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REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA ESCOLA: RELATO DE UM ESTUDO DE CASO INSTRUMENTAL 1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

REPRESENTACIÓN SOCIAL DE LA ESCUELA: RELATO DE UN ESTUDIO DE CASO INSTRUMENTAL

RESUMO.

A infrequência, evasão e o abandono escolar se apresentam como um problema social apoiado em legislações que regulamentam a universalização do acesso escolar. A presente pesquisa tem como meta identificar as representações sociais que um estudante, com histórico de infrequência escolar, possui a respeito da escola e de quanto essas significações contribuíram com o fortalecimento ou enfraquecimento de seu vínculo escolar. Para tanto, foi participante do estudo um adolescente do primeiro ano do ensino médio, com idade de 16 anos. Foram utilizados, como instrumento de coleta de dados, um roteiro de entrevista semiestruturada, desenho livre, diário de campo e observação livre. A análise das informações foi realizada baseando-se na proposta de Creswell da qual derivaram três temas: (a) a infrequência escolar como coadjuvante de um contexto; (b) o resgate das potencialidades virtuosas: um olhar para a singularidade e (c) escola como um lugar de fortalecimento das potencialidades virtuosas. Os resultados encontrados nesse estudo indicaram que a escola foi representada pelo estudante de forma distinta de acordo com cada vivência escolar. Desse modo, é necessário que as escolas sejam espaços que considerem as singularidades e necessidades de seus estudantes.

Palavras-chave:
Escola; estudo de caso; representação social

RESUMEN.

La infrecuencia, la evasión y el abandono escolar se presentan como un problema social en legislaciones que regulan una universalización del acceso escolar. La presente investigación buscó identificar cómo las representaciones sociales que tienen un historial de infrecuencia escolar, tienen un respeto por la escuela y en cuánto contribuyeron estos significados al fortalecimiento o debilitamiento de su vínculo escolar. Para ello, un adolescente participó en el estúdio, 1er año de bachillerato, con edad de 16 años. Se utilizaron como instrumento de recopilación de datos, entrevista semiestructurada, diseño libre, diario de campo y observación libre. El análisis de la información se realizo a partir de la propuesta de Creswell, de la cual se derivaron três temas: (a) Una infrecuencia escolar como coadyuvante de un contexto; (b) El rescate de las potencialidades virtuosas: una mirada a la singularidad y (c) La escuela como un lugar de fortalecimiento de las potencialidades virtuosas. Los resultados encontrados en eso estudio indicó que la escuela fue representada por el estudiante de una manera diferente según la experiencia de cada escuela. De ese modo, se hace necesario que las escuelas son espacios que consideran las singularidades y necesidades de sus alumnos.

Palabras clave:
Escuela; estudio de caso; representación social

ABSTRACT

Nonattendance, truancy and dropping out of school represent a social problem in legislation that regulates the universal access to education. The present study sought to identify social representations that a student, with a history of school nonattendance, had about the school and how much such meanings contributed to strengthen or weaken his school bond. For this purpose, a teenager in the 1st grade high school, aged 16, was the participant in the study. Data were collected by a semi-structured interview, free drawing, field diary and free observation. Information analysis was based on Creswell’s proposal, from which three themes emerged: (a) School nonattendance as an adjunct to a context; (b) Rescue of virtuous potentialities: a look at singularity and (c) School as a place of strengthening virtuous potentialities. Our results indicated that the school was represented by the student in a different way according to each school experience. Thus, it is necessary for schools to be spaces that consider the singularities and needs of their students.

Keywords:
School; case study; social representation

Introdução

O rompimento do vínculo escolar tem sido objeto de discussão sociopolítica de vários profissionais de diversas áreas do conhecimento, principalmente da psicologia e educação. As discussões sobre a infrequência e evasão escolar devem ser discutidas com base na política pública que afirma que a educação deve ser um direito de toda criança e adolescente (Brasil, 1990Brasil. (1990). Lei Federal nº 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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). A compreensão do estatuto deve ser de forma sistêmica. Com isso, atribui-se a devida severidade no contexto da infrequência escolar, no qual os atores de proteção (família, escola, estado e sociedade) estão falhando no cumprimento do ECA, haja vista o grande número de estudantes com menos de 18 anos que não têm acesso garantido à escola. A importância de estudar a infrequência escolar é uma boa perspectiva para refletir acerca da relação da escola com as situações de vulnerabilidade a que muitas crianças e adolescentes vivenciam (Burgos et al., 2014Burgos, M., Castro, R., Matos, M., Carneiro, A.V., Camasmie, M. J., & Monteiro, S. (2014). Infrequência e evasão escolar: nova fronteira para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Desigualdade e Diversidade - Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, 15, 71-105. Recuperado de: http://desigualdadediversidade.soc.puc-rio.br/media/DD_15_5-Burgos.pdf
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).

