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A vivência do pai diante do câncer infantil

La experiencia del padre frente al cáncer infantil

The fathers' experience with childhood cancer

Resumos

No tratamento de câncer infantil, geralmente a mãe assume os cuidados com a criança doente, tendendo os estudos a focar a relação mãe-filho. Este estudo teve como objetivo compreender a vivência do pai diante do câncer de um filho pequeno. Esta pesquisa é de caráter qualitativo e dela participaram onze genitores que tinham filhos atendidos no ambulatório de um hospital de referência da cidade do Recife - PE. A delimitação da amostra baseou-se no critério de saturação. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas no período de outubro a dezembro de 2011, as quais foram analisadas pelo método de análise do discurso segundo Minayo (2000). Os resultados apontaram que as mães foram as principais cuidadoras no tratamento, mas os pais também desenvolveram atividades junto a seus filhos doentes que provocaram várias mudanças na sua rotina. O acolhimento e a escuta clínica ou a criação de grupos de apoio para este público-alvo são de grande importância.

Câncer; criança; pai


En el tratamiento del cáncer infantil, generalmente, la madre asume los cuidados con el niño enfermo, haciendo con que los estudios tiendan a centrarse en la relación madre-hijo. Este estudio tuvo como objetivo comprender la experiencia del padre frente al cáncer infantil. Se trató de una investigación cualitativa, en que participaron 11 genitores cuyos hijos eran atendidos en la clínica de un hospital de referencia de la ciudad de Recife-PE. La delimitación de la muestra se basó en el criterio de saturación. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevistas en el período de octubre a diciembre de 2011 y analizados por el método de análisis del discurso de Minayo (2000). Los resultados señalaron que la madre fue la principal cuidadora en el tratamiento, pero el padre también desarrolla actividades junto al niño enfermo acarreando varios cambios en su rutina. Es importante que haya la acogida y la escucha clínica o la creación de grupos de apoyo para este público meta.

Cáncer; niño; padre


In the childhood cancer treatment, the mother often takes care of the sick child. Consequently, studies have focused on the mother-child relationship. This study aimed to understand the father's experience with childhood cancer. A qualitative study was performed and involved 11 parents whose children were treated at the clinic of a referral hospital in Recife-PE. The delimitation of the sample was based on the saturation criterion. Data collection was conducted through interviews during the period of October to December 2011 and analyzed by the method of discourse analysis from Minayo (2000). The results showed that the mother was the main caregiver to the treatment, but the father also carries out activities with the sick child causing several changes in his routine. The host and clinic listening or the creation of support groups for this target audience is important.

Cancer; child; father


ARTIGOS

A vivência do pai diante do câncer infantil

The fathers' experience with childhood cancer

La experiencia del padre frente al cáncer infantil

Lucelia Maria Lima da SilvaI; Mônica Cristina Batista de MeloI; Arli Diniz Oliveira Melo PedrosaII

I graduada em Psicologia e especialista em Clínica Psicológica junto à Família pela Faculdade Frassinetti do Recife, especialista em Residência de Psicologia - Secretaria de Saúde - IMIP, psicóloga no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP)

II Mestre e doutora em Saúde Materno Infantil pelo Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), psicóloga no IMIP, docente no curso de graduação em Psicologia na Faculdade Boa Viagem (FBV/IMIP)

III Mestre em Gestão Hospitalar pela Universidade de Pernambuco, diretora administrativa do Centro de Hematologia e Oncologia Pediátrica, psicóloga da Unidade de Oncologia Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Universidade Estadual de Santa Cruz - Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, Rodovia Ilhéus-Itabuna, Km 15 - Salobrinho CEP 45.650-000 - Ilhéus-BA. E-mail: ccprofice@uesc.br

RESUMO

No tratamento de câncer infantil, geralmente a mãe assume os cuidados com a criança doente, tendendo os estudos a focar a relação mãe-filho. Este estudo teve como objetivo compreender a vivência do pai diante do câncer de um filho pequeno. Esta pesquisa é de caráter qualitativo e dela participaram onze genitores que tinham filhos atendidos no ambulatório de um hospital de referência da cidade do Recife - PE. A delimitação da amostra baseou-se no critério de saturação. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas no período de outubro a dezembro de 2011, as quais foram analisadas pelo método de análise do discurso segundo Minayo (2000). Os resultados apontaram que as mães foram as principais cuidadoras no tratamento, mas os pais também desenvolveram atividades junto a seus filhos doentes que provocaram várias mudanças na sua rotina. O acolhimento e a escuta clínica ou a criação de grupos de apoio para este público-alvo são de grande importância.

Palavras-chave: Câncer; criança; pai.

ABSTRACT

In the childhood cancer treatment, the mother often takes care of the sick child. Consequently, studies have focused on the mother-child relationship. This study aimed to understand the father's experience with childhood cancer. A qualitative study was performed and involved 11 parents whose children were treated at the clinic of a referral hospital in Recife-PE. The delimitation of the sample was based on the saturation criterion. Data collection was conducted through interviews during the period of October to December 2011 and analyzed by the method of discourse analysis from Minayo (2000). The results showed that the mother was the main caregiver to the treatment, but the father also carries out activities with the sick child causing several changes in his routine. The host and clinic listening or the creation of support groups for this target audience is important.

