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Mascaras da violência: fendas na relação especular

Violence masks: cracks in the specular relation

Máscaras de la violencia: grietas en la relación especular

Resumos

À luz de um caso clínico, o clássico caso das irmãs Papin, a violência - suportada pela ilusão de onipotência - na trajetória constitutiva da subjetividade, foi sumariamente discutida. Tomamos como fundamento para essa discussão, algumas idéias lacanianas, no que trata da relação especular. Nesse sentido, apontou-se para um confronto entre o efeito de espelho e o efeito de corte, confronto que seria constitutivo da subjetividade e que fora realçado pela via do fracasso, através do caso focalizado, mostrando, com maior nitidez, uma dimensão singular da violência.

violência; subjetividade; espelho


In the light of a clinical case, the classic case of the Papin Sisters, the violence - based on the omnipotence illusion - in its subjectivity constitutive trajectory, is, herein, briefly discussed. As bases for discussion, we take lacanian conceptions, concerning the specular imaging. Therein, a confrontation is brought about, between the mirror effect and the cut effect, and such a confrontation being constitutive of subjectivity, enhanced via failure, through the focused case, which shows, more clearly, a singular dimension of violence.

Violence; subjectivity; mirror


A la luz de un caso clínico, el clásico caso de la hermanas Papin, la violencia - soportada por la ilusión de omnipotencia - durante la trayectoria constitutiva de la subjetividad, fue sumariamente discutida. Tomamos como fundamento para esa discusión, algunas ideas lacanianas, en lo que se refiere a la relación especular. En este sentido, se apuntó para un enfrentamiento entre el efecto de espejo y el efecto de corte, enfrentamiento este que sería constitutivo de la subjetividad y que fue realzado por la vía del fracaso, a través del caso en cuestión, mostrando, con mayor nitidez, una dimensión singular de la violencia.

violencia; subjetividad; espejo


ARTIGOS

Mascaras da violência: fendas na relação especular1 1 Apoio: CNPq.

Violence masks: cracks in the specular relation

Máscaras de la violencia: grietas en la relación especular

Alba Gomes GuerraI; Glória Maria Monteiro de CarvalhoII

IPsicanalista, doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, Docente e Pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco

IIDoutora em Lingüística. Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alba Gome Guerra Rua Rui Calaça, 94, ap. 702 Espinheiro, CEP 52020-110 Recife-PE. E-mail: gmmcarvalho@uol.com.br

RESUMO

À luz de um caso clínico, o clássico caso das irmãs Papin, a violência – suportada pela ilusão de onipotência – na trajetória constitutiva da subjetividade, foi sumariamente discutida. Tomamos como fundamento para essa discussão, algumas idéias lacanianas, no que trata da relação especular. Nesse sentido, apontou-se para um confronto entre o efeito de espelho e o efeito de corte, confronto que seria constitutivo da subjetividade e que fora realçado pela via do fracasso, através do caso focalizado, mostrando, com maior nitidez, uma dimensão singular da violência.

Palavras-chave: violência, subjetividade, espelho.

ABSTRACT

In the light of a clinical case, the classic case of the Papin Sisters, the violence – based on the omnipotence illusion – in its subjectivity constitutive trajectory, is, herein, briefly discussed. As bases for discussion, we take lacanian conceptions, concerning the specular imaging. Therein, a confrontation is brought about, between the mirror effect and the cut effect, and such a confrontation being constitutive of subjectivity, enhanced via failure, through the focused case, which shows, more clearly, a singular dimension of violence.

Key words: Violence, subjectivity, mirror.

RESUMEN

A la luz de un caso clínico, el clásico caso de la hermanas Papin, la violencia - soportada por la ilusión de omnipotencia – durante la trayectoria constitutiva de la subjetividad, fue sumariamente discutida. Tomamos como fundamento para esa discusión, algunas ideas lacanianas, en lo que se refiere a la relación especular. En este sentido, se apuntó para un enfrentamiento entre el efecto de espejo y el efecto de corte, enfrentamiento este que sería constitutivo de la subjetividad y que fue realzado por la vía del fracaso, a través del caso en cuestión, mostrando, con mayor nitidez, una dimensión singular de la violencia.

Palabras-clave: violencia, subjetividad, espejo.

