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REDES SOCIAIS SIGNIFICATIVAS DE GESTANTES DE ALTO RISCO: UM ESTUDO QUALITATIVO

REDES SOCIALES SIGNIFICATIVAS DE GESTANTES DE ALTO RIESGO: UN ESTUDIO CUALITATIVO

RESUMO.

As redes sociais significativas constituem importantes recursos de enfrentamento diante de períodos de transição, em que são exigidas adaptações frente a situações difíceis, como no caso de uma gestação de alto risco. Este estudo objetivou compreender a dinâmica relacional das redes sociais significativas de gestantes de alto risco. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, da qual participaram 13 mulheres que estavam sendo acompanhadas em um ambulatório de pré-natal de alto risco, localizado na região Sul do Brasil. A coleta dos dados ocorreu por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada e da construção de mapas de rede. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin e organizados com auxílio do software Atlas.ti 7.0. Os resultados mostraram que houve predomínio de redes grandes, com maior concentração de membros da família, em especial do companheiro e da mãe. Destaca-se o apoio emocional como principal função desempenhada pelos integrantes da rede, a centralidade do médico nos cuidados de alto risco e a importância do apoio prestado às gestantes, na prática de hábitos saudáveis e no autocuidado.

Palavras-chave:
Redes sociais; gestação de alto risco; pesquisa qualitativa

RESUMEN.

Las redes sociales significativas constituyen importantes recursos de afrontamiento ante períodos de transición, en los que se requieren adaptaciones frente a situaciones difíciles, como en el caso de una gestación de alto riesgo. El estudio objetivó comprender la dinámica relacional de las redes sociales significativas de gestantes de alto riesgo. Se trata de una investigación cualitativa, en la que participaron 13 mujeres que estaban siendo acompañadas en un Ambulatorio de Pre-natal de alto riesgo, localizado en la región Sur de Brasil. La recolección de los datos ocurrió por medio de un guión de entrevista semiestructurada y de la construcción de Mapas de Red. Los datos fueron sometidos al análisis de contenido propuesto por Bardin y organizados con ayuda del software Atlas.ti 7.0. Los resultados mostraron que hubo predominio de redes grandes, con mayor concentración de miembros de la familia, en especial del compañero y de la madre. Se destaca el apoyo emocional como principal función desempeñada por los integrantes de la red, la centralidad del médico en los cuidados de alto riesgo y la importancia del apoyo prestado a las gestantes, en la práctica de hábitos saludables y en el autocuidado.

Palabras clave:
Redes sociales; gestación de alto riesgo; investigación cualitativa

ABSTRACT.

Significant social networks are important resources to cope with periods of transition during which adaptations are required in the face of unknown situations, such as high-risk pregnancies. This study aimed to understand the relational dynamics of significant social networks of high-risk pregnant women. This is a qualitative study carried out with 13 women who were cared for in a high-risk prenatal outpatient clinic located in the southern region of Brazil. Data collection was done through a semi-structured interview and the construction of social network maps. Data were submitted to content analysis proposed by Bardin and organized using the Atlas.ti 7.0 software. Results showed that there was a predominance of large networks, with a higher concentration of family members, especially the partner and the mother of the pregnant woman. It is worth mentioning the emotional support of the members of the network, the centrality of the doctor in high-risk care, and the importance of the support given to pregnant women for them to practice healthy habits and self-care.

Keywords:
Social networks; high-risk pregnancy; qualitative research

Introdução

A gestação é um dos processos de transição mais significativos no ciclo de vida individual e familiar, marcada pelo avanço de uma geração, ocupação de um novo papel na família, além de alterações pessoais, na relação conjugal e no âmbito profissional (Cerveny & Berthoud, 1997Cerveny, C. M. O., & Berthoud, C. M. E. (1997). Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.; Li, Long, Cao, & Cao, 2017Li, Y., Long, Z., Cao, D., & Cao, F. (2017). Social support and depression across the perinatal period: a longitudinal study. Journal of Clinical Nursing, 26(17-18), 2776-2783. DOI: https://doi.org/10.1111/jocn.13817
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; Piccinini, Carvalho, Ourique, & Lopes, 2012Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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). As mudanças hormonais, físicas, psicológicas e sociais vivenciadas pela gestante podem representar um momento de crise no desenvolvimento psicológico. Este se caracteriza por um período temporário de desorganização frente às mudanças intrapsíquicas e interpessoais, impostas pela gravidez, que podem gerar instabilidade emocional e, ao mesmo tempo, ser uma oportunidade de amadurecimento pessoal (Cerveny & Berthoud, 1997Cerveny, C. M. O., & Berthoud, C. M. E. (1997). Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.; Maldonado, 2005Maldonado, M. T. (2005). Psicologia da gravidez (17a ed.). São Paulo, SP: Saraiva.; Piccinini, Gomes, Nardi, & Lopes, 2008Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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).

De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que, no Brasil, cerca de 10% das gestações sejam de alto risco. Tal condição pode afetar negativamente a saúde e o bem-estar da gestante e do bebê e contribuir para desfechos negativos para ambos, ao longo da gestação, parto e/ou puerpério (Gestação de alto risco: manual técnico, 2012). O diagnóstico de alto risco pode ser decorrente dos seguintes fatores: características individuais e condições sociodemográficas da gestante, histórico de aborto, recém-nascido com malformação, parto anterior prematuro, síndrome hemorrágica, hipertensão arterial, diabetes, doenças infecciosas, doenças autoimunes, neoplasias e doenças obstétricas na gravidez atual (Gestação de alto risco: manual técnico, 2012Gestação de alto risco: manual técnico. (2012) (5a ed., Séria A. Normas e Manuais Técnicos). Brasília, DF: Ministério da Saúde.).

Os cuidados individualizados, as mudanças na rotina, a preocupação com relação à saúde do bebê, a aproximação do parto e as responsabilidades maternas podem gerar medo e insegurança à gestante, o que pode intensificar o seu estado de vulnerabilidade e a necessidade de atenção (Cankorur, Abas, Berksun, & Stewart 2015Cankorur, V. S., Abas, M., Berksun, O., & Stewart, R. (2015). Social support and the incidence and persistence of depression between antenatal and postnatal examinations in Turkey: a cohort study. BMJ Open, 5, e006456. DOI: DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2014-006456
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; Maldonado, 2005Maldonado, M. T. (2005). Psicologia da gravidez (17a ed.). São Paulo, SP: Saraiva.). Nesse sentido, a presença de uma rede social significativa é um importante recurso de enfrentamento em períodos de transição e de mudança, em que são exigidas adaptações frente a situações desafiadoras e desconhecidas na gestação (Li et al., 2017Li, Y., Long, Z., Cao, D., & Cao, F. (2017). Social support and depression across the perinatal period: a longitudinal study. Journal of Clinical Nursing, 26(17-18), 2776-2783. DOI: https://doi.org/10.1111/jocn.13817
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; Mlotshwa, Manderson, & Merten, 2017Mlotshwa, L., Manderson, L., & Merten, S. (2017). Personal support and expressions of care for pregnant women in Soweto, South Africa. Global Health Action, 10(1), 1363454. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2017.1363454
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).