Key words: Cancer; child; father.

RESUMEN

En el tratamiento del cáncer infantil, generalmente, la madre asume los cuidados con el niño enfermo, haciendo con que los estudios tiendan a centrarse en la relación madre-hijo. Este estudio tuvo como objetivo comprender la experiencia del padre frente al cáncer infantil. Se trató de una investigación cualitativa, en que participaron 11 genitores cuyos hijos eran atendidos en la clínica de un hospital de referencia de la ciudad de Recife-PE. La delimitación de la muestra se basó en el criterio de saturación. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevistas en el período de octubre a diciembre de 2011 y analizados por el método de análisis del discurso de Minayo (2000). Los resultados señalaron que la madre fue la principal cuidadora en el tratamiento, pero el padre también desarrolla actividades junto al niño enfermo acarreando varios cambios en su rutina. Es importante que haya la acogida y la escucha clínica o la creación de grupos de apoyo para este público meta.

Palabras-clave: Cáncer; niño; padre.

Para o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2011), o câncer é considerado um grupo de doenças que têm como característica principal o desenvolvimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos e podem atingir outras regiões do corpo.

Na infância, o câncer é considerado uma doença rara, com uma incidência de 150 casos para cada 1.000.000 de crianças abaixo de 18 anos, representando entre 1% e 3% de todos os cânceres. Os tipos mais comuns são as leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas. Se diagnosticados precocemente e tratados adequadamente, 70% das crianças acometidas por essa enfermidade podem ser curadas (INCA, 2011).

O diagnóstico de câncer no filho pode ser considerado um fator gerador de crise na família e um estressor que afeta o desenvolvimento normal da criança, atingindo as relações sociais dentro do sistema familiar. Menezes, Passareli, Drude, Santos, e Do Valle (2007) salientam que o câncer infantil e seu tratamento tornam a família vulnerável ao sofrimento psíquico uma vez que provoca um impacto sistêmico sobre a organização familiar.

A forma como a família irá reagir dependerá de uma série de fatores que não poderão ser descartados em se tratando das intervenções realizadas pela equipe hospitalar (Piccinini & Castro, 2002). Entre estes fatores estão as condições sociais e culturais, econômicas e psíquicas, a rede de apoio social, a personalidade da criança, o estágio da doença e as condições hospitalares.

De acordo com Gomes, Lunardi e Erdmann (2008), é no período de hospitalização ou internamento que a família recorre à equipe de enfermagem, como forma de auxiliá-la na sua organização ante as demandas hospitalares; porém o que se observa na prática recorrente do hospital é que as orientações se dirigem quase exclusivamente para o binômio mãe-filho, dissociando o pai da unidade familiar. Na hospitalização de crianças com doença crônica, a mãe ainda tem exercido o cargo de maior destaque, e, mesmo sendo uma realidade a presença do pai no hospital, a equipe de enfermagem ainda reconhece que a mãe cuida melhor do filho (Moura & Ribeiro, 2004).

Gomes et al. (2008) chamam a atenção para o fato de que a visita do pai ao filho hospitalizado não é um fator complicador para a organização dos serviços de saúde, mas quando ele passa a ser o acompanhante do filho aparece como um problema que causa conflitos. Os autores supracitados apontaram que, mesmo a equipe de enfermagem percebendo como importante a presença do pai junto à criança hospitalizada, reconhece a área física e o sexo como impedimentos para a concretização desta presença. Para eles, ainda existem preconceitos em relação à figura do pai, o que compromete as percepções e posturas acerca da presença do pai durante o internamento do filho.

Em espaços como o hospital aos poucos esta postura vem se dissolvendo, haja vista as mudanças ocorridas no seio da família enquanto instituição, em que a figura do pai tem se apresentado de modo diferente, compartilhando os cuidados da criança com a mãe (Gomes et al., 2008; Unberhaum, 1998); mas para esse processo de transição, em que se mesclam valores antigos e modernos, ainda não existe um modelo de referência, o que pode explicar a diversidade de opiniões e representações acerca dos papéis sociais do pai e da mãe e a diversidade de posturas em relação à figura do pai. As várias modificações surgidas na sociedade influenciaram a família, que por sua vez, também tem influenciado a sociedade (Silva, 2010). Por isso têm-se observado modificações nos papéis parentais que destacam o papel paterno neste trabalho.

PAPEL PATERNO

De acordo com Damasio e Rumem (2005), a figura do pai parece ter ocupado um lugar insignificante ou secundário na criação e cuidado dos filhos.

Uma análise da história da família enquanto instituição social mostra que no modelo tradicional ou patriarcal o pai estava ausente dos cuidados dedicados aos filhos. Nesse período ele era o grande representante da lei, enquanto os outros membros da família assumiam uma posição de passividade diante da figura paterna, o que desestimulava qualquer interesse ou motivação individual (Silva, 2010).