A escolha da violência como tema/trilha da discussão, levou-nos a recortar o clássico caso das irmãs Papin resgatado da imprensa francesa pelos estudos de Lacan (1975) sobre a paranóia. Para tal escolha, fomos movidas pelo realce que teria ganho, no referido caso, uma dimensão da violência advinda de um desejo não satisfeito em confronto com o corte instaurado pela lei. Esse corte se realizaria no curso do processo identificatório o qual se constituiria no solo da relação especular. Nesse sentido, tomaremos, como aporte teórico, tal relação concebida como constituinte da subjeti-vidade, antes de entrarmos, propriamente, na discussão da violência à luz de um caso.

Diríamos, inicialmente, que o espelho teria sido concebido por Lacan (1998), como um movimento identificatório capaz de produzir, no sujeito, uma transformação, quando esse assume sua condição imagética, isto é, a de sujeito que, por constituir-se na imagem, pode ser definido como sujeito do simbólico/linguagem, portanto, sujeito de falta. Por sua vez, seria essa mesma condição de se constituir, através de uma imagem, o que o tornaria capaz de manter sempre ativa a ilusão de poder preencher essa falta constitutiva, mediante a posse de um objeto que o plenificasse/completasse. Seria isso, que acabamos de dizer, o que acrescentaria ao sujeito a sua fundamental condição de ser de desejo, desejo esse nunca de todo realizado, pela radical ausência de um objeto especifico.

Com base nessas idéias lacanianas, o estádio do espelho poderia, portanto, ser concebido como uma espécie de palco no qual se desenrolaria o espetáculo da subjetividade. Em outras palavras, um lugar onde os laços afetivos se constituem e se destituem, num incessante ritmo de oscilação entre ilusão e desilusão. Esse movimento identificatório, ou seja, a forma mais originária de vínculo afetivo, poderia ser resumido como sendo a marca fundante da emergência de um novo lugar, isto é, o nascimento de uma nova instância psíquica. Conforme os atributos desse lugar, poder-se-ia falar em:

Identificação imaginária: seria um tipo de processo no qual o eu se alienaria na imagem refletida pelo outro em uma relação dual/especular. Melhor dizendo, esse tipo de identificação se constituiria no momento em que o sujeito assumiria a sua condição imagética, concebida por Lacan (2003), como a pedra fundamental da instauração do eu. Essa formaria o solo sobre o qual teriam lugar as demais formas identificatórias. Nesse momento especular, a criança se subjugaria a uma imagem que lhe permitiria reconhecer-se, apesar de não ser ela própria. Em outras palavras, num determinado momento, a criança, ao olhar-se no espelho, parece esboçar um regozijo, até então ausente, em tal situação. E nessa outra forma (imagética), ela se reconheceria. Porém, pelo surpreendente dessa situação, a criança apelaria, através do olhar, na busca de uma confirmação advinda do olhar do outro. Assim, dependendo da resposta do outro, seria esse um momento de júbilo e regozijo pela confirmação de se reconhecer na imagem.

Identificação simbólica: consistiria no reconhecimento, pelo sujeito, do significante primordial, isto é, no reconhecimento da figura da lei. Tal reconhecimento constituiria o processo fundamental de acesso à função simbólica. Em outras palavras, seria a própria identificação do sujeito à falta, quer dizer, àquilo que escaparia de uma imagem especular e que poderia ser representado pelo traço unário. Por sua vez, o traço unário – como marca que unifica e, ao mesmo tempo, singulariza o sujeito – ordenaria e marcaria as experiências do ser humano, sem que tenha podido fazer parte de tais experiências. Recorramos a Nasio (1988), quando esse autor fala daquele que, ao lembrar os acontecimentos dolorosos do seu passado, esquece de incluir a singularidade que marca e unifica cada um desses acontecimentos. Quando, posteriormente, lembra-se do traço comum – nesse caso, o timbre da voz das três mulheres com as quais vivera e se separara – não se apercebera, porém que tal traço está nele e não nas mulheres. Nesse traço, portanto, estaria a sua identificação mais íntima e, irremediavelmente, ausentes do cômputo da sua vida.

Identificação fantasística: consistiria num tipo de defesa – contra o medo de uma descarga pulsional, ou seja, de uma satisfação do desejo, enfim, de um estado de gozo – por meio da qual se daria o alívio da tensão provocada no sujeito através do artifício ilusório de tal descarga. Dizendo de outro modo, a identificação fantasística seria a possibilidade que tem o sujeito de construir uma defesa/proteção contra o intolerável medo de um aniquilamento, representado pela descarga total da pulsão, a qual, além da dor do sofrimento subjetivo, poderia repercutir, também, na própria motricidade.

