Acessibilidade / Reportar erro

Amizade, idoso e qualidade de vida: revisão bibliográfica

Amistad, anciano y calidad de vida: revisión bibliográfica

Friendship, aged and quality of life: literature review

Resumos

O objetivo deste trabalho foi fazer um levantamento bibliográfico da produção científica sobre a amizade de idosos no período de 2005 a 2009. O estudo categorizou os documentos em nacionais e internacionais, quanto ao tipo de pesquisa, à formação acadêmica dos autores, ao gênero e ao local de publicação. No material encontrado, a amizade dos idosos foi analisada a partir de contextos institucionais e residenciais. O estudo revelou que os recursos para a teorização da temática da amizade em idosos ainda são escassos, por isso a maior parte deles resultou de trabalhos empíricos. Esse fato indica um conceito de amizade que está em desenvolvimento e relaciona-se a fatores de risco como solidão, depressão, imobilidade e suicídio. Essa observação torna a temática relevante para refletir sobre a importância do trabalho de uma equipe multidisciplinar no processo da construção de novas amizades na vida dos idosos em diferentes contextos.

Amizade; idoso; qualidade de vida


El presente trabajo tuvo como objetivo actualizar un levantamiento bibliográfico de la producción científica sobre la amistad de ancianos realizadas en el periodo de 2005 a 2009. El estudio caracterizó los documentos en nacionales e internacionales con respecto al tipo de investigación, formación académica de los autores, género y local de publicación. La amistad de los ancianos fue analizada a partir de contextos institucionales y residenciales. Los recursos para la teorización de la temática aun son escasos. Por esa razón, la mayor parte de ellos son resultados de trabajos empíricos, lo que apunta para un concepto de amistad que está en construcción. La amistad tiene relación con los factores de riesgo como soledad, depresión, inmovilidad y suicidio. Observación relevante para reflejar la importancia del trabajo de un equipo multidisciplinar en el proceso de la construcción de nuevas amistades en la vida de los ancianos en diferentes contextos.

Amistad; anciano; calidad de vida


The purpose of this study was to update a literature review of scientific production about friendship of the elderly people in the period of 2005 to 2009. The study categorized the documents at national and international on the type of research, academic authors, gender and place of publication. In this work, the friendship of the elders was analyzed from residential and institutional contexts. The study revealed that resources for conceptualization the of the theme are still scarce. For this reason, most of them resulted from empirical work. This indicates a concept of friendship that is still in construction and is related to risk factors such as loneliness, depression, immobility and suicide. This observation makes the topic relevant to reflect on the importance of the work of a multidisciplinary team in the process of building new friendships in the lives of elderly people in different contexts.

Friendship; aged; quality of life


ARTIGOS

Amizade, idoso e qualidade de vida: revisão bibliográfica

Friendship, aged and quality of life: literature review

Amistad, anciano y calidad de vida: revisión bibliográfica

Ana Kelly AlmeidaI; Eulalia Maria Chaves MaiaII

I Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Graduanda em Psicologia pela Faculdade para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (FARN), Pesquisadora Voluntária do Grupo de Estudos: Psicologia e Saúde (GEPS) na UFRN

II Doutora em Psicologia Clínica pela USP. Professora do Curso de Psicologia da UFRN; Orientadora de Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCSa) da UFRN e pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Kelly de Almeida. Av. Ayrton Senna, 2023, Bl 03 Ap 103. Condomínio Jardim Itamaraty. Bairro de Nova Parnamirim, CEP 59151-902, Parnamirim-RN, Brasil. E-mail: anakelly.almeida@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi fazer um levantamento bibliográfico da produção científica sobre a amizade de idosos no período de 2005 a 2009. O estudo categorizou os documentos em nacionais e internacionais, quanto ao tipo de pesquisa, à formação acadêmica dos autores, ao gênero e ao local de publicação. No material encontrado, a amizade dos idosos foi analisada a partir de contextos institucionais e residenciais. O estudo revelou que os recursos para a teorização da temática da amizade em idosos ainda são escassos, por isso a maior parte deles resultou de trabalhos empíricos. Esse fato indica um conceito de amizade que está em desenvolvimento e relaciona-se a fatores de risco como solidão, depressão, imobilidade e suicídio. Essa observação torna a temática relevante para refletir sobre a importância do trabalho de uma equipe multidisciplinar no processo da construção de novas amizades na vida dos idosos em diferentes contextos.

Palavras-chave: Amizade; idoso; qualidade de vida.