Entende-se por rede social significativa, segundo Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.), o conjunto de pessoas que são consideradas importantes, na perspectiva do indivíduo e se diferenciam das demais relações estabelecidas socialmente, visto a história da relação entre seus membros, a proximidade dos vínculos e a qualidade do compromisso relacional estabelecido. Familiares, amigos, membros da comunidade (vizinhos, pessoas do credo religioso, serviços de saúde e assistenciais), do trabalho e estudo integram a rede social significativa, sendo que o apoio por eles oferecido pode ser um potencializador dos recursos pessoais do indivíduo (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Nessa direção, Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) aponta que uma rede acessível, estável e atenta às necessidades do sujeito contribui para o reconhecimento de competência, autoestima, identidade, pertencimento e adaptação frente a eventos estressores. No contexto da gestação, conforme sustentado por Maldonado (2005Maldonado, M. T. (2005). Psicologia da gravidez (17a ed.). São Paulo, SP: Saraiva.), sentir-se cuidada e amparada frente às vivências deste período pode favorecer a disponibilidade de afeto e carinho da mulher para com seu filho após o nascimento.

A rede social significativa pode ser compreendida a partir das suas características estruturais, funções desempenhadas e atributos dos vínculos. As características estruturais dizem respeito às propriedades que as compõem, sendo elas: a) tamanho: número de indivíduos que a constituem; b) densidade: refere-se à qualidade das relações entre os integrantes da rede e a importância que exerce sobre o indivíduo; c) composição ou distribuição: aponta a localização de cada membro em cada quadrante e círculo; d) dispersão: se refere a distância entre o indivíduo e os integrantes da rede e a acessibilidade de contato com eles; e) homogeneidade ou heterogeneidade: está relacionada a variáveis como idade, sexo, cultura, nível socioeconômico, como forma de identificar as diferenças e semelhanças dos membros da rede (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

As funções desempenhadas pelas pessoas da rede incluem: a) companhia social: indica a companhia de alguém na realização de atividades ou mesmo o estar junto; b) apoio emocional: envolve trocas emocionais, como empatia e apoio; c) guia cognitivo e de conselhos: refere-se ao auxílio através do compartilhamento de informações e de modelos de referência; d) regulação social: intercâmbio que reitera as responsabilidades e papéis, e também contribui para a resolução de conflitos; e) ajuda material e de serviços: envolve o auxílio financeiro ou de serviços de saúde; f) acesso a novos contatos: se caracteriza pela possibilidade de se relacionar com indivíduos que não faziam parte da rede (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Já os atributos dos vínculos correspondem às características das relações estabelecidas entre o indivíduo e os integrantes da rede. São eles: a) funções predominantes: principais funções desempenhadas nesse vínculo; b) multidimensionalidade: quantas funções são realizadas na rede; c) reciprocidade: se a pessoa desempenha as mesmas funções que o indivíduo desempenha para ela; d) intensidade: qual é o grau de intimidade/compromisso com a relação; e) frequência dos contatos: regularidade em que as pessoas estabelecem contato, sendo que quanto maior a distância, maior a importância do contato para assegurar a intensidade; f) história da relação: há quanto tempo se conhecem e o que motiva a manutenção da relação (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Estudos sobre a rede social na gestação têm apontado os familiares como os principais membros que integram a rede das gestantes, com destaque para o companheiro e o apoio emocional como principal função desempenhada por ele (Aktas & Calik, 2015Aktas, S., & Calik, K. Y. (2015). Factors affecting depression during pregnancy and the correlation between social support and pregnancy depression. Iran Red Crescent Medical Journal, 17(9), e16640. DOI: https://doi.org/10.5812/ircmj.16640
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; Cankorur et al., 2015Cankorur, V. S., Abas, M., Berksun, O., & Stewart, R. (2015). Social support and the incidence and persistence of depression between antenatal and postnatal examinations in Turkey: a cohort study. BMJ Open, 5, e006456. DOI: DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2014-006456
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; Oliveira & Dessen, 2012Oliveira, M. R., & Dessen, M. A. (2012). Alterações na rede social de apoio durante a gestação e o nascimento de filhos. Estudos de Psicologia, 29(1), 81-88. doi: http://dx.doi. org/10.1590/S0103-166X2012000100009
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; Gebuza, Kaźmierczak, Mieczkowska, Gierszewska, & Kotzbach, 2014Gebuza, G., Kaźmierczak, M., Mieczkowska, E., Gierszewska, M., & Kotzbach, R. (2014). Life satisfaction and social support received by women in the perinatal period. Advances in Clinical and Experimental Medicine, 23(4), 611-619. DOI: https://doi.org/10.17219/acem/37239
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; Mlotshwa et al., 2017Mlotshwa, L., Manderson, L., & Merten, S. (2017). Personal support and expressions of care for pregnant women in Soweto, South Africa. Global Health Action, 10(1), 1363454. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2017.1363454
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). Em segundo lugar, os amigos são os mais mencionados, quando se considera a frequência no apoio oferecido (Bäckström et al., 2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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; Khooshehchin, Keshavarz, Afrakhteh, Shakibazadeh, & Faghihzadeh, 2016Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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; Li et al., 2017Li, Y., Long, Z., Cao, D., & Cao, F. (2017). Social support and depression across the perinatal period: a longitudinal study. Journal of Clinical Nursing, 26(17-18), 2776-2783. DOI: https://doi.org/10.1111/jocn.13817
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; Mlotshwa et al., 2017Mlotshwa, L., Manderson, L., & Merten, S. (2017). Personal support and expressions of care for pregnant women in Soweto, South Africa. Global Health Action, 10(1), 1363454. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2017.1363454
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).