Seria, pois, uma identificação do sujeito com o objeto-dor. Uma chamada esclarecedora seriam os estados sado-masoquistas, onde o sujeito "prefere" vivenciar uma dor intensa, a suportar um sofrimento infinito advindo do gozo provocado pela realização do desejo/descarga de prazer. Essa via indireta de satisfação do desejo pela fantasia é que a torna uma eficaz defesa.

Seria na dimensão idendificatória e nos efeitos dilacerantes que dela advêm que iremos trazer à cena a temática da violência em sua intrínseca relação com a onipotência. Vale destacar a noção de violência que se constitui como eixo deste ensaio.

Abordaremos a violência concebida como o desejo de exercer qualquer tipo de poder sobre o outro, tendo por meta a dominação desse outro e, como conseqüência, o apagamento da sua singularidade. Por essa lente, a violência estaria, inevitavelmente, articulada às vivências de onipotência. Dizendo melhor, abordaremos a violência concebida como a prevalência do desejo de dominação e apagamento do outro. Tal desejo teria por base o narcisismo primário que fundamentaria as estruturas sado-masoquistas, expressão maior das vivências de onipotência. Seria, por fim, uma impossibilidade de confronto com a perda, o limite, os quais instalariam a condição de sujeito da psicanálise, ou seja, sujeito da falta.

Em certo momento das nossas reflexões, indagávamos porque a condição de sujeito falante, portanto, sujeito de linguagem/simbólico nem sempre se mostra suficiente para que o desejo se confronte com o limite que esse simbólico lhe imporia. Indagando melhor: por que a função simbólica nem sempre seria suficiente para barrar a força desmedida do desejo, ou seja, a ilusão de onipotência, permitindo assim que ele seja expresso através de atos brutais de violência, quer dizer, de uma passagem ao ato, ao invés de uma satisfação por meio de uma encenação fantasística e de outras manifestações na dimensão da palavra?

Vale explicitar ainda que o ponto central para uma visão da violência, à luz da teoria lacaniana, resultaria de uma falha na função da palavra. Dito de outro modo, seria uma falha na função simbólica, especialmente no que diz respeito ao seu estatuto de interdito/barra/limite ao caráter desmedido do desejo, o que estaria apontando para o real do gozo. Tal gozo, no sentido lacaniano, teria um estatuto mítico e concernente ao Real, escapando, nessa perspectiva, à possibilidade de uma realização. Seria, pois, de natureza inatingível, surpreendido somente no a posteriori, mediante a insistência de uma repetição e podendo ser alcançado através da dor e do sofrimento.

Tal falha consistira, pois, num obstáculo à entrada do indivíduo no ilusório campo dos ideais, da ética, da solidariedade, etc., entrada essa que marcaria o mundo humano apesar dos descaminhos que venham a predominar. Diríamos mais ainda, que a mencionada falha, na função da palavra, teria como efeito o realce da ilusão ou do desejo de onipotência, dificultando a interdição desse desejo. Ao falarmos em ilusão de onipotência, estamos, portanto, nos referindo ao caráter desmedido do desejo como uma recusa ao limite, à busca incessante de um prazer absoluto.

Pretendendo dar maior visibilidade ao que estamos teoricamente discutindo, passaremos a nos confrontar com um recorte de uma história-crime tomada como ilustração no texto lacaniano (1975).

UM FRAGMENTO DO CASO

Trata-se de um fragmento do clássico caso de um homicídio, praticado pelas irmãs Papin, o qual, como já dissemos anteriormente, serviu de suporte a Lacan (1975), em sua investigação sobre a paranóia, tema de sua tese de Doutorado. Esse estudo trata da questão especular e, como tal, do mecanismo identificatório que conduz o sujeito a constituir-se mediante o reconhecimento do outro. Vale explicitar que, em tal estudo, Lacan lança mão da referida história-crime apenas para iluminar suas reflexões de um dos mais célebres casos da sua clínica, cuja analisante era conhecida sob o nome fictício de Aimée.

Faremos, a seguir, um recorte de um dos resumos disponíveis na literatura da história-crime das irmãs Papin (Araújo, 2004).

