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O papel do conflito sociocognitivo na aquisição da conservação de comprimento<a name=n1></a>

The role of social-cognitive conflict in acquiring conservation of length

Resumos

O objetivo deste trabalho foi o estudo das formas de passagem de um nível não operatório a um nível operatório de pensamento, mediada por situações de conflito sociocognitivo em duplas de crianças entre 5, 6 e 7 anos, em três sessões de interação social frente à prova de conservação de comprimento. Os resultados evidenciaram a criação de cinco padrões de conduta de aprendizagem, indo desde a presença de flutuações constantes até a estabilidade da resposta desde o primeiro argumento operatório. Concluiu-se que o uso da técnica do conflito sociocognitivo foi eficaz na promoção da aprendizagem de sujeitos.

aprendizagem; conflito sociocognitivo; interação social


The objective of this paper was to study the passage of non-operative to operative level of thinking, mediated by social-cognitive situations in pairs of 5, 6 and 7 old children. Three sessions of social interaction were conducted to evaluate knowledge of conservation of length in the children. Results revealed five patterns of learning conducts, ranging from the presence of constant fluctuations to answer stability since the first operative argument. Therefore this work concluded that the use of the social-cognitive conflict technique was efficient in promoting learning in the subjects.

learning; social-cognitive conflict; social interaction


ARTIGOS

O papel do conflito sociocognitivo na aquisição da conservação de comprimento1 1 Artigo baseado na tese de doutorado da referida autora intitulada: "Padrões de Condutas de Aprendizagem por Conflito Sócio-Cognitivo em Conteúdo Operatório".

The role of social-cognitive conflict in acquiring conservation of length

Claudia Araújo da Cunha

Docente Adjunto 3 da Faculdade de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Claudia Araújo da Cunha, Rua Eduardo Márquez, 909, apart. 1202, Bairro Martins, CEP 38400-442, Uberlândia-MG. E-mail: ccunha@triang.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi o estudo das formas de passagem de um nível não operatório a um nível operatório de pensamento, mediada por situações de conflito sociocognitivo em duplas de crianças entre 5, 6 e 7 anos, em três sessões de interação social frente à prova de conservação de comprimento. Os resultados evidenciaram a criação de cinco padrões de conduta de aprendizagem, indo desde a presença de flutuações constantes até a estabilidade da resposta desde o primeiro argumento operatório. Concluiu-se que o uso da técnica do conflito sociocognitivo foi eficaz na promoção da aprendizagem de sujeitos.

Palavras-chave: aprendizagem, conflito sociocognitivo, interação social.

ABSTRACT

The objective of this paper was to study the passage of non-operative to operative level of thinking, mediated by social-cognitive situations in pairs of 5, 6 and 7 old children. Three sessions of social interaction were conducted to evaluate knowledge of conservation of length in the children. Results revealed five patterns of learning conducts, ranging from the presence of constant fluctuations to answer stability since the first operative argument. Therefore this work concluded that the use of the social-cognitive conflict technique was efficient in promoting learning in the subjects.

Key words: learning, social-cognitive conflict, social interaction.

INTRODUÇÃO

Sabedora da incidência de uma série de fatores na promoção da aprendizagem, a presente pesquisa partiu do princípio de que a aprendizagem pode também ser vista como um processo em desenvolvimento, durante sessões de intervenção por conflito sociocognitivo. Esse procedimento adotado sugeriu-nos a criação de padrões de conduta diferenciados, uma vez que a cada situação de transformação da prova de conservação de comprimento as respostas dos sujeitos foram diversas, legitimando, pois, a categorização de padrões evolutivos.

Destarte este trabalho coletou dados quanto à aprendizagem em processo de crianças em um determinado conteúdo. De acordo com informações de educadores, o que foi aprendido pelos alunos se constitui como algo pronto e acabado, e a tendência hoje é que esses profissionais possam compreender o que acontece durante um processo de aprendizagem. Logo, a aprendizagem vista como um produto final vai sendo substituída pela necessidade da busca de padrões de conduta de aprendizagem analisados a partir de um estudo da aprendizagem enquanto processo.