ABSTRACT

The purpose of this study was to update a literature review of scientific production about friendship of the elderly people in the period of 2005 to 2009. The study categorized the documents at national and international on the type of research, academic authors, gender and place of publication. In this work, the friendship of the elders was analyzed from residential and institutional contexts. The study revealed that resources for conceptualization the of the theme are still scarce. For this reason, most of them resulted from empirical work. This indicates a concept of friendship that is still in construction and is related to risk factors such as loneliness, depression, immobility and suicide. This observation makes the topic relevant to reflect on the importance of the work of a multidisciplinary team in the process of building new friendships in the lives of elderly people in different contexts.

Key words: Friendship; aged; quality of life.

RESUMEN

El presente trabajo tuvo como objetivo actualizar un levantamiento bibliográfico de la producción científica sobre la amistad de ancianos realizadas en el periodo de 2005 a 2009. El estudio caracterizó los documentos en nacionales e internacionales con respecto al tipo de investigación, formación académica de los autores, género y local de publicación. La amistad de los ancianos fue analizada a partir de contextos institucionales y residenciales. Los recursos para la teorización de la temática aun son escasos. Por esa razón, la mayor parte de ellos son resultados de trabajos empíricos, lo que apunta para un concepto de amistad que está en construcción. La amistad tiene relación con los factores de riesgo como soledad, depresión, inmovilidad y suicidio. Observación relevante para reflejar la importancia del trabajo de un equipo multidisciplinar en el proceso de la construcción de nuevas amistades en la vida de los ancianos en diferentes contextos.

Palabras-clave: Amistad; anciano; calidad de vida.

O aumento do número de idosos já é um fenômeno observado no mundo inteiro. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a transformação do padrão demográfico corresponde a uma das mais importantes modificações estruturais da sociedade, resultando no aumento da população mais envelhecida (IBGE, 2009). Muitos são os fatores que contribuem para esse crescimento: desenvolvimento econômico, maior controle de doenças infecciosas, melhor acesso a água potável, instalações sanitárias e assistência à saúde, bem como o surgimento de novas tecnologias. Não obstante, o fato de viver mais não significa que a qualidade de vida tenha melhorado. Ainda falta sensibilidade por parte da maioria da população e programas mais eficientes voltados às necessidades dos idosos e políticas públicas que funcionem (Erbolato, 2006).

Percebe-se que os programas de intervenção são insuficientes para atender aos mais velhos. Nesse contexto surge um assunto diferente como fonte de inovação, a saber, as relações de amizade, caracterizando-se como uma temática ainda em construção. De forma geral, pode-se dizer que os amigos, ao lado dos familiares, são, possivelmente, as figuras mais importantes da rede social do idoso; porém o envelhecer provoca mudanças nas relações familiares e nas relações com amigos quanto à estrutura da rede e ao papel social que desempenha Hinde (1997).

De acordo com Hinde (1997), o ambiente físico e social, nele incluídas as instituições de cuidado e os condomínios para idosos, tem sido um fator primordial no estudo das relações interpessoais; mas sabe-se que o ambiente físico afeta e é afetado por estruturas socioculturais, de modo que esses estudos, particularmente os das relações entre amigos, deveriam levar em conta ambos os fatores, além de sua relação dialética.

Desde a década de 80 a Gerontologia tem investigado os aspectos psicológicos e sociais envolvidos na velhice, estudando os benefícios das redes sociais através da análise de suas interferências na vida dos idosos. Essas redes podem ser divididas em duas categorias: familiar e de amigos. A rede de amigos, diferente da familiar, é construída a partir de escolhas seletivas, sendo baseada na troca recíproca de experiências e sentimentos (Bowling & Browne, 1991).

Atualmente há muitos profissionais envolvidos em pesquisas sobre a amizade na velhice. Na análise realizada neste trabalho, as relações amigas têm se mostrado eficazes no combate à solidão, à depressão, à imobilidade e ao suicídio, promovendo, dessa maneira, uma melhor qualidade de vida aos idosos. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental, dos Estados Unidos (NIMH), a depressão é uma das condições mais comuns associadas ao suicídio de idosos. É um risco, inclusive, que cresce a cada dia no mundo inteiro (National Institute of Mental Health, 2009).

METODOLOGIA

O trabalho consiste em uma pesquisa do tipo levantamento bibliográfico. Para realizá-lo foi feita uma busca eletrônica preliminar em diferentes bases de dados, sendo incluídas somente aquelas que apresentaram artigos referentes à temática proposta. São elas: MEDLINE, BVS-Psi, Portal da Capes, Bireme, Scielo, Google Scholar e Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da PUC.

