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O Princípio dos Melhores Interesses da Criança: Uma Revisão Integrativa de Literatura em Inglês e Português 1 1 Apoio e financiamento: Capes, Doutorado Pleno no Exterior, Processo nº 88881.127899/2016-01 2 2 Agradecimentos a Sérgio Alberto Bitencourt Maciel, psicólogo e coordenador substituto da Coordenadoria Psicossocial - COORPSIs, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios por ajudar na revisão da versão em Português. Também agradecemos à professora Silvia Renata Magalhães Lordello Borba Santos (Universidade de Brasília) por ter revisado o conteúdo da versão em Inglês.

El Interés Superior del Niño: Una Revisión Integradora de Las Literaturas Inglesa Y Portuguesa

RESUMO

Os melhores interesses da criança/adolescente (PMICA) devem ser considerados primordialmente em qualquer situação que envolva crianças/ adolescentes. Assim, o PMICA é comumente adotado como princípio, doutrina ou recurso para ponderar a tomada de decisão envolvendo crianças/adolescentes. Este estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura com publicações em Inglês e Português brasileiro e teve como objetivo investigar como os artigos abordam as definições, características e aplicações do PMICA. Os critérios de inclusão foram: 1) artigos publicados entre 2012 e 2017; e 2) aqueles que abordam claramente uma definição, característica e/ou aplicação do PMICA. As bases de dados em Inglês foram ASSIA, PsychARTICLES, PsychInfo, Scopus, Web of Science e Google Scholar; as bases de dados em Português foram: LILACS, PePsic, Redalyc, Periódicos CAPES e Google Scholar. O descritor principal foi ‘melhor interesse da criança’, o que levou a 1488 artigos encontrados e 14 selecionados. Os artigos brasileiros focaram na necessidade de proteger o bem-estar físico e psico-socioemocional da criança/adolescente, destacando-os como sujeitos de direitos e mantendo os laços familiares da criança/adolescente. Os artigos em Inglês ampliaram a perspectiva do PMICA, destacando as idiossincrasias da criança/adolescente, o papel dos interesses dos pais, sua característica como um construto não-individualista, flexível e complexo. Outros resultados mostram que o PMICA está amplamente relacionado ao desenvolvimento da criança/adolescente, que é dividido em dois domínios: ‘material-fisiológicos’ (necessidades básicas e de sobrevivência) e ‘contextuais’ (necessidades não-materiais = psicossociais e emocionais). Em geral, o PMICA é um construto plural, complexo e multidimensional que depende dos contextos relacionais da criança/adolescente.

Palavras-chave:
Melhores interesses da criança; desenvolvimento infantil; direitos da criança

RESUMEN

El interés superior del niño (PISN) debe ser una consideración primordial en cualquier situación que involucre los niños. Por lo tanto, PISN comúnmente se adopta como un principio, doctrina o prueba para ponderar la toma de decisiones con respecto a los niños. Este estudio consiste en una revisión integral de la literatura de publicaciones en inglés y portugués con el objetivo de investigar cómo varios estudios abordan las definiciones, características y aplicaciones de BIC. Los criterios de inclusión fueron: 1) artículos publicados entre 2012 y 2017, y 2) los que abordan claramente una definición, característica y / o aplicación de BIC. Las bases de datos elegidas en inglés fueron ASSIA, PsychARTICLES, PsychInfo, Scopus, Web of Science y Google Scholar; las bases de datos portuguesas fueron: LILACS, PePsic, Redalyc, Periódicos CAPES y Google Scholar. El principal descriptor utilizado fue el ‘interés superior del niño’, lo que permitió encontrar 1488 artículos y 14 seleccionados. Los artículos brasileños se han centrado en la necesidad de proteger el bienestar físico y psico-socioemocional del niño, destacando al niño como sujeto de derechos y manteniendo los lazos familiares del niño. Los artículos en inglés han ampliado la perspectiva de BIC resaltando las idiosincrasias del niño, el papel de los intereses de los padres, BIC como no individualista, flexible y complejo. Otros resultados muestran que el BIC está relacionado en gran medida con el desarrollo del niño, que se divide en dominios ‘material-fisiológicos’ (necesidades básicas y sobrevivientes) y ‘contextuales’ (no materiales y psicosociales y emocionales). En general, BIC es una construcción pluralista, compleja y multidimensional que depende de los contextos relacionales del niño.

Palabras clave:
El interés superior del niño; el desarrollo del niño; los derechos del niño

ABSTRACT

The best interests of the child (BIC) should be of primary consideration in any situation involving children. Thus, BIC is commonly adopted as a principle, doctrine or test to weight decision-making regarding children. This study consists of an integrative literature review of English and Portuguese publications aimed at investigating how various studies address BIC definitions, characteristics and applications. The inclusion criteria were: 1) articles published between 2012 and 2017, and 2) those clearly addressing a BIC definition, characteristic and/or application. The chosen English databases were ASSIA, PsychARTICLES, PsychInfo, Scopus, Web of Science and Google Scholar; the Portuguese databases were: LILACS, PePsic, Redalyc, Periódicos CAPES and Google Scholar. The main descriptor used was ‘best interests of the child’ which led to 1488 articles being found, and 14 selected. Brazilian articles have focused on the need to protect the child’s physical and psycho-socioemotional well-being, highlighting the child as a subject of rights, and maintaining child’s familial bonds. English articles have broadened the BIC perspective, highlighting the child’s idiosyncrasies, the role of the parent’s interests, and BIC as non-individualistic, flexible and complex. Other results show that BIC is largely related to the child’s development, which is divided into ‘material-physiological’ (basic needs and surviving) and ‘contextual’ (non-material and psychosocial and emotional needs) domains. Overall, BIC is a pluralistic, complex and multi-dimensional construct that depends on the child’s relational contexts.

Keywords:
Best interests of the child; child’s development; child’s rights

O princípio dos ‘melhores interesses da criança/adolescente’ (PMICA) é uma ferramenta comumente utilizada em qualquer situação de decisão (especialmente legal) envolvendo crianças/adolescentes. Esta ferramenta serve para decidir e avaliar os resultados dessa decisão. No entanto, há incerteza quanto à sua definição e aplicação. O uso mais frequente do PMICA se dá no sistema de Justiça relacionado às crianças, principalmente nas Varas de Família, em casos de disputa de guarda após o divórcio, onde o PMICA tem sua principal aplicação. Porém, esse princípio está associado a uma ampla gama de outros assuntos e campos que lidam com direitos e interesses de crianças e adolescentes.

