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A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PRÁTICA PROFISSIONAL

ENSEÑANZA EN EDUCACIÓN A DISTANCIA: UN ANÁLISIS CRÍTICO DE LA PRÁCTICA PROFESIONAL

RESUMO.

O estudo ora proposto tem por objetivo compreender as transformações provocadas pelo advento da Educação a Distância (EaD) no contexto educacional brasileiro, particularmente nas práticas da docência. Para isso, o referencial histórico-teórico descreve o surgimento da modalidade da EaD em cinco diferentes fases até a atualidade, bem como uma caracterização conceitual dessa prática educacional. Metodologicamente, optou-se pela pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas com três sujeitos, professores que atuaram no ensino presencial e a distância. A análise dos dados foi realizada sobre os depoimentos do histórico profissional dos docentes, comparando as práticas do ensino presencial e o não presencial, e evidenciando as problemáticas, os limites e as perspectivas da EaD. Como conclusão parcial, foi assinalado o risco de uma formação superior na modalidade da EaD perder características fundamentais dessa etapa educacional: acompanhamento rigoroso e sistemático do estudante, diversidade de perspectivas no conteúdo ministrado, pensamento crítico e dialogado sobre as condições da vida em sociedade.

Palavras-chave:
Educação a distância; trabalho docente; prática profissional

RESUMEN.

El estudio propuesto tiene como objetivo comprender las transformaciones provocadas por el advenimiento de la educación a distancia (EAD) en el contexto educacional brasileño, particularmente en las prácticas pedagógicas. Para ello, la referencia histórica-teórica describe la aparición del modo de aprendizaje en cinco diferentes etapas hasta la actualidad, así como una caracterización conceptual de esta práctica educativa. Metodológicamente, la investigación cualitativa con entrevistas semiestructuradas con tres sujetos, profesores que trabajaron en modo presencial y en la educación a distancia. Análisis de los datos fue realizado en la historia profesional de testimonios de docentes, comparando las prácticas de aula educación y falta de asistencia y destacar los problemas, los límites y las perspectivas de la EAD. Como conclusión parcial, señaló el riesgo de una educación más alta en el modo de aprendizaje pierden características fundamentales de esta etapa: estricto control y educación sistemática del estudiante, diversidad de perspectivas sobre el contenido, crítica pensado y hablado acerca de las condiciones de vida en la sociedad.

Palabras clave:
Educación a distancia; labor del docente; práctica profesional

ABSTRACT.

This study aimed to understand the transformations caused by the advent of Distance Education (EAD) in the Brazilian educational context, particularly in teaching practices. For this, the historical-theoretical reference describes the emergence of EAD learning mode in five different stages to the present, as well as a conceptual characterization of this educational practice. This was a qualitative research with semi-structured interviews with three subjects, teachers who worked in face-to-face and distance education. Data analysis was performed on the testimonies of the teachers’ professional history, comparing the practices of face-to-face and non-face-to-face teaching, and highlighting the problems, the limits and the perspectives of EAD. As a partial conclusion, we point to the risk of higher education in the distance learning modality losing fundamental characteristics of this educational stage: strict and systematic monitoring of the student, diversity of perspectives in the content taught, critical thinking and dialogue about the conditions of life in society.

Keywords:
Distance education; teaching work; professional practice

Introdução

É possível observar, na atualidade, o crescimento da Educação a Distância (EaD) no Brasil em número de estudantes e em abrangência geográfica. Segundo dados do Ministério da Educação (Referenciais de qualidade para educação superior a distância, 2007Referenciais de qualidade para educação superior a distância. (2007). Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Recuperado de:http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf
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), o número de ingressos variou positivamente tanto na modalidade presencial quanto na EaD, mas com aumento significativo nesta última. Diversas pesquisas (Slomski, Araujo, Camargo, & Weffort, 2016Slomski, V. G., Araujo, A. M. P., Camargo, A. S. S. & Weffort, E. F. J. (2016). Tecnologias e mediação pedagógica na educação superior a distancia. JISTEM Journal of Information Systems and Technology Management, 13(1), 131-150. DOI: https://doi.org/10.4301/S1807-17752016000100007
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; Tonelli, Medeiros, & Almeida, 2015Tonelli, E., Medeiros, C. H. S., & Almeida, F. M. (2015). A práxis docente nos ambientes virtuais de aprendizagem no contexto da dialogicidade. Observatório, 9(1), 149-158. DOI: https://doi.org/10.15847/obsOBS912015818
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; Luz & Ferreira Neto, 2016Luz, M. A M., & Ferreira Neto, J. L. (2016). Processos de trabalho e de subjetivação de professores universitários de cursos de educação a distância. Psicologia Escolar e Educacional, 20(2), 265-274. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0202962
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) discutem o processo pedagógico envolvido na EaD, mostrando a relevância e atualidade da investigação dos processos mediático-pedagógicos. São estudos que avaliam a qualidade do ensino e a interação na modalidade não presencial.

França, Matta e Alves (2012França, C. L., Matta, K. W., & Alves, E. D. (2012). Psicologia e educação a distância: uma revisão bibliográfica. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(1), 4-12.) analisaram as publicações brasileiras vinculadas ao tema EaD, na área de psicologia, entre os anos de 1999 até 2009. A pesquisa demonstra que a psicologia abordou temas relacionados aos “[...] modelos de teorias do desenvolvimento da aprendizagem, cognitiva, comportamental e socioconstrutivista” (França et al., 2012França, C. L., Matta, K. W., & Alves, E. D. (2012). Psicologia e educação a distância: uma revisão bibliográfica. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(1), 4-12., p. 7). As publicações foram categorizadas nos seguintes eixos: tecnologias educacionais com fundamentos psicológicos, afeição, papel do tutor/ professor, teorias psicológicas, interatividade, evasão, relatos de experiências, avaliação de treinamento, desenvolvimento e educação a distância. Pesquisas do eixo tecnologias educacionais destacam temas que proporcionam o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem; no eixo do afeto, estudam as relações estabelecidas em fóruns on-line e chats de discussões. Com relação ao papel do professor e do tutor, os assuntos relacionados são referentes aos conhecimentos e habilidades desses profissionais para o favorecimento do aprendizado dos alunos. Já as teorias psicológicas discorrem sobre as contribuições de Piaget e Vygotsky para os processos educacionais. Relativo à interatividade, os estudos associam as interações entre tutor e aluno. Há temas de estudo relacionados à evasão dos alunos em EaD e à psicologia organizacional que discutem os treinamentos e o desenvolvimento dos atores envolvidos no processo educacional a distância (França et al., 2012França, C. L., Matta, K. W., & Alves, E. D. (2012). Psicologia e educação a distância: uma revisão bibliográfica. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(1), 4-12.).