Muitos trabalhos, como os de Smedslund (1961) e Piaget e Gréco (1974), já foram realizados visando a um estudo pormenorizado sobre as questões de aprendizagem, envolvendo, basicamente, o aparecimento das operações concretas.

Smedslund (1961) e Murray (1968) já apontavam resultados positivos do conflito cognitivo em suas investigações. Os autores constataram que a reequilibração das estruturas assimilativas acontecia com acomodações ao novo.

Outros estudos sobre aprendizagem que utilizaram o conflito cognitivo (Mendes, 1989, Yaegashi, 1992; Martinelli, 1992; Liesenberg, 1992; Louro, 1993 e Pereira, 1995, dentre outros) foram realizados dentro de uma perspectiva piagetiana. Todos eles discutiram novas maneiras de acelerar o aparecimento de algumas noções que, em sua maioria, referiram-se às aquisições operatórias. Essas pesquisas estão entre as primeiras a serem realizadas no país sobre o assunto. Os autores buscaram intervir em um conteúdo, fosse ele operatório ou de criatividade, e a partir de então, analisaram os resultados encontrados. No âmbito nacional, mais recentemente, alguns autores, como Troncoso (1998), Pacheco (1998), Nunes (1998) e Garcia (1999), realizaram pesquisas que privilegiaram o procedimento por conflito sociocognitivo e provas operatórias e de possíveis.

Os efeitos produzidos socialmente se juntaram também a algumas variáveis empregadas na busca da mudança de nível cognitivo dos sujeitos envolvidos. A utilização de modelos como videotapes, instruções diferenciadas nas contra-argumentações frente a respostas de tarefas e possibilidades de solução às colocações dos sujeitos foram algumas estratégias criadas para promover mudanças cognitivas nos sujeitos.

A técnica do conflito cognitivo, que teve seus pressupostos definidos por Sisto (1993), demonstrou ser eficaz na promoção da aprendizagem. O conflito cognitivo ou perturbação, como o nomeou Piaget (1976), deu margem ao surgimento de outro conceito, preconizado por Mugny e Doise (1983), intitulado conflito sociocognitivo. Essa técnica foi privilegiada nesse trabalho de uma forma diferenciada das demais publicações na área de psicologia educacional. A partir da análise dos padrões de conduta produzidos por situações de conflito sociocognitivo, pretendeu-se demonstrar a evolução de um nível de operatoriedade a outro.

Quando se coloca uma criança sem indícios de operatoriedade frente à situação de modificação de uma das estradas na prova de conservação de comprimento, depois de inicialmente aceitar a igualdade de duas estradas, ela pode relatar que as duas estradas eram iguais e que agora uma das estradas ficou como estava e a outra ficou mais comprida ou mais curta. Na realidade, são dados exteriores que a experiência oferece, chamados observáveis. Por um lado, se a criança relatou que as duas estradas tinham tamanhos diferentes, ela se baseou em um dado perceptivo, ou melhor, num dado observável lido nos fatos imediatos.

Por outro lado, a criança pode inferir que as duas estradas tinham o mesmo comprimento e não se tirou nem se acrescentou nenhum palito a essas estradas. Essa inferência se dá com base na coordenação dessas ações. Além disso, a criança pode inferir também que o tamanho é o mesmo, uma vez que, se voltar à posição original, ficará igual novamente. Outra possibilidade é a comparação de uma estrada com a outra, enfatizando que uma delas parece mais curta ou mais comprida, mas é somente a configuração que favorece tal constatação. De fato as duas estradas continuam do mesmo tamanho. Nesse sentido, a coordenação implica em inferências e ultrapassa o observável, isto é, a leitura imediata dos dados a partir da experiência.