O apoio de pessoas importantes tem sido relacionado positivamente a hábitos saudáveis por parte das gestantes (Khooshehchin et al., 2016Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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). O estudo de Bäckström et al. (2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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) mostrou que gestantes que se sentem apoiadas e amparadas pelo companheiro tendem a buscar mais informação educacional sobre cuidados na gestação. Para as autoras, saber que podem compartilhar as experiências do período gravídico com o parceiro faz com que as gestantes se sintam mais tranquilas e motivadas em práticas de autocuidado. A pesquisa de Khooshehchin et al. (2016)Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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, por sua vez, identificou que ter boas relações com familiares e amigos favorece o desenvolvimento de estilos de vida saudáveis, no que tange aos cuidados com a alimentação e demais atividades cotidianas da gravidez. Nessa direção, a perspectiva da dinâmica relacional, que se sustenta pelo entendimento da estrutura e funcionamento dos seus membros, como se organizam, estabelecem e mantêm os vínculos (Cerveny & Berthoud, 1997Cerveny, C. M. O., & Berthoud, C. M. E. (1997). Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.), pode auxiliar na compreensão de como as redes sociais significativas auxiliam nas vivências das gestantes e no bom desenvolvimento gestacional.

No que concerne aos estudos na gestação de alto risco, evidenciaram-se poucas pesquisas em nível nacional e internacional que abarquem este contexto (Kliemann, Böing, & Crepaldi, 2017Kliemann, A., Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2017). Fatores de risco para ansiedade e depressão na gestação: revisão sistemática de artigos empíricos. Mudanças - Psicologia da Saúde, 25(2), 69-76. DOI: https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v25n2p69-76
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). Da mesma forma, constata-se a carência de pesquisas que se proponham a compreender, de modo aprofundado, as singularidades envolvidas no entendimento das redes sociais, haja vista que a literatura científica tem se concentrado, predominantemente, a partir da perspectiva do ‘apoio social’, compreendido como uma das funções desempenhadas pela rede social (Gonçalves, Pawlowski, Bandeira, & Piccinini, 2011Gonçalves, T. R., Pawlowski, J., Bandeira, D. R., & Piccinini, C. A. (2011). Avaliação de apoio social em estudos brasileiros: aspectos conceituais e instrumentos. Ciência & Saúde Coletiva, 16(3), 1755-1769. DOI: http://dx.doi. org/10.1590/S1413-81232011000300012
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) e analisado por meio de instrumentos de avaliação psicométrica (Aktas & Calik, 2015Aktas, S., & Calik, K. Y. (2015). Factors affecting depression during pregnancy and the correlation between social support and pregnancy depression. Iran Red Crescent Medical Journal, 17(9), e16640. DOI: https://doi.org/10.5812/ircmj.16640
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; Cankorur et al., 2015Cankorur, V. S., Abas, M., Berksun, O., & Stewart, R. (2015). Social support and the incidence and persistence of depression between antenatal and postnatal examinations in Turkey: a cohort study. BMJ Open, 5, e006456. DOI: DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2014-006456
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; Gebuza et al., 2014Gebuza, G., Kaźmierczak, M., Mieczkowska, E., Gierszewska, M., & Kotzbach, R. (2014). Life satisfaction and social support received by women in the perinatal period. Advances in Clinical and Experimental Medicine, 23(4), 611-619. DOI: https://doi.org/10.17219/acem/37239
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).

Com base no cenário apresentado, o objetivo deste estudo foi compreender a dinâmica relacional das redes sociais significativas de gestantes de alto risco. Considera-se que os resultados deste estudo possam fornecer subsídios para o avanço teórico e prático neste campo do conhecimento, de modo a possibilitar melhor atuação dos profissionais da saúde e aprimorar o planejamento de ações de promoção aos cuidados no pré-natal. Acredita-se que a compreensão das relações estabelecidas com a rede social significativa contribuirá para o desenvolvimento pessoal, conjugal e familiar de gestantes de alto risco, de modo a integrar as pessoas significativas como coprodutoras dos vínculos construídos e como agentes ativos do processo gravídico e do apoio oferecido à gestante.

Método

Participantes

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, da qual participaram 13 gestantes acompanhadas em um ambulatório de referência em pré-natal de alto risco, de um hospital público da região Sul do Brasil. A seleção seguiu os seguintes critérios de inclusão: a) gestantes em situação de alto risco, no terceiro trimestre de gestação; b) com idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídas as gestantes com os seguintes diagnósticos: a) malformação fetal; b) dependência química; c) transtorno mental grave e/ou incapacitante.

A escolha das participantes ocorreu por meio de amostragem por conveniência, do tipo intencional (Sampieri, Colado, & Lucio, 2013Sampieri, R. H., Colado, C. F., & Lucio, M. P. B. (2013). Metodologia de pesquisa. (D. V. Moraes, Trad.). Porto Alegre, RS: Penso.) e o número de entrevistadas seguiu o critério de saturação teórica, conforme proposto por Guest, Bunce e Johnson (2006Guest, G., Bunce, A., & Johnson, L. (2006). How many interviews are enough?: an experiment with data saturation and variability. Field Methods, 18(1), 59-82. DOI: DOI: https://doi.org/10.1177/1525822X05279903
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).

Instrumentos e técnicas de coleta

Foram utilizados os seguintes instrumentos e técnicas de coleta de dados:

  1. roteiro de entrevista semiestruturada, composto por itens norteadores: 1) dados sociodemográficos, 2) questões abertas sobre a gestação de alto risco e 3) sobre sua rede social significativa. Após a entrevista, ocorreu a construção do mapa de redes.

  2. mapa de redes: objetiva registrar, a partir de um modelo gráfico, os membros que integram a rede social significativa de um indivíduo, em um determinado momento da sua vida (Moré & Crepaldi, 2012Moré, C. L. O. O., & Crepaldi, M. A. (2012). O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspectiva Sistêmica, 21(43), 84-98.; Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). O desenho teve como referência o modelo de mapa de redes proposto por Sluzki (1997)Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo., composto por quatro quadrantes: família, amizade, relações comunitárias (incluem serviços de saúde e assistenciais) e relação de trabalho e/ou de estudo e três círculos concêntricos que retratam o grau de intimidade e o compromisso relacional do participante (Figura 1). O círculo interno representa as relações de maior intimidade, o círculo intermediário corresponde às relações pessoais com menor grau de contato, e o círculo externo refere-se às relações ocasionais (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Figura 1
Modelo de mapa de redes (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Procedimentos de coleta dos dados

O contato com a instituição ocorreu por meio de uma pessoa responsável pelo serviço de psicologia do ambulatório que auxiliou na ambientação do local e compreensão de sua dinâmica de funcionamenro. Solicitou-se indicação dos profissionais de saúde do ambulatório para selecionar as gestantes que estivessem em conformidade com os critérios de inclusão, de acordo com as informações obtidas em seus prontuários. O convite foi realizado pela pesquisadora em contato direto com a gestante, enquanto aguardava a consulta médica. A coleta ocorreu em consultórios disponíveis no ambulatório, iniciando as informações sociodemográficas, seguida da entrevista semiestruturada e construção do mapa de redes. As entrevistas foram gravadas para posterior transcrição e análise.

