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Workshops with adolescents on sexuality: a report case

Resumos

Este artigo apresenta o relato de experiência de estágio em psicologia, o qual versava sobre o oferecimento de oficinas abordando a sexualidade na adolescência. Tais oficinas tinham o objetivo de fornecer informações, além de promover discussão e reflexão sobre alguns aspectos envolvidos na sexualidade, como o uso de métodos contraceptivos/preventivos e relações de gênero, com vista a contribuir para a emancipação dos sujeitos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Foram empregados como recursos: dinâmica de grupo, jogos didáticos, simulações do uso de métodos contraceptivos e preventivos, palestra com profissional da saúde e visita à unidade de saúde da comunidade. Os adolescentes participavam das oficinas trazendo exemplos, discutindo e perguntando suas dúvidas. Foi possível perceber ao final desse processo um aumento no nível de informações dos adolescentes participantes, favorecendo assim, a adoção de práticas de comportamento preventivo.

oficinas; sexualidade; adolescência


This article presents a report case of psychology students who coordinated workshops on sexuality in adolescence. These workshops had the purpose to provide information, and promote discussions and reflections about some aspects involving sexuality such as the use of contraceptive/preventive methods, gender relationships in order to contribute for the emancipation of the individuals in the field of sexual and reproductive rights. The resources used were: group educational activities, didactic games, simulation of the use of contraceptive and preventive methods, lecture with a health professional, and visit to the community Health Center. The adolescents participated on the workshops bringing examples, discussing and asking questions. At the end of the encounters, it was possible to observe an improvement on the level of information from the adolescents, thus promoting the adoption of preventive actions.

workshops; adolescence; sexuality


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Oficinas sobre sexualidade com adolescentes: um relato de experiência1 1 Apoio: Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC.

Workshops with adolescents on sexuality: a report case

Kátia MaheirieI; Lílian Caroline UrnauII; Mariana Barreto VavassoriIII; Renata OrlandiIII; Roberta Ertel BaierleII

IDoutora em Psicologia Social pela PUC/SP. Docente do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

IIAcadêmica do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Kátia Maheirie Rua Rita Lourenço da Silveira, 325, Lagoa da Conceição CEP 88062-060, Florianópolis-SC. E-mail: maheirie@cfh.ufsc.br

RESUMO

Este artigo apresenta o relato de experiência de estágio em psicologia, o qual versava sobre o oferecimento de oficinas abordando a sexualidade na adolescência. Tais oficinas tinham o objetivo de fornecer informações, além de promover discussão e reflexão sobre alguns aspectos envolvidos na sexualidade, como o uso de métodos contraceptivos/preventivos e relações de gênero, com vista a contribuir para a emancipação dos sujeitos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Foram empregados como recursos: dinâmica de grupo, jogos didáticos, simulações do uso de métodos contraceptivos e preventivos, palestra com profissional da saúde e visita à unidade de saúde da comunidade. Os adolescentes participavam das oficinas trazendo exemplos, discutindo e perguntando suas dúvidas. Foi possível perceber ao final desse processo um aumento no nível de informações dos adolescentes participantes, favorecendo assim, a adoção de práticas de comportamento preventivo.

Palavras-chave: oficinas, sexualidade, adolescência.

ABSTRACT

This article presents a report case of psychology students who coordinated workshops on sexuality in adolescence. These workshops had the purpose to provide information, and promote discussions and reflections about some aspects involving sexuality such as the use of contraceptive/preventive methods, gender relationships in order to contribute for the emancipation of the individuals in the field of sexual and reproductive rights. The resources used were: group educational activities, didactic games, simulation of the use of contraceptive and preventive methods, lecture with a health professional, and visit to the community Health Center. The adolescents participated on the workshops bringing examples, discussing and asking questions. At the end of the encounters, it was possible to observe an improvement on the level of information from the adolescents, thus promoting the adoption of preventive actions.

Key words: workshops, adolescence, sexuality.