Para Piaget (1976), um fato observável não é puro, mas dependente e condicionado por dados observáveis e coordenações anteriores. Esses dados observáveis e coordenações das ações configuram determinadas situações, que dependem do tipo de perturbação que se instaure no sistema cognitivo do sujeito e implica em regulações, seja por reforço seja por correção.

A perturbação pode ser de dois tipos: ou está ligada às resistências do objeto, ou seja, aos obstáculos às assimilações recíprocas e explicam fracassos ou erros. Nesse caso, as regulações implicam em feedbacks negativos.

Quando se deseja que a criança sem indícios de operatoriedade se descentre, trabalha-se com as resistências do objeto, a partir do momento em que fornece à criança uma negação a uma afirmação anteriormente feita por ela. O feedback negativo acaba por assumir a forma de inversões ou reciprocidades.

Segundo Sisto (1993), a perturbação ou o conflito cognitivo, como é chamado em situação de aprendizagem, funciona também a partir do fornecimento de um elemento apenas como possibilidade de ocorrência do fenômeno, preenchendo lacunas. Trata-se de um prolongamento de ações. O sujeito estaria agindo a partir de possibilidades, assim a regulação reproduziria ou conservaria variações possíveis, chamadas de feedbacks positivos.

O conflito cognitivo, com o intuito de produzir indícios de pensamento operatório concreto, age em torno de regulações ativas. Nessas, há necessidade de uma mudança de meios, de hesitação entre meios diversos, sendo ocasionada, então, a necessidade de escolha. Quando se pretende que o sujeito apresente indícios de operatoriedade a partir das regulações ativas, elementos novos são fornecidos a fim de produzir uma mudança, sejam aspectos negativos que se contrapõem a uma afirmativa do sujeito seja o preenchimento de lacunas (aspectos que não se contrapõem).

Cabe enfatizar que as lacunas não apresentam, necessariamente, um caráter de perturbação, uma vez que nem toda perturbação apresenta caráter cognitivo. Isto significa que, para que se configure numa perturbação, há necessidade de um conhecimento necessário à solução do problema para que uma ação seja concluída a partir de um esquema já ativado. São regulações que implicam em feedbacks positivos, pois prolongam a atividade assimiladora, contrariamente ao feedback negativo, que se contrapõe ao aspecto positivo fornecido pela criança a respeito de dada situação.

A perturbação também pode não comportar uma regulação, seja ela por feedback positivo ou negativo, já que não há necessidade de prolongamento de ação nem obstáculos a serem ultrapassados. A perturbação, nesse caso, provocaria somente uma repetição da ação.

O feedback negativo procura afastar obstáculos, anular ações e modificar esquemas, chegando a eliminar um movimento em detrimento de outro. Já o feedback positivo é um reforço e generaliza elementos que compõem um esquema de assimilação, remediando uma lacuna.

Para Piaget (1976), feedbacks positivos e negativos funcionam concomitantemente, um reforça e o outro corrige, e são necessários a qualquer conduta, bem como à formação de qualquer estrutura ou esquema.

Diante do exposto, pretendeu-se proporcionar aos sujeitos condições de aprendizagem para que eles não mais negligenciem a perturbação, mas que possam, de fato, inseri-la como parte integrante de sua estrutura cognitiva.

MÉTODO

Sujeitos

Inicialmente, foram selecionadas aleatoriamente 77 crianças, de três instituições que atendem uma população de baixa renda, localizadas na cidade de Valinhos - SP. Para a fase experimental, entretanto, foram selecionadas, também aleatoriamente, 44 crianças, que, por sua vez, formaram 22 duplas, as quais não possuíam indícios de conservação na prova de comprimento. Assim, tais sujeitos passaram pelo procedimento experimental com conflito sociocognitivo.

