é alimentado por sentidos subjetivos que denotam medos, inseguranças, frustrações e incapacidades no enfrentamento do problema, porém a falta de capacitação institucional é inseparável desse processo e influencia o aspecto subjetivo nos professores, o que forma barreiras para a efetivação da proposta educacional inclusiva.

Uma das questões claramente evidenciadas é que o a-sujeitamento dos professores, presente tanto na formulação de nossas diretrizes educacionais como na prática cotidiana da escola, firma tanto os padrões de relação dos alunos como a padronização de suas práticas profissionais.

Ao analisar as inúmeras pesquisas que direcionam, fundamentalmente, aos professores a responsabilidade de remover os obstáculos que se interpõem entre o aluno e o ensino que lhe é ministrado, que eles possam assumir sua responsabilidade pelo aprendizado de todo e qualquer aluno, modificar seu enfoque de atuação profissional e considerar os alunos dentro de sua individualidade e diversidade; esse, sim, é o primeiro passo para a compreensão das práticas inclusivas, assim como a tomada de consciência frente a novas posturas e à sua prática de atuação (Mantoan, 1997; Orofino & Zanello, 1999), além da contraposição ativa às práticas de exclusão escolar como descritas nas próximas representações compartilhadas pelos profissionais.

Inclusão escolar: delimitação, massificação e padronização do desenvolvimento humano calcada na burocratização do ensino aprendizagem: uma outra representação configurada na instituição escolar por um número relevante de professores vem relacionar os aspectos subjetivos, que limitam a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais, apenas a uma possibilidade de socialização que frisa a delimitação, massificação e padronização do desenvolvimento humano.

Relato como o descrito abaixo, feito por uma das professoras e confirmado direta e indiretamente pelos demais profissionais, vem marcar essa representação, bastante comum entre os profissionais: "A vinda dele é só para que conviva com os outros; tudo bem que ele ajuda, varre a sala, mas não tem como haver aprendizado". Pode ser constatado que a demarcação apenas da socialização como um dos possíveis caminhos da inclusão escolar é assumida também em suas posturas e em relatos como: "Ele deveria ir para uma escola especial, pois só vem aqui para conversar e até brigar, mas não aprende nada".

Assim, torna-se evidenciada a tendência de considerar a inclusão escolar uma possibilidade de socialização, muito mais relacionada ao objetivo de aproximação, interação e convivência de tais alunos com o restante da sala do que a um real desenvolvimento cognitivo e social, como se segue no relato de uma das professoras: "Aprender não aprende, mas acho que é importante o convívio social; não é porque ele não aprende que não precisa conviver com os amigos, e aqui ele tem amigos, não faz a lição, mas o social também é muito importante".

A proposta inclusiva, de acordo com Marques, Oliveira e Santos (1998), para alguns professores, leva em consideração a possibilidade de interação social dos alunos portadores de necessidades especiais visando muito mais ao bem-estar social desses alunos, fato de extrema importância não fosse a limitação existente na demarcação desenvolvimento cognitivo/social, como se se estruturassem em processos dicotômicos.

A compreensão meramente instrumentalizadora, empregada pela educação, com processos fixos e invariáveis, com um conhecimento estático e acabado, contrapõe-se ativamente ao direcionamento para a formação e o desenvolvimento global dos educandos (Gallo, 1999).

Verifica-se a delimitação e a dicotomia dos processos educacionais, que podem estar diretamente relacionados à burocratização dos processos de ensino-aprendizagem atualmente empregados em nossas escolas e que impulsionam as diversas justificativas externas. A instituição escolar parece, cada vez mais, se distanciar do foco do problema, e a falta de preparo e respaldo oferecido parecem sobrepor-se à falta de atitudes e de posicionamentos coerentes com a prática profissional dos professores e, em conseqüência, da escola, sem o devido questionamento frente ao fato de que a educação e o professor devem ter, como meta, atender e desenvolver todos seus alunos indistintamente; no entanto, em momento algum é repensado esse modelo, como fica claro no relato citado: "Não somos uma escola especial...já temos tantos problemas e, nesse caso, é ele que não tem como aprender; a gente tem dificuldades até com os "normais", esses que já tem mesmo alguma coisa, daí não dá mesmo".

A formação dos professores, assim como as deficiências do sistema público de ensino no que se refere à distribuição de materiais e programas que respaldem o processo de inclusão escolar, especificamente ao preparo do profissional frente à inclusão escolar, mostra-se também, nessa instituição, inexistente, assim como o respaldo de materiais e métodos de ensino mais adequados, o que impulsiona constantes afirmações como "(...) falta de formação, falta de materiais acessíveis, falta de especialização"; "não é isso que é inclusão, colocar todo mundo na escola junto e o resto, a insegurança, a falta de preparo do professor, nada disso conta..."; "na escola especial, tem um professor o tempo todo com ele".