A expressão ‘melhores interesses da criança/adolescente’ (MICA) deriva do termo inglês the best interests of the child. No Brasil, o processo de tradução cometeu dois equívocos. O primeiro refere-se à forma como MICA é hegemonicamente referenciado: ‘o melhor interesse da criança’. A versão original em Inglês claramente expressa, ao colocar no plural interests, que não há apenas um melhor interesse, ou seja, a criança/adolescente como um indivíduo complexo e multideterminado possui vários interesses e necessidades, quando se pensa no seu bem-estar físico e psicoemocional, não apenas um (Mendes & Bucher-Maluschke, no prelo; Mendes, Bucher-Maluschke, Vasconcelos, Souza, & Costa, 2016aMendes, J. A. A, Bucher-Maluschke, J. S. N. F, Vasconcelos, D. F., Souza, G. G., & Costa, P. V. M. N. (2016a). Perspectiva sistêmica: um olhar necessário para atuação dos atores jurídicos junto à disputa de guarda.Nova Perspectiva Sistêmica,25(54), 88-104.). O segundo refere-se ao fato de que, em Inglês, a palavra child engloba todos os indivíduos que ainda não alcançaram a maior idade, ou seja, crianças e adolescentes. Assim, referir-se apenas aos interesses ‘da criança’ pode levar a falsa interpretação de que tal princípio refere-se mais aos indivíduos até 12 anos (conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente). Ainda sobre as confusões relacionadas à tradução e referência aos MICA, não é incomum encontrar expressões como ‘maior interesse da criança’, ‘supremo interesse da criança’ e ‘superior interesse da criança’ - também é possível encontrar a utilização dos termos ‘infante’ ou ‘menor’. Dar preferência ao uso de ‘melhor’ não apenas respeita a origem da expressão, mas também destaca o seu aspecto qualitativo (singular, único, complexo), ao invés do quantitativo (Mendes & Bucher-Maluschke, no prelo; Lauria, 2003Lauria, F. G. (2003).A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris.). Em adição, referir-se à criança/adolescente como ‘menor’ carrega o ranço hermenêutico da ‘Doutrina de Situação Irregular’ materializada pelo Código de Menores. Assim, o termo ‘menor’ rememora as concepções sobre infância e juventude já obsoletas desde 1990, quando da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a instauração da ‘Doutrina de Proteção Integral’. Não obstante, independente da forma como é apresentado, MICA é expressão frequente em todos os processos formais e legais que envolvam crianças e adolescentes.

Os melhores interesses da criança/adolescente dependerão sempre do contexto que os define e os aplica, o qual pode envolver muitos fatores, como características da criança/adolescente e ambiente social (família, comunidade e escola). A cultura é outro fator que pode ter impacto na compreensão e aplicação do PMICA, sendo influenciado por processos culturais locais, regionais e nacionais. Assim, pode haver diferenças na aplicação do PMICA, de acordo com o país, cultura e idioma. O Inglês e o Português estão entre os oito idiomas mais frequentes em publicações acadêmicas (Lobachev, 2008Lobachev, S. (2008). Top languages in global information production. Partnership: The Canadian Journal of Library and Information Practice and Research, 3(2), 1-12.; World Economic Forum [WEF], 2018World Economic Forum [WEF] (2018). These are the world’s most spoken languages. Recuperado de: https:https://www.weforum.org/agenda/2018/02/chart-of-the-day-these-are-the-world-s-most-spoken-languages/
https:https://www.weforum.org/agenda/201...
). Em adição, os sistemas jurídicos com base na tradição Inglesa (Reino Unido e o Common Law dos EUA) e o sistema brasileiro (Civil Law) são significativamente diferentes, o que pode levar a diferentes concepções e aplicações do PMICA, o que os torna relevantes para uma comparação transcultural.

Existem poucas publicações focadas no PMICA em ambas as línguas, e aquelas que existem tendem a tratar o conceito superficialmente. Talvez em função da previsão legal ou talvez porque ‘esteja na moda’ dizer que se atua em ‘defesa dos melhores interesses da criança/adolescente’, a menção ao PMICA é recorrente nas petições iniciais que envolvam crianças nos julgados das Varas de Família do Brasil. Contudo, apesar da sua recorrência, o PMICA apresenta-se mais como um termo ‘vulgarizado’ do que qualificado no meio psico-jurídico. Ou seja, apesar de sempre o mencionarem, muitos atores jurídicos (juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais e advogados) não têm uma compreensão e definição consolidadas do que ele seja propriamente, em especial nos contextos de disputa de guarda após a separação parental. Há ainda profissionais da Psicologia, por exemplo, que compreendem o PMICA apenas como um construto do Direito, do qual eles não têm e nem deveriam ter apropriação. Neste tocante, apesar de sua raiz essencialmente jurídica, PMICA é, por natureza, um construto que deveria ter apropriação multidisciplinar, não apenas do Direito, já que, basicamente, fala sobre o bem-estar físico, social, emocional e psíquico de crianças e adolescentes.

Há mais publicações em Inglês do que em Português sobre o PMICA, contudo, embora as publicações em Inglês tendam a abranger um leque mais diversificado de discussões, para além das questões de disputa de guarda, há ainda a falta de um entendimento coerente e comum sobre o PMICA. Este artigo apresenta uma revisão integrativa de literatura e explora as definições, características e aplicações do PMICA, por meio de uma comparação transcultural entre as literaturas em Inglês e Português brasileiro.

Antecedentes históricos e status atual do PMICA

O termo ‘melhores interesses da criança/adolescente’ foi utilizado pela primeira vez em 1924 na Declaração dos direitos da criança de Genebra (DDCG), lançada pela extinta Liga das Nações - organização similar à ONU e que surgiu após a Primeira Guerra Mundial e se extinguiu durante a Segunda. No entanto, a doutrina do parens patriae, base legal-histórica para o PMICA, originou-se no Século XIII na Inglaterra e tinha como função a proteção dos interesses dos chamados ‘loucos’ e ‘idiotas’ (Custer, 1978Custer, L. B. (1978). The origins of the doctrine of parens patriae.Emory LJ,27, 195-208.; Funderburk, 2013Funderburk, C. (2013). Best interest of the child should not be an ambiguous term.Children's Legal Rights Journal,33, 229-266.). Entre os séculos XVII e XVIII, esse princípio foi estendido para as crianças pelas Cortes de Chancelaria Inglesas ao jugarem casos de disputa de guarda. Contudo, a preocupação a respeito do bem-estar das crianças apenas se tornou uma questão no século XVIII, quando as concepções de ‘criança’ e ‘infância’ começaram a surgir e a serem vistas como relevantes para a sociedade, reconhecendo que a criança tinha necessidades específicas de desenvolvimento (Ariès, 2012Ariès, P. (2012). História social da criança e da família(2a ed., D. Flaksman, trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC.) .

No século XX, após a DDCG, outros documentos internacionais destacaram o PMICA. Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou no Artigo 25º da Declaração universal dos direitos humanos que as crianças têm ‘direito a cuidados e assistência especiais’. Em seguida, a ONU lançou a Declaração dos Direitos da Criança em 1959 e a Convenção sobre os direitos da criança e do adolescente (CDCA) em 1989. Esta é a principal fonte utilizada para se referir ao PMICA, atualmente. O PMICA é encapsulado no Artigo 3º da CDCA, o qual abriga amplamente todos os direitos expressos pela Convenção. O referido artigo afirma que em “[...] todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança”. No entanto, nem o referido artigo nem a CDCA, como um todo, oferecem qualquer definição adicional a esses ‘interesses’, sua aplicação ou fatores de avaliação. Esse aspecto tornou-se um dos grandes alvos para os críticos do PMICA.

O PMICA possui três características principais: 1) é uma regra de procedimento; 2) é um direito substantivo; e 3) é um princípio legal (Zermatten, 2010Zermatten, J. (2010). The best interests of the child principle: literal analysis and function.The International Journal of Children's Rights,18(4), 483-499.). Como regra de procedimento, o PMICA deve ser invocado em qualquer tipo de processo de decisão que envolva crianças/adolescentes. Em outras palavras, qualquer decisão que possa afetar as crianças/adolescentes e seus direitos deve sempre ser tomada levando-se em conta os melhores interesses delas. Um ‘direito substantivo’ refere-se a qualquer direito relativo à condição de ‘ser humano’, então o PMICA, enquanto um direito substantivo, assim como qualquer outro direito básico (e. g., direitos humanos), expressa a ideia essencial de que as crianças/adolescentes têm o direito natural de terem seus interesses levados em consideração primeiro, sempre que uma decisão, ou qualquer outra situação, as envolva direta ou indiretamente. Como princípio legal, o PMICA deve ser acessado e avaliado em qualquer situação legal que envolva crianças/adolescentes dentro do sistema de Justiça.