Diante desse cenário, o presente estudo buscou compreender as transformações provocadas pelo advento da Educação a Distância (EaD) no contexto educacional brasileiro, particularmente nas práticas da docência. Esta pesquisa organiza-se por meio das seguintes seções: caracterização e contexto histórico, na qual constam a conceituação, a descrição e o desenvolvimento histórico da EaD; o percurso metodológico da coleta dos dados, onde serão expostos e discutidos os procedimentos adotados; segue-se, então, a apresentação e análise dos dados que focalizaram a história e vinculação profissional dos professores com a EaD.

Ao final do estudo foi possível sistematizar as problemáticas emergentes nessa modalidade de ensino, ressaltando os limites decorrentes da prática educacional do EaD, a submissão desse tipo de estratégia educacional ao mercado, bem como as implicações no âmbito da relação entre professores e estudantes.

Educação a Distância: caracterização e contexto histórico

Por EaD entende-se uma modalidade educacional em que a didática e a mediação pedagógica ocorrem por meio da tecnologia de informação e comunicação, tendo como características a utilização de plataformas on-line e recursos virtuais. Na modalidade EaD apresenta-se o professor como mediador do processo de aprendizagem. Esse profissional enfrenta uma nova realidade em seu trabalho, na qual o estudante não mais está presente, mas conectado por meio das tecnologias de informação e comunicação. Por outro lado, se pensarmos na educação presencial na atualidade, o estudante, durante uma aula, também pode estar conectado à rede mundial, agregando ou questionando o conteúdo ministrado. Assim, a educação a distância torna-se uma nova realidade ao mesmo tempo em que a educação presencial também sofre transformações decorrentes da informatização da sociedade.

Trata-se de uma estratégia de ensino por meio da qual um professor pode ministrar a mesma disciplina para um número ilimitado de estudantes com a interação sendo mediada pelas tecnologias e plataformas de ensino, não se limitando a um espaço físico e podendo ser disponibilizada por meio do acesso à rede mundial de computadores, ou seja, a internet (Tonelli et al., 2015Tonelli, E., Medeiros, C. H. S., & Almeida, F. M. (2015). A práxis docente nos ambientes virtuais de aprendizagem no contexto da dialogicidade. Observatório, 9(1), 149-158. DOI: https://doi.org/10.15847/obsOBS912015818
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). Em contrapartida, em uma sala de aula presencial vivenciamos uma capacidade limitada do número de estudantes, pois se trata de um ambiente fechado.

Concomitantemente, um novo ator é inserido nos processos de ensino e aprendizagem: o tutor eletrônico. Esse profissional desempenha papel importante no processo de aprendizagem, sendo responsável pela mediação pedagógica entre o estudante e o professor (Lapa & Pretto, 2010Lapa, A., & Pretto, N. D. L. (2010). Educação a distância e precarização do trabalho docente. Em Aberto, 23(84), 79-97. DOI: https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.23i84.2263
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). Portanto, é necessário esclarecer as funções e a diferenciação desses dois profissionais que constituem a EaD: tutor e professor. O professor é o responsável por ministrar as aulas que utilizam as tecnologias de informação ou comunicação. Trata-se de aulas on-line, ou web aulas, sejam elas transmitidas ao vivo ou gravadas. Por outro lado, o tutor eletrônico é quem acompanha o processo de aprendizagem do estudante por meio da utilização de recursos tecnológicos, como a plataforma virtual de aprendizagem. Dessa forma, percebemos uma reestruturação no papel do professor na educação a distância. E, com isso, o professor:

[...] arrisca olhar o novo, em uma educação mediada e dependente do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), mas tem como referência e prática a realidade do ensino presencial, em que ele está relativamente à vontade, pois ali tem parâmetros e história. Suas referências foram construídas desde a sua experiência como aluno, depois, nos cursos de formação de professores e, principalmente, na sua prática docente no contexto escolar. É com essa bagagem que ele é desafiado a olhar o novo (Lapa & Pretto, 2010Lapa, A., & Pretto, N. D. L. (2010). Educação a distância e precarização do trabalho docente. Em Aberto, 23(84), 79-97. DOI: https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.23i84.2263
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, p. 82).

A construção de um saber sobre qualquer tema tem como etapa imprescindível a inscrição dele em um contexto histórico. No caso da educação a distância, esta etapa implica ainda nomear seus precursores, portadores de distintas formas, e acompanhar a transformação deles até as configurações atuais. Podemos dizer que as definições para a EaD apresentam algumas variações conceituais, mantendo o eixo da mediação professor-estudante ser realizada pelo intenso uso de tecnologias de informação e comunicação, valendo-se ou não de encontros presenciais. Para Moore e Kearsley (2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 1),

A ideia básica de educação a distância é muito simples: alunos e professores estão em locais diferentes durante todo ou grande parte do tempo em que aprendem e ensinam. Estando em locais distintos, eles dependem de algum tipo de tecnologia para transmitir informações e lhes proporcionar um meio para interagir.