A escola é uma importante instituição social, sendo que atualmente é representada como um ambiente central na rede de proteção da criança e adolescente, além de ser um espaço de aprendizagem e interações sociais. Em vista disso, o contexto escolar emerge como uma instituição fundamental, podendo ser um contexto de proteção de crianças e adolescentes, servindo como um modelo a partir das relações que se estabelecem no contexto escolar e aprendizagem de conteúdos sistematizados e não sistematizados (como regras, comportamentos, valores).

Por outro lado, a escola também pode servir como um contexto de risco ao desenvolvimento, quando há nela relações de violência ou quando a escola se apresenta como um contexto que não considera as singularidades de seus estudantes (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), 21-32. doi:10.1590/S0103-863X2007000100003
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; Klein & Arantes, 2016Klein, A. M., & Arantes, V. A. (2016). Projetos de vida de jovens estudantes do ensino médio e a escola. Educação & Realidade, 41(1), 135-154. doi:10.1590/2175-623656117
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; Rangel Júnior & Loos, 2011Rangel Júnior, É. B., & Loos, H. (2011). Escola e desenvolvimento psicossocial segundo percepções de jovens com TDAH. Paidéia(Ribeirão Preto ), 21(50), 373-382. doi: 10.1590/S0103-863X2011000300010
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). Portanto, pensar sobre a função da escola e toda a complexidade desse contexto é imprescindível, visto que a infrequência escolar se manifesta neste território. Além disso, repensar seus significados pode auxiliar em intervenções para o fortalecimento dos vínculos não apenas com o aluno, mas também com seus familiares, com o objetivo de evitar a evasão escolar ou o fracasso (Foresti, Kujawa, & Patias, 2020Foresti, T., Kujawa, I., & Patias, N. D. (2020). Significados atribuídos à escola: revisão integrativa da literatura nacional.Psicologia: Teoria e Pesquisa,36. doi: 10.1590/0102.3772e3635
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). Cada estudante se relaciona com o contexto escolar à sua maneira, sendo que essa instituição pode ser representada de modos e significações distintas que vão impactar na trajetória escolar de cada estudante, podendo ser um aspecto importante para a infrequência e possível abandono escolar. Sendo assim, tornam-se a compreender as representações sociais dos estudantes acerca da escola.

De maneira geral, a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1976Moscovici, S. (1976).Psychanalyse: son image et son public. Paris, FR: Presses Universitaires de France. (Edição original de 1961).) diz respeito à produção dos saberes sociais. Saber, nesse caso se refere a qualquer saber, principalmente aos saberes que se produzem no cotidiano e que pertencem ao mundo vivido (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, S. (2008).Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). As Representações Sociais (RS) são produzidas coletivamente e contribuem para os processos de formação de condutas, servindo como um guia para a ação e orientação de indivíduos e grupos em suas práticas (Abric, 1998Abric, J. C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In A. S. P. Moreira & D. C. Oliveira (Orgs.), Estudos interdisciplinares de representação social(p. 27-38). Goiânia, GO: AB.). Uma representação social é uma coleção organizada de informações, opiniões, atitudes e crenças sobre um determinado objeto. Produzida socialmente, é fortemente marcada por valores correspondentes ao sistema socio-ideológico e à história do grupo que a veicula, para a qual constitui um elemento essencial de sua visão de mundo (Abric, 1998Abric, J. C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In A. S. P. Moreira & D. C. Oliveira (Orgs.), Estudos interdisciplinares de representação social(p. 27-38). Goiânia, GO: AB.).

As RS possuem contextura psicológica autônoma, própria da sociedade e da cultura, guiam a forma de nomear e definir os diferentes aspectos da realidade cotidiana, na maneira de interpretar e de determinar práticas (Jodelet, 2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In D. Jodelet, (Org.), As representações sociais (p. 17-44). Rio de Janeiro, RJ: Editora da UERJ.). As pessoas constroem as RS por conta da necessidade de entender o mundo que as cercam. Sendo assim, essa teoria compreende as interferências que podem haver nas práticas dos sujeitos envolvidos (Jodelet, 2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In D. Jodelet, (Org.), As representações sociais (p. 17-44). Rio de Janeiro, RJ: Editora da UERJ.).

A presente pesquisa apresenta a preocupação com a dimensão histórica das RS considerando o público envolvido - estudante com infrequência escolar - e o objeto de investigação - a escola. Sendo assim, a presente pesquisa tem por objetivo identificar as representações sociais que um estudante, com histórico de infrequência escolar, possui a respeito da escola e de quanto essas significações contribuíram com o fortalecimento ou enfraquecimento de seu vínculo escolar.