O PMICA é utilizado em todo o mundo por profissionais que trabalham com crianças/adolescentes, como serviços de saúde, educação, imigração e asilo. No entanto, ele é mais frequentemente aplicado no sistema de Justiça em questões referentes à guarda, adoção, negligência, maus-tratos e abrigamento. Em relação aos adolescentes, esse princípio tende a ser mais utilizado em situações de atos infracionais - esse princípio ajuda a compor a Doutrina de Proteção Integral.

O PMICA foi incorporado nos estatutos e até nas constituições de muitos países. No entanto, ele enfrenta algumas críticas. De modo geral, ele é considerado um construto complexo e de difícil definição (objetiva), o que tornaria a sua aplicação prática mais difícil (Bobar, 2016Bobar, C. F. (2016). Considerations on the best interests of the child as a principle of exercising parental authority.Journal of Legal Studies,18(32), 88-96.; Funderburk, 2013Funderburk, C. (2013). Best interest of the child should not be an ambiguous term.Children's Legal Rights Journal,33, 229-266.; Mendes & Bucher-Malushcke, no prelo; Sund & Vackermo, 2015Sund, L. G., & Vackermo, M. (2015). The interest theory, children’s rights and social authorities.The International Journal of Children's Rights,23(4), 752-768.). Além disso, os críticos do PMICA argumentam que esse princípio carece de um conteúdo mais claro, pois seria sem direção, individualista e marginalizaria os direitos dos pais. Essa falta de clareza dificultaria a sua aplicação, o que poderia dar lugar ao viés dos tribunais e outros profissionais. Argumenta-se que essa característica permite que as ‘percepções pessoais’ entrem em cena e que, por isso, o PMICA deveria ser menos discricionário (Funderburk, 2013; Moyo, 2012Moyo, A. (2012). Reconceptualising the 'paramountcy principle': beyond the individualistic construction of the best interests of the child.African Human Rights Law Journal,12(1), 142-177.; Pimentel, 2016Pimentel, D. (2016). Protecting the free-range kid: recalibrating parents' rights and the best interest of the child.Cardozo Law Review,38(1), 1-57.; Pomerance, 2013Pomerance, B. (2013). Not just child's play: why recognizing fundamental principles of the un convention on the rights of the child as jus cogens would give needed power to an important international document.Gonzaga Journal of International Law , 16(2), 22-50.; Salter, 2012Salter, E. K. (2012). Deciding for a child: a comprehensive analysis of the best interest standard.Theoretical Medicine and Bioethics,33(3), 179-198.).

Em contraste, os defensores do PMICA afirmam que a ‘abertura’ do princípio é um fator importante, porque preserva a soberania de cada Estado para definir e pôr em prática o PMICA, a partir de contextos culturais e legais específicos. Em adição, de modo geral, a indeterminação é uma característica comum entre os direitos humanos aos quais o PMICA pertence (Pomerance, 2013Pomerance, B. (2013). Not just child's play: why recognizing fundamental principles of the un convention on the rights of the child as jus cogens would give needed power to an important international document.Gonzaga Journal of International Law , 16(2), 22-50.; Sormunen, 2016Sormunen, M. (2016). ‘In all actions concerning children’?The International Journal of Children's Rights,24(1), 155-184.).

Método

Esta foi uma revisão integrativa de literatura. Esse tipo de método de revisão é uma metodologia abrangente que integra estudos experimentais e não experimentais. O objetivo desse método é essencialmente explorar definições de conceitos, revisões de teorias e/ou uma análise metodológica de um problema específico (Souza, Silva, & Carvalho, 2010Souza, M. T., Silva, M. D., & Carvalho, R. (2010). Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein , (8)1, 102-6.). Esta revisão apresentará características qualitativas (conceitos, definições) e quantitativas (frequências) ao explorar o PMICA a partir dos artigos encontrados e, posteriormente, selecionados.

Este estudo foi realizado em quatro etapas. A primeira foi estabelecer um conjunto de perguntas referentes à literatura a ser pesquisada: 1) Como o PMICA é entendido e definido? 2) Quais são as diretrizes utilizadas para avaliar e aplicar o PMICA? 3) Quais são os principais determinantes para promover o PMICA? 4) Existem diferenças significativas entre os artigos em Inglês e Português brasileiro?

A segunda etapa consistiu na busca por artigos acadêmicos por meio de descritores baseados nas perguntas da primeira etapa. Os descritores foram redigidos em Inglês e traduzidos para o Português. A tradução não foi literal, porque houve algumas variações significativas no Português, mas a ideia central foi preservada durante o processo de tradução. Trinta e seis descritores foram pesquisados ​​com base nas seguintes combinações: 1) ‘melhores interesses’, ‘melhor interesse’( ‘da criança’, ‘das crianças’, ‘do infante’, ‘do jovem’, ‘do adolescente’ + ‘Vara de Família’, ‘guarda’; 2) ‘bem-estar da criança’, ‘bem-estar das crianças’; ‘bem-estar do adolescente’ + ‘Vara de Família’, ‘guarda’ - as variações com ‘supremo’, ‘superior’, ‘maior’ e ‘menor’ também foram pesquisadas em todas as combinações supracitadas. As bases de dados escolhidas para o Inglês foram: ASSIA, PsychARTICLES, PsychInfo, Scopus, Web of Science e Google Scholar. Para o Português foram: LILACS, PePsic, Redalyc, Periódicos CAPES e Google Scholar. Essas bases de dados foram escolhidas porque indexam artigos de Psicologia, Direito e Ciências sociais.

Na terceira etapa, os títulos e resumos dos artigos passaram por um processo de screening. A seleção dos artigos seguiu os seguintes critérios de inclusão/exclusão: 1) publicados entre 2012 e 2017 - a justificativa para a escolha dessa faixa temporal deve-se ao fato de que as publicações dos últimos cinco anos tendem a apresentar as abordagens, discussões e informações mais atuais sobre um tópico (Adams, 2016Adams, K. B. (2016). Systematic reviews of the literature. Recuperado de:https://academiccoachingandwriting.org/academic-writing/academic-writing-blog/x-systematic-reviews-of-the-literature
https://academiccoachingandwriting.org/a...
; Morgan-Rallis , 2014Morgan-Rallis, H. (2014). Guidelines for writing the literature review. Recuperado de: http://www.duluth.umn.edu/~hrallis/guides/researching/litreview.html
http://www.duluth.umn.edu/~hrallis/guide...
; Pautasso, 2013Pautasso, M. (2013). Ten simple rules for writing a literature review.PLoS Computational Biology, 9(7), 1-4. Doi: https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1003149
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
; Virginia Commonwealth University [VCU], 2018Virginia Commonwealth University [VCU] (2018). How to Conduct a Literature Review (Health Sciences). Recuperado de: https://guides.library.vcu.edu/health-sciences-lit-review/selection-criteria
https://guides.library.vcu.edu/health-sc...
), elas apresentam o ‘estado da arte’ referente ao tema pesquisado; 2) apresentar claramente uma definição, característica ou aplicação para o PMICA -, portanto, os artigos deviam ir além de uma simples menção ao PMICA ou ao Artigo 3º da CDCA e apresentar uma discussão ou introdução de qualquer definição, característica e/ou aplicação do PMICA; 3) apenas fontes de periódicos foram consideradas (excluindo-se trabalhos de mestrado ou doutorado, livros, artigos da internet, jornais, resenhas de livros, etc.).