O critério de exclusão adotado foi a rejeição de artigos em que a amizade, estando relacionada à qualidade de vida, não correspondesse ao tema principal da pesquisa. Por essa razão, foi realizada uma leitura prévia dos resumos encontrados.

As consultas foram realizadas no período de 2005 a 2009 através das palavras-chave: amizade, idoso e qualidade de vida (friendship, aging and quality of life) com o auxílio do programa EndNote para a literatura internacional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Verificou-se um número de vinte trabalhos no período de 2005 a 2009 sendo oito nacionais e doze internacionais. A literatura internacional possui uma investigação empírica mais significativa, bem como projetos de intervenção em pleno funcionamento, além de pesquisas documentais. Na literatura nacional foram encontradas revisões bibliográficas, pesquisas de campo e uma validação e adaptação de instrumento.

As pesquisas demonstraram que há mais estudos desenvolvidos para mulheres, pois foi constatado que elas vivem por mais tempo e têm maior propensão a desenvolver doenças crônicas do que os homens. Os programas de intervenção desenvolvidos em países estrangeiros, por sua vez, apresentaram-se como formas preventivas e redutivas de fatores de risco como solidão, depressão, imobilidade e suicídio, porém os efeitos psicológicos e fisiológicos obtidos como resultado dessas ações ainda são pouco estudados, embora se mostrem eficazes, como nos mostraram os resultados das pesquisas.

Os estudos constataram que os programas educacionais sobre a amizade na terceira idade surgiram na década de 90, consistindo em aulas expositivas sobre a autoestima, competência emocional; construção, manutenção e benefícios da amizade, bem como o desenvolvimento de habilidades sociais. Alguns programas foram desenvolvidos a partir de três focos: fazer novos amigos, enfrentar as dificuldades e prevenir a solidão. Destarte a construção de novas amizades foi encorajada como uma forma de prevenção contra a solidão e a depressão, especialmente pela capacidade de reduzir o risco de desordens psicológicas. Foi também observado que as amizades permanecem depois dos programas, No entanto, porém é necessário criar novas ações como forma de manter o grupo (Pin, Guilley, Spini & Lalive d'Epinay, 2005; Martina & Stevens, 2006; Stevens, Martina, & Westerhof, 2006).

CARACTERIZAÇÃO DAS PESQUISAS NACIONAIS

Verificou-se um total de oito trabalhos, constituídos de duas revisões bibliográficas, três investigações empíricas do tipo transversal, uma validação de instrumentos sobre a amizade, uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado. Seis trabalhos são mistos e os restantes são escritos só por mulheres. Os profissionais que escreveram sobre amizade em idosos no Brasil são psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros, os quais representam, respectivamente, os estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. A amizade e a qualidade de vida foram relacionadas a vários assuntos, tais como redes de apoio, morte e política.

Uma das revisões bibliográficas apresenta um estudo sobre amizade na vida adulta através de trabalhos publicados tanto na área de psicologia como em áreas afins. Os autores escreveram sobre os relacionamentos pessoais e sociais a partir da década de 70, destacando aspectos conceituais, tipos e níveis de amizade. A investigação empírica foi destacada pelo trabalho de Erbolato (2001), que consistiu em um estudo com doze adultos jovens, doze adultos de meia-idade e doze idosos (Souza & Hutz, 2007a).

O outro trabalho de revisão bibliográfica realizado por Souza (2008) é uma análise da produção científica em periódicos estrangeiros voltados especificamente para a temática relativa aos idosos. Dessa maneira, são apresentados, sucintamente, os conceitos de amizade na literatura e nos trabalhos empíricos. No trabalho foram identificadas pelo menos cinco temáticas relacionadas ao assunto, a saber: a dialética família/amigos; a amizade nas instituições de longa permanência e nos condomínios para idosos; a mulher envelhece; apoio social, redes e tipos de amizades em idosos; e tratamento teórico e metodológico sobre o tema amizade em idosos.

No que diz respeito à primeira investigação empírica, os relacionamentos de amigos foram observados no contexto de uma instituição asilar. Os autores descobriram dez unidades temáticas nas quais o idoso asilado define um amigo: especial, presente, sem interesse, verdadeiro, que compartilha, imprescindível, admirável, que ajuda, confiável e como uma pessoa da familia (Silva, Menezes, Santos, Carvalho & Barreiros, 2006).