A trama homicida das duas irmãs se desenrolou, portanto, no seguinte cenário:

Christine, 28 anos, e Léa, 21, eram empregadas domésticas de uma pequena família burguesa – os Lancelin: um advogado, sua mulher e sua filha. Essa também com 28 anos, a mesma idade de Christine. Moravam na cidade de Mans, a oeste de Paris.

Tão eficientes quanto misteriosas, as irmãs bastavam-se a si mesmas, não havendo entre elas e seus patrões nenhuma comunicação além do estritamente profissional.

Na noite de 2 de fevereiro de 1933, uma inabilidade das criadas provocou um curto-circuito elétrico que deixou a casa às escuras. Elas, empregadas-modelo, deram demasiada importância ao fato que as impedira de passar a ferro toda a roupa, privando-as assim de exercerem com absoluta precisão as tarefas que lhes eram confiadas.

Indagada sobre os motivos daquela escuridão [Christine], respondeu que houvera nova pane no ferro – já anteriormente consertado. Encolerizada, a patroa agarrou seu braço, fato que desencadeou a fúria imediata e simultânea das duas irmãs, fazendo-as subjugarem as vítimas [mãe e filha], arrancarem-lhes, ainda em vida, os olhos das órbitas – fato inédito nos anais do crime – e espancarem-nas [e cortarem-nas].

As assassinas tudo confessaram friamente, sem contradições. Não referiram motivos compreensíveis para sua atitude, nem ódio ou queixa das patroas.

De sua história familiar (...) sabe-se que seu pai era um alcóolatra incorrigível, brutal, que abandonara precocemente a educação das filhas, o que as obrigou a ganhar a vida muito cedo. Fala-se, ainda, que ele abusara sexualmente de uma delas.

Alguns dados podem ser relatados como antecedentes da tragédia.

Uma atitude da Sra. Lancelin deve ser referida como tendo provavelmente repercutido no comportamento de suas assassinas. Desviando-se de sua neutralidade, ela interferiu para que guardassem seus salários, dos quais a mãe delas sempre se apoderara.

Após esse acontecimento, as irmãs romperam com a própria mãe, de modo súbito e definitivo, sem briga, sem palavras e sem qualquer motivo aparente. Sobre isso, viriam apenas a dizer que as "observações" da mãe as aborreciam.

Clémence – esse era o nome da personagem materna – não criou as filhas.

Entregando as filhas, retomando-as, internando-as, Clémence tentava certamente exercer seu domínio sobre elas, controlando-as, fazendo-as submissas, e tornando-as seus objetos exclusivos, exercitando assim seu presumido direito de posse sobre elas. Achava que Emília [sua outra filha] já lhe fora roubada (pela Igreja Católica) e não iria permitir que o mesmo lhe acontecesse em relação às outras.

Presa de um mecanismo delirante, temia um complô em que os empregadores se tornariam cúmplices de Deus para persegui-la, e a suas filhas, das quais se tornariam donos. Projetava assim seus sentimentos quanto a elas.

No dia 30 de setembro, as irmãs foram julgadas. Christine, condenada à morte, entendendo que sua cabeça seria cortada na praça de Mans, recebeu a notícia de joelhos, sem apelações. Não chegou, no entanto, a ser executada, morrendo no asilo de Rennes. Léa, condenada a dez anos de prisão com trabalhos forçados, ficou livre, após oito anos de reclusão, por bom comportamento. E voltou para junto da mãe. Dizem que ainda conseguiu empregar-se em um hotel. Morreu aos setenta anos.

