RESENHAS
É possível uma educação para morte?1 1 Kovács, Maria Júlia (2003). Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo: Fapesp, 175 p.
Maria Dulce de FrançaI; Silvio Paulo BotoméII
IDocente da Universidade do Planalto Catarinense-UNIPLAC, Lages/SC
IIDoutor. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Dulce de França Rua Frei Rogério, 305, apto. 21 CEP 88502-160, Lages-SC. E-mail: dulcefranca@yahoo.com.br
Todo o nosso conhecimento nos leva mais próximos da nossa ignorância. Toda a nossa ignorância nos leva para mais próximos da morte. Uma proximidade da morte que não é proximidade de Deus Onde está a vida que perdemos ao viver? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
(Eliot, in Alves, 1992)
A palavra morte traz consigo muitos atributos e associações: dor, ruptura, interrupção, desconhecimento, tristeza. Designa o fim absoluto de um ser humano, de um animal, de uma planta, de uma idéia que "chegada ao topo da montanha, admira-se ante a paisagem, mas compreende ser obrigatória a descida". Numa posição antagônica, a morte coexiste com a vida, o que não a impede de ser angustiante, incutir medo e, ao mesmo tempo, ser musa inspiradora de filósofos, poetas e psicólogos.
Por ser terrificante, é costume indicar a morte por meio de eufemismos: "fim", "passagem", encontro, "destruição"... As palavras não conseguem expressar o que é imaginado. A confrontação regular com o processo de morrer, com a morte e com o luto é realidade constante na vida dos profissionais de Saúde, que nem sempre estão preparados para lidar com esse fenômeno. Essa dificuldade os leva a pensar na sua fragilidade e na sua própria finitude. Estudos e publicações a respeito da morte têm demonstrado que o ser humano não dispensa a ajuda de outrem em momento tão crucial.
Nessa linha de raciocínio a leitura do livro Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação, de Maria Júlia Kovács, possibilita, além de aprender sobre a morte, também aprender sobre o sofrimento que se apodera do profissional de Saúde ao tratar de pessoas com risco de morte. Norteada por um elenco de interrogações e reflexões que afligem a humanidade desde o início dos tempos, a autora propõe que as escolas médicas também ensinem a compaixão, a sensibilidade e a amorosidade como capacidades dos profissionais de Saúde, para lidar melhor com a morte.
A obra de Maria Júlia Kovács trata dos procedimentos de profissionais da Saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos em hospitais, escolas do campo da Saúde e demais instituições nas quais a morte faz parte do cotidiano. Relata experiências vividas por professores e alunos no Instituto de Psicologia da USP, apresenta a criação da disciplina "Psicologia da Morte", na Graduação e na Pós-graduação e descreve e examina a disciplina "Morte e Desenvolvimento Humano" ao longo de serenas reflexões sobre tudo isso. A partir de 1999, na condição de docente, Kovács oferece o "Curso de Extensão Profissional de Saúde e Educação: a morte na prática do seu cotidiano".
O livro ainda examina a criação do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), que prioriza o aperfeiçoamento da Comunicação sobre morte, perdas e situações-limite, na tentativa de avaliar a complexidade desses fenômenos nas diferentes fases do desenvolvimento humano para os quais ainda há muito despreparo a superar.
Em seus estudos Kovács verifica que os profissionais médicos, enfermeiros e psicólogos, ao cuidarem de pacientes próximos de morrer, para não estabelecer vínculos mais intensos, realizam suas atividades de maneira rotineira, supervalorizando os aspectos técnicos como proteção para o envolvimento com o sofrimento diante da morte. Enfatiza, também, a inexistência, nos cursos de graduação e pós-graduação, de disciplinas voltadas para uma formação mais humanista, que envolva o processo de cuidar e a formação completa do cuidador, principalmente em relação a um fenômeno tão crucial como a morte.
Na tentativa de encontrar uma resposta para a indagação "é possível uma Educação para a Morte?", Kovács cria cursos, viabiliza fóruns de discussão sobre o assunto, facilita reflexões e apresenta isso tudo no seu livro. Finaliza a obra chamando a atenção para a necessidade de encaminhar os profissionais de Saúde e Educação para um desenvolvimento - e uma formação - que lhes permita enfrentar o processo de morte neste novo milênio com uma melhor preparação para, efetivamente, contribuir para amenizar o sofrimento diante desse fenômeno. Vale a pena conferir essas contribuições a respeito da possibilidade de uma educação para a morte.
Recebido em 13/06/2005
Aceito em 30/08/2005
Endereço para correspondência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Jan 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2005