Fazendo uma retrospectiva histórica, Moore e Kearsley (2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning.) descrevem cinco gerações de estudos orientados a distância. Para os autores, a EaD tem início no ano de 1728 quando o jornal Gazeta de Boston publicou um anúncio de tutoria por correspondência (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning.). É o que se considera o primeiro registro de processo de ensino e aprendizagem a distância, estando apoiado sobre a estrutura dos correios já consolidada. Durante todo o século XVI, podemos observar que o ensino manteve a utilização das correspondências. Assim sendo, com o desenvolvimento do serviço postal em diferentes partes do mundo, percebemos o advento da educação a distância.

Tendo início no começo da década de 1880, as pessoas que desejassem estudar em casa ou no trabalho poderiam, pela primeira vez, obter instrução de um professor a distância. Isso ocorria por causa da invenção de uma nova tecnologia - serviços postais baratos e confiáveis, resultando em grande parte da expansão das redes ferroviárias (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 25).

A segunda geração da EaD, no século XX, é caracterizada pela utilização do rádio e da televisão. Em 1928, o canal BBC recorreu ao rádio para ministrar cursos para educação de adultos (Nunes, 2009Nunes, I. B. (2009). A história da EAD no mundo. In F. M. Litto, & M. Formiga. Educação a distância: o estado da arte (p. 2-8). São Paulo, SP: Pearson.). Todavia, o rádio enquanto tecnologia para a EaD teve um curto período de duração pela falta de interesse dos docentes, além do que as “[...] emissoras comerciais desejavam os cursos como um meio para conseguir anúncios” (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 32). Consequentemente, em meados de 1960, com o desenvolvimento e expansão da televisão, a educação a distância avançou. Com o propósito inicial de formação de mão de obra, no ano de 1984, na Califórnia, a universidade estadual transmitiu cursos de computação para os colaboradores da empresa Hewlett-Packard. Esses cursos voltados para adultos e transmitidos pela televisão recebem o nome de telecursos e ganharam importância também no contexto brasileiro (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning.).

Na terceira geração, a consolidação do ensino por meio do sistema televisivo favorece o início das Universidades Abertas. Como resultado, “[...] o governo britânico estabeleceu um comitê para planejar uma nova e revolucionária instituição educacional. No início, a ideia era simplesmente usar o rádio e a televisão, a fim de permitir o acesso à educação superior para a população adulta” (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 36). Dessa forma, com a utilização do método da EaD, os cursos das universidades abertas estavam disponíveis para qualquer pessoa que desejasse cursar ensino superior com a previsão de estudar em casa. No Reino Unido, a universidade aberta foi criada e, a base utilizada por ela foi a BBC (British Broadcasting Corporation). Após alguns anos, a universidade aberta e a BBC tornam-se parceiras. A universidade aberta da Inglaterra é considerada referência nos estudos e na inovação da educação a distância até os dias atuais. Vejamos:

Com mais de 2 milhões de graduados desde 1972 e mais de 200 mil alunos fazendo os cursos todos os anos, um quadro de 2.800 colaboradores em período integral e uma equipe de mais de 5 mil orientadores e conselheiros em período parcial, com 13 centros de aprendizado regionais e 330 locais na Grã-Bretanha e no exterior, a UA constitui um dos exemplos mais bem-sucedidos de uma abordagem sistêmica abrangente de educação a distância (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 55).

A quarta geração teve seu início nos Estados Unidos com a utilização da teleconferência. O início dessa geração foi marcado pelo uso da audioconferência nos anos de 1970 e 1980. Nesse momento, o processo de comunicação entre os estudantes e professores foi modificado, pois o que anteriormente era realizado por correspondência, posteriormente se tornou transmissão de vídeos. Por meio de um telefone, o estudante pôde responder em tempo real ao professor. Foi nesse mesmo período que as grandes corporações utilizaram a EaD para treinamentos corporativos, como, por exemplo, a IBM e a Kodak (Moore & Kearsley, 2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning.).

Já a quinta e atual geração ocorre a partir do advento da internet, com a qual passa a ser possível a transmissão das aulas pela rede mundial. Essa última geração será abordada sistematicamente na sequência, aos analisarmos a EaD no ensino superior brasileiro.

Até o momento, descrevemos o ensino profissionalizante e médio como casos de formação continuada. E no ensino superior brasileiro? No âmbito das universidades, em 1979 a Universidade Nacional de Brasília (UNB) iniciou a oferta de cursos de extensão traduzidos da Open University (Saraiva, 2008Saraiva, T. (2008). Educação a distância no Brasil: lições da história. Em Aberto, 16(70), 16-27. DOI: https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.16i70.2076
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). Em 1992, ocorreu a fundação da Universidade Aberta de Brasília e, em 1998, a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) apresentou o primeiro curso universitário a distância, uma licenciatura em educação básica.

Em 1996, o governo nacional estabelece a lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em que se determina que os professores devam ter formação superior, além da necessidade de formação continuada e permanente para o exercício profissional. Esse foi o ponto de partida para a expansão da EaD, pois, nessa LDB, estava prevista a formação com o modelo a distância. Em 2005, ocorre a implementação da Universidade Aberta do Brasil, que visa atender a essa demanda de formação docente (Lapa & Pretto, 2010Lapa, A., & Pretto, N. D. L. (2010). Educação a distância e precarização do trabalho docente. Em Aberto, 23(84), 79-97. DOI: https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.23i84.2263
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).

Dessa maneira, o grande marco do início da EaD, no ensino superior, ocorreu em 2005 com a regulamentação dessa modalidade de ensino por meio do decreto nº 5.622, de 19 de dezembro. Nesse momento, elaborou-se a caracterização e definição da EaD no Brasil, conforme descrito no art. 1º:

Para os fins deste Decreto, caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (Decreto nº 5.622, 2005Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. (2005). Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Recuperado de:http://www2.mec.gov.br/sapiens/portarias/dec5622.htm
http://www2.mec.gov.br/sapiens/portarias...
).