Este trabalho teve como base os depoimentos dos idosos sobre a importância do apoio de um amigo para enfrentar as dificuldades da vida diária, bem como para satisfazer as suas necessidades psicológicas, as quais se constituem na formação da autoestima, no amor, afeto e equilíbrio psíquico e social. Os autores constataram que na ausência de um parente, seja por abandono seja por morte, o amigo passa a exercer funções anteriormente desempenhadas pelos familiares, além de terminar favorecendo e viabilizando a estadia - quase forçada - desses idosos na instituição, que assim se torna mais prazerosa. O amigo asilar é, pois, considerado como um componente da rede social do idoso de extrema importância. Por essa razão, os autores ressaltam a importância de uma equipe multidisciplinar como fonte de estímulo no processo de construção de novas amizades entre os residentes, uma vez que o relacionamento entre eles é um fator de manutenção e elevação da qualidade de vida (Silva et al., 2006).

Outra investigação abrangendo o contexto asilar foi o artigo sobre a repercussão da perda de amigos na vida de residentes de uma instituição. A morte, por vezes tão assustadora na velhice, é uma experiência marcante que torna o idoso vulnerável física e psicologicamente. Os autores escrevem, primeiramente, sobre o universo do idoso asilado, explicando o processo de asilamento como provocador de distanciamento progressivo dos outros, do mundo e de si mesmo (Silva, Carvalho, Santos & Menezes, 2007).

Parece claro que a falta de privacidade, o ambiente vigilante, bem como as pressões para tomar medicamentos, responder aos horários programados, conviver com pessoas desconhecidas são fatores que contribuem para a ocorrência de sentimentos e atitudes negativas no idoso, como solidão, depressão, isolamento pela perda da individualidade e vontade de morrer, uma vez que ele se vê afastado da vida social, afetiva e sexual, além de lhe faltarem perspectivas futuras. Assim, o estímulo, a interação e a formação de novos vínculos afetivos é que propiciam ao idoso uma melhor qualidade de vida. Mas, e quando os amigos morrem?

Foi observado que, em caso de perda, há idosos que se recusam até a fazer novas amizades depois da experiência de falecimento na instituição. Com efeito, o estudo chama a atenção para um apoio mais adequado aos idosos asilados quando no enfrentamento da morte de seus amigos. Cabe frisar que o luto contribui para alterar os sentimentos, as sensações físicas, a cognição e o comportamento dos idosos. Faz-se necessário, portanto, que os profissionais deem muita atenção aos idosos, em face da vulnerabilidade e fragilidade a que estão expostos nessa situação (Silva et al., 2007).

Os relacionamentos de amizade em idosos também foram estudados dentro do Programa Social Universidade Aberta no Estado de Minas Gerais. O artigo investigou mudanças percebidas na vida dos idosos que tiveram como consequências um maior investimento em novas relações. O estudo destacou, especialmente, as diferenças entre relações antigas e recentes, bem como a influência dos amigos nos relacionamentos familiares. Todos os participantes relataram a construção de novas amizades, muito embora estas se diferenciem quanto ao grau de intimidade e afinidade. Não obstante, elas são sempre referidas como experiências extremamente positivas, capazes de gerar nessas pessoas vontade de viver, alegria em estar com novos amigos e compartilhar dificuldades pessoais (Garcia & Leonel, 2007).

Em linhas gerais, as relações interpessoais dentro do contexto das universidades foram relatadas pelos idosos como uma forma de afastar a solidão, manter uma vida mais saudável e ampliar seus conhecimentos por meio das vivências. Verificou-se nesse estudo que a abertura para fazer novos amigos dentro do grupo terminou influenciando uma abertura para fora do grupo. Isso acontece em razão da diminuição da timidez ao se comunicar e do aumento da segurança e da autoestima. Por isso, Garcia e Leonel (2007) propõem uma reflexão mais profunda sobre as relações de amizade nos grupos de convivência, haja vista sua importante contribuição para a melhoria das condições de vida das pessoas idosas.

Quanto à dissertação de mestrado, também desenvolvida em um ambiente universitário, a análise voltou-se para a amizade política praticada pelos idosos no Projeto de Atividades Voluntárias da Universidade Aberta da Terceira Idade do Rio de Janeiro. A autora fez um estudo exaustivo sobre a amizade em diferentes áreas, como a filosofia, a antropologia, a sociologia e a psicologia, bem como nos estudos empíricos nacionais e internacionais na área do envelhecimento.