PROCEDIMENTO

Prova de conservação de comprimento e critérios de classificação

A prova de conservação de comprimento utilizada no presente estudo passou por algumas mudanças em função de adaptações feitas pelo GEPESP (Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia que funciona na Faculdade de Educação da UNICAMP), a partir da prova original de conservação de comprimento a partir da deformação das linhas a comparar (Piaget, 1973). Foram utilizados os seguintes materiais: a) quatro palitos de madeira, medindo 7cm de comprimento por 0,8cm de largura, denominados palitos grandes, e nove palitos de madeira, medindo 4cm de comprimento por 0,8cm de largura, denominados palitos pequenos; e b) uma folha de registro elaborada para essa prova.

Pré-teste

A prova foi iniciada com a colocação de quatro palitos grandes alinhados em uma reta. Na seqüência, solicitou-se à criança que construísse com os palitos pequenos uma outra reta (ou uma outra “estrada”) do mesmo comprimento, ou do mesmo tamanho que a construída pelo experimentador. A reta que a criança construiu deveria conter sete palitos pequenos, para que ficasse do mesmo comprimento que a reta do experimentador. Caso a criança afirmasse que o comprimento das duas retas não era o mesmo, o experimentador deveria, em seguida, pedir à criança que fizesse com que a reta construída por ela ficasse do mesmo tamanho que a reta construída pelo experimentador.

Foram feitas, então, as transformações na reta construída pelo sujeito, mudando, primeiramente, o palito da extremidade esquerda para a extremidade direita. Na seqüência, foi perguntado à criança se as duas retas tinham o mesmo comprimento/tamanho ou se uma estava maior ou menor que a outra. Foi solicitado, também, à criança que justificasse sua resposta. Em seguida, procedeu-se a mais três transformações. A cada uma delas, foi solicitado à criança que dissesse se o comprimento das duas estradas era o mesmo. Após, a criança deveria justificar sua resposta. O formato de cada uma das transformações pode ser verificado na Figura 1 abaixo:


Critérios de classificação

Foram classificados como presentes aqueles sujeitos que afirmaram a igualdade de comprimento das duas estradas e justificaram suas respostas com argumentos de identidade, de compensação ou de inversão, em todas as situações de transformação da prova.

Foram classificados como intermediários os sujeitos que apresentaram resposta de conservação em pelo menos uma das transformações, afirmando a igualdade e justificando sua(s) resposta(s) com um dos argumentos operatórios. E, finalmente, foram classificados como ausentes os que não apresentaram resposta conservadora em todas as transformações e não afirmaram a igualdade, ou se chegaram a afirmar, não apresentaram quaisquer dos argumentos operatórios.

Processo de intervenção

Iniciou-se o processo de intervenção de um a três dias após o pré-teste. Esse processo constou de três sessões experimentais com as 22 duplas que compuseram a amostra do estudo. Para que os sujeitos experimentais tivessem a oportunidade de observar tipos diferentes de respostas frente à prova de conservação de comprimento, fossem de conservação ou de não-conservação, convidamos os sujeitos a assistirem a uma sessão de filme em vídeo, juntamente com um experimentador, um dia após a realização do pré-teste. Terminada a prova da primeira criança, o experimentador fazia pausa na apresentação, perguntando se eles tinham ouvido o que a criança do filme respondera. O experimentador fez nova pausa após a apresentação da segunda criança e repetiu a pergunta e instrução anteriores.

Duas sessões de intervenção foram precedidas por um filme que continha quatro crianças, realizando a prova de conservação de comprimento. Cada uma das crianças apresentou um tipo de comportamento na prova, cada qual num nível de operatoriedade, seja de conservação seja de não-conservação, com o intuito de que os sujeitos experimentais tivessem a oportunidade de observar tipos diferentes de resposta frente à prova de comprimento. No total, foram exibidas duas sessões de vídeo, uma antes de cada situação de intervenção. A terceira intervenção não foi precedida da sessão de vídeo, uma vez que o experimento piloto demonstrou que não seria necessária.