Organização e análise dos dados

A análise dos dados ocorreu por meio da técnica de análise de conteúdo categorial, do tipo temática, proposta por Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo(L. A. Rego & A. Pinheiro, Trad.). Lisboa, PT: Edições 70.), seguindo suas três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A categorização ocorreu através do processo de acervo que se caracteriza pelo estabelecimento de categorias após a coleta, ou seja, em paralelo com a análise dos dados (Bardin, 2011). Os dados das entrevistas foram organizados com o auxílio do software Atlas.ti (versão 7.0) e a nomeação das categorias teve como base as narrativas das participantes, os quadrantes dos mapas de redes e a literatura sobre a temática.

Considerações éticas

Este estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de referência das autoras, sob parecer consubstanciado, número 2.572.242. Foram respeitadas as normas aplicáveis a pesquisas em ciências humanas e sociais, conforme a Resolução nº 510 (2016Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. (2016). Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Conselho Nacional de Saúde. Recuperado dehttp://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
) do Conselho Nacional de Saúde. As participantes foram identificadas pela letra ‘P’, seguida da numeração da ordem das entrevistas, idade e condição de alto risco a fim de preservar seu anonimato. Por exemplo: P01, 24 anos, gestação gemelar.

Resultados e discussão

Caracterização das participantes

Participaram deste estudo 13 gestantes, com idades entre 18 e 38 anos. Quatro tinham ensino superior completo, três ensino superior incompleto, três ensino médio completo, duas haviam cursado ensino médio incompleto e uma o ensino fundamental incompleto. Quanto à religião, seis eram católicas, cinco evangélicas e duas espíritas. Oito participantes viviam em união estável e cinco eram casadas. Cinco mulheres já tinham filhos e oito estavam em sua primeira gestação. Todas as participantes desempenhavam atividade laboral e a renda média familiar foi de R$ 2.861,53, mensais. Com relação ao período gravídico, a semana gestacional variou de 28 a 37 semanas e as condições de alto risco foram: gestação gemelar (04 casos), diabetes mellitus (03 casos) e hipertensão arterial (03 casos). Casos de plaquetopenia, Síndrome de Von Hippel, obesidade, aderência intestinal, talacemia e urticária crônica tiveram um caso cada um dos quadros. Cabe mencionar que três gestantes apresentaram mais de uma condição de alto risco.

A seguir, apresentam-se os resultados e discussão das categorias que emergiram da análise dos dados. São elas: características estruturais das redes sociais significativas, relações familiares, relações de amizade, relações com a comunidade e relações de trabalho e estudo.

Características estruturais das redes sociais significativas

Esta categoria diz respeito à estrutura das redes sociais significativas das gestantes quanto às propriedades que as compõem, quais sejam: tamanho, composição, dispersão e homogeneidade, sendo que esta última foi mais especificada nas categorias subsequentes. Em relação ao tamanho, observou-se o predomínio de redes grandes por parte de nove participantes, com 13 a 29 integrantes. Outras três apresentaram redes médias (8 a 9 membros) e uma tinha rede pequena (6 membros). Oliveira e Dessen (2012Oliveira, M. R., & Dessen, M. A. (2012). Alterações na rede social de apoio durante a gestação e o nascimento de filhos. Estudos de Psicologia, 29(1), 81-88. doi: http://dx.doi. org/10.1590/S0103-166X2012000100009
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) encontraram, em sua pesquisa qualitativa sobre redes de apoio às gestantes, resultados diferentes destes, visto que observaram o predomínio de redes pequenas. Uma possibilidade para tal diferença pode estar no fato de que as participantes do referido estudo restringiram sua rede, principalmente, aos familiares, já as da presente pesquisa elencaram também amigos e pessoas da comunidade. De forma complementar, Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) aponta que nem as redes pequenas, nem as grandes são as ideais. O autor defende que as de tamanho médio são as mais efetivas, pois conseguem se organizar melhor para oferecer apoio. As redes com poucos integrantes podem sobrecarregá-los, gerando sofrimento emocional e podendo acarretar no afastamento desses indivíduos, enquanto que redes grandes podem ser ineficazes, visto que, por possuírem muitos membros, é atribuída ao outro a função de apoio.

No que tange à composição, somados os integrantes das redes das 13 participantes, constituíram o mapa de redes geral 194 membros. Destes, a maior parte (98) pertenceu ao quadrante da família, em que 58 foram alocados no primeiro círculo (de maior grau de proximidade). As redes de amizade e da comunidade tiveram número similar de membros, 42 e 46, respectivamente, também com predomínio de membros no círculo menor. A rede de trabalho e estudos foi a que teve menor número de membros, totalizando oito. Estes resultados revelam que, em todos os quadrantes, a maior localização de indivíduos estava no nível de maior intimidade, ou seja, de um total de 194 membros citados em todos os mapas de redes, 111 ficaram no grau de maior proximidade relacional para as gestantes. É possível considerar que quanto maior a proximidade dos vínculos, maior a intimidade e o compromisso relacional entre os envolvidos, o que pode ter como consequência maior frequência dos contatos, em que as participantes estejam cercadas de pessoas importantes a quem possam recorrer durante a gestação.

Em relação à dispersão, apenas no quadrante da família foram incluídos integrantes que migraram para outras cidades, Estados e/ou países, mesmo que essas pessoas, em sua maioria, tenham sido colocadas nos círculos mais afastados. No entanto, tal distanciamento físico não foi determinante para o afastamento emocional da gestante e dos integrantes da rede, cujos contatos ocorreram através de meios eletrônicos e internet. Nessa direção, Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) afirma que a distância entre o indivíduo e os membros da rede afeta o contato e o apoio recebido, uma vez que quanto menor a dispersão, maior a facilidade no acesso e a agilidade na resposta às necessidades de apoio. Porém, o autor reconhece que as transformações ocorridas na internet têm reformulado as possibilidades de interação e de manutenção das relações interpessoais.