A amizade política é explicada a partir dos estudos filosóficos de Hanna Arendt, mostrando-se importante no contexto do reconhecimento de uma política própria do idoso. De acordo com a autora, a amizade política no envelhecimento não é encontrada em estudos nacionais nem internacionais. É um tipo de amizade na ordem do que não é particular, e sim, do que é acessível, transmissível e social. Dessa forma, a relação da amizade política exercitada pelos idosos junto ao projeto ultrapassa a intimidade do eu e do tu, visto que é uma associação contextualizada na diversidade e no espaço dos conflitos sociais e geracionais (Cuba, 2005).

A pesquisa demonstrou que, embora encontrem dificuldades em construir novas amizades, os idosos demonstram continuar se esforçando constantemente para fazer novos amigos através do Projeto; porém, poucos conseguem perceber a amizade exercida como ação política, ou seja, como agir livre e público na pluralidade, dentro de um espaço no qual se autorizam e se potencializam para lutar pelos seus direitos (Cuba, 2005).

Ficou evidenciado que os idosos que fazem parte de um ambiente universitário demonstraram atitudes diferentes das dos idosos asilados, pois se mostraram bem mais abertos para as relações de amizade, muito embora não tenham consciência de sua força política. Como se pôde ver, as diferenças do ambiente terminaram influenciando o processo de socialização dessas pessoas, em suas atitudes.

Com referência à tese de doutorado, a autora preocupou-se em adaptar e validar os questionários McGill sobre amizade em adultos e realizar um estudo sobre diferenças de gênero na percepção da qualidade da amizade. Esses estudos foram resumidos em dois artigos. O trabalho versou sobre abordagens teóricas, fatores que interferem na formação, desenvolvimento e manutenção da amizade, bem como sobre níveis de amizade. Pelo menos um capítulo do trabalho foi dedicado a relacionar a amizade às etapas do desenvolvimento humano.

Os questionários McGill são instrumentos que avaliam a qualidade da amizade através da percepção do indivíduo sobre determinadas funções que um amigo preenche, a satisfação com o relacionamento de amizade e os sentimentos positivos e negativos relacionados ao amigo. Esses questionários foram desenvolvidos com base em outros questionários, escalas e entrevistas mais utilizados na literatura empírica, por isso procuram manter os aspectos mais investigados nos últimos 20 anos. Como não existem outros instrumentos para a avaliação da amizade em adultos no Brasil, este estudo tem uma importância significativa, além de contribuir para investigações posteriores (Souza & Huntz, 2007b).

CARACTERIZAÇÃO DAS PESQUISAS INTERNACIONAIS

Em sua maioria, as pesquisas internacionais são empíricas e se apresentam como descritivas, transversais ou longitudinais. Foram encontradas duas pesquisas documentais escritas apenas por mulheres. O total de artigos estrangeiros soma doze: três escritos só por mulheres, dois só por homens, três mistos e quatro não identificados sob esse aspecto. Eles foram escritos originalmente nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra e na Suíça. Os profissionais que escreveram sobre a amizade de idosos estão ligados à área de Geriatria, Psicogerontologia e Sociologia. Os assuntos relacionados à temática são solidão, saúde, agentes relacionais virtuais, relações familiares, religião, autonomia e programas de intervenção que possuem como base a amizade.

Uma das pesquisas documentais é fruto do trabalho de Rosemary Blieszner, uma das maiores pesquisadoras em envelhecimento no campo das relações de pessoas idosas. Em seu artigo, ela analisa as pesquisas sobre amigos próximos na terceira idade à luz dos princípios da teoria psicológica da Life Span e da teoria do curso da vida da sociologia. A autora, que tem trabalhos sobre envelhecimento reconhecidos internacionalmente, elabora uma conexão entre essas teorias ligando-as aos relacionamentos entre os idosos através de uma análise das múltiplas formas de cuidado. Para isso, ela escreve sobre o contexto sócio-histórico dos relacionamentos na terceira idade, bem como os efeitos do desenvolvimento da personalidade e de diferentes eventos na vida dos idosos, tais como mudanças no casamento, na saúde e nas amizades (Blieszner, 2006).

De acordo com a teoria da Life Span, tanto as influências biológicas quanto as ambientais afetam o desenvolvimento ao longo da vida. Ganhos e perdas ocorrem através dos anos, desafiando os indivíduos a desenvolverem novas capacidades de adaptação. Para Blieszner (2006), são consideráveis as influências dessas ordens na vida e nos relacionamentos dos idosos, tornando o estudo dessas relações algo multifacetado. Por outro lado, a teoria do curso da vida afirma que as pessoas e seus relacionamentos, possuem peculiaridades em períodos específicos da história, sendo participantes de uma cultura em particular, muito embora, para a pesquisadora citada, a influência de contextos e eventos gerais na vida do idoso sejam bem menores do que aquelas produzidas no desenvolvimento de suas personalidades individuais.