No final do século XVIII e meados do século XIX chegou a vez da família "nuclear" moderna ou "restrita", constituída pela célula mãe-pai-filho/a. A autoridade do pai se baseava na sua condição de provedor financeiro da família. O homem se destacava pela sua condição de marido, pai e representante da instituição familiar. No âmbito das representações acerca dos papéis de masculino e de autoridade a autoridade paterna estava legitimada como algo natural (Silva, 2010).

De acordo com Silva (2010), na contemporaneidade a autoridade do pai enquanto chefe da família passa a ser questionada, tonando-se mais igualitária. Aos poucos vai ocorrendo o deslocamento da autoridade do patriarca, à medida que a mulher vai assumindo o controle dos filhos. O poder que o pai exercia, enquanto chefe de família, sobre a mulher e os filhos está em declínio. Com as mudanças ocorridas na sociedade, o lugar de provedor, até então assumido pelo homem, passou a ser atribuído também à mulher.

Hoje se fala em paternidade compartilhada, existindo na família uma divisão de tarefas em que o pai passou a participar mais diretamente da educação e cuidado dos filhos (Silva, 2010).

Gomes et al. (2008) mostram que algum tempo atrás os cuidados com a saúde da criança eram quase exclusivos da mãe. Hoje, o pai tem aparecido com frequência nesses cuidados, junto com a mãe. Medrado (1998) afirma que a nova paternidade está além do suporte econômico, incluindo principalmente uma maior participação na alimentação e em todos os aspectos do cuidado do bebê e acompanhamento ao longo do seu desenvolvimento.

Mesmo diante das mudanças nas configurações familiares (Medrado, 1998; Silva, 2010), em que o pai passou a participar mais ativamente dos cuidados da criança, e principalmente diante dos avanços nos estudos sobre a figura do pai, a literatura ainda é deficiente em pesquisas concernentes ao ser pai de criança com câncer (Neil-urbam & Jones, 2002), tendendo a investir na relação mãe-filho e nas implicações daí decorrentes. A literatura (Burd, 2007; Damasio & Rumen, 2005; Kreuz, 2009; Moura & Ribeiro, 2004; Neil-Urbam & Jones, 2003; Piccinini & Castro, 2002; Silva, Collet, Silva, & Moura, 2010) aponta que a mãe é a principal cuidadora da criança no caso de doença crônica e de seu tratamento: "Ela é obrigada a deixar seu lar, outros filhos, marido, trabalho e passa a se dedicar a uma só pessoa: seu filho com câncer" (Damasio & Rumen, 2005, p. 183), sendo difícil para ela manter o padrão habitual de vida. Diante disto, o presente estudo teve como objetivo compreender a vivência do pai em relação ao câncer infantil em um setor de referência em oncologia pediátrica no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, IMIP.

MÉTODO

A pesquisa é de caráter qualitativo e dela participaram onze genitores cujos filhos(as) eram atendidos(as) no ambulatório do setor de oncologia pediátrica de um hospital da cidade do Recife - PE que é referência no tratamento de doença oncológica infantojuvenil. A delimitação da mostra foi baseada no critério de saturação(Fontanella, Ricas & Turato, 2008). A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista, no período de outubro de 2011 a dezembro de 2011, com roteiro previamente estruturado.

O material foi transcrito e analisado pelo método da análise do discurso segundo Minayo (2000). Esta pesquisa baseou-se nos pressupostos éticos de pesquisas com seres humanos, sendo, por este motivo, encaminhada ao Comitê de ética do IMIP, do qual recebeu parecer favorável. Na análise, foram criadas cinco categorias: Reações diante do diagnóstico; Ser pai de criança com câncer; Recursos de enfrentamento; Participação paterna e tratamento; Principal dificuldade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil da amostra

A população do estudo era proveniente, em sua grande maioria, do Interior do Estado de Pernambuco, com exceção de apenas um. A média de idade era 37,2 anos, variando de 27 a 53 anos. Suas ocupações foram: serviços gerais, motorista, vendedor, agricultor, vaqueiro, pintor, guarda-municipal e garçom. Dos onze entrevistados, dois estavam desempregados no momento da pesquisa. A renda mensal da família variou de um a dois salários mínimos, e era proveniente do homem em mais da metade da amostra, com exceção de três em que a companheira também exercia alguma atividade remunerada, mesmo assim, inferior ao valor recebido pelo companheiro. Dois pais informaram estar recebendo apenas a renda do benefício do filho(a) em tratamento, uma vez que na ocasião estavam desempregados. Quando empregados, o emprego era também a única fonte de renda da família.

De acordo com Unberhaum (1998), mesmo tendo a mulher alcançado vários direitos e espaços na sociedade, ainda existe desigualdade entre homens e mulheres com relação a oportunidades no mercado de trabalho. Além disso, na concepção desta autora, o pai aparece como o principal provedor financeiro na família, o que é corroborado pelos achados desta pesquisa. É dele ainda o sustento principal na família, havendo assim relações desiguais entre homens e mulheres no ambiente doméstico, parecendo ser algo comum na classe de baixa renda, pois as relações mais igualitárias entre homens e mulheres estão mais presentes em homens e mulheres de camadas médias devido a um nível mais elevado de escolaridade e de maior acesso às informações (Unberhaum, 1998).