Método

Delineamento

Essa pesquisa é de natureza qualitativa, caracterizada como um estudo de caso instrumental. Utilizou-se desse método para melhor compreender a questão levantada na pesquisa e investigar de forma mais aprofundada, ‘como’ ou ‘por que’ do fenômeno investigado (Creswell, 2014Creswell, J. W. (2014). Cinco abordagens qualitativas de investigação. In J. W. Creswell. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: Escolhendo entre cinco abordagens (p. 67-96). Porto Alegre, RS: Penso.; Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos (5a ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.). No estudo de caso instrumental, o interesse recai em entender uma problemática mais ampla a partir do caso particular, ou seja, o caso é o veículo para compreender ou iluminar um problema que não afeta somente o caso estudado, mas outros; nesse sentido o caso funciona como um instrumento (Meirinhos & Osório, 2016Meirinhos, M., & Osório, A. (2016). O estudo de caso como estratégia de investigação em educação. EduSer-Revista de educação, 2(2), 44-65. Recuperado de: https://www.eduser.ipb.pt/index.php/eduser/article/view/24
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).

Participantes

Inicialmente foram realizados três encontros de grupo focal com cinco estudantes do primeiro ano do ensino médio portadores do registro na Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (FICAI). Após esses encontros, os estudantes foram convidados para participar de outro momento com a pesquisadora, no qual poderiam contar experiências sobre a escola e suas histórias de vida. Apenas um estudante demonstrou interesse e, pelos critérios de inclusão, ele foi selecionado para participar.

Os critérios de inclusão para participar deste estudo foram: ter idade entre 12 e 21 anos de idade, obter registro na FICAI, ter participado do grupo focal e ter autorização dos pais e/ou outros responsáveis, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o assentimento do estudante por meio da assinatura no Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

O estudante selecionado será nomeado como Luís (nome fictício), tem 16 anos de idade, cursa o primeiro ano do ensino médio e passou por reprovação no ano de 2017. Nesse período escolar teve registro na FICAI por faltas recorrentes e sem justificativas à escola. Luís mudou-se para a cidade atual onde vive há dois anos e reside em um condomínio popular, num bairro afastado da escola. Conta que vai a pé para a escola, pois não consegue acordar a tempo de pegar o ônibus. Residem com ele, seu irmão e irmã mais velhos. Seus pais moram em uma cidade próxima à fronteira do Uruguai e apenas se encontram uma vez por ano.

Instrumentos

Roteiro de entrevista semiestruturada: após três encontros foi realizada a entrevista com Luís. O objetivo foi aprofundar as informações que o estudante trouxe no grupo focal, direcionando por categorias sobre sua história de vida e experiências com a escola, como “O que você pensa sobre seu projeto de vida? ” [sic], “O que tu atribui que você começou a estudar mais?” [sic]. Além disso, durante a entrevista, foi utilizada a técnica de desenho livre como estratégia inicial, para a conversação e acessar conteúdos por meio de produção e expressão por imagens e reflexões sobre o que foi desenhado. A instrução para realizar o desenho livre foi: “O que a escola representa para você na sua história de vida?”. Essa técnica foi reaplicada no primeiro encontro e no último.

Entrevista com professor: para obtenção de um maior número de informações sobre o caso, foi realizada uma entrevista aberta com o professor de karatê do aluno, que possibilitou o entendimento de um ponto importante para Luís, sua participação e significação do projeto de karatê. Utilizou-se de questões como “O que você pensa sobre a relação família e escola, atualmente?”, “De que maneira você acredita que o Karatê contribui com a escola?”.

Diário de campo e observação livre: estes instrumentos foram utilizados como técnicas complementares para reunir maior número de informações e compreensão do caso. O objetivo da observação e registro em diário de campo foi captar informações e percepções sobre o contexto do estudante na escola e sobre sua história de vida. Ainda, a observação pode ser considerada como uma técnica de coleta das informações e uma etapa complementar aos outros procedimentos e instrumentos utilizados (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed). São Paulo, SP: Atlas.). Já o diário de campo é útil para compreender sentimentos e percepções (Scheinvar & Nascimento, 2017Scheinvar, E., & Nascimento, M. L. (2017). Field diary: The author as a protagonist. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, 12(4), e2466. Recuperado de: http://seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp/article/view/2699
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). Essas estratégias são algumas das principais fontes utilizadas para a coleta das informações, nos estudos de caso, para triangulação das fontes de informações (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Métodos qualitativos. In J. W. Creswell. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (3a ed., p. 206-237). Porto Alegre, RS: Artmed.; Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos (5a ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.). As observações livres aconteceram durante a participação e permanência da pesquisadora na escola (nos intervalos, na secretaria, na sala de espera) e durante a realização das entrevistas com Luís e o professor com posterior descrição das observações e sentimentos da pesquisadora em diário de campo.

