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Dialogia e função materna em casos de limitações práxicas verbais

Dialogismo y función materna en casos de limitaciones verbales praxicas

Dialogy and matern function in cases of verbal praxic limitation

Resumos

O presente estudo analisou possíveis relações entre a interação dialógica da díade mãe-criança com limitações práxicas e o exercício da função materna. Especificamente, buscou-se categorizar os tipos de interações dialógicas encontradas, analisar a interferência ou não das limitações práxicas das crianças no processo de interpretação por parte da mãe e os reflexos da função materna sobre o diálogo mãe-criança. Participaram do estudo cinco díades mãe-filho, sendo realizadas filmagens da interação dessas díades, nas quais se analisaram o brincar, a relação mãe-filho, bem como o exercício das funções parentais, sobretudo a materna. Puderam-se observar vínculos precários entre mãe-filho, que evidenciavam dificuldades no exercício da função materna, mães diretivas, intrusivas ou afastadas e apáticas. A análise dialógica demonstrou que as limitações práxicas não impedem o processo de interpretação lingüística, podendo apenas limitá-lo. O exercício da função materna parece ter efeito importante no diálogo entre mãe e filho.

Linguagem infantil; apraxias; psicanálise


El objetivo de esto artículo es apuntar y relacionar la función materna y la interacción en el diálogo madre-niño, esto con limitaciones práxicas. Más precisamente, plantease la categorización de las interacciones en el diálogo apuntadas, la análisis de la interferencia de las limitaciones práxicas en el proceso de interpretación lingüística de la madre relativamente a la habla de su hijo y los reflejos causados por la función materna en el diálogo madre-niño. Han participado del estudio cinco madres y sus hijos, cuyas interacciones en el jugar han sido filmadas. Fueran analizados la relación madre-niño, lo ejercicio de las funciones de los padres, principalmente la función materna. Han sido observados vínculos precarios de la madre con su hijo, los cuales han demostrado el ejercicio dificultoso de la función materna. Las madres han se comportado de modo directivo o lejano y apático. El análisis del dialogo ha evidenciado que las limitaciones práxicas no impiden el proceso de la interpretación lingüística, aunque la limiten. La función materna produce efecto en el diálogo entre madre e hijo.

Lenguaje niño; apraxia; psicoanálisis


The current study analyzed possible relation between the dialogic interaction of the duo mother-child with praxic limitations and the exercise of maternal function. It tries, specifically, to categorize the types of dialogic interactions found, to analyze the interference or not of praxic limitation of children on the interpretation process by the mother and the reflexes of maternal function over the mother-child dialog. Five mother-child diad took part on the study, with the interaction of these duos being filmed, on which the play, the relation mother-child, as well the exercise of maternal function were filmed. Precarious bonds on the relation mother-child, difficulty on the exercise of maternal function, directive, intrusive or apathetic and away mothers were observed. For subjects, children of mothers that could evolve on the exercise of maternal function, cases which the bond had a significant improvement, it was observed a greater language evolution. The dialogic analyzes demonstrated that verbal dyspraxia doesn't prevent the interpretation process, it can only limit it. However, the exercise of maternal function seems to have a more important effect on the mother-child dialog.

Child language; apraxias; psychoanalysis


ARTIGOS

Dialogia e função materna em casos de limitações práxicas verbais

Dialogy and matern function in cases of verbal praxic limitation

Dialogismo y función materna en casos de limitaciones verbales praxicas

Inaê Costa RechiaI; Ana Paula Ramos de SouzaII

IFonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana, Responsável Técnica do Comunicare Aparelhos Auditivos

IIFonoaudióloga, Doutora em Lingüística e Letras, Professora adjunta da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Inaê Costa Rechia Rua Silva Jardim, 1067 Centro, CEP 97010-491 Santa Maria-RS, Brasil E-mail: inaerechia@hotmail.com

RESUMO

O presente estudo analisou possíveis relações entre a interação dialógica da díade mãe-criança com limitações práxicas e o exercício da função materna. Especificamente, buscou-se categorizar os tipos de interações dialógicas encontradas, analisar a interferência ou não das limitações práxicas das crianças no processo de interpretação por parte da mãe e os reflexos da função materna sobre o diálogo mãe-criança. Participaram do estudo cinco díades mãe-filho, sendo realizadas filmagens da interação dessas díades, nas quais se analisaram o brincar, a relação mãe-filho, bem como o exercício das funções parentais, sobretudo a materna. Puderam-se observar vínculos precários entre mãe-filho, que evidenciavam dificuldades no exercício da função materna, mães diretivas, intrusivas ou afastadas e apáticas. A análise dialógica demonstrou que as limitações práxicas não impedem o processo de interpretação lingüística, podendo apenas limitá-lo. O exercício da função materna parece ter efeito importante no diálogo entre mãe e filho.

Palavras-chave: Linguagem infantil; apraxias; psicanálise.