O último passo organizou e analisou as características e temas dos artigos encontrados e, posteriormente, selecionados. Tabelas agrupando as principais informações dos artigos são apresentadas para responder às perguntas de pesquisa da primeira etapa. A figura 1resume todo o processo de revisão.

Figura 1
Processo de revisão integrativa de literatura.

Resultados

Características Gerais e Frequências dos Artigos Encontrados

Conforme apresentado na Figura 2, foram encontrados 1.488 resultados em Inglês e Português. Destes, apenas 14 foram selecionados com base nos critérios de inclusão e exclusão. A base de dados com maior número de resultados (nIN= 344; nPT= 256) e artigos selecionados foi o Google Acadêmico, representando 45,5% (n= 5) dos artigos selecionados em Inglês e 100% (n= 3) dos em Português brasileiro. PsychInfo (nIN=145) e Scopus (nIN=74) vêm em seguida, representando 18,2% (n= 2; 2) dos artigos selecionados, cada. Web of Science (nIN=224) e ASSIA (nIN=274) representaram 9,1% (n= 1; 1) cada. LILACS, PePsic, Periódicos CAPES, Redalyc e Scielo não tiveram nenhum resultado selecionado para a análise final.

Figura 2
Número de Artigos Encontrados e Selecionados por Ano e Idioma (IN= Inglês, PT= Português).

Conforme a Figura 2, os resultados em Inglês representam mais de 75% (n= 1122) dos artigos encontrados e mais de 78% (n= 11) dos selecionados. A faixa temporal 2015-2016 apresentou o maior número de resultados em Inglês e Português brasileiro (n= 601), representando 40,4% do total.

Durante a terceira etapa (screening e seleção de artigos potenciais), o primeiro autor analisou e computou os assuntos mais comumente associados ao PMICA com base nos títulos e resumos dos artigos. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

A partir da Tabela 1, nota-se que ‘Divórcio & Guarda’ é o assunto mais associado ao PMICA, representando mais de 25% das ocorrências. ‘Adoção & Juventude/Crianças Vulneráveis’ foi o segundo assunto mais associado, representando quase 10% das ocorrências. ‘Violência & Maus-Tratos’ e ‘Saúde’ aparecem em terceiro e quarto lugar, respectivamente, representando menos de 10% das ocorrências, cada. Os temas ‘Violência & Maus-tratos’ ‘Direitos das Crianças, Políticas & Legislação’, ‘Refugiados, Asilo & Imigração’ e suas associações ao PMICA foram seis vezes mais associados ao PMICA, proporcionalmente, nos artigos em Inglês do que em Português. Além disso, ‘Mediação & Reconciliação’ foi mais de três vezes mais frequente, proporcionalmente, nos artigos em Inglês do que os em Português brasileiro. Em contraste, ‘Alienação Parental’ e ‘Guarda Compartilhada’ foram, proporcionalmente, onze vezes mais associados ao PMICA nos artigos em Português brasileiro do que nos em Inglês.

Tabela 1
Os assuntos mais comumente associados ao PMICA entre os artigos encontrados

Caracterização e análise dos artigos selecionados

Conforme a Tabela 2, o Google Acadêmico apresentou o maior número de artigos selecionados (n= 8) representando 57,1% do total. PsychInfo e Scopus tiveram 14,3% (n= 2; 2) dos artigos selecionados, cada, seguido por ASSIA e Web of Science com 7,1% (n= 1; 1) cada. As áreas ‘Saúde’ e ‘Direito’ representaram 57,2% (n = 4; 4) dos artigos selecionados, embora ‘Psicologia’ tenha obtido 66,7% (nPT= 2) dos artigos selecionados em Português brasileiro. Em relação ao foco, ‘Conceito/avaliação do PMICA’ e ‘Guarda/ Divórcio’ representaram 71,4% (n= 10) do foco dos artigos. Entre os idiomas, o mesmo padrão é observado, no entanto, ‘Guarda/Divórcio’ representou 66,7% (nPT= 2) do foco dos artigos em Português. ‘Teórico’ foi o tipo de estudo mais comum entre todos os artigos selecionados (57,1%, n= 8), mas ‘Empírico-Qualitativo’ representou 66,7% (nPT= 2) dos artigos em Português brasileiro.

Definições, características e aplicação do PMICA entre os artigos selecionados

Esta parte apresenta quatro categorias acerca do PMICA. Elas foram qualitativamente extraídas dos artigos selecionados. Essas categorias apresentam domínios que expressam afirmações prescritivas em relação ao PMICA e sua aplicação: ‘definições’ (qualquer afirmação sobre o significado do PMICA, sua natureza, escopo e/ou distinção); ‘características’ (qualquer descrição e/ou atributo típico, único e/ou particular do PMICA); ‘Aplicação do PMICA’ (qualquer afirmação quanto à colocar o PMICA em prática e/ou o seu processo de avaliação e análise) e ‘contexto Pro-PMICA’ (qualquer afirmação relativa a um contexto ideal em que o PMICA seria promovido e/ou preservado). Os resultados são apresentados em quadros com duas colunas. A primeira apresenta a sumarização do conteúdo dos artigos ao longo dos principais aspectos encontrados, por meio de aspectos, e sua respectiva explicação. A segunda coluna apresenta o código de referencia dos artigos (ver Tabela 2) que referendam as definições apresentadas na primeira coluna.

Tabela 2
Artigos selecionados e suas informações quanto à base de dados, idioma, autores, ano e periódico de publicação, área relacionada, foco e tipo de estudo

Quadro 1
Categorias qualitativas com base no conteúdo dos artigos selecionados: ‘Definição do PMICA’, ‘Características do PMICA’, ‘Aplicação do PMICA’ e ‘Contexto Pro-PMICA’

Quadro 1
continuação

Como visto acima, as ‘definições do PMICA (1.1) tendem a conter uma compreensão dos ‘melhores interesses’ como a ser considerados em primeiro lugar, em todas as ações relativas às crianças e adolescentes, acima de quaisquer outras preocupações e/ou interesses (públicos ou privados). Esta ideia se baseia no Artigo 3º da CDCA e apenas dois dos artigos selecionados (Toros, Valma, & Tiko, 2014Toros, K., Valma, K., & Tiko, A. (2014). Interpretation of the principle of “best interests of the child” in the context of inter-parental child custody disputes: case of Estonia.Journal of Social Welfare and Human Rights, 2(1), 289-303.; Kipper, 2015Kipper, D. J. (2015). Limites do poder familiar nas decisões sobre a saúde de seus filhos-diretrizes.Revista Bioética,23(1), 40-50.) não referiram este artigo de forma direta.

Em suma, os artigos selecionados definem os melhores interesses como relacionados à proteção do bem-estar físico e mental da criança e do adolescente, bem como ao seu desenvolvimento global. O principal objetivo do PMICA seria, então, ajudar na formação de um adulto capaz e funcional (sócio-emocionalmente).