Relações familiares

Esta categoria congrega os familiares que integraram as redes das participantes ao longo da gestação, o compromisso relacional estabelecido e as funções desempenhadas pelos seus membros. Por obter o maior número de citações, a família correspondeu a 51% do total de integrantes dos mapas de redes, tal como os resultados evidenciados nos estudos de Bäckström et al. (2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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) e Khooshehchin et al. (2016Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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), em que os familiares foram os mais significativos para as gestantes e os mais citados em termos de frequência. Dentre os membros mais citados, estavam pessoas da família nuclear e de origem, com destaque para o companheiro e a mãe, apontados respectivamente por 13 e 12 participantes. Uma única mulher não apontou a mãe, já falecida. Dentre as cinco gestantes que tinham filhos, quatro incluíram o filho em seus mapas. O pai e irmãos(ãs) foram mencionados por oito mulheres e permaneceram nos círculos de maior proximidade. Já no que se refere à família ampliada, houve predomínio da sogra e da cunhada, apontadas por sete participantes, as quais também ficaram nos círculos mais próximos.

Com relação às funções desempenhadas, o apoio emocional foi destacado pelas participantes como uma das formas mais importantes de suporte e oferecido por todos os familiares. O companheiro, a mãe e o pai exerceram principalmente as funções de apoio emocional e ajuda material e de serviços, as quais envolveram o carinho, a preocupação com a saúde da gestante e do bebê, o apoio diante dos sintomas físicos, o exercício das tarefas domésticas, o preparo de alimentos saudáveis e cuidados com o(a) filho(a).

Tais resultados são confirmados no estudo de Gebuza et al. (2014Gebuza, G., Kaźmierczak, M., Mieczkowska, E., Gierszewska, M., & Kotzbach, R. (2014). Life satisfaction and social support received by women in the perinatal period. Advances in Clinical and Experimental Medicine, 23(4), 611-619. DOI: https://doi.org/10.17219/acem/37239
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), em que predominou o apoio emocional oferecido pelos familiares. Segundo os autores, a presença de tal apoio faz com que as gestantes se sintam acolhidas e compreendidas frente às preocupações com o parto e a saúde do bebê, repercutindo no seu bem-estar. Dentre os familiares, também houve destaque para o companheiro e em especial o apoio emocional por ele oferecido à gestante. Na perspectiva de Bäckström et al. (2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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), o apoio emocional por parte do companheiro pode melhorar a comunicação entre a díade, fazendo com que as participantes sintam maior abertura para compartilhar seus anseios, bem como pode contribuir para a aproximação do casal e aumentar a confiança no relacionamento. Por outro lado, de acordo com Kliemann et al. (2017Kliemann, A., Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2017). Fatores de risco para ansiedade e depressão na gestação: revisão sistemática de artigos empíricos. Mudanças - Psicologia da Saúde, 25(2), 69-76. DOI: https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v25n2p69-76
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), a fragilidade das relações conjugais, familiares e a falta de apoio da rede familiar constituem importantes fatores de risco para o desenvolvimento de sintomas depressivos e ansiosos na gestação.

No tocante às singularidades das narrativas, as particularidades de cada condição de alto risco exigiram das gestantes mudanças de hábitos, cuidados especializados e mobilizaram nos familiares o senso de proteção, por vezes considerado excessivo, como no relato: “Ele [companheiro] não deixa eu fazer nada dentro de casa. Ele é megaprotetor. Tu não tem noção de como ele é protetor. Me sufoca (P08, 27 anos, Síndrome de Von Hippel). Por meio desses relatos, observa-se que o apoio oferecido pelos familiares nem sempre é percebido como positivo, podendo se caracterizar como excessivo, por exemplo, através do exagero de proteção e restrições em razão da gestação ou mesmo a partir do compartilhamento de experiências negativas por parte dos membros da família (Piccinini et al., 2012Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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). Dessa forma, é importante considerar a maneira com a qual será oferecido o apoio, sob pena de suscitar efeito contrário, gerando medo e insegurança às gestantes (Bäckström et al., 2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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).

As narrativas revelaram ainda a fragilidade das relações estabelecidas entre algumas participantes e suas mães, antes mesmo da gestação: “não foi muito amiga na minha adolescência [...] nunca sentou, parou pra conversar” (P02, 20 anos, gestação gemelar). Por outro lado, apareceu o desejo de reaproximação com a mãe, por querer “que ela fosse mais próxima de mim e da minha filha” (P11, 29 anos, diabetes mellitus) e a possibilidade de estreitamento dos vínculos, durante a gravidez. Ressalta-se que, mesmo algumas mães tendo sido referidas como mais afastadas, elas foram colocadas no círculo de maior intimidade nos mapas de redes. Os resultados destacam as possíveis crenças relacionadas ao ‘ser mãe’ e ao significado atribuído à função materna, mesmo não sendo uma das pessoas mais próximas, a história da relação construída e a ligação biológica se sobressaem.

Quanto à função desempenhada pelos(as) filhos(as), o apoio emocional traduziu-se por meio do carinho, afeto e compreensão sobre o momento vivenciado pelas gestantes e foi apontado como uma surpresa positiva, conforme ilustra o relato: “de todo mundo que foi importante, a reação dele [filho] era a que mais me preocupava e foi a melhor de todas” (P01, 24 anos, gestação gemelar). A preocupação frente à reação dos filhos coaduna-se a apreensão da própria mulher quanto à gestação de alto risco, ao parto e às adaptações frente à nova rotina que se estabelecerá com o nascimento do bebê (Cankorur et al., 2015Cankorur, V. S., Abas, M., Berksun, O., & Stewart, R. (2015). Social support and the incidence and persistence of depression between antenatal and postnatal examinations in Turkey: a cohort study. BMJ Open, 5, e006456. DOI: DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2014-006456
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).

A função de guia cognitivo e de conselhos, por sua vez, foi diretamente relacionada aos membros do sexo feminino, quais sejam, a mãe, as irmãs, a sogra e as cunhadas. Todas as mulheres citadas tinham filhos e os conselhos eram direcionados à experiência da gravidez, à atenção à saúde da gestante e aos cuidados para com o bebê. Estes resultados podem ser compreendidos a partir do que Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) denomina de homogeneidade entre os membros da rede, como, por exemplo, mesmo gênero e estar passando pela mesma etapa do ciclo de vida. A semelhança entre tais características pode favorecer a identificação com as atuais vivências dos envolvidos e auxiliar na proximidade dos vínculos (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Relações de amizade

Esta categoria refere-se às pessoas significativas nas relações de amizade, ao longo da gestação, no que tange à proximidade com seus membros e às funções desempenhadas. Por meio da construção dos mapas de redes, foi possível identificar o predomínio de redes de amizade de tamanho pequeno (1 a 6 membros). Observou-se, ainda, maior concentração de pessoas nos dois níveis de maior intimidade, o que evidencia que, apesar de pequena, a rede ganha destaque pelo grau de intimidade entre as participantes e seus amigos.