Procedimentos e considerações éticas

Primeiramente, o projeto do qual este estudo faz parte, ‘Políticas públicas de segurança: intervenções da psicologia na socioeducação’, foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da IMED, sob o parecer nº 2.158.303. Logo após, foi realizado o contato com a escola, via telefone e também de forma presencial. O local de realização da pesquisa aconteceu em uma escola da mesorregião norte do Rio Grande do Sul. O período de execução da pesquisa foi de abril a julho de 2018.

Inicialmente foram realizados três encontros em grupo focal, que envolveram a participação de cinco estudantes. Posteriormente à realização dos encontros com o grupo, do qual Luís participou, foram efetuados três encontros individuais, com aplicação de entrevista semiestruturada, observação livre e diário de campo com Luís. O participante optou por participar das entrevistas em espaço cedido pela escola, por se sentir mais confortável. Houve também um encontro na residência de Luís.

A partir das informações relatadas, percebeu-se a necessidade de conhecer a escola de karatê e o professor que coordena este projeto e ministra as aulas. Assim, foi realizada uma entrevista aberta com este profissional, para melhor entendimento do caso. Com exceção da observação livre e diário de campo, as demais estratégicas de coleta das informações foram gravadas, com a autorização prévia do participante, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), elaborado segundo as normas e diretrizes da resolução 466/2012 e resolução 510/2016 do Conselho Nacional da Saúde (Brasil, 2016Brasil. Conselho Nacional de Saúde. (2016). Resolução nº 510/2016. Recuperado de: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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). Após, todas as informações foram transcritas na íntegra, pela pesquisadora que realizou a coleta de dados, para melhor recuperação dos dados.

Em relação ao estudante, seu anonimato foi garantido a partir da adoção de um nome fictício (Luís) nas citações de seus discursos. O participante foi informado quanto aos objetivos e métodos da pesquisa, riscos e benefícios, confidencialidade e sigilo, possibilidade de desistência a qualquer momento, além da devolução e comunicação dos resultados. Posterior à explicação dos tópicos, o responsável registrou a aprovação mediante assinatura do TCLE e o adolescente o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Análise das informações

Para a análise das informações, foi utilizada a análise qualitativa proposta por Creswell (2010Creswell, J. W. (2010). Métodos qualitativos. In J. W. Creswell. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (3a ed., p. 206-237). Porto Alegre, RS: Artmed.), a qual é realizada mediante seis passos: 1) organização das informações coletadas por meio da transcrição de entrevistas e anotações em campo; 2) organização das informações por meio da leitura de todo material para uma compreensão do significado geral encontrado; 3) codificação a partir das extrações de textos decorrentes das informações coletadas; 4) geração de categorias temáticas; 5) alusão de trechos de falas dos participantes de acordo com cada categoria; 6) extração de significados a partir das informações dos trechos das entrevistas, diários de campo e outras informações coletadas nos instrumentos, relacionando com aportes teóricos a respeito dos temas encontrados. Da análise, derivaram três categorias temáticas/núcleos de sentido e um subtema: (a) a infrequência escolar como coadjuvante de um contexto; (b) o resgate das potencialidades virtuosas; (c) escola como um lugar de potencialidades virtuosas. A primeira categoria temática foi desmembrada em um subtema: bullying e família.

Resultados e discussão

De maneira geral, o histórico escolar de Luís demonstra infrequências escolares no ano de 2017, por meio de emissão da Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (FICAI) e sua posterior reprovação de ano. As observações livres do contexto escolar e posterior diário de campo sugerem, entre alguns professores, percepções preconceituosas sobre Luís enquanto estudante por meio de frases como: “[...] esse estudante não tem volta” [sic], “[...] está perdido” [sic]. No entanto, há também percepções que demonstram o contrário: “[...] a partir de 2018 Luís é um estudante exemplo” [sic]. As falas dos/as professores/as ainda revelam que o estudante começou a frequentar as aulas, adaptar-se às regras da escola e realizar as atividades propostas com entusiasmo. Essas mudanças de comportamento foram potencializadas por experiências que o auxiliaram a (re)significar a escola em sua história de vida, principalmente a partir de sua entrada no karatê. O ingresso de Luís nesse projeto fortaleceu aspectos positivos acerca de si e da escola. Em contrapartida, a escola encontra dificuldades para intensificar as potencialidades de Luís, considerando a avaliação - notas - como um parâmetro de ‘bom aluno’.