Fica claro que o decreto define o processo de ensino e aprendizagem por meio do uso de tecnologias de informação. E nesse momento, percebemos a concordância das definições iniciais de EaD no que tange à separação de tempo e espaço na relação que se estabelece entre o estudante e o professor. Esse decreto possibilita a instauração da Universidade Aberta do Brasil, em parceria com o MEC, a qual tinha por objetivo ofertar cursos e programas de educação superior a distância. A UAB é uma instituição educacional que se apresenta como uma rede articulada entre Instituições de Ensino Superior e polos de apoio presencial localizados nos municípios. Sendo assim, a UAB não apresenta uma sede institucional, constituindo um sistema que integra uma parceria tripartite que engloba governo federal, as universidades e os municípios. A UAB não segue os padrões e organização hierárquica tradicionais das instituições de ensino superior estruturadas com reitores, professores, sedes ou técnicos administrativos. Nesse cenário, o MEC é o responsável pela regulamentação do sistema UAB, enquanto as IES oferecem os professores, administradores, secretários, ou seja, o suporte pedagógico-operacional, enquanto o governo federal entra com as regulamentações e avaliações. O terceiro setor, participante do sistema, é composto pelos estados e municípios responsáveis pela estrutura física: os denominados polos de apoio presencial. A estrutura desenvolvida pela UAB funciona até hoje, ainda que questionada quanto à efetividade de seu programa de inclusão social oportunizado pela EaD (Pimenta, Rosso, & Sousa, 2019Pimenta, A. M., Rosso, S. D., & Sousa, C. A. L. (2019). A reprodução educacional renovada: dualidade intrainstitucional no programa Universidade Aberta do Brasil. Educação e Pesquisa, 45. DOI: https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945187362
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).

A educação, no contexto do ensino a distância ganha contornos flexíveis, atendendo à demanda do mercado de trabalho, ou seja, os cursos são elaborados para a necessidade de formação de mão de obra qualificada. Na EaD, com o discurso de expansão e disponibilização da educação, o estudante se torna o responsável pela própria formação educacional, ou seja, passa a ser considerado um sujeito ativo no processo. Diz Belloni (2002Belloni, M. L. (2002). Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. Educação & Sociedade, 23(78), 117-142. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200008
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, p. 15) que

[...] do mesmo modo que nos processos de trabalho o indivíduo passaria a ser considerado responsável por seu sucesso ou fracasso em se adaptar às novas regras do trabalho e da tecnologia, em estar ou não entre a minoria de trabalhadores privilegiados com empregos, também no campo educacional o indivíduo seria responsável pela realização de sua própria formação, constituída à la carte, segundo um amplo menu oferecido por um conjunto de instituições produtoras e distribuidoras de cursos e materiais.

A educação a distância adotou desde seu início a configuração de um sistema que comporta a oferta massiva de serviços, ainda que pretendesse manter a qualidade (Belloni, 2002Belloni, M. L. (2002). Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. Educação & Sociedade, 23(78), 117-142. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200008
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). Para atingir este objetivo lança mão de novas tecnologias, articuladas para possibilitar a utilização de meios eletrônicos no relacionamento com os estudantes. Estamos nos referindo a impressoras, correios, telefones, televisão e internet. Assim, partimos da educação por correspondência para iniciar o processo educacional por meio da televisão e, mais tarde, da internet. Trata-se de um processo educacional atingindo territórios diferentes e expandindo seu público-alvo. Ainda segundo Belloni (2002Belloni, M. L. (2002). Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. Educação & Sociedade, 23(78), 117-142. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200008
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, p. 120),

No contexto atual do capitalismo, sobretudo com o sucesso incontestável dos sistemas midiáticos de vocação mundial (televisão e internet), o campo educacional aparece como uma nova fatia de mercado extremamente promissora, na qual o avanço técnico em telecomunicações permite uma expansão globalizada e altas taxas de retorno para investimentos privados transnacionais.

Diante disso, cabe questionar como esse sistema se consolida e quais são as modificações provocadas no trabalho docente diante desse cenário. Mais especificamente, vamos analisar quais foram as aquisições para a prática docente advindas da passagem à EaD, focalizando também eventuais perdas sofridas em relação ao modelo anterior, a partir dos discursos dos docentes. Situamos como questão estratégica a compreensão do modo pelo qual os professores do ensino superior experimentaram a passagem para este novo modelo.

Percurso metodológico

O ingresso, na sociedade brasileira, da modalidade da EaD provocou transformações profundas nos principais papéis sociais presentes no contexto educacional. Cabe destacar o papel do docente que, submetido à divisão e especialização do trabalho, se vê diante de um desafio de reinventar sua prática profissional, experimentando uma série de novas situações e modificando os processos de subjetivação relacionados à prática profissional.

Para tal apreensão, a escolha do método se deu pela pesquisa qualitativa que busca compreender a relação do sujeito com seu contexto. As determinações sociais e o contexto são dados passíveis de análise, portanto, procuramos compreender as relações e dinâmicas do docente no contexto da EAD. Tal como exposto por Minayo e Sanches (1993Minayo, M. C. D. S., & Sanches, O. (1993). Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade?. Cadernos de Saúde Pública, 9(3), 239-262., p. 243):

É no campo da subjetividade e do simbolismo que se afirma a abordagem qualitativa. A compreensão das relações e atividades humanas com os significados que as animam é radicalmente diferente do agrupamento dos fenômenos sob conceitos e/ou categorias genéricas dadas pelas observações e experimentações e pela descoberta de leis que ordenariam o social.

Visto que a configuração do trabalho do professor na transição do ensino presencial para a educação a distância sofreu variações de qualidade, a pesquisa qualitativa proporcionará o estudo dessas variações. Como estratégia para a realização da pesquisa, adotamos o estudo de caso por meio de entrevistas semiestruturadas. Estas foram realizadas em local e data definida pelos participantes após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, cujo parecer foi registrado pelo nº 2.730.173.