As principais funções desempenhadas pelos amigos foram: apoio emocional, ajuda material e de serviços e guia cognitivo e de conselhos, exemplificados no relato: “[a amiga citada] é uma pessoa carinhosa. Tem bons conselhos [...] me ajuda com bastante coisa. Fralda pro bebê. Pergunta como eu estou, se estou fazendo o pré-natal” (P10, 31 anos, hipertensão e obesidade). O apoio emocional envolveu a manifestação de preocupação através de questionamentos sobre o bem-estar da gestante e do bebê, demonstração de carinho e atenção, além de um espaço que propiciasse a escuta às suas necessidades. Quanto à ajuda material e de serviços, emergiram o auxílio nos cuidados com o filho e o apoio para o enxoval do bebê. Já no que concerne ao guia cognitivo e de conselhos, as participantes caracterizaram-no pelas orientações quanto aos cuidados na gestação, dicas sobre a alimentação e troca de experiências sobre a gestação com amigas que têm filhos.

Mesmo tendo sido citados poucos amigos nas redes individuais das participantes, o tamanho não foi um fator impeditivo do apoio oferecido, visto que os membros exerceram diferentes tipos de apoio. Tal resultado vai ao encontro dos estudos de Bäckström et al. (2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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) e Mlotshwa et al. (2017Mlotshwa, L., Manderson, L., & Merten, S. (2017). Personal support and expressions of care for pregnant women in Soweto, South Africa. Global Health Action, 10(1), 1363454. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2017.1363454
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) que apontam que os amigos podem desempenhar apoio de formas variadas, por meio do apoio prático, a partir do esclarecimento de dúvidas referentes aos sintomas físicos na gestação, preparativos para o parto, cuidados para com o bebê após o nascimento (Bäckström et al., 2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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) e por meio do apoio emocional, oferecendo um espaço de escuta, em que as gestantes possam dialogar e compartilhar suas emoções sobre a gravidez (Mlotshwa et al., 2017Mlotshwa, L., Manderson, L., & Merten, S. (2017). Personal support and expressions of care for pregnant women in Soweto, South Africa. Global Health Action, 10(1), 1363454. DOI: https://doi.org/10.1080/16549716.2017.1363454
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).

De acordo com as participantes, o processo gestacional em si e as semelhanças relacionadas às experiências do ciclo de vida (gênero, idade, ter tido filho e/ou ter filhos da mesma idade) contribuíram para a (re)aproximação dos vínculos de amizade. Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) corrobora que a homogeneidade dos integrantes da rede, através de características demográficas similares, tais como, idade, sexo, questões econômicas e culturais, favorece o senso de identificação e reconhecimento com o outro, o que pode facilitar o compartilhamento de experiências e a reciprocidade no apoio. Por outro lado, as narrativas visibilizaram a possibilidade de fragilidade dos vínculos de amizade durante a gestação: “Parece que depois que a gente engravida, os amigos esquecem da gente. Meio que se ausentam. Quem não tem filho, que é uma outra realidade, estão vivendo uma fase diferente da minha. Eu sinto falta” (P13, 24 anos, gestação gemelar).

Cabe ressaltar que o afastamento dos vínculos abarca outros elementos como o fato de amigos que estão passando por etapas diferentes no seu desenvolvimento individual se distanciarem por estarem vivenciando experiências e desafios distintos. A própria gestação e o processo de constituição da maternidade estão atrelados a uma série de mudanças no desenvolvimento da mulher. Oliveira e Dessen (2012Oliveira, M. R., & Dessen, M. A. (2012). Alterações na rede social de apoio durante a gestação e o nascimento de filhos. Estudos de Psicologia, 29(1), 81-88. doi: http://dx.doi. org/10.1590/S0103-166X2012000100009
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) reiteram que o ciclo gravídico é um dos períodos de maior alteração na vida de um indivíduo e pode impactar a saúde da gestante e influenciar no afastamento das atividades cotidianas e do convívio com os amigos. Khooshehchin et al. (2016Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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) alertam que tal distanciamento, associado à falta de apoio dos amigos, pode gerar maior sensação de abandono e vulnerabilidade à gestante, contribuindo para o seu isolamento social.

Relações com a comunidade

Esta categoria congrega pessoas significativas da comunidade (vizinhos, credo religioso, serviços de saúde e assistenciais), grau de compromisso relacional com as gestantes e funções exercidas. Dentre os membros desta rede, 13 eram vizinhos e desempenharam funções de ajuda material e de serviço e de apoio emocional. Observou-se que a funcionalidade da vizinhança apareceu direcionada à sua coletividade e não às características individuais e que embora os vizinhos tenham sido colocados no mapa de redes no círculo de menor grau de compromisso relacional, destacou-se a importância da proximidade física com seus membros, atribuída à percepção de segurança, por terem a quem recorrer, se necessário. A relação entre gestantes e sua vizinhança pode ter influência na saúde psicológica materna. Giurgescu et al. (2015Giurgescu, C., Misra, D. P., Sealy-Jefferson, S., Caldwell, C. H., Templin, T. N., Slaughter, J. C., & Osypuk, T. L. (2015). The impact of neighborhood quality, perceived stress, and social support on depressive symptoms during pregnancy in African American women. Social Science & Medicine, 130, 172-180. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.02.006
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) identificaram que a baixa qualidade das relações estabelecidas com os vizinhos esteve associada à percepção de baixo apoio social e a níveis mais altos de sintomas depressivos e de estresse na gestação.

Uma participante mencionou o grupo de gestantes, desenvolvido em uma Unidade Básica de Saúde, composto por dez membros, cujas funções foram: apoio emocional e guia cognitivo e de conselhos. O grupo foi citado como um importante espaço de troca de experiências e emoções referentes ao processo gestacional. O apoio recebido de mulheres que estavam vivenciando ou já haviam vivenciado a gestação contribuiu para o sentimento de tranquilidade e segurança, como apontado por Bäckström et al. (2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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). No referido estudo, o compartilhamento de experiências com outras gestantes favoreceu a sensação de reconhecimento e de pertencimento a um grupo, estimulando aprendizados a partir da busca por informação e pelo esclarecimento de dúvidas sobre a maternidade com as demais integrantes (Bäckström et al., 2017Bäckström, C., Larsson, T., Wahlgren, E., Golsäter, M., Mårtensson, L. B., & Thorstensson, S. (2017). ‘It makes you feel like you are not alone’: expectant first-time mothers’ experiences of social support within the social network, when preparing for childbirth and parenting. Sexual & Reproductive Healthcare, 12, 51-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2017.02.007
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).