Tendo como base as áreas de cada artigo, ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ foram responsáveis por 70% desta categoria. 100% dos artigos de ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Filosofia’ referiram o aspecto ‘PMICA como consideração principal’; apenas 66,6% de ‘Psicologia’ e 50% de ‘Políticas Públicas’ o fizeram. 100% dos artigos de ‘Direito’, ‘Psicologia’, ‘Políticas Públicas’ e ‘Filosofia’ referiram o aspecto ‘Proteger o bem-estar físico e mental da criança/adolescente’; apenas 25% dos artigos de ‘Saúde’ o fizeram. Apenas ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Políticas Públicas’ referiram ‘Direitos básicos da criança/adolescente’ e ‘Temporalmente-orientado’ em ≥ ¼ dos seus artigos. ≥ 50% dos artigos referiram ‘Interesses físicos e não-físicos’ e ‘Necessidades físicas e não-físicas’. Todas as áreas referiram ‘Individualidade & Identidade’, exceto ‘Direito’. Os artigos brasileiros referiram apenas ‘Proteger o bem-estar físico e mental da criança/adolescente’ (100%), ‘PMICA como uma consideração principal’ (2/3), ‘Interesses físicos e não-físicos’ (2/3), ‘Necessidades físicas e não-físicas’ (2/3) e ‘Individualidade & Identidade’ (1/3).

A maioria dos artigos selecionados corrobora a ideia de que as ‘Características do PMICA’ (1.2) estão fortemente relacionadas à manutenção da integridade da família (principalmente a relação com os pais e irmãos) e também que elas são determinadas pelas características pessoais de cada criança/adolescente. Assim, o PMICA é um construto dialético porque é forjado pelos relacionamentos que a criança/adolescente mantém.

Uma característica geralmente atribuída ao PMICA, nos artigos selecionados, mas também muito frequentemente na literatura geral relacionada, é a sua indeterminação, especialmente em relação à lei. Alguns artigos afirmam que isso ocorre porque o PMICA não é claro. Portanto é vago e tem amplo alcance, devido a sua qualidade de ser relativo, sendo, assim, um construto singular e contextualizado de acordo com cada criança/adolescente e seu contexto (família, rede social, escola, amigos, comunidade, políticas públicas, questões culturais, etc.). Destarte, o PMICA apresenta-se como plural e possui múltiplas dimensões, variando de acordo com cada criança/adolescente, família e cultura. Além disso, o PMICA também está, de alguma forma, relacionado aos interesses dos pais: eles podem proteger/promover (proteção) ou prejudicar/dificultar (risco) os interesses da criança/adolescente. O PMICA também possui, geralmente, um senso de temporalidade (localizado no presente ou no futuro).

Com base nas áreas de publicação dos artigos, ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ foram responsáveis por 80% desta categoria. ≥ 50% dos artigos de ‘Direito’, ‘Psicologia’ e ‘Políticas Públicas’ referiram o aspecto ‘Convívio familiar’. ≥ 50% dos artigos de ‘Direito’, ‘Políticas Públicas’ e ≤ 30% das outras áreas referiram ‘Idiossincrasias da criança/adolescente’. Apenas ‘Direito’ (50%) e ‘Psicologia’ (33,3%) referiram ‘Indeterminação jurídica’. Apenas ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ referiram ‘Não está dado’ em ≥ 50% dos seus artigos. Apenas ‘Direito’ e ‘Saúde’ referiram ‘Visão dos adultos’, ‘Viés dos promotores do PMICA’ e ‘Senso de Temporalidade’ em 25% dos seus artigos. Apenas ‘Saúde’ (50%), ‘Psicologia’ (66,6%) e ‘Políticas Públicas’ (½) referiram ‘Pluralidade’. Apenas ‘Psicologia’ e ‘Direito’ referiram ‘Multidimensional’ em ≥50% dos seus artigos. Apenas ‘Saúde’ referiu ‘Moderação dos interesses parentais' (25%). Apenas ‘Políticas Públicas’ referiu ‘Indelével’. Todas as áreas, exceto ‘Direito’, referiram ‘Multideterminado' em ≥ 50% de seus artigos. Os artigos brasileiros apenas refeririam: ‘Não está dado’ (100%), ‘Multidimensional’(2/3), ‘Convivência familiar’ (1/3) ‘Visão dos adultos’ (1/3), ‘Pluralidade’ e ‘Multideterminado’ (1/3).

Durante todo o processo de ‘Aplicação do PMICA’ (1.3), é importante estabelecer quais são as necessidades da criança/adolescente e articula-las com os seus desejos e direitos. Para fazer isso, é necessário ver a criança/adolescente como um sujeito de direitos e, assim, ouvi-la e dar lugar para os seus pensamentos, anseios, desejos, necessidades, medos e expectativas é essencial. Além disso, é importante tentar verificar a perspectiva da criança/adolescente em relação à situação, de acordo com sua idade e maturidade, e integrá-la ao processo. O PMICA não pode ser visto ou aplicado de forma individualista. É necessário integrar os interesses da criança/adolescente também aos interesses de suas famílias, e isso se relaciona com a já mencionada característica ‘dialética’ do PMICA.

Por fim, o processo de aplicação do PMICA deve identificar a temporalidade dos interesses a serem avaliados e garantidos. Em outras palavras, durante o processo de aplicação, os promotores do PMICA devem identificar se os interesses a serem avaliados e analisados são de curto prazo (e.g. a criança/adolescente deve viajar? que tipo de roupa ela deve ter?) ou de longo prazo (e.g. residência, escola, crenças religiosas). Além disso, é necessário também investigar quaisquer antecedentes civis ou criminais relevantes para a segurança e o bem-estar da criança/adolescente.

Com base na área de publicação dos artigos, ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ foram responsáveis ​​por 77,7% desta categoria. Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Psicologia’ (33,3%) e ‘Políticas Públicas’ (50%) referiram ‘Flexibilidade’. Em relação a ‘Criança/adolescente como sujeito de direitos', ‘Direito’ e ‘Políticas Públicas’ referiram este aspecto em 100% de seus artigos, e ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ referiram este aspecto em 50% e 66,6% de seus artigos respectivamente. Apenas ‘Saúde’ (50%) referiu ‘Gama de benefícios’. Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Saúde’ (75%) e ‘Filosofia’ (100%) referiram ‘Não-individualista’. Apenas ‘Saúde’ (25%), ‘Psicologia’ (100%) e ‘Políticas Públicas’ (50%) referiram ‘Temporalidade’. Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Políticas Públicas’ (50%) e ‘Psicologia’ (100%) referiram ‘Avaliação multiprofissional’. Apenas ‘Filosofia’ (100%) referiu ‘Abordagem holística’. Os artigos brasileiros referiram apenas: ‘Criança/adolescente como um sujeito de direitos’ (1/3) e ‘Avaliação Multiprofissional (2/3).

Para o ‘Contexto pró-PMICA’ (1.4), os artigos levaram à definição de três sub-contextos relacionais integrados. O primeiro refere-se à relação ‘parento-filial’, na qual os pais devem sempre colocar a criança/adolescente e suas necessidades físicas, psicossociais e emocionais em primeiro lugar, entendendo que a criança/adolescente não é sua propriedade e que ela possui direitos. Além disso, a comunicação entre os pais deve ser minimamente funcional a fim de evitar o sofrimento físico, psicológico e a exposição da criança/adolescente. O segundo sub-contexto é o ‘Justiça-criança’, no qual os atores jurídicos devem somar os esforços necessários para serem o mais imparcial possível e ouvir a criança/adolescente e os seus pensamentos, desejos, necessidades, medos e expectativas. O último sub-contexto é o ‘criança/adolescente-estado’, no qual o Estado deveria fornecer leis e políticas públicas para garantir e promover os melhores interesses da criança/adolescente.