A unidade de análise foi composta por três participantes selecionados a partir dos seguintes critérios: possuir experiência de, no mínimo, um ano no ensino presencial e de um ano no ensino a distância. Tais critérios possibilitaram percorrer a experiência dos sujeitos na passagem do ensino presencial à EaD. Os participantes, doravante denominados como Emília, Paulo e Rosa, tiveram seus nomes alterados a fim de evitar sua identificação.

A análise dos dados ocorreu de modo comparativo entre as duas experiências, tendo como referencial teórico a psicologia social na sua interface com as transformações do trabalho que abordam criticamente o ensino a distância, como os estudos de Mansano (2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.), Belloni (2002Belloni, M. L. (2002). Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. Educação & Sociedade, 23(78), 117-142. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200008
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), Silva (2015Silva, J. (2015). O tutor em EAD: papéis e atribuições. Revista Multitexto, 3(2), 33-38.), Benini, Fernandes e Araújo (2015Benini, E. G., Fernandes, M. D. E., & Araujo, C. B. Z. (2015). Educação a distância : configurações, políticas e contradições engendradas no trabalho docente. Política & Sociedade, 14(29), 67-92. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p67
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) bem como Tonelli et al. (2015Tonelli, E., Medeiros, C. H. S., & Almeida, F. M. (2015). A práxis docente nos ambientes virtuais de aprendizagem no contexto da dialogicidade. Observatório, 9(1), 149-158. DOI: https://doi.org/10.15847/obsOBS912015818
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). Foram utilizados subsídios deste campo teórico voltados para a instituição educacional e suas problemáticas presentes, de modo a avaliar comparativamente os dois modelos.

Apresentação e análise dos dados: histórico profissional

Na EaD, a estrutura de funcionamento é diferente da encontrada no sistema de ensino presencial. No ensino presencial, os docentes e os estudantes estão no mesmo espaço físico e no mesmo momento, ao passo que, na educação a distância, os docentes e discentes estão separados fisicamente, estando somente conectados pela plataforma de ensino, mas nem sempre no mesmo momento. Conforme consideram Moore e Kearley (2008Moore, M., & Kearsley, G. (2008). Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo, SP: Cengage Learning., p. 2),

Educação a distância é o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local do ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais.

Para compreender a relação profissional dos entrevistados com a EaD, iniciamos com a análise do detalhamento do histórico profissional e com as diferenciações que os entrevistados apontam entre o ensino presencial e a educação a distância. A partir daí será possível identificar as dificuldades sobre o trabalho docente em ambos os modelos.

Nesse momento da análise de dados, detalhamos as dificuldades e satisfações relatadas pelos docentes no trabalho no ensino presencial, o início do trabalho na EaD e o impacto deste formato no processo de trabalho, incluídas suas dificuldades e a diferenciação dos modelos de ensino na estrutura do trabalho docente. A experiência da sala de aula é considerada como uma troca com o docente no processo de ensino e aprendizagem. Essa troca é possível mediante a permanência dos sujeitos no mesmo espaço físico e no mesmo momento. Para Paulo, a satisfação no ensino presencial é

A relação com o aluno, a interação com o aluno. O fato de você ter o aluno ali na sala de aula. Isso é satisfatório. O que para outros é um peso. Mas, eu gosto do aluno, eu gosto de estar perto, gosto da presença dele. Essa é a parte satisfatória, sim, o reconhecimento é maior. Você vê no rosto do aluno ali a satisfação ou não. Uns que estão satisfeitos, que bom, os que não estão a gente busca procurar o porquê para tentar, né, melhorar aula ou qualquer coisa desse tipo (Paulo, participante, 2019).

O participante também enfatiza que a satisfação está na interação com o estudante, que, para os docentes, é vista como uma possibilidade de alterar e melhorar o trabalho docente. Com relação ao ensino presencial, é relatada a possibilidade de se modificar o andamento do curso conforme o desempenho da turma. Os participantes foram indagados sobre as dificuldades que o ensino presencial tem. Vejamos abaixo os relatos:

Então, eu percebi que hoje em dia, com todas essas mudanças... É que eu venho de uma formação bem programada; não que não seja hoje. Mas, eu vejo os professores mais novos, eu tenho alguns colegas no presencial, que eu vejo que não têm, sabe... Não têm aquela preocupação com a construção do conhecimento do aluno. Não sei se é porque a instituição é particular. E eles pensam... Eu acho que precisava ser um pouquinho mais cobrado. Eu acho que a tecnologia está aí e a gente tem que acompanhar tudo isso, mas eu acho que ainda tem que ter critérios, regra: está presente, está presente e ganha presença e se não tá não ganha (Rosa, participante, 2018).

Podemos observar que a sociedade disciplinar ainda apresenta seus indícios no ensino presencial. O docente era visto como figura de autoridade perante os discentes. A relação estabelecida era hierárquica, confinada ao espaço físico da sala de aula, delimitada pelo tempo de duração do curso, voltada para produção de “[...] mão de obra disciplinada e inserida no sistema de produção” (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus., p. 31). Quando essa autoridade não é exercitada completamente, o relato demonstra a frustração do docente diante do não cumprimento das regras. Para Emília, as dificuldades do presencial se apresentam de forma semelhante, como podemos observar a seguir: “Dificuldades... Também a maior parte era com disciplina, com... Indisciplina deles... No começo, ainda as turmas eram um pouco mais velhas, da idade. Depois, foram passando os anos e foi baixando a idade” (Emília, participante, 2018). A participante atribui à baixa idade a indisciplina de seus discentes. Nota-se alguma insatisfação com a ausência de autoridade do docente diante de uma sala de aula no modelo presencial.