O relato que segue é produto da experiência de estágio de quatro estudantes de psicologia que se depararam com o desafio de coordenar uma oficina abordando a sexualidade na adolescência com um grupo de adolescentes de ambos os sexos, da faixa etária de 12 a 16 anos, freqüentadores da organização não governamental Casa da Criança do Morro da Penitenciária, localizada em Florianópolis - SC. Esta foi fundada em 1988 e é mantida, através de convênio com a prefeitura, pela paróquia da comunidade e por algumas empresas. Seu público-alvo são crianças e adolescentes com idade entre 06 e 16 anos, considerados pela ONG em situação de vulnerabilidade social. O foco do trabalho gira em torno da problemática da aprendizagem e da exclusão social, envolvendo arte e educação.

Essa organização comunicou à supervisora2 2 Este trabalho teve a supervisão da Profª Drª Kátia Maheirie, tanto para a realização formal do estágio curricular quanto para a atividade de extensão. deste trabalho a demanda referente à realização das oficinas sobre sexualidade voltadas para a população adolescente, sendo que tais oficinas foram desenvolvidas com total respaldo da Casa da Criança. Quanto ao processo de elaboração das oficinas, constituíram objetivos deste trabalho: a) possibilitar a elaboração de um espaço reservado para o questionamento de aspectos referentes à adolescência trazidos pelos jovens e a socialização de experiências; b) favorecer a adoção de práticas de comportamento preventivo atreladas ao início da atividade sexual, como condição para promoção da saúde sexual e reprodutiva e usufruto do prazer sexual; c) problematizar a noção de responsabilidade associada ao relacionamento sexual.

Apesar do fato de não haver um consenso no que diz respeito à definição precisa dos termos puberdade e adolescência, a seguir será abordado, sinteticamente, cada um destes conceitos, na medida em que os mesmos pautaram o processo de elaboração e realização deste trabalho. Segundo Palácios (1995), a puberdade refere-se ao período do processo de constituição dos sujeitos no qual se dá o surgimento da atividade hormonal que desencadeia os caracteres sexuais secundários - aproximadamente, entre os nove e quatorze anos de idade. O termo puberdade, freqüentemente, é empregado para denominar o conjunto de modificações fisiológicas relacionadas com a transição da infância para a vida adulta e a capacidade reprodutiva de um indivíduo (Palácios). Contudo, destacamos o fato de que a puberdade não pode ser reduzida aos correlatos fisiológicos referentes à capacidade reprodutiva de um sujeito, entendendo-se que este fenômeno ganha visibilidade e é significado no plano da cultura, sendo singularizado no processo de constituição de cada sujeito, de maneira que se pode falar em puberdades.

No que diz respeito à compreensão da adolescência, freqüentemente, pode-se identificar em nossa sociedade a circulação de discursos que abordam este fenômeno como um período atravessado por crises (de identidade, familiar, relacional...), transformações, inquietações, sendo designado, portanto, no cotidiano contemporâneo, como período de "aborrescência". Não se contesta a possibilidade de presença destas características nesta fase do ciclo vital, porém, pode-se dizer que todo processo de constituição do sujeito acarreta transformações biológicas, psíquicas e sociais, gerando conflitos e dúvidas. Sendo assim, muito do que se diz sobre a adolescência ocorre também em outras etapas da vida, por exemplo, na adultez.

Pretende-se aqui abordar outra compreensão sobre o tema. Para tanto, adotou-se a concepção histórico-cultural em psicologia como base teórica. Conforme esta ancoragem analítica, os processos idiossincráticos de constituição dos sujeitos dão-se no plano da cultura que, dialeticamente, é produzida/produtora pelos/dos sujeitos (Vygotski, 1931/1995). De acordo com esta matriz teórica, é impossível pensar em uma única adolescência, de caráter universal, surgindo assim o termo adolescências. Falar de adolescência é falar de um fenômeno psicológico e social, constituído histórica e culturalmente, nomeado como tal no século XX, sendo caracterizada como um processo de transição entre a infância e a vida adulta (Ariés, 1973/1981; Sposito, 1997). Contudo, vale ressaltar que o momento desta "passagem" varia de acordo com o contexto social em que o sujeito está inserido.