O fato de o pai ser o provedor principal da família, como mostrou nosso estudo, parece estar relacionado também ao local de procedência da grande maioria da amostra, ou seja, do Interior do estado, onde predomina o modelo patriarcal de família, baseado no homem como "o cabeça da família".

Quanto à situação conjugal, nove viviam com suas parceiras, cinco em um relacionamento estável, quatro eram casados, um era solteiro e um estava separado na ocasião da entrevista.

Todos os participantes eram alfabetizados e apresentavam variação quanto à escolaridade. Apenas um deles ingressara no Ensino Superior, mas ainda não o havia concluído. A média do número de filhos foi de 2,3, e a idade da criança em tratamento variava de três a nove anos. O tempo médio de tratamento encontrado foi de um ano e cinco meses, variando de nove meses a três anos. Quanto ao sexo, quatro eram meninas e sete, meninos.

Em relação ao último ponto mencionado, identificamos relação entre a participação paterna e o sexo da criança em tratamento. Dos onze entrevistados, quatro tinham crianças do sexo feminino em tratamento. Em todos esses casos era a mãe quem ficava à frente dos cuidados da criança durante o tratamento. Em apenas um dos casos entrevistado o pai esteve mais presente, acompanhando a genitora e a filha durante o internamento. Em dois desses casos o pai só passou a acompanhar a criança mais de perto porque existia determinado evento que impedia a genitora de acompanhar a criança, como a gravidez em um deles e as férias de outro pai, o que o deixava livre enquanto a mãe trabalhava. Ressalta-se que o acompanhamento da criança estava se realizando devido ao impedimento da mãe em determinado momento, o que não seria uma constante. No outro caso, era sempre a mãe quem acompanhava a criança.

E, todos os casos em que a criança era do sexo masculino, observou-se que os pais, de alguma forma, a acompanhava - intercalando com a esposa ou acompanhando a esposa e a criança -, ou se tornara o principal cuidador em algum momento do tratamento. Mesmo assim, como nos casos das meninas, era a mãe a principal cuidadora. É a genitora que tende a assumir os cuidados iniciais do tratamento, sendo a principal figura durante os internamentos. Três dos entrevistados acompanhavam a genitora e a criança, enquanto três intercalavam os cuidados com a esposa. Em um dos casos o pai assumia os cuidados principais, tanto no tratamento quanto no espaço doméstico, após a gravidez da esposa.

Foi observado, a partir das entrevistas, que o sexo da criança está relacionado à participação ou presença do pai nos cuidados da criança. Nos casos de meninos, os pais estão mais próximos, e nos casos das meninas, é a mãe quem está mais próxima. Não obstante, caberia um estudo mais pormenorizado para conhecer melhor a existência desta relação e de outros fatores que estejam nela presentes, principalmente o fator doença crônica/câncer.

Categorias de análise

Cinco categorias de análise foram criadas, e abordaram: 1) a vivência do pai em relação ao câncer infantil: reações diante do diagnóstico; 2) Ser pai de criança com câncer; 3) Recursos de enfrentamento; 4) participação paterna e tratamento; e 5) principal dificuldade.

Reações diante do diagnóstico

A descoberta de câncer no filho desencadeia na família uma situação de crise, afetando todos os seus elementos, incluindo um impacto sobre si mesmo (Neil-Urbam & Jones, 2002). Dito de outra maneira, a doença afetará a família enquanto sistema e cada indivíduo em suas particularidades.

A análise das entrevistas mostrou que os pais vivenciam sentimentos intensos diante do diagnóstico de câncer no filho, aparecendo num primeiro momento o choque e o impacto com a notícia, a grande dor e o pavor diante da doença. "Estado de choque. Todo mundo muito abalado... (E7)." "Aí foi quando desabou a família... Foi uma dor muito grande... (E4)." "... Quando ela (médica) foi examinar a minha filha... Ela achava que era leucemia... Todo mundo ficou apavorado... (E1)."

O diagnóstico de câncer no filho pode ser considerado um fator gerador de crise na família que atinge o sistema familiar. Este período inicial, denominado por Lopes (2011) de fase aguda, é vivenciado pela família como uma catástrofe, suscitando nos pais vários sentimentos.

Em dois dos entrevistados a negação surgiu como mecanismo de defesa e como maneira de lidar com a notícia, o qual no decorrer do tratamento foi se dissolvendo. "Logo no começo, tem sempre um pouco de preconceito... A gente não quer acreditar totalmente né (E9)." "Nos primeiros dias a gente num tava acreditando ainda... Depois foi se acostumando (E3)."

Kubler-Ross (2008), em seu livro sobre a morte e o morrer, discorre sobre as reações diante da morte ou da doença. Uma delas é a negação, que é considerada a primeira reação e é identificada em todos os pacientes, ou nos primeiros estágios da doença ou logo após a constatação. Seria uma defesa comumente temporária, sendo logo substituída pela aceitação.