ABSTRACT

The current study analyzed possible relation between the dialogic interaction of the duo mother-child with praxic limitations and the exercise of maternal function. It tries, specifically, to categorize the types of dialogic interactions found, to analyze the interference or not of praxic limitation of children on the interpretation process by the mother and the reflexes of maternal function over the mother-child dialog. Five mother-child diad took part on the study, with the interaction of these duos being filmed, on which the play, the relation mother-child, as well the exercise of maternal function were filmed. Precarious bonds on the relation mother-child, difficulty on the exercise of maternal function, directive, intrusive or apathetic and away mothers were observed. For subjects, children of mothers that could evolve on the exercise of maternal function, cases which the bond had a significant improvement, it was observed a greater language evolution. The dialogic analyzes demonstrated that verbal dyspraxia doesn't prevent the interpretation process, it can only limit it. However, the exercise of maternal function seems to have a more important effect on the mother-child dialog.

Key words: Child language; apraxias; psychoanalysis.

RESUMEN

El objetivo de esto artículo es apuntar y relacionar la función materna y la interacción en el diálogo madre-niño, esto con limitaciones práxicas. Más precisamente, plantease la categorización de las interacciones en el diálogo apuntadas, la análisis de la interferencia de las limitaciones práxicas en el proceso de interpretación lingüística de la madre relativamente a la habla de su hijo y los reflejos causados por la función materna en el diálogo madre-niño. Han participado del estudio cinco madres y sus hijos, cuyas interacciones en el jugar han sido filmadas. Fueran analizados la relación madre-niño, lo ejercicio de las funciones de los padres, principalmente la función materna. Han sido observados vínculos precarios de la madre con su hijo, los cuales han demostrado el ejercicio dificultoso de la función materna. Las madres han se comportado de modo directivo o lejano y apático. El análisis del dialogo ha evidenciado que las limitaciones práxicas no impiden el proceso de la interpretación lingüística, aunque la limiten. La función materna produce efecto en el diálogo entre madre e hijo.

Palabras-clave: Lenguaje niño; apraxia; psicoanálisis.

O desenvolvimento emocional na infância está intimamente associado ao estado psíquico inicial da mãe, sobretudo às condições para o exercício da função materna e também pelo descolamento que a função paterna irá proporcionar na função materna (Araújo, 2005). Esse descolamento irá proporcionar o surgimento do brincar simbólico e da linguagem.

Falhas nessa evolução parecem se relacionar tanto a problemas no exercício das funções parentais, em especial da mãe, como exemplo a depressão materna (Molina, 2001; Frizzo & Piccinini, 2007; Hart, Jones, Field & Lundy, 1999; Field, 2002; Schwengber & Piccinini, 2004), como a limites biológicos do bebê que podem levar ao fracasso do circuito pulsional completo, produzindo transtornos importantes de desenvolvimento como o autismo (Laznik, 2004).

Pode haver fatores congênitos que, embora não impeçam o bebê de se interessar pelo gozo do seu Outro primordial, podem dificultar o desenvolvimento da linguagem, sobretudo da fala. Destaca-se neste grupo a dispraxia verbal (Forrest, 2003; Schriberg, Green, Campbell, Mcsweeny & Scheer, 2003; Nijland, 2003; Davis, Jack & Marquardt, 2005; Lewis et al, 2004; Marquardt, Jacks & Davis, 2004; Betz & Stoell-Gammon, 2005), que se caracteriza por dificuldades na programação motora verbal, levando o sujeito a não conseguir produzir fala de modo compatível com suas habilidades normais de compreensão na linguagem. Tal quadro pode se agravar quando combinado com uma dificuldade da mãe em exercer a função materna.

Por isso, hoje não se fala mais em hipótese diagnóstica em linguagem, mas em hipótese sobre o funcionamento de linguagem (Surreaux, 2008) e se procura conectar tal hipótese ao tipo de laço entre os pais e a criança. Vorcaro (2003) afirma que há casos em que há evidência de laço psicopatológico, nos quais o autismo e a psicose são de fácil diagnóstico. No entanto, há casos em que "a criança se priva da fala para receber o dom da presença do outro: inverte a direção da demanda e mantém o agente de seus cuidados em uma posição reivindicativa" (Vorcaro, 2003, p. 266). A autora afirma ainda que, seja qual for o tipo de laço, a família não tem procurado o psicólogo, mas o fonoaudiólogo para a terapia, pois há um imaginário social de que este é o especialista em fazer falar. Portanto, o acesso à psicanálise, enquanto teoria de subjetividade passa a ser crucial ao fonoaudiólogo na clínica de linguagem. No exercício dessa clínica, o fonoaudiólogo tem sido, então, convocado a aliar uma teoria de subjetividade, em geral a psicanálise, a teorias que elejam a díade mãe-filho como foco de análise dos processos de aquisição da linguagem. A teoria interacionista de De Lemos (1992) permite que o diálogo seja o foco de análise para a intervenção.