Quando Luís participou do Grupo Focal, anterior a este trabalho individual acerca de sua história com a escola, e foi questionado sobre o que a escola representava para ele, o mesmo disse: “[...] eu tô estudando há dez anos e ninguém nunca me perguntou [...] o que eu penso da escola” [sic]. No decorrer dos encontros o estudante pontuou, ao ser questionado acerca do que representa a escola, “[...] nunca parei pra pensar” [sic]. Talvez esse aspecto possa ser pensado pela via da impossibilidade de pensar por si próprio a respeito da escola em sua vida, já que haviam outras pessoas (professores/as) que pensavam sobre isso destacando a sua incompatibilidade com a escola. Já em 2018, Luís diz que começa a repensar sobre o fato de “[...] ser alguém” [sic], associando essa representação à escola, espaço que permite uma identidade. Na medida em que Luís expunha seu relato, percebeu-se o quanto as representações da escola eram interligadas com sua história de vida e vivências anteriores na escola.

Infrequência escolar como coadjuvante de um contexto

Essa categoria apresenta a representação da escola para Luís, de acordo com suas vivências de maneira geral, a escola apresenta-se de diferentes formas de acordo com dois momentos distintos de seu contexto de vida: suas vivências anteriores ao período de infrequência e as que vivencia atualmente, em que passou a ser caracterizado como um estudante exemplar. Nos dois momentos, a ênfase de seu discurso não estava em sua infrequência escolar, mas em situações que aconteciam em seu dia a dia na escola e que tinham como pano de fundo a exposição a situações de bullying, a violência urbana, dificuldades financeiras e familiares.

No que diz respeito à violência, segundo a literatura, em suas diversas formas de expressão, podem-se desencadear efeitos nocivos sobre a vida das vítimas como comprometimento no processo de ensino-aprendizagem, medo ou falta de vontade de ir à escola, abandono dos estudos e, em alguns casos, o desenvolvimento do transtorno depressivo, incapacidade para aprender e sentimentos de culpabilização (Pezzi & Marin, 2017Pezzi, F. A. S., & Marin, A. H. (2017). Fracasso escolar na educação básica: revisão sistemática da literatura.Temas em Psicologia, 25(1), 1-15. doi: 10.9788/TP2017.1-01
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).

Além disso, a família é o primeiro ambiente onde crianças e adolescentes participam, tendo forte influência no comportamento dos filhos durante toda a vida, quando aprendem as diferentes formas de existir, de ver o mundo e construir as suas relações sociais. Além de ser responsável pela transmissão de valores, crenças, ideias, significados que se fazem presente na sociedade (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), 21-32. doi:10.1590/S0103-863X2007000100003
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), a família pode ter influência no desempenho escolar e na percepção que crianças e adolescentes possuem acerca da escola, a partir da visão da sua família de origem (Filho & Araújo, 2017Filho, R. B. S., & Araújo, R. M. L. (2017). Evasão e abandono escolar na educação básica no Brasil: fatores, causas e possíveis consequências.Educação Por Escrito, 8(1), 35-48.; Patias, Abaid, & Gabriel, 2011Patias, N. D., Abaid, J. L.W., & Gabriel, M. R. (2011). Concepções de família na escola e sua influência na aprendizagem: um relato de experiência.Psicopedagogia OnLine, 1-5. Recuperado de: http://www.psicopedagogia.com.br/new1_artigo.asp?entrID=1390#.VjTbjrerTIU
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).

Bullying e família

No contexto anterior ao período de infrequência, Luís relatou vários aspectos relacionados às práticas de violência, como o bullying. Em um dos seus relatos, descreve uma situação que pode ser classificada como bullying. Na situação, Luís estava visivelmente constrangido e emocionado, dizia ser “[...] difícil lembrar disso” [sic]. A escola, nesse contexto, ganhou significados atrelados ao sofrimento, um local de difícil convivência. Além disso, houve poucas ações da escola que possibilitassem a diminuição ou o cessamento dessas práticas de violência, que segundo ele, eram recorrentes. A trajetória escolar passou a ser penosa, podendo ter dificultado a frequência escolar de Luís e essas dificuldades vivenciadas são problemas que podem estar diretamente associados à relação do estudante com a escola, indicando que poderia ser evitado por ações realizadas em nível de gestão escolar (Burgos et al., 2014Burgos, M., Castro, R., Matos, M., Carneiro, A.V., Camasmie, M. J., & Monteiro, S. (2014). Infrequência e evasão escolar: nova fronteira para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Desigualdade e Diversidade - Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, 15, 71-105. Recuperado de: http://desigualdadediversidade.soc.puc-rio.br/media/DD_15_5-Burgos.pdf
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). Nesse sentido, o bullying é um fenômeno complexo e uma realidade frequente nas escolas brasileiras. Produz uma série de consequências para a saúde mental tanto para as vítimas quanto para as testemunhas desse tipo de violência (Schultz et al., 2012Schultz, N. C. W., Duque, D. F., Silva, C. F. D., Souza, C. D. D., Assini, L. C., & Carneiro, M. D. G. D. M. (2012). A compreensão sistêmica do bullying.Psicologia em Estudo,17(2), 247-254. doi:10.1590/S1413-73722012000200008
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).