Em seus estudos, Blieszner demonstra que o desenvolvimento da personalidade termina afetando as relações na terceira idade. Por essa razão, novos tipos de intervenção têm sido estudados para a promoção de uma convivência mais amigável entre pais e filhos, como uma forma de retardar o envelhecimento (Blieszner, 2006; Heyl & Schmitt, 2007).

A segunda pesquisa documental foi desenvolvida por um grupo de mulheres, juntamente com Adams Berggren, Docherty, Ruffin e Pfaff (2006), pesquisadora reconhecida na área de envelhecimento, que estuda as diferenças de gênero no tocante às escolhas metodológicas, quantitativas ou qualitativas utilizadas nas pesquisas sobre amizade em idosos. Para as autoras, a maioria desses estudos, iniciados na década de 40, foram conduzidos por mulheres, embora não existam dados que possam demonstrá-lo.

De acordo com a análise, as mulheres são mais propensas a utilizar métodos qualitativos, enquanto os homens preferem os quantitativos. Essa diferença, todavia, tem mais a ver com o acesso a ferramentas. Na opinião das pesquisadoras, o estudo da amizade em idosos oferece uma oportunidade ímpar para o exame dessa relação entre o gênero dos autores, bem como do direcionamento de suas metodologias. Para isso, elas analisaram as composições literárias por década, autores e método utilizado (Adams et al., 2006).

Independentemente dos instrumentos utilizados nas pesquisas, sejam eles qualitativos ou quantitativos, verificou-se que muitos idosos vivem sozinhos e distantes de seus familiares, por causas bastante variáveis, como viuvez, abandono, falta de parentes ou vocação religiosa. Em razão disso, há estudos que examinaram a influência positiva da amizade na velhice para o bem-estar de pessoas que vivem sozinhas ou em alguma instituição. Esses estudos têm comprovado que as amizades possuem um efeito positivo na saúde mental e física do idoso. Para os pesquisadores, quando as atividades são voltadas para a construção de amizades, a rede de apoio tende a ser mais eficiente contra a solidão, a depressão e a imobilidade (Aday, Kehoe & Farney, 2006).

Nos últimos anos, a conexão entre amizade e espiritualidade tem sido alvo de pesquisas em diversas áreas, inclusive na medicina. Em pelo menos um dos estudos encontrados ficou demonstrado que os riscos de depressão tendem a diminuir quando se tem um grande número de amigos unidos por uma crença religiosa. Assim, incentivar programas relacionados à amizade e à espiritualidade pode ser uma forma de reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida de pessoas que vivem em grupo, principalmente quando são obrigadas a conviver em um mesmo espaço, como é o caso de contextos religiosos (Bishop, 2008).

Por outro lado, há idosos que continuam vivendo com a família sem que isso os impeça de construir amizades com outras pessoas. Nesse sentido, faz-se necessário conhecer o impacto dessas relações de amizade fora do ambiente familiar. Para isso, foram encontrados estudos que examinaram a interação do idoso com amigos não familiares e vizinhos, relacionando-os à qualidade de vida. Os pesquisadores têm demonstrado que a expansão das relações de amizade na velhice termina contribuindo para a percepção dessas pessoas sobre sua própria saúde. O que é altamente positivo nessa faixa etária (Omori, 2007).

Por tudo isso, alguns estudos demonstraram que ter amigos próximos produz um impacto significativo na manutenção da autonomia do idoso, além de combater um dos maiores riscos para aqueles que não têm filhos, que é a solidão. Embora não sejam a quantidade de amigos ou o tempo de contato os fatores mais importantes e, sim, a qualidade das relações, é certo que as redes de amigos proporcionam ao idoso oportunidades de interação social e sensação de bem-estar e que o melhor caminho para evitar a solidão é envolver-se com outras pessoas e fazer novas amizades. Foi o que diferentes estudos demonstraram por meio de programas de intervenção. Os pesquisadores comprovaram que a solidão na velhice resulta do distanciamento, morte ou falta de verdadeiros amigos (Pin et al., 2005; Martina & Stevens, 2006; Stevens et al., 2006).

No âmbito familiar, a pesquisa realizada sobre a amizade teve como objetivo entender o desenrolar dessas relações na velhice, já que o número de idosos sozinhos tem se tornado tão significativo. Sobre esse assunto Blieszner (2006) escreve exaustivamente. Na opinião desses pesquisadores, a construção de amizade entre pais e filhos na vida adulta pode ser uma forma de evitar abusos na velhice. Por isso os autores sugerem a formação de programas que incentivem a amizade familiar desde cedo. Essa amizade é entendida, em vários estudos, como promotora de saúde e de qualidade de vida (Heyl & Schmitt, 2007).