Com base nas áreas de publicação dos artigos, ‘Direito’, ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ foram responsáveis ​​por 86,6% dessa categoria. Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Políticas Públicas’ (25%) e ‘Psicologia’ (33,3%) referiram ‘Relação parento-filial’. Apenas ‘Saúde’ (25%), ‘Psicologia’ (33,3%) e ‘Direito’ (50%) referiram ‘Ver a criança/adolescente como detentora de direitos’. Apenas a ‘Direito’ referiu ‘Comunicação livre de conflito’ em 25% dos seus artigos. Apenas ‘Direito’ e ‘Saúde’ referiram ‘Evitar vieses’ e ‘Continuidade’ em 25% dos seus artigos. ‘Direito’ e ‘Políticas Públicas’ referiram ‘Ouvir a criança’ em 50% dos seus artigos enquanto ‘Saúde’ e ‘Psicologia’ referiram esse aspecto em 25% e ‘Filosofia’ em 100% dos seus. Apenas ‘Saúde’ referiu ‘Investigação de antecedentes criminais dos genitores’ (25%) e ‘Processo de avaliação complexo’ (50%). Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Políticas Públicas’ (50%) e ‘Psicologia’ (100%) referiram ‘Trabalho multiprofissional’. Apenas ‘Direito’ (25%), ‘Psicologia’ (33,3%) e ‘Saúde’ (50%) referiram ‘Promover e garantir os direitos da criança/adolescente’. Apenas ‘Políticas Públicas’ referiram ‘Promover o melhor cenário para a criança/adolescente’ em 50% dos artigos. Os artigos brasileiros apenas referiram: ‘Ver a criança/adolescente como detentora de direitos’, ‘Ouvir a criança/adolescente’, ‘Processo de avaliação complexo’, ‘Promover o melhor cenário para a criança/adolescente’ em 1/3 dos seus artigos e ‘Trabalho multiprofissional’ em 2/3 deles.

Discussão

Independente de definições, características, aplicação ou contexto favorável, a ideia essencial que os artigos selecionados associaram ao PMICA é a de ‘desenvolvimento’. Assim, referir-se aos ‘melhores interesses da criança/adolescente’ é referir-se ao ‘desenvolvimento da criança/adolescente’. Desta forma: Desenvolvimento da criança/adolescente ( Necessidades/Interesses ( Direitos. Como visto, o desenvolvimento da criança/adolescente leva a algumas necessidades (ou interesses) desenvolvimentais que, por sua vez, levam aos direitos da criança/adolescente. Assim, o desenvolvimento da criança/adolescente, para ser congruente e funcional, precisa levar em conta os aspectos físicos e mentais que, por sua vez, levam ao direito à educação, ao lazer e à convivência familiar, por exemplo.

Com base na literatura revisada, foi possível perceber dois domínios de desenvolvimento da criança/adolescente: material-fisiológico e contextual (social, psicológico e emocional). O domínio ‘material-fisiológico’ foi principalmente referido na categoria ‘Definição do PMICA’ (Quadro 1, 1.1), a qual apontou as necessidades e interesses físicos e o bem-estar da criança/adolescente. O domínio ‘contextual’ foi referido em todas as quatro categorias do PMICA, destacando as necessidades e interesses psíquicos da criança/adolescente, bem como seu bem-estar, suas idiossincrasias, a necessidade de convivência familiar, a pluralidade do PMICA e suas características multidimensionais.

Outra questão largamente abordada pelos artigos selecionados, principalmente nas categorias ‘Características do PMICA’ (Quadro 1, 1.2) e ‘Contexto do Pro-PMICA’ (Quadro 1, 1.4), foi a necessidade de estabilidade que representa a continuidade, regularidade e manutenção do bem-estar físico e psicoemocional da criança/adolescente. Em outras palavras, a criança/adolescente se sentirá estável quando tiver acesso regular à comida, abrigo, roupas e proteção física e emocional. O mesmo vale para a necessidade de amor, carinho, compreensão e assim por diante. Contudo, para uma percepção global de estabilidade, todas essas necessidades devem ser observadas e garantidas em conjunto. A figura 3 apresenta um modelo que resume todas essas ideias e aponta o PMICA relacionado ao desenvolvimento da criança/adolescente com os dois domínios mencionados.

Figura 3
Modelo PMICA baseado nas definições, características e aplicações dos artigos selecionados.

Conforme apresentado na categoria ‘Definição do PMICA’ (Quadro 1, 1.1), os objetivos do PMICA pretendem promover um processo que leve a um ‘adulto livre, autoconfiante e autônomo’. Dentre suas definições, características, aplicação e contexto ideal para o PMICA, os artigos selecionados referem ao desenvolvimento da criança/adolescente e, portanto, aos seus melhores interesses, como sendo afetados pelos contextos relacionais da criança/adolescente. A Figura 3 mostra os três principais: família, escola/comunidade e políticas públicas, cuidadores e atores jurídicos. Muitos dos artigos afirmam que o PMICA possui múltiplas dimensões porque ele envolve dinâmicas complexas, as quais embasam-se nas interações entre a criança/adolescente e seus vários contextos relacionais. Essa dinâmica interacional também destaca os dois domínios mencionados anteriormente. O domínio ‘material-fisiológico’ refere-se aos elementos materiais, objetivos, quantificáveis ​​e mensuráveis ​​necessários para assegurar as necessidades básicas e a sobrevivência da criança/adolescente, tais como: nutrição, moradia, integridade física, vestuário, etc. Por outro lado, o domínio ‘contextual’ refere-se a contextos sociais, psicológicos e emocionais que representam elementos não-materiais, abstratos, subjetivos, não-quantificáveis ​​e imensuráveis ​​(ou difíceis de mensurar) necessários para garantir que a criança/adolescente possa desenvolver sua personalidade, identidade e uma boa saúde mental, tais como: amor, laços afetivos, apoio, cultura, crenças religiosas e aprendizagem (tanto acadêmica quanto social).

Apesar do fato de essas dimensões poderem ser vistas como opostas, elas são, na verdade, complementares. Por exemplo, uma criança/adolescente pode ter todas as suas necessidades fisiológicas e materiais satisfeitas, mas se as necessidades psicossociais e emocionais não forem atendidas, e vice-versa, os melhores interesses da criança/adolescente não serão alcançados. Além disso, ambos os domínios são interdependentes, já que um pode afetar o outro. Por exemplo, se uma criança não tem a manutenção mínima de suas necessidades fisiológicas e materiais, é muito improvável que ela tenha as suas necessidades psicossociais e emocionais atendidas. Essa lógica já foi abordada anteriormente por Maslow em sua ‘Teoria da Hierarquia das Necessidades’, na qual ele afirmou que as necessidades psicológicas não podem ser alcançadas enquanto as fisiológicas (básicas) estiveram em déficit (Block, 2011Block, M. (2011). Maslow’s hierarchy of needs. InEncyclopedia of child behavior and development(p. 913-915). New York, US: Springer.).

Em relação às ‘Características do PMICA’ (Quadro 1, 1.2), os artigos selecionados enfatizaram que o PMICA é plural e emerge de maneira única de acordo com cada criança/adolescente e contexto. Além disso, o PMICA está basicamente relacionado ao desenvolvimento e, apesar das fases e questões comuns a esse processo, o desenvolvimento é um processo particular, único e distinto para cada indivíduo (Rossato & Martínez, 2013Rossato, M., & Martínez, A. M. (2013). Desenvolvimento da subjetividade: análise de histórias de superação das dificuldades de aprendizagem.Psicologia Escolar e Educacional,17(2), 289-298.; Zago & Ribeiro, 2017Zago, C. R., & Ribeiro, E. A. W. (2017). Altas habilidades/superdotação e o atendimento educacional especializado na educação profissional, técnica e tecnológica: desafios e perspectivas. Revista Dynamis, 23(1), 95-111.). Desta forma, o reconhecimento, avaliação e promoção do PMICA será igualmente um processo particular, único e distinto em relação a cada criança/adolescente. Em adição, os contextos relacionais da criança/adolescente que tangenciam o desenvolvimento dela, como mostrado na Figura 3, também variam de criança/adolescente para criança/adolescente.