Sessões experimentais

Os sujeitos ficaram sentados, um ao lado do outro, e foram designados como sujeitos A e B. Cada escolha definiu a ordem de questionamento durante todo o processo de intervenção. Para que ambos os sujeitos tivessem as mesmas chances de responder em primeiro lugar, o experimentador fez a pergunta inicial de cada situação alternadamente a cada um dos sujeitos.

Cada sessão consistiu de oito situações experimentais. A primeira situação consistiu da igualdade das duas retas e as transformações só ocorreram a partir da segunda situação. Assim, a partir da segunda situação, ou melhor, da primeira transformação na prova de conservação de comprimento, foram introduzidas sete situações de conflito, que tiveram por objetivo levar a dupla à construção de argumentos operatórios. As situações de transformação foram sempre seguidas de uma situação de conflito, exceto quando as crianças chegaram a argumentos operatórios após interagirem. Então, passaram à situação seguinte. Foram adotadas seqüências de conflitos cognitivos por identidade e por inversão. Tais seqüências consistiram em contra-argumentações que poderiam levar a respostas com argumentos operatórios.

Ao término de cada transformação, o experimentador solicitava a cada sujeito da dupla a justificativa de sua resposta. Em caso de discordância, o experimentador solicitava o acordo. Assim, foi possível destacar algumas possibilidades de resposta dos sujeitos diante da intervenção: o sujeito A pode concordar com o sujeito B, mas ambos não apresentaram argumentos operatórios; ou ambos podem apresentar o argumento, mesmo que diferentes. Por outro lado, o sujeito A pode discordar do sujeito B, mas ambos não apresentaram argumentos operatórios ou um dos dois apresentou argumento operatório e o outro não.

Pós-teste I – Pós-teste imediato

Após a última sessão de intervenção, os sujeitos foram pós-testados individualmente. A prova de conservação de comprimento foi a mesma do pré-teste. As respostas apresentadas pelos sujeitos foram classificadas nos níveis descritos no pré-teste, com o objetivo de avaliar as mudanças ocorridas ou não do pré-teste para o pós-teste imediato.

Pós-teste II – Pós-teste atrasado

Em torno de 25 dias após o término das sessões de intervenção foi executado um segundo pós-teste, ou melhor, um pós-teste retardado, idêntico ao primeiro. O objetivo deste pós-teste foi verificar a manutenção, evolução ou regressão das respostas do primeiro para o segundo pós-teste, ou do pré-teste para o segundo pós-teste.

RESULTADOS

Os dados foram computados a partir dos argumentos de não-conservação e de conservação fornecidos pelas duplas de sujeitos ao longo de cada situação de transformação na prova de conservação de comprimento. Cabe ressaltar que logo abaixo das sessões foram colocados os números 2, 3, 4, 5 e 6, com o objetivo de identificar as cinco transformações contidas na prova de conservação de comprimento. A situação de número 1 referiu-se ao reconhecimento de igualdade de ambas as estradas e por isso não foi considerada.

Foram testadas todas as respostas dos sujeitos frente às transformações da prova de comprimento e configuradas em um gráfico mostrado no Quadro 1.


Os padrões retrataram como os sujeitos se apresentaram desde a primeira situação de transformação da primeira sessão de intervenção até a última situação de transformação da última sessão de intervenção. O desempenho de cada sujeito durante o processo de intervenção foi então considerado e contribuiu para a criação de cinco padrões de conduta. Em seguida, códigos foram criados com o objetivo de identificar os sujeitos, não só quanto ao tipo de categoria principal em que se encontravam, mas também quanto ao número de respostas ou flutuações presentes, sejam elas em número de 1, 2, 3 ou mais argumentos de conservação.

O Quadro 2 ilustra a criação dos cinco padrões e seus respectivos códigos.


O primeiro dígito identificou a evolução cognitiva que houve entre um padrão e o anterior. Logo, entre o primeiro e o segundo padrão houve uma diferença cognitiva significativa. Enquanto o primeiro foi composto de sujeitos que do início ao fim do processo não apresentaram modificações, o segundo já apresentou 1, 2, 3 ou mais respostas de conservação, apesar dos sujeitos terem permanecido ao final das sessões como não-conservadores.