No que se refere à institucionalização do idoso, de acordo com as pesquisas internacionais, as instituições são espaços que nem sempre suprem as necessidades dos residentes, porém podem criar programas inovadores que contribuam para o bem-estar biopsicossocial de todos os envolvidos. Destarte, identificar como as relações de amizade podem servir de instrumentos para melhorar a qualidade de vida dos idosos, gerando oportunidades para que as amizades aconteçam, deve ser um objetivo constante do pesquisador (De-Leon, 2005; Alley, Liebig, Pynoos, Banerjee & Choi, 2007).

Finalmente, um dos trabalhos mais diferentes encontrados nesta revisão foi a utilização de programas de computadores no auxílio da compreensão e construção das relações de amizade no universo dos idosos. Assim, visando à elaboração de programas de intervenção mais eficientes, os pesquisadores criaram programas que simulam conversas face a face, fazendo com que os idosos, ao conversarem com os agentes virtuais, sintam-se menos solitários. A descoberta mais importante nas três últimas décadas, na opinião dos pesquisadores, é a implicação do suporte social na saúde física e no bem-estar psicológico dos idosos. Por essa razão, principalmente na área de comunicação saudável, está sendo desenvolvido um número considerável de programas semelhantes voltados à terceira idade (Bickmore, Caruso, Clough-Gorr & Heerem, 2005).

CONCLUSÃO

Seriam necessários mais estudos para compreender por que e como as relações de amizade afetam positivamente a saúde e a qualidade de vida dos idosos. Várias pesquisas apontam para esse benefício, muito embora as respostas devam ser longas e complexas, sem contar com o perfil diferenciado dos idosos em todo o mundo. No Brasil isso é ainda mais complicado, pois não se pode falar de um único ponto de vista, por causa dos contrastes regionais e sociais existentes no país. Sobre a temática da amizade em idosos, por exemplo, não há estudos em nível das regiões Nordeste ou Norte, e mesmo os estudos desenvolvidos pelas outras regiões, como foi visto, são escassos.

Há diferentes perspectivas teóricas que oferecem uma interpretação para as implicações saudáveis da amizade na vida das pessoas. Uma delas é a teoria da condição socioestrutural (Szreter & Woolcock, 2004), a qual enfatiza os fatores fisiológicos; outra é a teoria social cognitiva (Bandura, 1986), que enfatiza mais os mecanismos psicológicos.

Pode-se dizer que o contexto das relações de amizade traz para as pessoas idosas consequências positivas tanto físicas quanto mentais. O que está em falta são estudos que expliquem por que essas relações diminuem doenças, imobilidade e morte, fato que se torna um desafio para a continuação dos estudos nessa área e para a criação de programas multidisciplinares que contemplem a temática da amizade.

A velhice é um campo carente de pesquisas, o que torna necessário buscar novas práticas psicológicas para a terceira idade. Descobrir respostas, nesse sentido, pode significar importantes pontos para solução de problemas nessa fase da vida.