No momento em que se depara com o diagnóstico de câncer do filho, o acolhimento e a informação surgem como fatores fundamentais, vindos geralmente da equipe do hospital. Nos discursos dos pais a equipe da unidade de oncologia pediátrica foi destacada como peça importante neste primeiro momento, tanto no que concerne à informação dada aos pais como ao acolhimento oferecido neste período, em que prepondera a crise emocional propriamente dita. É o que mostra a fala deste pai: "... Aqui ... é uma escola...O pessoal atende a gente muito bem... Até hoje... A médica, ela me atende. Quando eu tenho alguma dificuldade pergunto a psicóloga... Aí, a gente vai seguindo em frente, firme e forte (E2)."

Faquinello, Higarashi e Marcon (2007), discorrendo sobre o atendimento humanizado em unidade pediátrica a partir de uma pesquisa de campo, informaram que são elementos essenciais do processo do atendimento hospitalar e, consequentemente, da melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas envolvidas, a escuta compreensiva, a comunicação verbal e não verbal e a otimização das informações entre os membros da equipe e desta com a criança/família.

De maneira geral, os entrevistados demonstraram satisfação com a equipe hospitalar, retificando os achados de Neil-Urbam e Jones, que constataram, em estudo realizado em 2002, que os pais apresentaram frustração com a assistência médica recebida.

Por outro lado, emergiu nos discursos dos pais a experiência vivenciada com a demora do esclarecimento do diagnóstico nos hospitais pelos quais a criança passou inicialmente. O retorno ao hospital da consulta inicial se deu devido à persistência dos sintomas. Este foi o principal motivo que interferiu na tomada de decisão da equipe local para o aprofundamento das investigações e encaminhar para outro profissional. A leucemia fora confundida por alguns profissionais, por exemplo, com "uma carne machucada" (E3) ou "calazar" (E1).

O INCA (2011) informa que, se diagnosticados precocemente e tratados adequadamente, 70% das crianças acometidas por essa enfermidade podem ser curadas. Aponta também que o inverso acontece se os casos chegam aos centros de saúde em estágio avançado, e este fato pode estar relacionado a vários fatores, um dos quais pode ser a desinformação dos médicos.

O que se observa é a falta de preparo de alguns profissionais para trabalhar com pessoas da área rural, procedência da grande maioria dos genitores, acarretando consequências para a saúde da criança acometida por esta enfermidade. Para o bom andamento do tratamento do câncer infantil, não basta apenas o preparo dos profissionais de saúde, mas é necessário também o preparo emocional, pois facilitar o acolhimento à família do paciente, mormente no momento inicial, quando sentimentos intensos tendem a surgir. O acolhimento não pode dar-se apenas no tocante à recepção e informação ao familiar, mas em sua totalidade, sendo fundamental a consideração e a atenção ao outro.

Ser pai de criança com câncer

A experiência de ser pai de criança com câncer foi considerada, de modo geral, uma experiência difícil. Além de ser vista como um sofrimento, foi referida também como a pior experiência de vida. A insegurança surgiu também com relação ao futuro da criança e ao medo da recaída, passando a fazer parte da relação com a criança doente. "E a gente não sabe nem o que fazer, a gente fica assim, com medo né... Porque quer dar amor aí fica estressado, ficam bravo com a gente. A gente acha que tá fazendo alguma coisa de errado... (E2)."

Algo semelhante foi encontrado em estudo realizado por Neil-Urbam e Jones (2002) com grupos de pais de crianças com câncer. Este estudo mostrou que diante do câncer os pais ficam cheios de vulnerabilidades.

Foi observada também uma maior vigilância com a criança, uma vez que, segundo eles, precisavam estar atentos a qualquer sinal diferente da criança: "Sempre a gente tá com ele. Só a noite que fica uma tia minha, que ajuda lá, que fica toda noite. Sempre tem alguma pessoa perto dele, sempre vigilância (E8)." Estudo realizado por Neil-Urbam e Jones (2002) também apontou hipervigilância com a criança doente entre pais de crianças com câncer.

O surgimento do câncer no filho traz a insegurança e a fragilidade, em relação tanto ao futuro da criança como ao seu papel enquanto pai, uma vez que a doença faz surgir na família a desestabilização dos papéis antes assumidos pelos pais, havendo necessidade de reorganizar a dinâmica familiar. A equipe médica se torna referência diante do limbo que separa a família, ou seja, o período anterior e o posterior à doença, e na busca pela reestruturação familiar. Neste ponto, vários fatores devem ser levados em consideração, como a dinâmica familiar existente antes da doença, o contexto em que a família está inserida, a estrutura psíquica de cada membro da família, etc. A doença é um fator desconhecido e assustador, haja vista as representações acerca do câncer, geralmente relacionadas à morte. A equipe médica apareceu nos discursos como a principal mediadora entre o "o pode e o não pode" com a criança. " E agora a gente tem que perguntara à doutora se pode ir no shopping, na praia, pode ir no cinema (E3)." "Ele sempre pensa: ‘painho, quando a gente vai pra praia?'... A gente vai perguntar ao doutor... (E12)."

Ser pai de criança com câncer afeta o estado emocional, acarretando dificuldades na esfera cognitiva, no bem-estar geral, no controle das emoções e na volição: "Me sinto esquecido das coisas, feito tá com amnésia... Às vezes de madrugada eu me acordo e fico chorando (E9)." "Eu me entreguei realmente depois da doença dele... Basicamente perdi a vontade de viver (E6)."