Padrões de condutas e resultados nos dois pós-testes

Inicialmente mostrar-se-ão, no Quadro 3, os resultados alcançados pelos sujeitos nos pós-testes 1 e 2.


O Quadro 4 fornece os resultados das crianças por padrão de conduta e seus resultados nos pós-testes 1 e 2.


As porcentagens dos dois pós-testes em relação aos padrões de conduta apresentaram algumas semelhanças e diferenças. O padrão 21 (termina sem argumento de conservação e flutua uma vez) apresentou pouca diferença do pós‑teste 1 (27,3%) para o pós-teste 2 (25,6%).

O padrão 22 (termina sem argumento de conservação e flutua duas vezes) não apresentou diferença do pós-teste 1 para o pós-teste 2, permanecendo com o mesmo percentual.

O padrão 23 (termina sem argumento de conservação e flutua três ou mais vezes) apresentou uma pequena diferença de percentual do primeiro pós-teste para o segundo, indo de 4,5% a 4,7%. O mesmo aconteceu com os padrões 41 (uma flutuação antes de estabilizar); 42 (duas flutuações antes de estabilizar) e 51 (estabilidade do argumento de conservação desde o primeiro argumento operatório na segunda sessão). Porém, é importante ressaltar que do pós-teste 1 para o 2 o número de sujeitos ficou reduzido. Enquanto 44 sujeitos participaram do pós-teste 1, um desses sujeitos não realizou o pós-teste 2, que totalizou 43 sujeitos.

Os percentuais encontrados pelos padrões 31 (termina com um argumento de conservação, mas sem estabilidade), 32 (presença de dois argumentos de conservação e término com argumento de conservação, mas sem estabilidade), 33 (três ou mais argumentos de conservação e término com argumento de conservação, mas sem estabilidade) e 52 (estabilidade do argumento de conservação desde o primeiro argumento operatório na última sessão), entretanto, foram os mesmos nos dois pós-testes, totalizando 2,3%.

Em termos dos totais de sujeitos e respectivos percentuais com relação ao nível de operatoriedade alcançado, pode-se concluir que, se por um lado, o total de sujeitos no pós-teste 1 (29 sujeitos – 65,9%), que foi classificado no nível 1 (ausência de operatoriedade) aumentou para 31 sujeitos no pós-teste 2, o que correspondeu a 72,1%, por outro, os percentuais encontrados nos dois pós-testes no nível 3 (presença de operatoriedade) apresentaram um aumento de sujeitos de 5 para 6 sujeitos. Quanto ao nível 2 (intermediários) a diferença encontrada nos dois pós-testes foi de 8,7%.

O padrão 41, em que houve uma flutuação antes de se estabilizar ao final, foi aquele que apresentou dois sujeitos no nível 3 nos dois pós-testes. Isso demonstrou que, em termos da relação entre padrões de conduta e os resultados nos dois pós-testes, o padrão 41 foi o que produziu mais estabilidade posterior.

Em razão da grande dispersão dos dados ao se trabalhar com todos os detalhes dos padrões, decidiu-se trabalhar apenas com padrões, sem subdivisões, e o resultado encontra-se no Quadro 5.


Percebe-se que o padrão 4 foi o que apresentou, proporcionalmente, o maior número de sujeitos nos dois pós-testes classificados no nível 3 (presença de operatoriedade), seguido pelo padrão 5. Houve, inclusive, do pós-teste 1 para o pós‑teste 2, o acréscimo de um sujeito no nível 3, evidenciando que o pós-teste retardado contou com um maior número de sujeitos classificados como conservadores. Isso significa que aqueles sujeitos que aprenderam, isto é, mudaram de um nível de operatoriedade a outro, agruparam-se em padrões de conduta mais evoluídos, designando, pois, uma ordem crescente de evolução cognitiva, indo desde um padrão sem mudanças até a estabilidade desde a primeira resposta de conservação.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo demonstraram que cada criança investigada apresentou um tipo de desempenho frente às três sessões de intervenção. A confirmação disso se deu a partir do momento em que se agruparam sujeitos em cinco padrões.