Recebido em 16/03/2010

Aceito em 15/09/2010

  • Adams, R., Berggren, J., Docherty L., Ruffin, K. &  Pfaff,  W. C. (2006).  Gender-of- Author Differences in Study  Design of Older Adult Friendship Surveys. Personal Relationships, 13(4), 503-520.
  • Aday, R., Kehoe, G. &  Farney, L. (2006).  Impact of Senior Center Friendships on Aging Women Who Live Alone. Journal of Women & Aging, 18(1), 57- 73.
  • Alley, D., Liebig, P., Pynoos, J., Banerjee, T. & Choi,  I. H.  (2007). Creating Elder- Friendly Communities: preparations for an aging society. Journal of Gerontological Social Work, 49(1-2),1-18.
  • Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action a social cognitive theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.
  • Bickmore, T., Caruso, L., Clough-Gorr, K. & Heerem, T. (2005). It's just like you talkto a friend: relational agents for older adults. Interacting With Computers, 17(6), 711-735.
  • Bishop, A. J. (2008).  Stress and  depression  among  older  residents  in  religious monasteries: do friends and god matter? The International Journal of Aging and Human Development, 67(1),1-23.
  • Blieszner, R. (2006). A Lifetime of Caring:  dimensions and  dynamics  in  late-life close relationships. Personal Relationships, 3(1), 1-18.
  • Bowling, A. & Browne, P. D.  (1991). Social  Networks,  Health  and  Emocional  Well-   Being  among the oldest old in London. J. Gerontologia B, Psychol. Sci Soc Sci, 46, 20-32.
  • Cuba, Conceição de Maria G. B. (2005). Ninguém vive sem amizade! A importância da amizade  política   dos   idosos   colaboradores  da  UnATI/UERJ. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • De-Leon, C. (2005). Why do Friendships Matter for Survival? Journal of Epidemiology  and Community Health, 59(7), 538-539.
  • Erbolato,  Regina M. P. L.  (2001).  Contatos sociais: relações de amizade em três momentos   da  vida  adulta. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia e Fonaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.
  • Erbolato, Regina M. P. L. (2006). Relações sociais na velhice. In E. Viana Freitas (Org.). Tratado de geriatria e gerontologia. (pp.1324-13331). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
  • Garcia, A. & Leonel, S. B. (2007).  Relacionamento interpessoal e terceira idade: a mudança  percebida nos relacionamentos com a participação em programas sociais para a terceira idade. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 2(1), 130-39.
  • Heyl, V. & Schmitt, M. (2007). The Contribution of  Adult Personality and Recalled Hinde, R. (1997). Relationships: a dialectical perspective. Hove: Psychology Press.
  • Hinde, R. (1997). Relationships: a dialectical perspective. Hove: Psychology Press.
  • IBGE.  A Dinâmica Demográfica Brasileira e os Impactos nas Políticas Públicas, 2009. Recuperado em 23 de janeiro, 2010, de www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic.../com_din.pdf .
  • Martina, C., & Stevens, N. (2006). Breaking the  Cycle  of  Loneliness?  Psychological Effects of  a Friendship Enrichment Program for Older Women. Aging & Mental Health, 10(5), 467-475.
  • National Institute of Mental Health (NIMH). Older adults: depression  and  suicide facts. Recuperado em 25 de  novembro, 2009 de www.nimh.nih.gov/health/publications/older-adults-epression-and-suicide-facts-fact-sheet/index.shtml
  • Omori, J. (2007). Correlation between interactions of younger elderly women with close non-family  friends  and  neighbors  and  health-related  QOL. Nippon Koshu Eisei  Zasshi, 54 (9), 605-14.
  • Pin, S., Guilley, E., Spini, D. & Lalive d'Epinay, C. (2005).  The Impact of  Social Relationships on the Maintenance of Independence in Advanced Old Age: findings of a  swiss  longitudinal  study. Zeitschrift  für Gerontologie und Geriatrie, 38(3), 203- 209.
  • Silva C. A., Menezes M. R., Santos, Ana C. P. O., Carvalho, L. S. & Barreiros, E. X. (2006). Relacionamento de amizade na instituição asilar. Revista Gaúcha de  Enfermagem, 27(2), 274-83.
  • Silva, C. A., Carvalho, L. S., Santos, Ana C. P. O. & Menezes, M. R. (2007). Vivendo após a morte de amigos: história oral de idosos. Texto & Contexto -Enfermagem, 16 (1), 97-104.
  • Souza, L. K. (2006). Amizade em adultos:adaptação e validação dos questionários MacGill e um estudo de diferenças de gênero. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
  • Souza, L. K. (2008). Amizade em idosos: um  panorama da produção científica Recente em periódicos estrangeiros. Estudos Interdisciplinares de Envelhecimento,13(2), 173-190.
  • Souza, L. K.,  &  Hutz, Claudio S.  (2007a).  Diferenças de gênero na percepção da qualidade da amizade. Psico, 38(2),125-132.
  • Souza, L. K., & Hutz, Claudio S. (2007b). A qualidade da amizade: adaptação e validação  dos questionários McGill. Revista Aletheia, 25(1), 82-96.
  • Stevens, N., Martina, C. & Westerhof, G. (2006). Meeting  the  Need  to Belong: Predicting  effects of a friendship enrichment  program for older  women. Gerontologist, 46(4), 495-502.
  • Szreter, S. & Woolcock, M. (2004). Health by association? Social capital,social theory, and the political economy of public health. Int J Epidemiol, 33, 650-667.
  • Endereço para correspondência

    Ana Kelly de Almeida. Av. Ayrton Senna, 2023, Bl 03 Ap 103. Condomínio Jardim Itamaraty. Bairro de Nova Parnamirim, CEP 59151-902, Parnamirim-RN, Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2010
    • Aceito
      15 Set 2010
    Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
    E-mail: revpsi@uem.br