Ainda no que se refere ao quadrante da comunidade, os serviços de saúde foram os mais destacados em relação à frequência de citações (do total de 46 pessoas, 29 eram profissionais relacionados à área da saúde) e a maioria (16 membros) estava no nível mais próximo, correspondendo ao das pessoas com maior grau de proximidade relacional. Todas as participantes referiram, ao menos, um membro do contexto de saúde, sendo o médico, o profissional elencado por todas as gestantes (21 vezes), seguido das enfermeiras com sete citações e da nutricionista mencionada uma vez. Dentre os citados, houve maior proporção de profissionais no âmbito hospitalar, totalizando 18 membros (17 eram médicos, 9 do Ambulatório de Pré-Natal de Alto Risco e 8 de outros setores do hospital). Já a Unidade Básica de Saúde (UBS) correspondeu a 11 membros.

Dentre as funções desempenhadas pelos médicos, enfermeiras e nutricionista, destacou-se a de guia cognitivo e de conselhos, através do esclarecimento de dúvidas e orientações sobre os cuidados na gestação. Tal função esteve direcionada, principalmente, ao acompanhamento do desenvolvimento do bebê, dos sintomas da gestação e avaliação contínua do estado de alto risco. Já a atenção e a preocupação com a gestante e com o bebê foram tidas como significativas expressões de apoio emocional e em um caso houve a função de acesso a novos contatos por meio do encaminhamento à nutricionista. Nesse sentido, conforme Oliveira e Madeira (2011Oliveira, V. J., & Madeira, A. M. F. (2011). Interagindo com a equipe multiprofissional: as interfaces da assistência na gestação de alto risco. Escola Anna Nery, 15 (1), 103-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452011000100015
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), as informações e orientações prestadas pelos profissionais de saúde fazem com que as gestantes sintam autoconfiança e amparo diante da experiência de uma gravidez de alto risco, como corroborado pela narrativa: “Eu confio 100% em tudo o que ele [médico] me falar. Ele passa uma tranquilidade. Ele é sempre muito querido. Muito gentil comigo” (P01, 24 anos, gestação gemelar).

A importância dirigida à função de guia cognitivo e de conselhos também foi identificada por Oliveira e Madeira (2011Oliveira, V. J., & Madeira, A. M. F. (2011). Interagindo com a equipe multiprofissional: as interfaces da assistência na gestação de alto risco. Escola Anna Nery, 15 (1), 103-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452011000100015
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201100...
) e Khooshehchin et al. (2016Khooshehchin, T. E., Keshavarz, Z., Afrakhteh, M., Shakibazadeh, E., & Faghihzadeh, S. (2016). Perceived needs in women with gestational diabetes: A qualitative study. Electronic Physician, 8(12), 3412-3420. DOI: http://dx.doi.org/10.19082/3412
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). Oliveira e Madeira (2011)Oliveira, V. J., & Madeira, A. M. F. (2011). Interagindo com a equipe multiprofissional: as interfaces da assistência na gestação de alto risco. Escola Anna Nery, 15 (1), 103-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452011000100015
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reforçam a importância da qualidade dos vínculos desenvolvidos na gravidez, uma vez que a boa relação estabelecida entre a gestante e os profissionais de saúde tende a facilitar a confiança e a adesão às orientações sobre o processo gestacional, parto e puerpério. Já no estudo de Piccinini et al. (2012Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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), para além da atenção à dimensão orgânica e às informações educativas, as participantes apontaram para a necessidade de atentar às suas demandas emocionais, embora tenham reconhecido que tal apoio não tenha sido efetivamente oferecido pelos profissionais da saúde, fazendo com que as gestantes recorressem ao apoio emocional em outros espaços.

No que diz respeito à centralidade do médico no atendimento em saúde, os resultados da presente pesquisa vão ao encontro dos estudos de Oliveira e Mandú (2015Oliveira, D. C., & Mandú, E. N. T. (2015). Mulheres com gravidez de maior risco: vivências e percepções de necessidades e cuidado. Escola Anna Nery, 19(1), 93-101. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20150013
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) e Piccinini et al. (2012Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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), em que este profissional foi apontado pelas gestantes como sendo o mais importante no acompanhamento pré-natal. Tal referência indica o significado atribuído à saúde e à condição de alto risco, na perspectiva das gestantes que, por sua vez, refletem as concepções e práticas exercidas em espaços de saúde, os quais, valorizam, sobretudo, condutas que privilegiam o bom desempenho físico e o controle de sintomas (Oliveira & Mandú, 2015Oliveira, D. C., & Mandú, E. N. T. (2015). Mulheres com gravidez de maior risco: vivências e percepções de necessidades e cuidado. Escola Anna Nery, 19(1), 93-101. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20150013
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). Ademais, uma vez que a gestação de alto risco está associada a problemas, principalmente, de ordem biológica e a maior chance de complicações, o médico passa a ser o profissional mais valorizado para o cuidado de tal condição.

Observou-se ainda a comparação entre os serviços da UBS e do Ambulatório de Pré-Natal de Alto Risco. As narrativas diziam respeito a maior segurança com o Ambulatório por ser um espaço especializado no atendimento de alto risco, cuja frequência das consultas e a agilidade na realização e no resultado dos exames mostraram-se mais resolutivas: “Na Unidade [Unidade Básica de Saúde] os exames demoram mais, a consulta tem que esperar mais. Aqui não, eu saio do consultório, eu vou ali, eu marco o exame, eu tenho a data certa pro retorno [...] eu me sinto mais segura” (P09, 20 anos, talacemia e urticária crônica).

A preferência pelo atendimento nos casos de gestação de alto risco em um serviço especializado é corroborado pela literatura científica (Oliveira & Madeira, 2011Oliveira, V. J., & Madeira, A. M. F. (2011). Interagindo com a equipe multiprofissional: as interfaces da assistência na gestação de alto risco. Escola Anna Nery, 15 (1), 103-109. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452011000100015
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; Oliveira & Mandú, 2015Piccinini, C. A., Carvalho F. T., Ourique, L. R., & Lopes, R. S. (2012). Percepções e sentimentos de gestantes sobre o pré-natal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(1), 27-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000100004
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), fato este que se associa à regularidade das consultas, à realização de exames, aos recursos que a UBS não disponibiliza, à prescrição de medicamentos, à avaliação contínua de intercorrências e à possibilidade de internação a qualquer momento (Oliveira & Mandú, 2015). Cabe ressaltar que, quando diagnosticada uma gestação de alto risco, o pré-natal passa a ser encaminhado a um ambulatório especializado, por se tratar de um serviço de maior complexidade, que possui uma gama de recursos e fluidez dos processos, a fim de não agravar a gravidez.