Esses padrões se formaram a partir do momento em que flutuações e oscilações surgiram como necessárias ao alcance de uma mudança de nível, indo do nível ausente ao nível presente de operatoriedade.

A cada padrão, pelo menos uma diferença evolutiva se acentuava, demonstrando que outro padrão ia sendo configurado, e assim por diante. Então, se no padrão 2 os sujeitos apresentavam-se não-conservadores do começo ao fim do processo, com pelo menos um argumento de conservação, no padrão 3 os sujeitos apresentavam-se conservadores na última situação do processo com argumentos de conservação ao longo do mesmo.

A diferença estava na presença do argumento de conservação ao final das sessões, mesmo que tal argumento só fosse evidenciado na última situação da última sessão. Cada diferença, então, suscitou a criação de um novo padrão.

Se cada padrão elucidou uma movimentação diferente nos sujeitos, concluiu-se que os sujeitos aprendem de forma diferenciada. Caso contrário, todos aprenderiam da mesma forma e não se justificaria a criação de padrões de conduta.

Foi possível, também, observar que os padrões formados variaram quanto à quantidade de flutuações ou argumentos de conservação, alcançando também a presença da estabilização de resposta de conservação a partir do primeiro argumento fornecido pela criança. Então, descobriu-se que se tratava de padrões que se diferenciaram entre si pelo número também distinto de oscilações.

A evolução das duplas pôde ser garantida por sutis transformações. Por exemplo, tanto o padrão 4 como o padrão 5 caracterizavam-se como sujeitos que terminaram a interação social com nível de pensamento conservador, porém, a diferença estava no momento em que os sujeitos de ambos os padrões estabilizaram a resposta de conservação. Se, por um lado, os sujeitos do padrão 4 flutuaram antes de estabilizar ao final, o padrão 5 apresentou estabilização do argumento desde o primeiro argumento.

Vale ressaltar que a evolução cognitiva entre as duplas também foi representativa. Das 22 duplas que participaram do experimento, 10 foram classificadas num mesmo padrão (1+1; 2,+2) e outras 10 duplas foram classificadas nos padrões, 1+2; 2+3; 3+4; e 4+5.

Cinco duplas foram classificadas no padrão 1+2, seguidas das duplas classificadas nos padrões 2+3; 4+5, que apresentaram duas duplas cada; e 1 dupla foi classificada nos padrões 3+4. Das outras 2 duplas classificadas nos padrões 1+5; 2+4, cada qual contou com um sujeito.

Prevaleceram, portanto, as duplas que apresentavam a mesma classificação, configurando um mesmo padrão, ou as que denotavam entre si classificações que continham uma diferença de padrão.

Essa análise sugeriu que a evolução das duplas seguiu um caráter hierárquico e crescente em termos de padrões e decrescente em termos de freqüência. Se num primeiro momento os padrões de conduta das duplas que prevaleceram foram o padrão 1 e o padrão 2, posteriormente o maior número de duplas foram as classificadas nos padrões de conduta 2 e 3, nos padrões 4 e 5, seguidos pelos padrões de conduta 3 e 4.

Cabe ressaltar que os padrões 33 (sujeitos que terminam com argumento de conservação, com três ou mais argumentos, mas sem estabilidade), 42 (sujeitos que flutuaram duas vezes antes de estabilizar ao final) e 52 (sujeitos que apresentaram estabilidade desde o primeiro argumento operatório na última sessão completa) foram os padrões responsáveis por mudanças do pós-teste imediato para o retardado.