Ao solicitar para Luís um desenho livre sobre o que a escola representava para ele no período anterior ao que ele foi caracterizado como infrequente, o mesmo desenhou uma situação de violência (em preto e branco) na qual uma menina era vítima de bullying. Nesse desenho, Luís escreveu, atrás do desenho da vítima de bullying, as palavras: ‘Exclusão’ e ‘Violência’, caracterizando o contexto escolar como um lugar que exclui e viola direitos. Luís acrescenta que estes temas eram frequentemente debatidos pelos professores, mas, em sua percepção, os debates não eram eficazes. De fato, a construção de um ambiente escolar democrático e inclusivo demanda uma construção coletiva que deve envolver vários atores escolares para que os estudantes percebam o sentido de estar na escola (Marques & Castanho, 2011Marques, P. B., & Castanho, M. I. S. (2011). O que é a escola a partir do sentido construído por alunos. Psicologia Escolar e Educacional, 15(1), 23-33. doi:10.1590/S1413-85572011000100003
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). Além disso, Luís representou a escola como um lugar “[...] totalmente caindo aos pedaços” [sic], de difícil acesso e empobrecido (não só enquanto estrutura física), mas principalmente de significação e atribuição de sentido para a sua vida.

A infrequência escolar para Luís não se apresentava como seu grande problema na escola e em sua vida. Em certa medida, ela lhe servia como proteção das agressões e humilhações a que era submetido na escola. Assim, a infrequência pode ser ressignificada como um produto resultante de suas vivências, experiências de mudança de cidade e relações familiares. Nesse sentido, no período em que esteve infrequente, Luís relata que estava passando por “[...] dois momentos difíceis” [sic], sendo o primeiro relacionado ao fato de ter perdido sua “[...] segunda mãe” [sic], a ex-namorada de sua irmã, a qual era uma referência para ele. Diz que com a perda da sua ‘segunda mãe’ ficou “[...] perdido, sem saber o que fazer” [sic].

Já o segundo momento foi quando se mudou para o endereço atual com os irmãos, o que fez com que se distanciasse fisicamente dos pais, sendo um momento de grande sofrimento. A mudança de cidade e a infrequência escolar da irmã contribuíram para o seu desinteresse e posterior infrequência escolar. Após o relato de que nenhum de seus irmãos possui o ensino médio completo, relacionado com a infrequência da irmã, parece fazer sentido que Luís não frequentasse a escola para, assim, não concluir o ensino médio e seguir os passos de seus irmãos. Nesse sentido, as ações de Luís parecem estar relacionadas à lealdade familiar, ou seja, ir para a escola vai de encontro com o que é ‘regra’ do sistema familiar que, além disso, refere que “[...] trabalho deve estar em primeiro lugar” [sic].

Todavia, no ano subsequente, Luís passou por mudanças de vida que culminaram em seu retorno à escola, mantendo a frequência escolar. Sua atitude em relação ao ambiente escolar começa a apresentar-se de maneira positiva, demonstrando orgulho das boas notas presentes no ‘boletim escolar’. A mudança da nota vermelha para a nota azul carrega um sentido de decisão e autonomia, sendo comum a associação entre a frequência escolar e as aulas de karatê que, segundo ele, “[...] ajudou bastante a pensar sabe, a tomar essa decisão […] isso foi bastante importante” [sic].

No que diz respeito à família, a literatura tem referido que nesse contexto há a transmissão de valores, sonhos, perspectivas e padrões de relacionamentos. Ainda, a família pode ser um contexto de desvalorização do potencial de seus membros, fomentando o sentimento de pertença, a busca de soluções e atividades compartilhadas. Porém, muitas vezes a família se constitui em uma rede de apoio disfuncional (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), 21-32. doi:10.1590/S0103-863X2007000100003
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). Sobre este aspecto, Luís refere que havia o apoio e acompanhamento de suas atividades escolares que provinham da ‘segunda mãe’ (eg.: namorada da irmã), sendo que a separação ocorrida dificultou o apoio instrumental e emocional às atividades escolares. Contudo, sua participação no karatê possibilitou um apoio indireto, redirecionando as representações sobre a escola e seus projetos de vida.