Relações de trabalho e estudo

Esta categoria abrange as pessoas das relações de trabalho e/ou estudo que foram consideradas importantes para as participantes na gestação, bem como a proximidade dos vínculos estabelecidos e as funções desempenhadas. Houve poucos membros na rede social significativa das mulheres nesse quadrante, totalizando oito integrantes. Sete gestantes referiram não ter nenhuma pessoa importante neste contexto. Cumpre destacar que nenhuma participante estava estudando no momento da entrevista e todas desenvolviam atividade laboral. Das que trabalhavam, seis continuavam no trabalho e sete estavam afastadas por conta da gestação. Esta pode ser uma das características relacionadas ao tamanho desta rede, considerando a diminuição da frequência dos contatos com colegas de trabalho. De acordo com pesquisas sobre o tema durante a gestação e mesmo após o parto, a prioridade passa a ser os cuidados à saúde materna e do bebê, o que pode acarretar no afastamento do trabalho (Oliveira & Dessen, 2012Oliveira, M. R., & Dessen, M. A. (2012). Alterações na rede social de apoio durante a gestação e o nascimento de filhos. Estudos de Psicologia, 29(1), 81-88. doi: http://dx.doi. org/10.1590/S0103-166X2012000100009
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; Piccinini et al., 2008Piccinini, C. A., Gomes, A. G., Nardi, T., & Lopes, R. S. (2008). Gestação e a constituição da maternidade. Psicologia em Estudo, 13(1), 63-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722008000100008
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).

Quanto aos membros mencionados, apenas uma participante fez alusão a uma ex-colega de estudo, a qual exerceu apoio emocional por meio da manifestação de preocupação sobre o bem-estar da gestante e do bebê. Dentre os integrantes do ambiente laboral, foram citados colegas de trabalho, chefes e sócio, tendo sido destacados o apoio emocional, por meio da compreensão do momento vivenciado pela gestante, e a ajuda de material ao disponibilizar um ambiente confortável para a gestante e dar presentes como roupas e fraldas para o bebê.

A partir da compreensão de que a gestação envolve um momento de instabilidade emocional e a necessidade de reorganização em termos profissionais e econômicos, o estabelecimento de relações significativas no âmbito do trabalho pode se constituir como um importante recurso a ser acionado durante a gravidez e como potencial meio de apoio após o retorno ao trabalho. Nesse sentido, Sluzki (1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) acrescenta que o distanciamento físico pode dificultar a frequência dos contatos entre os membros, mas quando estes passam a se reaproximar, pode aumentar a possibilidade de reativação dos vínculos.

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo compreender a dinâmica relacional das redes sociais significativas de gestantes de alto risco. Frente a um período de maior mobilização psicológica, destacou-se o apoio emocional desempenhado pelos integrantes da rede, o qual reforça a necessidade de se atentar para a saúde mental das gestantes. Houve predomínio de membros da família e, de maneira geral, foram desempenhadas diferentes funções por todos os membros das redes, sendo um recurso importante a ser acionado ao longo do processo gestacional das participantes.

Com relação à comparação entre os serviços oferecidos nas Unidades Básicas de Saúde e no Ambulatório de Pré-natal de Alto Risco, destaca-se que as práticas terapêuticas devem ocorrer de maneira complementar e não conflitiva, ou seja, é importante que as gestantes sigam vinculadas à UBS, e que esta continue sendo referência na atenção em saúde. Ainda que permaneça acompanhando o processo gestacional, promovendo ações educativas à gestante e aos demais membros da sua rede, como forma de fortalecer os cuidados no pré-natal e a continuidade da assistência que segue no período pós-parto.

Pode-se dizer que o presente estudo contribuiu para a produção científica acerca das redes sociais significativas no contexto da gestação de alto risco, por detalhar e aprofundar a configuração do contexto de tais redes. Permitiu também identificar os distintos tipos de funções exercidas pelos integrantes da rede, sendo estes, por vezes, pouco evidenciados na literatura científica. Possibilitou, ainda, identificar a proximidade dos vínculos, as funções desempenhadas e as particularidades de cada contexto relacional (familiar, de amizade, comunitário, de trabalho e estudo).

Em termos metodológicos, o uso do mapa de redes facilitou o reconhecimento dos integrantes e contribuiu para dar visibilidade à rede como importante recurso de enfrentamento em situações desafiadoras vivenciadas pelas gestantes. Ademais, o mapa de redes pode ser um instrumento utilizado no conjunto de intervenções profissionais, como forma de as equipes de saúde identificarem as pessoas significativas da gestante e planejarem intervenção em conjunto com a rede.

A compreensão da dinâmica relacional das gestantes e suas redes abre possibilidades de intervenção para o planejamento de ações de promoção à saúde que envolvam as redes, estimulando a participação ativa das próprias gestantes nas práticas de saúde. Os resultados deste estudo podem fomentar reflexões para o desenvolvimento de políticas públicas à gestante e sua família, tanto durante a gestação, como no período pós-parto. Pode ainda se constituir como um importante meio de dar visibilidade aos diferentes profissionais da saúde, para que possam desenvolver estratégias de saúde integradas.

Dentre as limitações deste estudo, observou-se a dificuldade em acessar as participantes e realizar as entrevistas. Tal dificuldade foi relacionada aos critérios de inclusão propostos que restringiram o número de mulheres que poderiam participar. Soma-se a esse fato o receio das gestantes em se atrasar para as consultas médicas, mesmo tendo lhes explicado a previsão de tempo para os atendimentos e a combinação com os demais profissionais sobre a execução da pesquisa e garantia da consulta.

Por fim, sugere-se a realização de estudos longitudinais para acompanhar as transformações durante a gestação, no período que segue após o nascimento do bebê e ao longo do desenvolvimento infantil. Bem como, que sejam contemplados mais detalhes da caracterização das participantes, como informações sobre características étnicas, coabitantes, condições da vizinhança e a distância geográfica com o serviço de saúde. Estudos que integrem as redes sociais significativas de gestantes de alto risco, especificamente os vínculos com os serviços de saúde e as decisões sobre os cuidados em saúde, podem fortalecer a relação das gestantes com os profissionais e conferir maior segurança à gestante sobre as escolhas e comportamentos em saúde durante e após a gravidez. Além disso, novas pesquisas podem ser desenvolvidas com os profissionais da saúde para conhecer suas práticas no contexto da gestação de alto risco e como compreendem as redes sociais significativas nesse momento da vida das mulheres. Por último, estudos voltados aos demais membros que integram as redes sociais das gestantes podem favorecer o compartilhamento de experiências entre eles e o apoio mútuo entre os envolvidos no processo gestacional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2019
  • Aceito
    11 Set 2020
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