Esses relatos são defendidos e justificados por um grande número de professores; ouvem-se, ainda, justificativas como: "falta de preparo, tempo, classes numerosas", ou expressões como: "tem quarenta alunos, mais um", que parecem ter se transformado em jargões quanto à proposta de inclusão escolar, somados a expressões comuns como: "Em um lugar especializado, ele poderia obter um maior desempenho"; "Torna-se muito difícil o trabalho com ele e o restante da turma" . São expressões verídicas, ao se considerarem as limitações e deficiências do sistema público de ensino.

Como se sabe, em diversas culturas e contextos, as barreiras para a inclusão escolar podem estar relacionadas às pessoas, não apenas aos professores, mas também aos pais e aos demais profissionais da educação, ou seja, às pessoas direta ou indiretamente envolvidas, assim como à ausência de recursos financeiros e materiais, à falta de conhecimento e informação e às características do próprio contexto (pobreza, etc.). Entretanto, é bom ressaltar que a existência de barreiras a serem transpostas para a efetivação da proposta escolar inclusiva é extremamente compreensível, uma vez que se trata de um processo um tanto recente no Brasil, e ainda em andamento. As dificuldades ficam ainda mais evidentes se se considerarem as limitações do sistema público brasileiro de educação. A inadequação das instalações e dependências de parcela expressiva das escolas, tanto pelo despreparo do docente para lidar com a inclusão escolar quanto pela inexistência de uma prática pedagógica que contemple a diversidade das necessidades dos alunos, além da carência de materiais básicos (livros, etc.) e de recursos tecnológicos avançados e da ausência de equipes de apoio, representam uma pequena amostra das barreiras a serem superadas na escola pública brasileira para que o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais se torne uma realidade (Gomes & Barbosa, 2006).

Entretanto, constata-se que, anteriormente, a exigência feita ao professor de respeito e de valorização à diferença dos alunos torna evidente a necessidade de contextualizar a singularidade desse professor no que se refere ao seu sentido subjetivo quanto à humanização do ensino para todos. De acordo com Gonzalez Rey (1995), o desenvolvimento e a transformação do sujeito são embasados na contradição entre o social e o individual, do individual considerado pelo posicionamento construtor do indivíduo frente ao social, ação essa desconsiderada na escola e que acarreta não apenas o pleno a-sujeitamento de professores, mas que, fundamentalmente, se contrapõe ao resgate dos sentidos subjetivos acerca da questão inclusiva e impulsiona uma terceira e mais delimitada representação acerca da inclusão escolar.

Inclusão escolar: práticas de humanização do ensino ou práticas sociais compensatórias? Uma outra representação compartilhada pelos profissionais atribui ao processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais um contexto impulsionador de práticas sociais compensatórias, como se seguem nos relatos:

Tem que fazer caridade com esses alunos"; "tem que ter o dom, não é qualquer um que consegue uma aproximação"; " são tão prestativos, tenho um ótimo relacionamento com eles, mas dizer que fazem alguma coisa... faço acordos, eles não me atrapalham e eu deixo eles ficarem na sala de aula.

A caridade é compreendida por atos de prover roupas, comidas e materiais, e busca justificar e recompensar a estada do aluno na escola com ações desvinculadas de uma prática educacional, conforme o relato de uma das dirigentes da escola: "A característica mais relevante atribuída a ele é ser extremamente prestativo (limpeza da sala de aula, do pátio, cuidado com o som da escola)". O próprio aluno incorporou essa representação ao seu processo de inclusão escolar ao assumir, em diferentes momentos, os afazeres de limpeza da escola.

De modo geral, a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais é vista, pelos professores, como uma ação muito mais humanitária do que realmente educacional, e assim, não só as barreiras explícitas como também a falta de estrutura predial, de organização escolar, de recursos e métodos educacionais apropriados devem ser analisados (Mantoan, 1997), e, essencialmente, os sentidos subjetivos vividos pelos professores quanto ao processo de inclusão escolar de uma nova clientela devem ser discutidos e compreendidos em um primeiro momento.

Porém, vale firmar que, para que a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais ocorra com sucesso, é imprescindível o desenvolvimento adequado do professorado e o suporte de profissionais especializados, de métodos de ensino e de atividades adequadas, entre outros (Eric, 2002), que enfatizem as potencialidades dos alunos e, em conseqüência, os incluam no sistema regular de ensino, sem discriminá-los por suas deficiências ao compensar sua "estada na escola" com práticas de caridade.

De acordo com Sestario et al. (2002), a crise educacional que atravessa nosso país é positiva para o redirecionamento das ações excludentes e massificadoras até então desenvolvidas por nossas escolas. Essa crise vem, ainda, propiciar novas reflexões quanto às práticas educacionais empregadas e destinadas aos alunos com necessidades especiais.