Estes dados vão de encontro ao que propõem alguns estudos. Piccinini e Castro (2002)trouxeram que os pais de criança com doença crônica apresentam necessidade de controlar seus sentimentos e estresse, enquanto Santos (1998) mostrou que o pai tende a sentir-se menos perturbado apresentando um nível mais baixo de estresse, se comparado com a mãe.

Os resultados do nosso estudo apontaram que muitos pais vivenciam a ansiedade e sentem-se vulneráveis, chorando facilmente, como nas falas acima. Pode-se afirmar que, diante dos dados apresentados, o pai, assim como a mãe (Kreuz, 2009), aparece também como grupo de risco psíquico, necessitando de apoio e de cuidados. Somando-se ao enfrentamento da doença do filho em si, questões referentes às modificações em seu papel na família enquanto provedor também trazem consequências no âmbito pessoal para o pai.

Recursos de enfrentamento

Nas entrevistas, a religião emergiu como recurso principal para enfrentamento desta situação. "Com fé em Deus não tem nada difícil, né. Acreditar que Deus tá na frente... Ter fé e vamo embora (E7)."

Ter "fé em Deus" foi à maneira encontrada para suportar a situação e poder lidar com ela. A literatura aponta algo semelhante, pois, segundo Neil-Urbam e Jones (2003), nos grupos de pais de criança com câncer a oração foi o recurso mais utilizado por eles.

Além deste recurso, os pais entrevistados mencionaram como suportes a equipe hospitalar, como já foi mencionado anteriormente, e a família, seja nos aspectos emocional e financeiro, seja nas atividades domésticas, quando a mãe não pode estar presente. "A família fica em cima tentando ajudar como pode, né (E4)."

Diante de uma doença como o câncer infantil a família precisará rever seus papéis e fazer reajustes na dinâmica familiar, e esta organização, na medida em que acontece, se beneficiará dos recursos disponíveis no seu contexto. No caso dos pais entrevistados, a família extensa, ou seja, avós, tios e parentes mais próximos, foram mencionados como apoio neste processo.

Participação paterna e tratamento

A análise dos relatos mostrou que a mãe é ainda a principal cuidadora no caso de adoecimento da criança, principalmente no momento de interná-la. É ela quem se desloca dos seus afazeres e atividades de trabalho para cuidar da criança doente. Estes achados estão de acordo com a literatura, que refere a mãe como a principal cuidadora (Burd, 2007; Damasio & Rumen, 2005; Kreuz, 2009; Moura & Ribeiro, 2004; Neil-Urbam & Jones, 2003; Piccinini & Castro, 2002; Silva et al., 2010).

Um estudo realizado por Damásio e Rumem (2005) apontou que para as mães de crianças com câncer fica difícil manter o padrão habitual de vida, porque quando o filho adoece, ela deixa o lar, o marido, o trabalho e os outros filhos para se dedicar ao filho doente. Silva et al. (2010) apontaram que em famílias de criança com doença crônica, na maioria das vezes a mãe abandona o vínculo empregatício, de forma total ou parcial, para acompanhar a criança no tratamento e nas hospitalizações.

Os dados desta pesquisa correspondem também ao que trouxe Kreuz (2009), autora para a qual a presença do pai já é constatada no hospital, no entanto a predominância ainda é da mãe. Esta é o membro da família que mais acompanha de perto a criança no tratamento.

Por estar tão próxima da criança doente, alguns entrevistados concluíram que é mais difícil para a mãe do que para ele, o pai, ter um filho com câncer. "Sei que pra mim foi difícil, mas pra mãe é mais difícil do que pro pai... O pai ele sempre tá fora, ele se ausenta, e a mãe não, né... O lugar dela é mais difícil que o nosso. (E2)."

Kreuz (2009) também constatou este dado, mostrando que a mãe é tida como a que mais se fragiliza e se envolve com o tratamento da criança: "...mas pra mãe é mais difícil do que pro pai... Ela ‘conveve' com a criança 24 horas" (E2). Na concepção da autora mencionada, a mãe e a criança formam o grupo de risco psíquico.

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, a mulher é concebida por um dos entrevistados como aquela que suporta menos que o homem, e por suportar a função que exerce, é vista como uma guerreira. "Fica um pouco sofrido pra ela, eu não digo a mim que sou homem que suporta mais... Mas com uma mulher, fica um pouco complicado. São umas guerreiras, são as mães que vêm pra cá... Ela luta muito... (E1)."

Ao mesmo tempo, aparece no discurso dos pais a necessidade de dar suporte à esposa e ao filho neste momento, por causa da dificuldade pela qual ela passa. Piccinini e Castro (2002), estudando famílias de crianças com doença orgânica crônica, afirmam que é comum um maior envolvimento das mães com as crianças. Por este motivo, as mães se tornam mais fortes e valorizadas no tocante a cuidar da criança doente (Burd, 2007). Diferentemente dos achados deste estudo, Santos (1998) mostra que diante de uma doença crônica do filho os pais tendem a subestimar os problemas de comportamento das mães.