Os resultados mostraram que os padrões responsáveis por esse crescimento do pós-teste 1 para o pós-teste 2 foram padrões mais evoluídos, se comparados com os demais, como os padrões 1 e 2. Percebeu-se que esses padrões foram os que indicaram mais de um argumento de conservação, mais de uma flutuação e estabilidade do argumento na última sessão. Foram padrões, portanto, que apresentaram uma tendência à permanência do argumento de conservação.

Pôde-se, ainda, verificar que os padrões 3 e 4 foram os preponderantes. No padrão 3, nenhum sujeito foi classificado no nível 3 (presença de operatoriedade) no pós‑teste 1. No pós-teste 2, um sujeito foi classificado no nível 3. No padrão 4, dois sujeitos foram classificados no nível 3 no pós-teste 1. No pós-teste 2, três sujeitos foram classificados no nível 3, configurando um caráter de evolução dos padrões 3 e 4 de um pós-teste a outro.

O padrão 5 manteve um sujeito no nível 3 (presença de operatoriedade) nos dois pós-testes. Já o padrão 4, o mais próximo, em termos evolutivos, do padrão 5, com presença de estabilidade do argumento de conservação, com flutuações, evidenciou resultados satisfatórios nos dois pós-testes.

Os resultados apontaram que o padrão que apresenta flutuações ao longo do processo de intervenção e se estabiliza ao final foi o que demonstrou desempenho satisfatório nos dois pós-testes. Isso porque esse foi o padrão que mostrou o maior número de sujeitos classificados no nível 3 (presença de operatoriedade) nos dois pós-testes. Não se pode, contudo, esquecer o padrão 3, que, embora não tenha apresentado estabilização do argumento, foi um padrão que exprimiu um sujeito classificado no nível 3 no pós-teste 2.

Restaria, nesse sentido, uma pergunta a ser feita: por que os padrões menos evoluídos foram os que apresentaram o maior número de sujeitos classificados nos pós‑testes imediato e retardado?

A resposta a esse questionamento sugere a necessidade de outros estudos e análises sobre o tema. Sendo assim, diante deste estudo, cabe ressaltar sua importância para os profissionais da área da educação, pois é o educador que possibilita a construção do conhecimento, priorizando interações entre o sujeito e o objeto/acontecimento.

Os resultados da pesquisa sugeriram que os processos de aprendizagem, pelos quais passam os sujeitos são constituídos por evoluções diferenciadas em termos cognitivos e configuram padrões de conduta também diferenciados. Os educadores, de forma geral, tão preocupados com a obtenção do êxito escolar, por meio de estratégias alternativas de ensino, novas técnicas psicopedagógicas e reciclagens periódicas, esquecem-se de que a aprendizagem pode ser vista não somente como algo pronto e definitivo, tal como um teste ou uma avaliação acerca do conteúdo programático, mas também em termos de intervenções sobre determinado conteúdo. Essas estratégias visam a verificar a aprendizagem alcançada a cada situação de ensino, contribuindo assim com o entendimento de possíveis dificuldades de aprendizagem em alguns conteúdos e não em outros.

Além disso, a formação acadêmica de um futuro educador, por sua vez, deveria enaltecer o uso de técnicas que possam desenvolver a dúvida nas crianças. Insiste-se, portanto, em que o conflito deve funcionar como ponto de partida nesse sentido e que a formação de pares, quando utilizada com consciência, é capaz de suscitar progressos cognitivos substanciais.

Recebido em 12/07/2003

Aceito em 30/10/2003

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  • Yaegashi, S.F.R. (1992). Aprendizagem de possíveis e inclusão de classes Dissertação de Mestrado, não-publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
  • Endereço para correspondência

    Claudia Araújo da Cunha, Rua Eduardo Márquez, 909, apart. 1202, Bairro Martins, CEP 38400-442, Uberlândia-MG.
    E-mail:
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    Artigo baseado na tese de doutorado da referida autora intitulada: "Padrões de Condutas de Aprendizagem por Conflito Sócio-Cognitivo em Conteúdo Operatório".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Recebido
      12 Jul 2003
    • Aceito
      30 Out 2003
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