Conforme a Organização Mundial de Saúde (2004), a adolescência compreende o período dos dez aos dezenove anos de idade. Atualmente, este fenômeno é entendido tendo em vista uma multiplicidade de categorias sociais diretamente implicadas no processo de constituição do sujeito. Nos contextos culturais que designam e nomeiam a adolescência, geralmente, entre os critérios que caracterizam este fenômeno e, especialmente, o final deste processo do ciclo vital, pode-se destacar: a apresentação da capacidade de assumir compromissos profissionais e a conseqüente independência econômica, a constituição de uma família, geralmente, vinculada ao advento da maternidade/paternidade (Ariès, 1973/1981; Margulis e Urresti, 1996; Rios e cols, 2002).

A sexualidade é um fenômeno da existência humana, portanto, faz parte também da vida dos(as) adolescentes. É objeto de estudo e intervenção das políticas públicas e tem sido cada vez mais discutida, principalmente devido ao aumento dos índices de gravidez e de incidência de Aids na população jovem. Para uma melhor compreensão deste conceito adota-se a definição da Organização Mundial de Saúde (2004), que conduziu o processo de elaboração deste trabalho.

Sexuality is a central aspect of being human throughout life and encompasses sex, gender identities and roles, sexual orientation, eroticism, pleasure, intimacy and reproduction. Sexuality is experienced and expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, behaviors, practices, roles and relationships. While sexuality can include all of these dimensions, not all of them are always experienced or expressed. Sexuality is influenced by the interaction of biological, psychological, social, economic, political, cultural, ethical, legal, historical and religious and spiritual factors (WHO, 2003).

Tendo em vista a compreensão plural da adolescência que norteia este trabalho, concorda-se com Caridade (1999) quando essa autora afirma que a compreensão da sexualidade vivida pelos adolescentes deve ser contextualizada culturalmente, na medida em que a sexualidade é constituída a partir da cultura em que estes se inserem.

No que se refere à produção teórica e metodológica voltada para a adolescência, Abramo (1997) aponta a escassez de subsídios para lidar com as especificidades dos adolescentes.

É quase como se, apesar de terem (sic) crescido o número de ações e programas destinados a adolescentes e jovens, eles continuem apenas desfocadamente visíveis, obscurecidos por uma sensação de que esta falta de instrumentos e "jeito" se deve ao fato de que a "adolescência" é mesmo uma fase difícil de se lidar (Abramo, 1997, p.27).

Tal postura naturaliza as dificuldades do contexto relacional, apontando para os adolescentes a responsabilidade da falta de aprofundamento e dedicação daqueles que com eles escolhem trabalhar.

MÉTODO DE TRABALHO

As oficinas foram oferecidas a dois grupos distintos de jovens de ambos os sexos, com idades entre 12 e 16 anos, um formado pelos freqüentadores da instituição no período matutino, contando com cerca de 10 participantes, e outro realizado no período vespertino, contando com 5 participantes. Em ambos o número de adolescentes do sexo feminino era semelhante ao do sexo masculino. Cada grupo foi coordenado por uma dupla distinta de acadêmicas do curso de Psicologia3 3 O grupo matutino foi coordenado pelas acadêmicas Renata Orlandi e Mariana Barreto Vavassori e o grupo vespertino foi coordenado pelas acadêmicas Roberta Ertel Baierle e Lílian Caroline Urnau. da Universidade Federal de Santa Catarina. Os encontros ocorreram semanalmente, com duração de uma hora e meia, totalizando 14 oficinas para o grupo matutino e 11 para o grupo vespertino, no decorrer do segundo semestre de 2004. Em cada oficina trabalhou-se com uma temática específica relacionada à sexualidade e à adolescência:

No primeiro encontro, além da apresentação da proposta de trabalho, procurou-se conhecer os participantes do grupo, bem como identificar a demanda destes por meio de uma técnica denominada Juventudes4 4 Ferramenta baseada em técnica descrita no Caderno de Atividades Protagonismo Juvenil (Ministério da Saúde, 2001) e adaptada pelas autoras deste artigo. , na qual, divididos em pequenos grupos, tiveram como tarefa a confecção de um jovem e de uma jovem em um pedaço de papel pardo, com materiais como lápis e canetinhas coloridas, giz de cera, entre outros. Depois nomearam os personagens criados e escreveram as dúvidas, temores, sonhos, daquele jovem. Em seguida, cada grupo apresentou seu trabalho aos demais e estabeleceu-se uma discussão a respeito da adolescência. Ao final, foi apresentada a "Caixa de Dúvidas", disponibilizada a cada encontro para colocarem questões referentes à sexualidade.