As falas acima refletem as dicotomias (coisas de homem x coisas de mulher) referentes às questões de gênero presentes na sociedade atual, mesmo havendo modificações nos papéis assumidos por homem e mulher. É mais difícil para a mãe/mulher suportar a doença do filho por ser mulher, considerada sexo frágil, e por suportar tamanha carga ela é considerada guerreira. O homem que assume tais funções suporta mais ou não se permite expressar as emoções. Dito de outra maneira, o homem suporta mais a carga de trabalho e as questões emocionais, ao passo que a mulher não as suporta, tornando-se vulnerável emocionalmente ao ficar responsável pelos cuidados dos filhos

Unbehaum (1998) mostra que, embora tenha havido uma redefinição nas relações de gênero, colocando-se em questionamento algumas atribuições paternas e maternas, o cuidado dos filhos continua sendo uma tarefa de mulheres, enquanto os homens se mantêm como coadjuvantes nessa atividade. Medrado (1998) aponta que as mulheres aparecem ocupando funções tradicionalmente masculinas, mas os homens ainda são colocados fora das atribuições femininas, principalmente as atividades do contexto doméstico. O pai aparece principalmente como responsável pela dimensão econômica, esfera em que é socialmente reconhecido e valorizado.

Além disso, é importante mencionar as questões socioeconômicas presentes nestes casos: de um lado, as mães tinham que ficar totalmente disponíveis para o atendimento ao filho, e de outro, os pais tinham dificuldades em estar presente nesse momento. O sustento da família estava ao encargo do pai em mais da metade dos onze entrevistados, em apenas três casos a mulher também participava da renda, e, além disso, contribuíam com um valor inferior ao do companheiro, o que "facilitava" a sua saída do emprego.

Não obstante, alguns pais mencionaram ter deixado suas atividades laborais para acompanhar a mãe e filho (a), ou apenas o filho durante o tratamento, seja porque precisavam dar apoio à esposa, acompanhando mãe e filho, seja porque sua esposa não podia estar presente, ficando apenas ele como responsável pelos cuidados da criança.

Outros pais precisaram fazer modificações significativas para acompanhar o filho durante esse momento ou para dar assistência em casa na ausência da esposa, por estar com a criança doente no hospital. Em alguns casos os pais passaram a acompanhar a criança com mais frequência quando havia, por parte da mãe, um empecilho de ordem real, como, por exemplo, o surgimento de outra gravidez.

Alguns dos entrevistados já haviam participado nos cuidados da criança e estreitado os vínculos com os filhos. Antes do adoecimento da criança, a relação pai-filho consistia de atividades como levar e buscar na escola, cuidar dos filhos quando estes estavam em casa juntamente com a esposa ou sem ela, promover atividades de lazer junto com os filhos, manter relação afetiva mais próxima e estar atento às mudanças de comportamento das crianças.

Este dado aponta o surgimento das novas configurações familiares, em que o pai passou a participar mais das atividades junto aos filhos. Unbehaum (1998)menciona que a entrada da mulher no mercado de trabalho favoreceu alguma participação masculina tanto na esfera doméstica quanto nos cuidados com os filhos, realidade da qual resultaram modificações nos arranjos domésticos, com a instituição de outras formas de relação entre homens e mulheres e entre adultos e crianças. O que se pode observar na prática é um número importante de homens exercendo as mais diversas tarefas junto às crianças e em casa.

Ao se falar do pai, hoje se tem "um pai que considera a paternidade como uma oportunidade para expressar sentimentos, participando ativamente no cuidado dos filhos e tendo uma relação igualitária e fluida com a sua parceira..." (Gomes et al., 2008, p. 432). Medrado (1998) menciona que hoje é diferente, pois "os pais são reconhecidos não só como afetivamente importantes para os filhos como também aptos para providenciar todos os cuidados necessários para o seu bem-estar... (p. 154)."

Não obstante, no caso de alguns dos entrevistados a proximidade deu-se principalmente após o adoecimento da criança, como mostra a fala deste pai: "Eu tive que abrir mão de um emprego... pra ficar mais próximo a ele... Eu sabia que ele precisava de mim... Tive que abrir mão pra ficar do lado dele, pra passar mais segurança pra ele (E8)."

Um estudo de Piccinini e Castro (2002)apontou que o surgimento da doença orgânica crônica e seu diagnóstico podem ocasionar mudanças importantes na família. As novas exigências impostas pela doença envolverão os níveis financeiro, ocupacional, interacional e pessoal. O que fica claro na fala do pai acima é a necessidade de fazer modificações no âmbito ocupacional que repercutiram no nível financeiro. Além disso, observou-se mudança na relação com o filho e no modo de ser e ver o mundo, ou seja, nos âmbitos interacional e pessoal, respectivamente.

Segundo os achados acima mencionados, a mãe fica à frente do tratamento da criança e o pai participa, mas não como figura principal. Na maioria dos casos, ele aparece como coadjuvante, como aquele que ainda "ficava do lado de fora" (E7) dando suporte à mãe da criança e ao filho. Quando o pai toma a frente, ele vem porque a mulher não pode estar presente, e modifica sua rotina "... por causa da ausência da mãe" (E1). Estes dados confirmam o que Unbehaum (1998) menciona: "as responsabilidades parentais são, pois definidas considerando como principal referência a mãe (p. 169)."