No relato de Paulo, a ausência de autoridade também é assinalada, porém, ele acrescenta outros fatores a serem analisados, conforme pode ser constatado a seguir:

Bom, hoje o conceito de aluno mudou muito. O conceito de... O respeito do aluno, o comprometimento do aluno... Hoje eles fazem tudo para aprovar. Então, você reprovar um aluno, hoje, é mais complicado. Aí você pega um aluno totalmente indisciplinado e aquele poder que nós temos lá no começo, por exemplo, sair da sala, hoje nós já não temos mais. Tudo vira ouvidoria, tudo vira Facebook, grupo está em grupo de whats... Tudo. Aí, sempre tem aquelas três verdades: a minha... A minha verdade, a sua verdade e a verdade. O cara coloca lá no Facebook, por exemplo, qualquer coisa que ele quiser. E aquilo viraliza de um tal jeito... E isso nos deixa reticente. E outra coisa, você não pode falar mais nada dentro de sala que vira um conflito... Nenhuma ideologia política, nada, nada. Uma brincadeira como brincadeiras que antes era coisa bobas, assim... Toma proporções assustadoras. Então, limita demais da conta. E aí o aluno traz os próprios vieses ideológicos dele. Alguns vícios que, se você falar alguma coisa contra, o ataque é iminente, assim, é pra ontem. E a própria companhia também, eu sei, que isso é estrutural, a própria companhia, ela não quer conflito. Então, hoje, você prefere ser... Você opta por ser mais flexível, por ser... Eu diria, até mais relapso. A verdade é essa. Você diminui o nível das provas para não gerar esse ruído, para não gerar esse conflito. Essa é a maior dificuldade hoje dentro do presencial (Paulo, participante, 2019).

O docente não trabalha mais em uma sociedade disciplinar somente. É possível verificar a presença de traços da sociedade de controle, na qual “[...] pela emergência e expansão das redes de informação estamos nos tornando agentes de vigilância ilimitada e de controle imediato de uns sobre os outros” (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus., p. 47). Nesse momento, os docentes passam a ser controlados pela possibilidade do que pode vir acontecer em razão da divulgação de vídeos em redes sociais.

Como vimos, foi a partir de 1980 que a educação sofre uma mudança do foco que tinha como ator principal a figura do professor e passa a ser a figura do discente (Belloni, 2002Belloni, M. L. (2002). Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. Educação & Sociedade, 23(78), 117-142. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200008
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; Silva, 2015Silva, J. (2015). O tutor em EAD: papéis e atribuições. Revista Multitexto, 3(2), 33-38.). Esse enfoque altera a relação do trabalho docente quando consideramos que o relato se refere a uma universidade particular. O estudante enquanto consumidor de um serviço educacional não quer dificuldades em consumir o produto pelo qual está pagando e a empresa parece solicitar ao docente que facilite esse consumo. Os participantes foram indagados sobre suas primeiras impressões quando foram trabalhar como docentes na EaD. Seguem os relatos:

Então, para mim foi muito gostoso que pude utilizar muito material que eu tinha, tá trazendo para cá. Então, assim eu curti muito. E é aquela coisa que eu sempre digo: Eu entro no estúdio e você não tem nem noção de quantas pessoas, sabe, eu olho para aquela câmera e eu só peço sempre para ser iluminada e para eu ser clara (Rosa, participante, 2018).

A primeira impressão, recorrente na EaD, é resultante do contato com o não presencial e resulta de o docente não saber quantos estudantes estão realmente assistindo às aulas. Vejamos Emília, no fragmento abaixo:

Porque primeiro você não tinha uns alunos, né... Você não tinha interação, só com uma câmera ali e com o câmera, o rapaz que tava ali. Eu pedi até para ele por um boné na câmera no primeiro dia, para ter a sensação, a impressão que tinha alguém me assistindo. Essa foi a primeira sensação, assim... Mas na primeira vez eu quase desisti... Que é muito diferente. Você não tem a resposta rápida, em termos de conhecimento. Ter um retorno daquilo que você ministrou... Então... Isso... Foi assim… Uma curiosidade, uma oportunidade... A primeira aula foi muito ruim. Mas, quando eu comecei a entender, eu achei bom. Hoje, eu não tenho vontade de voltar para o presencial. Não voltaria. Se tiver a oportunidade eu não volto (Emília, participante, 2018).

O estranhamento relatado pela entrevistada coloca em evidência toda diferença existente entre os dois modelos educacionais. Uma diferença que, em um primeiro momento, mal pode ser suportada, levando-a a alterar sua nova situação de trabalho, colocando nela um elemento da situação anterior (o boné utilizado por estudantes) como estratégia de inserção nessa nova realidade. A ausência dos alunos, em uma prática profissional que se caracteriza como relacional, tem implicações subjetivas que provocam a reconfiguração do trabalho acompanhada de uma nova valoração do mesmo. A primeira impressão, diante da mudança, foi negativa, porém a transformação inerente aos processos de subjetivação possibilita que o novo formato não só seja assimilado como também seja valorado positivamente, desde que seja vivenciado um período de transição no qual ela se reinventa como trabalhadora. Emília hoje alega que não retornaria para o presencial. Para ela, ser docente da EaD é satisfatório.

Sobre o tema das primeiras impressões da EaD, Paulo diz: “Realmente? Eu cheguei muito empolgado. Achei uma delícia o negócio de estúdio... O fato de não ter que corrigir prova. Mas, é que eu não sabia de toda a realidade. Então, hoje, o estúdio é muito mais desafiador do que o próprio presencial” (Paulo, participante, 2019). Como vemos, na EaD, as funções do docente foram modificadas. Os participantes foram questionados sobre as dificuldades no modelo de educação a distância. Seguem os relatos:

Eu acho que eu nunca sei, não tenho a certeza se eu estou me fazendo entender para todos os alunos pela diversidade de público que a gente tem. Então, essa é uma dificuldade, apesar da gente ter relatórios, mas... É muito diferente. Você tá olhando para pessoa e conversando com a pessoa e você ter essa resposta por meio de relatórios. Então, eu acho que, assim, eu queria ter um... Um instrumento que me dissesse exatamente... Mas esse instrumento existe. Mas vamos dizer que não abrange todos os alunos, não abrange todos os cursos, enfim (Emília, participante, 2018).