Na segunda oficina, tivemos como proposta a verificação das principais dúvidas dos adolescentes em relação à sexualidade. Para tanto os jovens escreveram os sinônimos, o conhecimento sobre e dúvidas relacionadas às palavras: relação sexual; métodos contraceptivos; doenças sexualmente transmissíveis (DSTs); menstruação; masturbação; pênis; vagina. Cada palavra foi escrita em uma folha e os adolescentes tiveram tempo para escrever o que lhes era pedido e depois passar o papel para o colega ao lado fazer o mesmo. Depois leu-se tudo, possibilitando uma discussão a respeito das palavras trabalhadas.

Na terceira oficina foi abordada a temática "Ficar X Namorar". Para tanto, desenvolveu-se uma atividade de verificação das opiniões dos jovens com relação à temática. A partir de afirmações feitas, como "Namorar é melhor porque tem mais carinho e amor" e outras, os participantes deveriam se deslocar do centro da sala para uma entre três diferentes paredes. A primeira delas continha um cartaz com a palavra concordo, a segunda, a palavra discordo e a terceira, as palavras tenho dúvida. Posteriormente a cada afirmação as opiniões foram debatidas.

O quarto encontro teve o objetivo de discutir as noções homem e mulher, levantar o que os adolescentes pensam sobre os estereótipos de gênero e problematizar o fato de que estes constituem uma produção social. Utilizando tiras de papel, canetas e fita crepe, pediu-se que, em um primeiro momento, individualmente, escrevessem o que consideram características masculinas e femininas; posteriormente, o que ouvem falar sobre meninos e meninas, as prescrições atribuídas a cada sexo em nossa cultura, e sugeriu-se que pensassem nos brinquedos e brincadeiras que são atribuídos a meninos e meninas.

Após esta etapa, solicitou-se que cada um colasse seu papel na região do corpo que achasse mais adequada no desenho do adolescente que estava exposto. Os desenhos utilizados foram os que eles mesmos confeccionaram na primeira oficina. As características consideradas masculinas deveriam ser coladas no desenho do adolescente do sexo masculino e as características femininas no desenho da adolescente. Enquanto colavam seus papéis nos desenhos, os adolescentes justificavam o que haviam escrito e a partir disso as facilitadoras questionavam o que os levou a determinar quais eram as características de menino e quais eram de menina.

No quinto encontro programou-se uma palestra e debate com uma profissional da área da saúde, uma enfermeira, para abordar as temáticas: puberdade - mudanças corporais e fisiológicas, relação sexual, gravidez, DSTs e prevenção – camisinha. Na oficina de número seis objetivou-se a apresentação dos métodos contraceptivos existentes. Para tanto prepararam-se cartazes contendo breves definições e explicações sobre os seguintes métodos: tabelinha, DIU, diafragma, preservativos masculino e feminino, espermicidas, anticoncepcionais (comprimidos e injeções), vasectomia e laqueadura. Explicitaram-se as vantagens e desvantagens de cada método, frisando-se sempre a prevenção das DSTs. Em seguida, apresentou-se a camisinha e foi proposto que cada um colocasse um preservativo em uma prótese. Para finalizar, os jovens, sob orientação das facilitadoras, construíram juntos uma história envolvendo a negociação do uso do preservativo entre dois jovens namorados.

Na sétima oficina continuou-se trabalhando com os métodos contraceptivos, aprofundando mais o assunto e fazendo esclarecimentos sobre as dúvidas surgidas em outros encontros, que foram colocadas na caixinha de dúvidas. A oficina de número oito teve o objetivo de esclarecer os sintomas de algumas doenças sexualmente transmissíveis de forma lúdica e interessante para os adolescentes. Para tanto empregou-se o jogo "Aprendendo a Viver" (Instituto Kaplan, 2001), jogo didático de tabuleiro que possibilita a problematização de questões referentes à sexualidade e comportamento preventivo.