O resgate das potencialidades virtuosas

Essa categoria apresenta os resultados da pesquisa relacionados às potencialidades presentes na história e relações que Luís estabeleceu com pessoas significativas, as quais possibilitam a ressignificação da escola e de seus projetos de vida. Cada sujeito estabelece suas próprias trajetórias de vida, a partir das escolhas e decisões que realizam. As pequenas conquistas oriundas do dia a dia podem, nesse sentido, transformar-se em motivo de orgulho e entusiasmo, ao mesmo tempo em que as obrigações podem adquirir significados que produzem desconforto aos sujeitos e sua perspectiva sobre o mundo (Arantes, Pinheiro, & Gomes, 2019Arantes, V. A., Pinheiro, V. P. G., & Gomes, M. A. G. (2019). O valor da escola para os jovens. International Studies on Law and Education, 31/32, 165-176. Recuperado de: http://www.hottopos.com/isle31_32/165-176Valeria.pdf
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). Um aspecto muito comentado por Luís foi a sua participação no karatê e o quanto a figura do Sensei [professor] e as aulas “[...] foram divisores de águas” [sic], fazendo com que refletisse sobre sua vida, frequentasse a escola e lhe atribuísse uma representação positiva.

Inegavelmente, as observações livres que foram realizadas em uma aula do karatê apresentam características marcantes. O grupo que lá participava, em sua grande maioria, era de adolescentes. Os comportamentos observados foram: interação entre os membros do grupo, escuta atenta à figura de autoridade (professor), ações que seguiam as instruções recebidas, demonstrações de respeito às normas do karatê e a seu Sensei, além do respeito às diferenças não só físicas (presença de pessoa com deficiência no grupo), mas também em relação às histórias de vida de seus colegas de grupo. Ainda, havia disciplina, conhecimento sobre outra cultura e arte, atividade que demandava concentração e força, e acima de tudo um prazer em estar lá. A respeito disso, a literatura tem revelado que o karatê serve como uma ferramenta comunicativa capaz de trabalhar temáticas e assuntos diversos e abrangentes do cotidiano. Sua utilização tem a finalidade de fazer com que o educando se informe sobre questões necessárias ao convívio na sociedade, como o cumprimento de normas e regras (Cantanhede, Marques, Nogueira, Souza & Reis, 2010Cantanhede, A. L. I., Marques, N., Nogueira, C., Souza, F., & Reis, R. (2010). O karate na escola como ferramenta educacional: um enfoque crítico. EFDeportes, 15(148). Recuperado de: https://www.efdeportes.com/efd148/o-karate-na-escola-como-ferramenta-educacional.htm
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; Tavares & Lopes, 2014Tavares, O., & Lopes, Y. (2014). A ação-reflexão-ação dos saberes docentes dos mestres de karatê: construindo indicadores para a transformação da prática pedagógica.Journal of Physical Education,25(1), 67-79. Recuperado de: http://ojs.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/20193
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).

De acordo com todas essas características, compreende-se a importância que o karatê tem na vida de Luís, em suas percepções sobre a escola, sua história e seus projetos de vida. Então, parece que a participação no karatê possibilitou a reinterpretação, ressignificação da sua vida e da escola. Luís refere a mudança de notas nas disciplinas como resultado de sua participação no karatê, ainda, a participação no grupo possibilitou o seu retorno à escola e um novo vínculo, ressignificado, com a instituição.

Compreende-se que a essência da mudança não está na participação das aulas de karatê, mas as relações e regras que perpassam e fazem parte desse tipo de grupo. Durante as aulas havia o professor (Sensei) que acreditava no seu potencial, olhando-o como um sujeito com uma história e com potencialidades. Esse aspecto é recorrente na fala de Luís que parece representar a figura do professor como uma esperança, legitimando uma possibilidade de olhar para o futuro, para seus projetos de vida.

A representação produz símbolos e sua força está na capacidade de dar sentido, de significar. Ela trabalha deslocando algo no lugar de algo, ou seja, esse deslocamento de objetos fornece uma nova configuração. Esse deslocamento de significados dos objetos também demonstra a origem entre a construção do simbólico, arte e cultura (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, S. (2008).Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). Luís realizou esse deslocamento de significado. Em seu relato refere que as regras escolares são importantes, que não foi mais vítima de bullying na escola. Nessa ressignificação de sentidos da escola e de sua vida, Luís consegue compreender a escola e as aulas de karatê como espaços que permitem e possibilitam o desenvolvimento de suas potencialidades.