Ela acredita que por meio de um instrumento que contemplasse todos os estudantes conseguiria o feedback dos discentes. A ausência do contato com a diversidade dos estudantes parece incômoda para ela, mas, ao mesmo tempo, apresenta-se adaptada ao modelo EaD quando afirma que o instrumento atende ao menos parcialmente sua demanda.

Comparativamente, o ensino presencial e a educação a distância modificam a atuação docente. Vamos aos relatos sobre essa diferenciação:

Aqui eu acho que é mais pesado. Porque assim, o que acontece no presencial? Se você usar a parte da didática, as estratégias para você trabalhar, têm conteúdos muito legais. Têm técnicas que você faz que o pessoal participa. Aqui você não pode, aqui não tem essa opção. Aqui a questão é você ser o mais claro possível. Estar preparada no sentido de conseguir explicar, de exemplificar, buscar. E o que você vai usar é da sua fala. Ele vai ter o vídeo na hora ali e na hora algumas perguntas. Mas, ele vai ter suas explicações. No presencial é diferente. No presencial você faz uma série de atividades. Você pede para o aluno, de repente, trazer alguma coisa. Você levanta uma questão... Você vai abrir um assunto e você faz avaliação diagnóstica. Então, no presencial você tem uma série de variáveis. E fora que você percebe se o pessoal tá atento ou se não está. Se não tá... Se tá pensando na vida, se você tá falando ele tá dizendo: Nossa, essa mulher tá viajando, onde ela está? Até porque o corpo fala (Rosa, participante, 2018).

Na fala dessa participante fica claro que a dimensão relacional do ensino presencial é parte estratégica do processo educacional, sendo que sua supressão ou mesmo diminuição podem ser considerados como um prejuízo nesse contexto. As relações que se estabelecem entre os integrantes da sala de aula dão suporte para a aquisição do conhecimento. De modo particular, os diálogos que aí se dão, no âmbito dessas relações, têm o potencial de enriquecer consideravelmente o conteúdo do qual o estudante se apropria. Nas palavras de Tonelli et al. (2015Tonelli, E., Medeiros, C. H. S., & Almeida, F. M. (2015). A práxis docente nos ambientes virtuais de aprendizagem no contexto da dialogicidade. Observatório, 9(1), 149-158. DOI: https://doi.org/10.15847/obsOBS912015818
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, p. 155),

A dialogicidade tem papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Pode-se dizer que é a gênese da aquisição do conhecimento. Portanto, quando o aluno desenvolve afeto e consideração pelos colegas e professores, formam-se relações interpessoais mais estáveis, o que favorece a expansão cognitiva e a necessidade de socializar o conhecimento adquirido.

O registro da entrevistada detém-se também sobre outra dimensão estratégica da prática docente: a pluralidade de recursos a serem utilizados em sala de aula e a autonomia do docente para optar pela utilização de cada um deles, de acordo com uma demanda do momento. Nesse sentido, é possível considerar que a passagem para a EaD comporta um empobrecimento da docência, obrigando o professor a renunciar à prerrogativa de avaliar continuamente o processo de aprendizagem para modificar sua própria atuação, de modo a utilizar a aquisição do conhecimento. De fato, trata-se de uma perda de autonomia (Benini et al., 2015Benini, E. G., Fernandes, M. D. E., & Araujo, C. B. Z. (2015). Educação a distância : configurações, políticas e contradições engendradas no trabalho docente. Política & Sociedade, 14(29), 67-92. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p67
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). A EAD, com a separação física, impossibilita aos docentes a utilização de métodos que facilitem o processo de ensino e aprendizado do aluno. A atuação do docente consiste exclusivamente em uma aula expositiva que, no entanto, foi expropriada da relação que a pressupõe. Emília relata que

Quando a gente fala em EAD, pelo menos o que eu vivenciei, é que a escala é muito grande. Então, para mim faz falta sim esse contato. E realmente saber o que eles estão achando da minha aula... E a gente não consegue ter, assim, interação... Tem um pouco, tem parte, entendeu? O que me incomoda é que a gente não tem o todo, e a gente tem parte. Quando você tá na sala de aula você tá olhando lá para os 30, 50 ou 100 alunos. No EAD eles vão reclamar. Mas, não vai ser na hora. Você não sabe exatamente em que ponto que você deixou alguma falha. Então, essa é a comparação que eu sinto assim... Eu não sei se eu estou me fazendo entender no EAD. Essa é a maior dificuldade... Me fazer entender pela diversidade. É como eu falei, apesar da gente ter instrumentos para avaliar isso, eu não sinto a completude disso como no presencial: você tá ali, você vai conviver, ver a pessoa... Tinha altas notas e, de repente, caiu. Tava com algum problema e você identifica... Convivência aqui... Acho que também é muito diferente (Emília, participante, 2018).

O processo de troca entre o docente e o estudante no ensino presencial se multiplica e essas trocas não são preservadas na educação não presencial. Na fala do sujeito, podemos perceber uma perda no processo de interação entre professor e estudantes. Essa parcela que se perde evidencia-se ao considerarmos que existe uma comunicação não verbal na sala de aula presencial. Como relatado, na educação a distância, se o discente bocejar de sono, o professor não ficará sabendo. Os limites da modalidade EaD evidenciados nos discursos acima e transcritos definitivamente não autorizam uma adesão rápida e incondicional a esse novo contexto educacional. Pelo contrário, “[...] convocam a uma análise da atividade de trabalho, não somente pelas mudanças das atividades prescritas na profissão, mas sobretudo nos embates produzidos no ‘real da atividade’ de trabalho” (Silva, Falcão, Torres, & Caraballo, 2017Silva, A. K. L., Falcão, J. T. R., Torres, C. C., & Caraballo, G. P. (2017). Os impedimentos da atividade de trabalho do professor na EAD. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 683-696, DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703004162015
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, p. 685, grifo dos autores).