Na nona oficina visitou-se o posto de saúde do bairro para favorecer a familiarização dos adolescentes com a unidade de saúde, a qual é responsável tanto por conceder informações e atendimentos relacionados à saúde sexual quanto pela distribuição de preservativos. O décimo encontro, por sua vez, foi dedicado à temática gravidez. Discutiu-se o tema a partir da história de um casal de adolescentes que engravida, técnica adaptada a partir do manual "Sexo sem vergonha" (ECCOS, 2001). Os adolescentes foram divididos em dois grupos; um deles leu a história sobre sob o ponto de vista de uma adolescente que engravida e o outro sob o ponto de vista do parceiro da primeira. Ambas as histórias estavam divididas em três partes e após a leitura de cada parte eram feitas perguntas para que discutissem alguns aspectos relacionados ao texto. Depois se abriu a discussão no grande grupo. Com o objetivo de introduzir a temática da oficina seguinte, sugeriu-se como tarefa que todos levassem para casa um ovo, que foi personalizado e nomeado pelos adolescentes, propondo-se que este fosse cuidado e trazido no encontro seguinte.

Na oficina de número onze começamos falando sobre a experiência de cuidar do ovo e a comparamos com o cuidado de um bebê. Depois trabalhamos sobre planejamento familiar, fazendo uma estimativa dos custos financeiros que um bebê representa, bem como se discutiu a forma de obtenção da renda para sustentá-lo, problematizando a gravidez na adolescência.

No décimo segundo e no décimo terceiro encontros a temática trabalhada foi projeto de vida. A atividade proposta foi a elaboração, em duplas, de paródias de músicas que contassem, por meio de diálogos, aspectos da história de vida e projetos de futuro de ambos os envolvidos. Depois, cada dupla apresentou aos colegas a música criada. Na última oficina, de número quatorze, fez-se o fechamento do trabalho e realizou-se um "amigo-secreto" entre os participantes e coordenadores das oficinas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este trabalho de intervenção voltou-se para o favorecimento do acesso a informações sobre comportamentos preventivos referentes à sexualidade, para a reflexão das relações de gênero, classe e, especialmente, de geração, envolvidas na experimentação da sexualidade na adolescência.

A realização das oficinas ocorreu diferentemente nos dois grupos. O grupo vespertino teve alguns encontros condensados e outro eliminado, devido a reuniões pedagógicas na instituição. Outras dificuldades encontradas, nos dois turnos, foram as constantes interrupções por parte de funcionários e alunos que buscavam materiais guardados na sala utilizada para as oficinas; e as oscilações no número de participantes presentes nos encontros.

Quanto ao grupo matutino, observou-se que os adolescentes freqüentadores deste, em geral, participavam das atividades propostas ativa e espontaneamente, implicando-se nessas atividades de modo a alcançar, e em alguns momentos até mesmo superar os objetivos esperados no processo de planejamento das oficinas. No grupo vespertino percebeu-se grande dificuldade de os adolescentes falarem sobre si mesmos. Isso foi verificado nos encontros em que se propôs a exposição de dúvidas, sentimentos, medos e expectativas. A recusa dos adolescentes em falar de si ficou bem evidente na oficina sobre gravidez, quando disseram que preferiam nem se imaginar em estado de gravidez, quando solicitados a dizer o que fariam nesta circunstância.

Destaca-se o fato de que, por vezes, os participantes, principalmente as meninas, reproduziam em seus discursos a essencialização do lugar destinado à mulher na cultura ocidental. Na oficina sobre gravidez na adolescência, por exemplo, os integrantes foram questionados sobre quem seria responsável pela contracepção, e responderam, enfaticamente, ser a garota, demonstrando que depositam somente nas meninas a responsabilidade pela contracepção. Apesar de terem relativizado as relações de gênero em oficinas anteriores, os adolescentes, quando confrontados com uma situação mais concreta (responsabilidade pela contracepção), respondem à mesma de modo a manter o padrão de responsabilização das mulheres no campo da reprodução, explicitando uma contradição entre o plano do discurso e a objetivação concreta e revelando que o processo de constituição dos sujeitos se faz por avanços e recuos, por ambigüidades entre o que se quer e o que se é, nas superações contraditórias vividas no cotidiano.