A partir das ressignificações, um dos projetos de vida de Luís é cursar uma faculdade de ciências contábeis e trabalhar para manter seus estudos, ter seus bens materiais e “[...] ser alguém” [sic]. O projeto de vida é um aspecto protetivo ao desenvolvimento humano, que engloba construções sobre si mesmo e sobre o mundo e permite que as pessoas possam estabelecer diretrizes para as próprias trajetórias de vida (Arantes et al., 2019Arantes, V. A., Pinheiro, V. P. G., & Gomes, M. A. G. (2019). O valor da escola para os jovens. International Studies on Law and Education, 31/32, 165-176. Recuperado de: http://www.hottopos.com/isle31_32/165-176Valeria.pdf
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; Nascimento, 2006Nascimento, I. P. (2006). Projeto de vida de adolescentes do ensino médio: um estudo psicossocial sobre suas representações. Imaginário, 12(12), 55-80. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-666X2006000100004
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).

Escola como um lugar de potencialidades virtuosas

Essa categoria apresenta as novas representações que Luís possui sobre a escola. Nessa nova representação da escola, Luís entende a instituição como um lugar de possibilidades, que cumpre o papel que vai ao encontro de seu projeto de vida. Ao solicitar a técnica de desenho livre sobre o que ele achava que a escola representava para ele nos dias de hoje, o mesmo fez um desenho bem colorido, reproduzindo um recorte da obra de Pablo Picasso, denominada ‘Guernica’ de 1937. Esta obra retrata, de maneira geral, o período da Segunda Guerra Mundial em que uma cidade da Espanha chamada Guernica, foi bombardeada. A obra retrata o momento dramático e no meio de toda a cena, há a figura de uma mão segurando uma espada e uma flor. Luís representou a escola a partir desse desenho, acrescentando à mão uma cruz (representando a religião na escola), um lápis (representando a educação) e um cigarro (representando a existência das drogas no cotidiano dos arredores da escola). Segundo ele, a “[...] escola é essa flor” [sic]. Nesse desenho, Luís parece ter representado os acontecimentos que vivenciou como difíceis (representados pela guerra) e a sua esperança em dias melhores de crescimento e florescimento (flor).

Associado ao desenho, seu relato representou a escola como um lugar de possibilidades e necessária para este momento em sua vida. As experiências e conhecimentos que os estudantes possuem a partir de suas vivências e que vivem informalmente no contexto escolar, não devem ser negligenciados, mas considerados. Para Luís, uma escola ideal é uma escola sem violência, que possibilita espaços de diálogo com os estudantes. A representação da escola ideal é a escola onde estuda. O modo pelo qual a escola é percebida influencia significativamente nas expectativas que os estudantes têm sobre seu futuro. Quanto mais positiva a relação com a escola, mais altas são as expectativas de realização futura. Frente a isso, é importante perceber a escola como um espaço de proteção, considerando todos os envolvidos neste ambiente, desde professores, técnicos, estudantes, suas famílias e comunidade (Alves, Zappe, Patias, & Dell’Aglio, 2015Alves, C. F., Zappe, J. G., Patias, N. D., & Dell’Aglio, D. D. (2015). Relações com a escola e expectativas quanto ao futuro em jovens brasileiros. Nuances: estudos sobre Educação, 26(1), 50-65. doi:10.14572/nuances.v26i1.3818.
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).

Em seu discurso, Luís refere que a escola possui princípios, normas e uma orientação e prática religiosa (representada pela cruz no desenho). Para ele, estes são valores com os quais se identifica, exercendo um sentimento de acolhimento e sentido em estar neste contexto. No entanto, também compreende e refere aspectos negativos da instituição, como o consumo de drogas nos arredores da instituição.

Considerações finais

A presente pesquisa buscou identificar as representações sociais que um estudante, com histórico de infrequência escolar, possui a respeito da escola e de quanto essas significações contribuíram com o fortalecimento ou enfraquecimento de seu vínculo escolar. As representações de Luís sobre a escola foram diversificadas, de acordo com suas vivências escolares e familiares, indicando que, quando há a presença de um olhar afetuoso e interessado na história e no futuro de um sujeito, há a presença de humanização e legitimidade. A inserção de Luís no karatê, junto com as relações do grupo, com o professor e as regras do grupo, auxiliou na ressignificação da escola, como um espaço de identificação e de construção de seus projetos de vida.

Dessa forma, Luís representou a escola de maneira distinta - lugar hostil, sem sentido e, atualmente, como um lugar de possibilidades. As representações que estudantes possuem acerca da escola são influenciadas por inúmeras vivências de um sujeito, sendo que essa representação irá refletir na maneira como o estudante se relaciona com a aprendizagem e com a escola. Sendo assim, nesse estudo, buscou-se compreender a infrequência escolar e sua relação com as representações a partir de um estudo de caso, entendendo as limitações no que se referem à compreensão da infrequência escolar, por ser um aspecto complexo, influenciado por experiências e representação individuais, mas também pelo contexto social, econômico e histórico.

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    Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2019
  • Aceito
    23 Out 2020
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