É destacar que as eventuais limitações da EaD são transformadas em demandas dirigidas aos docentes dessa modalidade, demandas essas colocadas sempre sob o modo imperativo. De tal maneira que o docente da EaD deve “[...] estar em condição de atender às exigências e desafios impostos pelo mundo do trabalho e pela sociedade do conhecimento e da informação” (Slomski et al., 2016Slomski, V. G., Araujo, A. M. P., Camargo, A. S. S. & Weffort, E. F. J. (2016). Tecnologias e mediação pedagógica na educação superior a distancia. JISTEM Journal of Information Systems and Technology Management, 13(1), 131-150. DOI: https://doi.org/10.4301/S1807-17752016000100007
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, p. 142). As limitações e eventuais perdas que a transição para EaD traz consigo não impedem que essa modalidade educacional acabe ganhando a preferência dos profissionais que experimentaram os dois modelos. Vejamos como isso ocorre para Paulo.

Então, o material hoje... O conteúdo é o mesmo, o material é o mesmo... E a inflexibilidade, ela se iguala. E aí eu ainda iria preferir aqui. Eu iria preferir o EAD por conta que eu não tenho ataques. Então lá, eu falei qualquer coisa: falei de carro azul e a aluna gosta do carro vermelho, ela me ataca e eu tenho que engolir aquilo garganta abaixo. Na maioria das vezes para não criar aqueles conflitos que eu falei lá no começo... Aqui eu não tenho isso. O aluno, por exemplo, ele não chega em mim, ele vai chegar no máximo até o tutor. Então, esse filtro me deixa mais confortável. Esse filtro me deixa confortável (Paulo, participante, 2019).

Para o participante, o não contato com o estudante torna a EaD uma modalidade de ensino mais confortável. O relacionamento com o discente mediado pelo olhar e pela reformulação operada pelo tutor tornam a prática docente mais satisfatória. Os relatos demonstram que as dificuldades encontradas no ensino presencial aparecem expressas como sendo a indisciplina dos estudantes. Outro ponto abordado é o incômodo dos docentes em favorecer a aprovação dos discentes para evitar conflitos. Os entrevistados apresentam o ensino presencial como uma forma de trabalho em que o docente tem, pela interação, a resposta imediata sobre a qualidade do seu trabalho. Mas e os estudantes na EaD? Aparecem como sendo distantes e como um público diversificado.

Considerações finais

A EaD apresenta-se como uma possibilidade de educação controlada em seu conteúdo e em suas relações. Ela cria as condições para exercer um controle sobre o que está sendo discutido e ensinado na educação superior em maior grau do que na educação presencial. Sua expansão, enraizada pelo discurso econômico e empresarial, apresenta consequências políticas. Esse formato é uma modalidade de ensino que possibilita a separação dos corpos. Os discentes não se relacionam com os colegas de curso. O sistema mediado pelas tecnologias da informação isola os discentes dos debates em sala de aula, impossibilita a convivência nos campi e os impede de experimentar uma relação mais direta com os docentes e com os demais estudantes.

No caso dos docentes, notou-se, pelos depoimentos, que esses profissionais não têm acesso às histórias de vida dos estudantes e não conhecem seu contexto socioeconômico. Juntamente a isso, a comunicação realizada entre o professor e o estudante é atravessada pela tutoria e pela plataforma de ensino caracterizada pelas tecnologias de informação. Podemos afirmar que, como vimos, o docente já apresenta a disciplina internalizada e, somando-se a isso, verificamos que a visibilidade, tornada possível pelas tecnologias de comunicação que se faz presente enquanto poder exercido sobre os corpos, na forma do controle. A possibilidade de alguém conferir ou até mesmo de censurar do ponto de vista apresentado pelo docente torna o trabalhador um mero reprodutor dos componentes subjetivos que circulam no meio social. A plataforma de ensino permite o registro e gravação de toda comunicação realizada nesse sistema de ensino. Esse componente tecnológico com efeitos subjetivos mantém um estado de avaliação permanente, usualmente utilizado na sociedade de controle como parte do gerenciamento de pessoal.

A substituição do convívio pela mediação do relacionamento pelas tecnologias de informação produz, na sociedade atual, uma docilidade dos corpos. A cisão dos corpos impede que os sujeitos participem de um processo de politização, pois não há chance nesse formato para se conhecerem e debater assuntos de interesse comum. De fato, isso impede o desenvolvimento do senso crítico nos estudantes e, consequentemente, inibe a reflexão de natureza política.

A EaD expandiu a inibição do contato, o fim do relacionamento entre os envolvidos no processo educacional, o controle sobre o formato do conteúdo e sobre os conceitos ministrados. São pontos que nos fazem indagar qual a contribuição da EaD na sociedade atual? Na sociedade de controle, a EaD favorece o capitalismo no fornecimento de mão de obra padronizada, oferecendo materiais sem aprofundamento de conteúdo, fornecendo a uma infinidade de estudantes um conteúdo formatado e controlado de acordo com interesses capitalísticos. Um mesmo padrão de ensino, com o mesmo conteúdo sendo multiplicado a uma infinidade de pessoas. Uma educação superior controlada e ofertada aos estudantes sem a possibilidade de questionamentos dos conteúdos. A EaD impede a interação educacional e se apresenta como obstáculo na relação e convívio entre docentes e estudantes, além do contato entre os próprios discentes. Estamos, portanto, diante de uma estratégia educacional que isola e dociliza os corpos, abrindo espaços para futuros estudos voltados aos efeitos sociais, políticos e afetivos sobre os estudantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2019
  • Aceito
    16 Out 2020
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