Esse desenvolvimento, porém, só poderá ser alcançado e aplicado se se partir das mudanças na formação e no respaldo adequado aos docentes, que conduzirão os procedimentos educacionais destinados a esses alunos. Serão posicionamentos impulsionados pelos sentidos subjetivos sociais e individuais, na composição de novas representações acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades especiais.

Seja embasado na subjetividade social, seja na subjetividade individual, esses sentidos subjetivos serão singulares como suas crenças, seus desafios, inseguranças e concepções, que direcionarão reflexões e posturas na construção e no desenvolvimento de uma escola inclusiva que ofereça, indistintamente, serviços educacionais a todos os alunos, não calcados em formalizações legais e racionais, mas no impulso de todos os sujeitos a uma condição constituinte e construtora de suas relações, entre elas, as relações educacionais.

Considerações finais

Frente ao objetivo lançado, de explorar as representações de profissionais da educação no processo de inclusão de alunos com necessidades especiais nas escolas regulares e com o desenvolvimento de uma pesquisa impulsionada pelo recurso metodológico que priorizasse os sistemas conversacionais firmados com os diferentes participantes da pesquisa, pôde ser constatado que a meta de atender e desenvolver todos os alunos, indistintamente (proposta da educação inclusiva), depende, prioritariamente, do efetivo posicionamento de todos os profissionais de educação da instituição; quanto à ação educacional, que sejam levados a reconhecer seus desejos, suas aspirações e suas crenças, ou seja, sua unicidade, dentro desse contexto e estabelecer que contribuições darão ao processo.

Ao se aprofundarem, especificamente, as representações compartilhadas em relação ao processo de inclusão de alunos portadores de necessidades educativas especiais, puderam ser explorados núcleos representativos que, diferentemente, impulsionam a compreensão frente à proposta educacional inclusiva e formam as configurações dos sentidos subjetivos vivenciados na instituição escolar.

Uma das representações, compartilhada por um número inexpressivo de profissionais, relaciona o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais à possibilidade de aprendizagem, com realce na necessidade de adaptação de atividades, com a formação de um ambiente mais afetuoso que respeite a singularidade de todo e qualquer aluno, o que reitera a importância que deve ser atribuída ao resgate do professor, como sujeito ativo e construtor de suas relações e configurações subjetivas.

Já uma outra representação, configurada pela grande maioria dos profissionais, delimita a proposta educacional inclusiva como possibilidade de sociabilização do aluno. Tal configuração vem refletir os sentidos subjetivos de alguns professores que, ainda calcados na padronização, delimitação e estigmatização do processo de ensino-aprendizagem, assumem um posicionamento mais estático e passivo na construção de uma escola que é para todos, mas que impulsiona e destaca as inúmeras deficiências do sistema público de ensino no que se refere à formação adequada de professores, à inexistência de materiais destinados a instrumentalizar a proposta inclusiva e ainda aos aspectos mais explícitos, como as carências prediais, financeiras e assistenciais das instituições escolares.

Há uma outra representação que configura sentidos acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades especiais delimitados a práticas e posturas compensatórias. Esses sentidos são expressos por caridade, por sentimentos depreciativos ou ainda pela valorização subalterna do aluno, e vêm firmar não um reconhecimento da diversidade desses alunos, mas diferenciá-los por ações pré-concebidas de convivência com o "outro" e com suas "diferenças".

Pode-se concluir, que, enquanto, esses profissionais não forem reconsiderados como sujeitos construtores e singulares, dotados de crenças, desejos, frustrações e afetos, não poderão a assumir o papel de educar todo e qualquer aluno, de modificar e redirecionar sua prática profissional para ações mais igualitárias e, dessa forma, a instituição escolar continuará reproduzindo o círculo cruel da diferenciação e exclusão dos alunos.

Entretanto, vale ressaltar que esses redirecionamentos das práticas educacionais não ocorrerão com a instrumentalização da proposta inclusiva, como foi tão bem divulgado; ela se revela extremamente ineficiente ao considerar os agentes profissionais apenas reprodutores, sem se dar conta que os sentidos subjetivos partem de uma organização singular que poderá impulsionar ou não a tão divulgada busca por novas posturas profissionais e a efetivação de uma escola de qualidade para todos.

Referências

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Recebido 22/05/06

Reformulado 19/12/06

Aprovado 26/01/07

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  • Endereço para correspondência
    Fernando Luis Gonzalez Rey
    SQS 407 - Bloco R / Ap. 206
    70256-180, Brasília, DF, Brasil
    Telef. (61)-2446753
    E-mail:
  • *
    Mestre em Psicologia escolar (PUC-Campinas), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia como Profissão e Ciência (PUC-Campinas).
  • **
    Pontifícia Unoversidade Católica de Campinas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Jan 2006
    • Recebido
      06 Maio 2006
    • Revisado
      19 Dez 2006
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