A literatura indica que o domínio ‘contextual’ tende a ser negligenciado pelos promotores do PMICA durante os processos de tomada de decisão envolvendo crianças/adolescentes (Toros et al., 2014Toros, K., Valma, K., & Tiko, A. (2014). Interpretation of the principle of “best interests of the child” in the context of inter-parental child custody disputes: case of Estonia.Journal of Social Welfare and Human Rights, 2(1), 289-303.). Neste estudo, os artigos selecionados em Inglês abordaram essa questão mais que aqueles em Português brasileiro. Essa negligência provavelmente ocorre porque é difícil acessar, reconhecer, avaliar e promover os elementos psicossociais e emocionais que compõem o PMICA. Isso é especialmente crítico para os atores jurídicos (juízes, promotores e advogados), pois o Direito ainda tem alguma dificuldade em compreender e manejar fenômenos não-objetivos e abstratos (Mendes et al., 2016aMendes, J. A. A, Bucher-Maluschke, J. S. N. F, Vasconcelos, D. F., Souza, G. G., & Costa, P. V. M. N. (2016a). Perspectiva sistêmica: um olhar necessário para atuação dos atores jurídicos junto à disputa de guarda.Nova Perspectiva Sistêmica,25(54), 88-104.). Além disso, essa limitação pode levar os atores jurídicos a enfrentarem sofrimento psíquico ao perceberem que seus instrumentos e práticas não são capazes de ajudar e/ou aliviar o sofrimento da criança/adolescente ou a família (Mendes & Bucher-Maluschke, 2017bMendes, J. A. A ., Bucher-Maluschke, J. S. N. F ., Vasconcelos, D. F ., Fernandes, G. A., &Costa, P. V. M. N. (2016b). Psycho-legal publications about parental alienation: an integrative review of literature in portuguese. Psicologia em Estudo, 21(1), 161-174.).

Em relação às diferenças entre os artigos em Inglês e Português, a maioria das proposições feitas pelo referido modelo foram mais suportadas pelas publicações em Inglês do que as em Português brasileiro. A frequência dos artigos em Português brasileiro foi menor não apenas em relação ao número de artigos encontrados e selecionados, mas também na abordagem do PMICA. No que diz respeito à definição do PMICA, os artigos em Português brasileiro apenas refeririam ao PMICA como algo a ser considerado primordialmente quanto à proteção do bem-estar físico e mental da criança/adolescente e dos seus interesses/necessidades físicos e não-físicos. Aspectos como: direitos da criança/adolescente, temporalidade e desenvolvimento (tornar-se um adulto capaz e funcional) não foram abordados diretamente. Os artigos em Português brasileiro também se referiram ao PMICA como algo ‘não dado’ e ‘vago’, tendo múltiplas dimensões e dependendo dos contextos relacionais da criança/adolescente. Características como as idiossincrasias da criança/adolescente, a indeterminação jurídica, os vieses dos promotores do PMICA e os interesses dos pais não foram abordados por esses artigos. Com relação à aplicação do PMICA (Quadro 1, 1.3), os artigos em Português brasileiro abordaram apenas dois dos oito aspectos levantados: ‘Criança/adolescente como sujeito de direitos’ e ‘Avaliação multiprofissional’. Em relação ao ambiente pró-PMICA (Quadro 1, 1.4), esses artigos abordavam apenas dois aspectos: ‘Criança/adolescente como detentora de direitos’ e ‘Escutar a criança/adolescente’. Em suma, os artigos em Português brasileiro focaram na necessidade de proteger o bem-estar físico e psico-socioemocional da criança/adolescente, destacando a criança/adolescente como sujeito de direitos e garantindo a manutenção dos laços familiares (convivência familiar). Por outro lado, os artigos em Inglês ampliaram a perspectiva do PMICA, abordando as características da criança/adolescente, o papel dos interesses dos pais e a dificuldade em avaliar e promover o PMICA de forma personalizada. Eles entendem que a compreensão, a avaliação e a aplicação do PMICA devem ser flexíveis, complexas e levar em conta a maior rede de benefícios possíveis para a criança/adolescente no presente e no futuro, ao longo da linha do tempo, tornando o PMICA um construto indelével.

Os artigos em Português brasileiro parecem ter uma abordagem restrita quanto aos assuntos associados ao PMICA. Eles revelam um foco significativo e quase exclusivo em ‘alienação parental’ e ‘guarda compartilhada’ (vide Tabela 1). Isso já era esperado, pois a literatura psico-jurídica brasileira, relacionada ao Direito de Família, tende a se restringir a esses dois tópicos (Mendes, Bucher-Maluschke, Vasconcelos, Fernandes, & Costa, 2016bMendes, J. A. A ., Bucher-Maluschke, J. S. N. F ., Vasconcelos, D. F ., Fernandes, G. A., &Costa, P. V. M. N. (2016b). Psycho-legal publications about parental alienation: an integrative review of literature in portuguese. Psicologia em Estudo, 21(1), 161-174.) - a proporção de artigos em Português brasileiro associando esses temas ao PMICA foi doze vezes maior do que aqueles em Inglês. Vale lembrar que, após trinta anos da sua criação, a teoria de alienação parental não se provou como um problema genuíno (ao menos pela forma como é proposta), síndrome ou até mesmo algo científico (Mendes, 2019Mendes, J. A. A. (2019). Genealogia, Pressupostos, Legislações e Aplicação da Teoria de Alienação Parental: uma (re)visão crítica. Cadernos sobre Alienação Parental. Brasília: Conselho Federal de Psicologia.; Mendes & Bucher-Maluschke, 2017aMendes, J. A. A ., & Bucher-Maluschke, J. S. N. F (2017a). Destructive divorce in the family life cycle and its implications: criticisms of parental alienation. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 33(2), 1-8. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102.3772e33423.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33423...
; Shaw, 2016Shaw, M. (2016). Commentary for “Examining the use of ‘parental alienation syndrome’”.Journal of Child Custody,13(2-3), 144-146.). Apesar disso, o Brasil é o único país que criou e ainda mantém uma lei específica para combater a alienação parental. Em adição, a maior parte da literatura psico-jurídica brasileira aponta a guarda compartilhada como a solução mais eficiente para combater a alienação parental e outros casos de alto litígio parental (Mendes et al., 2016bMendes, J. A. A ., Bucher-Maluschke, J. S. N. F ., Vasconcelos, D. F ., Fernandes, G. A., &Costa, P. V. M. N. (2016b). Psycho-legal publications about parental alienation: an integrative review of literature in portuguese. Psicologia em Estudo, 21(1), 161-174.). O Brasil também promulgou uma lei tornando a guarda compartilhada o tipo de arranjo de guarda a ser sempre estabelecido, mesmo quando não há concordância entre os pais - a exceção seria apenas quando um dos genitores não manifesta interesse pela guarda. Contudo, na prática, impor a guarda compartilhada, de forma generalizada, pode promover a desconsideração da dinâmica co-parental do ex-casal, além das características específicas do sistema familiar, especialmente quando a comunicação co-parental é falha e o nível de litígio é consideravelmente alto (Mendes et al., 2016bMendes, J. A. D. A. M., & Bucher-Malusche, J. S. N. F. (2017b). Coping e racionalização: Atuação de advogados nos casos de disputa de guarda. Interação em Psicologia, 21(3), 230-238. Doi: http://dx.doi.org/10.5380/psi.v21i3.51414
https://doi.org/10.5380/psi.v21i3.51414...
; Mendes & Bucher-Maluschke, 2017aMendes, J. A. A ., & Bucher-Maluschke, J. S. N. F (2017a). Destructive divorce in the family life cycle and its implications: criticisms of parental alienation. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 33(2), 1-8. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102.3772e33423.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33423...
; Nevondwe, Odeku, & Raligilia, 2016Nevondwe, L., Odeku, K., & Raligilia, K. (2016). Reflection on the principle of best interests of the child: an analysis of parental responsibilities in custodial disputes in the South African law.Bangladesh Sociological Society,13(1), 101-114.; Ryrstedt, 2012Ryrstedt, E. (2012). Mediation regarding children-is the result always in the best interests of the child? A view from Sweden.International Journal of Law, Policy and the Family,26(2), 220-241.). Em alguns casos, esse tipo de arranjo pode acirrar ainda mais o litígio e, consequentemente, gerar mais prejuízos à criança/adolescente. Nesse sentido, essa imposição, sem o devido suporte e apoio à família, poderá causar mais danos do que benefícios para os melhores interesses da criança, o seu bem-estar e o da sua família. A teoria de alienação parental exemplifica como o ‘discurso superficial acerca do PMICA’, e as soluções propostas, pode causar mais danos do que ganhos. Infelizmente, isso tem sido comum não apenas na literatura brasileira, mas também nos contextos do Direito, da prática jurídica como um todo e no Legislativo.