VIOLÊNCIA E ESPECULARIDADE: UMA INCURSÃO INTERPRETATIVA

No caso clínico acima descrito, a imbricação dos referidos conceitos – espelho, onipotência e violência – poderia ser apontada mediante o destaque de, apenas, algumas passagens, as quais tiveram uma maior ressonância/efeito sobre nós. Considerando que se trata de um caso de psicose, esses conceitos se destacam com maior visibilidade, revelando, de um modo mais nítido, um funcionamento especular, muito embora pela via de um fracasso e, portanto, de uma dimensão singular da violência. Por essa via, então, sobressai-se um funcionamento subjetivo que de outra maneira – menos exacerbada do que no caso ilustrativo – teria menor realce. Daí um dos motivos que explicam a nossa escolha do caso, visto como atendendo à nossa pretensão de ilustrar a abordagem da violência. Nessa perspectiva, pareceu-nos que, ao se sentirem olhadas pela patroa, tal olhar teria produzido nas irmãs Papin um efeito de crítica, melhor realçado na referência do efeito-espelho. Num tal efeito, teria se sobressaído o poder ou força de aniquilamento atribuída, pelas irmãs, ao olhar da patroa, em função do deslocamento projetivo desse olhar para a força opressora do olhar materno. Em outras palavras, esse efeito de olhar materno (produzido pelo olhar da patroa) teria para as supostas filhas um caráter persecutório e de dominação. Assim, na ambigüidade da imagem, mãe e patroa como que se superpunham. Tal superposição, entretanto, não teria ocorrido harmoniosamente mas, ao contrário, pareceu-nos sinalizar um efeito de impasse, o qual poderia ser formulado nos seguintes termos: se, por um lado, o olhar materno criaria uma superfície especular na qual as duas irmãs poderiam, minimamente, se reconhecer, refletidas numa imagem, por outro lado, essa mesma superfície especular teria uma força acusatória, a qual dissolveria aquela imagem identificatória. Como se pode inferir, o caráter ambíguo dessa imagem teria produzido, nas irmãs, uma organização subjetiva fracassada, cheia de tropeços e, por isso mesmo, obstáculo à constituição de uma barra/limite entre fantasia e realidade. Em outras palavras, uma espécie de "passagem ao ato" teria prevalecido sobre a encenação fantasística do desejo.

AINDA NA TRILHA DE UMA CAPTURA INTERPRETATIVA

Para nos mantermos nos limites de um artigo, diríamos apenas que a relação especular consistiria numa espécie de superfície sem termo nem origem determinados. Tratar-se-ia, portanto, de uma espécie de superfície que teria o poder de refletir, a partir do outro, um sentido para o homem e para o mundo. Por sua vez, essa superfície especular, ao mesmo tempo em que produziria o efeito de reconhecimento, produziria, também, uma alienação na imagem, portanto, uma dissociação inevitável de si mesmo, dado o caráter inacessível, inapropriável daquilo que a imagem produz. Seria esse processo produtor de desilusões, à medida que dimensões do ser e da imagem sempre escapariam ao próprio sujeito, pondo em questão a sua suposta totalidade, isto é, a sua onipotência.

Nesse sentido, somente pela relação especular vivida como embate entre ilusão e desilusão, onipotência e impotência, o corte/separação e seus efeitos de constituição subjetiva se imporiam em sua condição de via de acesso ao novo, à mudança, ao mesmo tempo em que indicaria a imbricação entre os três conceitos discutidos, quais sejam: espelho, onipotência e violência.

No caso por nós recortado, poderíamos falar em efeito de aniquilamento no sentido oposto ao efeito de corte, de separação e de falta constitutivos do sujeito. Nessa outra dimensão, o aniquilamento seria, como diz Corrêa (1995), uma violência que surpreenderia o homem em pleno estraçalhamento, como efeito da sua impotência constitutiva.

Para suspender essa discussão, diríamos que, nas irmãs Papin, a função simbólica não teria tido o poder de barrar a força desmedida do desejo, evitando a passagem ao ato, ou seja, evitando, assim, o próprio apagamento do outro nas suas diferentes dimensões.

Por fim, poderíamos indagar se a violência – em qualquer uma de sua máscaras – não seria o efeito da exacerbação da ilusão de onipotência, esmaecendo as marcas definidoras do limite entre desejo e lei.

Recebido em 31/08/2005

Aceito em 10/12/2006

  • Araújo, D. (2004). Violência e alienação [Trabalho completo].: Anais da IX Jornada Freud-Lacaniana (pp. 116-120). Recife: IPB
  • Corrêa, I. (1995). Prefácio. Em A. G. Guerra, Dialética da falta: da incompletude à transcendência São Paulo: Escuta.
  • Lacan, J. (1975). De la psychose paranoïaque dans ses rapports avec la psychanalyse Paris: Seuil.
  • Lacan, J. (2003). Seminário: As identificações Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife. (Publicação não comercial)
  • Lacan, J. (1998). Escritos. (V. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original publicado em 1966).
  • Nasio, J. D. (1998) Os 7 conceitos cruciais da psicanálise Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Endereço para correspondência:

    Alba Gome Guerra
    Rua Rui Calaça, 94, ap. 702
    Espinheiro, CEP 52020-110
    Recife-PE.
    E-mail:
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    Apoio: CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2005
    • Aceito
      10 Dez 2006
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