Vale ressaltar que algumas das mais importantes questões de saúde pública são os casos de gravidez não planejada e a crescente incidência de jovens portadores de HIV, fatos estes muitas vezes decorrentes da falta de informação e/ou do não-uso de métodos preventivos. Os participantes do grupo, ao afirmarem que a menina é responsável pela contracepção e o garoto co-responsável na prevenção das DSTs/Aids, expressam outra contradição, pois, como destaca Paiva (2000), a gravidez e a contaminação pelo HIV podem ser produto da mesma relação sexual, da mesma decisão ou falta de decisão em relação ao risco.

Na exploração da temática "Ficar X Namorar" falou-se sobre as diferenças e semelhanças entre estes, que, segundo os adolescentes, dependem da "intensidade" do sentimento, do tempo de duração do relacionamento e das diferentes possibilidades de comprometimento. Nos dois grupos, principalmente os adolescentes do sexo masculino enfatizaram a importância da dimensão afetiva em ambos os tipos de relacionamentos, tanto no "ficar" quanto no namorar.

Na simulação do uso da camisinha masculina em uma prótese, verificou-se que, apesar da recusa de alguns sujeitos em participar, todos observaram e alguns fizeram apontamentos sobre o uso adequado do preservativo. Durante a visita à unidade de saúde a coordenadora do local apresentou toda a unidade aos sujeitos e uma das enfermeiras demonstrou o uso da camisinha feminina. Ao final realizou-se uma distribuição de camisinhas, da qual todos participaram, pegando no mínimo um preservativo.

Percebeu-se, também, uma mudança nos conhecimentos expressos pelos adolescentes ao longo dos encontros. Em uma das primeiras oficinas eles demonstraram não conhecer o significado da expressão "métodos contraceptivos", assim como da expressão "doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)". Entretanto, posteriormente os adolescentes passaram a compartilhar as informações adquiridas, por exemplo, respondendo corretamente às questões feitas pelas facilitadoras e às perguntas do jogo "Aprendendo a Viver".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer de todo o processo de elaboração deste trabalho, o cuidado na escolha e desenvolvimento das atividades propostas em cada uma das oficinas foi marcado pelo objetivo de promover interesse dos integrantes do grupo, de modo a incentivar sua participação, com vista à inclusão de todos. Destacou-se, portanto, para fins de realização das oficinas com estes grupos de adolescentes, a importância do método de trabalho, na medida em que, apesar de enquadrarem-se na mesma faixa etária e grupo social de pertença, entende-se que cada um dos adolescentes é singular.

A partir desta experiência profissional, promoveu-se a elaboração de um espaço reservado para a problematização de questões referentes à adolescência e sexualidade trazidas pelos jovens, destacando-se o debate relativo à noção de responsabilidade associada ao relacionamento sexual. Nesse sentido, contribui-se com o processo de adesão às práticas de comportamento preventivo, favorecendo, em última análise, a emancipação dos sujeitos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Recebido em 16/03/2005

Aceito em 30/08/2005

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  • Endereço para correspondência

    Kátia Maheirie
    Rua Rita Lourenço da Silveira, 325, Lagoa da Conceição
    CEP 88062-060, Florianópolis-SC.
    E-mail:
  • 1
    Apoio: Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC.
  • 2
    Este trabalho teve a supervisão da Profª Drª Kátia Maheirie, tanto para a realização formal do estágio curricular quanto para a atividade de extensão.
  • 3
    O grupo matutino foi coordenado pelas acadêmicas Renata Orlandi e Mariana Barreto Vavassori e o grupo vespertino foi coordenado pelas acadêmicas Roberta Ertel Baierle e Lílian Caroline Urnau.
  • 4
    Ferramenta baseada em técnica descrita no Caderno de Atividades Protagonismo Juvenil (Ministério da Saúde, 2001) e adaptada pelas autoras deste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2005
    • Aceito
      30 Ago 2005
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