De modo geral, foi percebido que após o adoecimento o pai tende a se aproximar mais do filho doente, seja estreitando os laços de uma relação afetiva já existente, seja iniciando a aproximação com a criança. Os pais tendiam a se dividir entre os cuidados com o tratamento do filho e a atividade laboral.

Mesmo percebendo-se a presença de questões de gênero nos discursos dos pais entrevistados, nos quais a mulher é concebida como aquela que precisa do apoio do homem/pai, porque se envolve mais e está à frente dos cuidados, se mobiliza mais e suporta menos por ser mulher, fica clara também a presença das novas configurações familiares, em que o pai passou a participar mais ativamente dos cuidados da criança. Ao se estudar a família no contexto atual, as mudanças nas configurações familiares devem ser levadas em consideração. Ao mesmo tempo, o fator doença não pode ser desconsiderado, pois foi observada uma aproximação maior do pai após o adoecimento da criança.

Principal dificuldade

Precisando fazer modificações nas rotinas de trabalho, os pais mencionaram que a maior dificuldade encontrada foi de ordem financeira. "As dificuldades maior, assim, dificuldade financeira...você começa a se desfazer do que você tem (E2)." "Uma dificuldade maior só foi a financeira, né, porque a gente teve que abrir mão de uma renda certa pra suprir ele (E8)."

Com o surgimento da doença a família é afetada em vários níveis, entre os quais o financeiro e o ocupacional. A experiência de ter uma criança com câncer pode devastar os recursos financeiros de uma família, a depender dos recursos de que disponha a família (Neil-Urbam & Jones, 2002; Silva et al., 2010).

O fato de não estar trabalhando em algum momento ou não poder suprir de maneira mais adequada a família provocou nos pais sentimentos negativos, como sentimento de estranheza e de baixa autoestima. "Meu dia a dia é corrido, e eu me sinto muito estranho, porque não posso trabalhar... Tenho que tá com ele (E9)." "...O fato de eu ficar aqui, é que eu não posso fazer nada né, não posso arrumar um trabalho (E4)."

Unbehaum (1998) menciona que, além de o pai ser definido como aquele que promove a separação entre mãe e filho e assegura a socialização da criança na esfera pública, é dele também a dimensão econômica da paternagem, dimensão que é reconhecida e valorizada, pois se espera que o homem seja o principal provedor.

Ainda como dificuldade, um dos entrevistados mencionou o seguimento das regras do tratamento. "A dificuldade é sempre os dois acompanhar a hora certa de dar o remédio, dar o banho na hora certa, as comidas que ela pode comer, o que ela não pode comer" (E1). Outro pai apontou a distância entre o hospital e sua residência como a principal dificuldade para o tratamento do filho, haja vista que morava em uma cidade distante da capital do estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diagnóstico de câncer infantil provoca nos pais sentimentos intensos, aparecendo em primeiro momento o choque e o impacto da notícia. A religião, o apoio familiar, o acolhimento e a informação de dados pela equipe hospitalar foram considerados fundamentais nesse momento, apesar de ainda existirem dificuldades dos profissionais que trabalham com pessoas da área rural em precisar o diagnóstico com celeridade, podendo trazer repercussões para a criança doente.

Ser pai de criança com câncer foi considerado uma experiência difícil, que afeta o estado emocional, trazendo dificuldades na esfera cognitiva, no bem-estar geral, no controle das emoções e na volição. A insegurança em relação ao futuro da criança fazia parte das relações entre pai e filho. Estes achados mostram que não são apenas as mães que são consideradas grupo de risco, como mostrou a literatura, mas também os pais, que, além de lidarem com o enfrentamento da doença, lidam também com as mudanças no papel de provedor da família após o adoecimento, o principal papel que exerciam.

O presente estudo veio ratificar a noção de que a genitora é a principal responsável pelos cuidados da criança em tratamento de uma doença crônica como o câncer infantil. É dela a responsabilidade principal com a criança quando surge a doença e, mormente, durante o internamento. Não obstante, observou-se que o pai está presente durante este período, seja dando suporte a esposa e mãe da criança, seja assumindo os cuidados quando a mãe não pode comparecer, seja ainda compartilhando com ela os cuidados - fato que reflete a realidade das novas configurações familiares, nas quais passou a existir um compartilhar das funções entre pai e mãe. A mudança na rotina após o surgimento da doença, principalmente em relação à atividade laboral, trouxe como consequência a dificuldade financeira, pois é do pai a função de provedor nas famílias dos entrevistados.

De maneira geral, após o adoecimento da criança o pai tende a se aproximar do filho e modificar a relação com ele. O sexo da criança apareceu relacionado à participação paterna, sendo observada, nos casos dos meninos, maior aproximação e/ou participação paterna.

Diante do exposto, a escuta individual e a criação de grupos de acolhimento para este público-alvo são fundamentais para facilitar a expressão da emoção e a relação familiar. Mesmo trazendo considerações importantes, estudos que deem continuidade a esta temática se tornam relevantes.

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Recebido em 27/10/2012

Aceito em 05/02/2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2015
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Out 2012
    • Aceito
      05 Fev 2013
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