Considerações finais

Esta revisão de literatura sugere que a abordagem sobre o PMICA deva determinar o balanço entre as necessidades (interesses) material-fisiológicas e as contextuais que impactam o desenvolvimento da criança/adolescente - bem como o intercâmbio dentro de cada domínio e entre eles. Nesse sentido, os artigos selecionados revelaram que ambos os domínios são os aspectos mais frequentemente utilizados para abordar os interesses da criança/adolescente e, assim, o seu desenvolvimento. Nenhum desses domínios deve ser negligenciado ou subestimado para fins de promoção do PMICA; ambos os domínios devem ser promovidos e vistos como elementos interdependentes. Em adição, PMICA foi visto como um conceito complexo, plural e multideterminado em função dos contextos relacionais nos quais a criança/adolescente está inserida, o que torna o PMICA um construto dialético. Desta forma, a maior tarefa em qualquer processo de tomada de decisão com base no PMICA é construir e determinar o melhor intercâmbio dentre e entre as necessidades (interesses) desses domínios.

A estabilidade é requerida para garantir um processo de desenvolvimento funcional. Desta forma, a garantia de condições de vida estáveis (material-fisiológicas e contextuais) para as crianças/adolescentes parece ser a forma mais efetiva de promover os melhores interesses deles. Isso se torna especialmente relevante nas situações de divórcio e disputa de guarda nas quais a crise familiar pode tornar o ambiente bastante instável a ponto de prejudicar o desenvolvimento da criança/adolescente, fazendo com que os melhores interesses deles não sejam preservados.

Os resultados desta revisão indicam que a maior diferença entre os artigos em Inglês e Português brasileiro é que os primeiros tendem a ter uma abordagem mais ampla acerca dos melhores interesses da criança/adolescente, abordando-os a partir de diferentes áreas e assuntos, enquanto os últimos tendem a ser mais restritos aos contextos de disputa de guarda e a abordar sempre os mesmos tópicos (alienação parental e guarda compartilhada). Contudo, os artigos em Português brasileiro apresentam uma discussão crítica, extensiva e sólida quanto a visão da criança/adolescente enquanto um sujeito de direitos, especialmente ao reconhecer e validar sua voz.

Uma das críticas mais frequentes quanto ao PMICA é que ele seria um construto complexo, difícil de acessar e pôr em prática. Talvez, essas críticas emerjam da dificuldade do Direito em trabalhar com fenômenos não-objetivos, não-lineares e não-previsíveis. De fato, o PMICA é um construto complexo, como evidenciado, mas isso não é um problema a priori se os promotores do PMICA tiverem uma abordagem igualmente complexa (e sistêmica) para balancear o intercâmbio entre as necessidades de desenvolvimento da criança/adolescente. Estabelecer os melhores interesses da criança/adolescente requer um olhar cuidadoso sobre as características pessoais, contextuais e relacionais da criança/adolescente a partir de cada caso. Uma outra crítica que se faz é que o PMICA não possui um conteúdo claro, além de não ter uma direção clara também (especialmente referindo-se ao Artigo 3º da CDCA), o que pode dar lugar a vieses. Se a perspectiva sobre os melhores interesses for restrita a esse artigo, a percepção de falta de clareza e direção pode ocorrer. Contudo, os melhores interesses da criança/adolescente não podem ser restritos a apenas um artigo. O PMICA é sustentado pela CDCA como um todo e o Artigo 3º apenas enfatiza o princípio da absoluta prioridade aos melhores interesses da criança/adolescente. O argumento de que o PMICA tende a ter uma aplicação individualista e que prejudica os direitos dos genitores não faz sentido. Como visto, os melhores interesses da criança/adolescente são multideterminados, plurais e dependem dos contextos relacionais da criança/adolescente. Priorizar os interesses da criança/ adolescente não significa negligenciar ou ignorar o direito dos genitores, especialmente considerando que os genitores têm um papel importante para a promoção do que é melhor para a criança/adolescente.

As limitações deste estudo estão relacionadas ao número e ao tipo de fonte de informação utilizada (apenas periódicos) e aos idiomas, faixa temporal e base de dados escolhidas. Assim, entende-se que fontes mais abrangentes (como dissertações, teses, sentenças judiciais, artigos da internet, entrevistas, documentos de conselhos profissionais) poderiam levar a resultados e conclusões diferentes. O mesmo vale para os idiomas escolhidos. Espanhol, por exemplo, é um dos idiomas mais publicados no meio acadêmico e poderia contribuir com mais reflexões e insights para as discussões e conclusões aqui apresentadas.

Acredita-se que este artigo possa contribuir para um melhor entendimento acerca da definição, caracterização e aplicação do PMICA e que os resultados e discussões aqui apresentados também possam auxiliar aqueles atores envolvidos em processos de tomada de decisão acerca do PMICA. De toda sorte, as contribuições aqui apresentadas podem e devem ser expandidas por outros estudos com foco nas perspectiva desses atores (por meio de entrevistas qualitativas ou suveys, por exemplo) ou focando na visão dos familiares e crianças/adolescentes, explorando como eles percebem o PMICA.

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    Apoio e financiamento: Capes, Doutorado Pleno no Exterior, Processo nº 88881.127899/2016-01
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    Agradecimentos a Sérgio Alberto Bitencourt Maciel, psicólogo e coordenador substituto da Coordenadoria Psicossocial - COORPSIs, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios por ajudar na revisão da versão em Português. Também agradecemos à professora Silvia Renata Magalhães Lordello Borba Santos (Universidade de Brasília) por ter revisado o conteúdo da versão em Inglês.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2018
  • Aceito
    16 Abr 2019
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