Na proposta de De Lemos (1992) e outros autores dessa visão (Figueira, 2005), o adulto ancora a aquisição da linguagem pela criança por fazer funcionar processos metafóricos e metonímicos que permitem a organização conhecimento gramatical. A clinica de linguagem inspirada por essa teoria toma alterações biológicas da criança como limites impostos a esse funcionamento e não como principais aspectos na análise de linguagem (Cunha, 2004).

Considerando a dispraxia verbal como um limite biológico, e por isso denominado aqui de limitações práxicas, já que pode dificultar a interpretação lingüística1 1 A interpretação lingüística se caracteriza por processo ativo de atribuição de sentido lingüiístico ao enunciado do interlocutor, ou seja, demonstrar que compreendeu o que outro falou seja por ação ou por enunciação do dito ou de algum elemento complementar ao dito. , o objetivo deste artigo é analisar possíveis relações entre a interação dialógica da díade mãe-criança com limitações práxicas e o exercício da função materna. Especificamente, busca-se descrever os tipos de interações dialógicas encontradas, analisar a interferência ou não das limitações práxicas das crianças no processo de interpretação por parte da mãe e os reflexos das funções parentais sobre o diálogo mãe-criança.

METODOLOGIA

A pesquisa de cunho qualitativo, que compôs o corpus de análise deste artigo, ocorreu pela seleção de 05 sujeitos atendidos em clínica-escola de instituição de ensino superior, com hipótese diagnóstica de retardo de linguagem oral, cuja descrição pudesse se assemelhar ao descrito como dispraxia verbal. Buscou-se um perfil de sujeitos cujos relatos da triagem inicial na clínica-escola afirmassem que os sujeitos apresentavam um brincar e uma audição, possivelmente, adequados à sua idade cronológica. Em alguns casos, havia anotações de enunciados das crianças, a partir dos quais foi possível já observar algumas características de fala com limitações práxicas.

Considerou-se como critério de exclusão alterações neurológicas, como síndromes, deficiência mental, e também outras alterações como deficiência auditiva. Após serem selecionadas as triagens, realizou-se contato telefônico com as famílias pedindo que comparecessem à clínica-escola para uma nova entrevista com o intuito de verificar mudanças existentes e saber mais sobre o caso, considerando que algumas já estavam na lista de espera há um ano.

As famílias receberam esclarecimentos quanto aos procedimentos da pesquisa e foram convidadas a participar. Foi esclarecido que, mesmo que não aceitassem participar da pesquisa, manteria sua vaga para posterior atendimento na clínica-escola. As que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este projeto se insere no projeto "Clínica de Subjetividade nos Retardos de Aquisição da Linguagem" aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa Institucional sob protocolo n. 0117.0.243.000-07.

Os pacientes foram encaminhados para avaliação neurológica, para descartar síndromes associadas e a presença ou não de dispraxia corporal. Passaram, ainda, por avaliações otorrinolaringológica e audiológica.

A partir de então, foram selecionados cinco sujeitos (S1, S2...S5) e filmada a interação com a terapeuta (T) e com a mãe (M1, M2...M5) e, posteriormente analisadas a interação dialógica da díade e a produção de fala da criança, nas quais se puderam observar características de Dispraxia Verbal (critério de inclusão) tais como tateio articulatório, extrema limitação silábica e restrição consonantal, variabilidade de produção articulatória (mesma palavras produzida de várias formas), conforme está descrito na literatura (Murdoch, 1997; Marquardt, Jacks & Davis, 2004). Também foram observados o brincar e a compreensão de linguagem na atividade lúdica, de modo a descartar possíveis alterações como psicose, deficiência mental, autismo, entre outras.

Analisamos os sintomas advindos das limitações práxicas verbais em ação e a forma como a mãe interagia com o filho quando diante de fala ininteligível ou mesmo aquela que interpretou, mas que se encontra muito distinta do alvo como, por exemplo, a correção. Verificou-se se esta se dava de um modo natural ou diretivo intrusivo2 2 O modo intrusivo é descrito no protocolo de Bosa e Souza (2002) no qual há uma retirada ou introdução autoritária de objetos ou uma tentativa de correção forçada da fala da criança afirmando-se "diz x" em várias tentativas que podem constranger a criança ou mesmo ser violências simbólicas. . As conseqüências dessas ações na criança foram analisadas também, para verificar se reformula (posição falante-ouvinte) ou se fica refratária (ignorando a ação da mãe e seguindo sua fala) ou se cala diante da insistência materna de tipo intrusivo.

Foram realizadas entrevistas continuadas com as mães que, além de ser uma forma de intervenção, foi uma forma de atualização e de complementação de dados sobre o exercício da função materna identificados na entrevista inicial. Tais entrevistas foram agendadas mensalmente, porém a presença variou de mãe para mãe. Os pais também foram convidados a participar das entrevistas.

Cada criança recebeu atendimento individual, semanal, sendo quatro sessões mensais. Os sujeitos 1, 2, 4 iniciaram os atendimentos em abril de 2007 e os sujeitos 3 e 5 em outubro de 2007.

A análise da interação dialógica constituiu-se no cerne para a busca de categorias dentro do grupo, ou seja, a forma como o diálogo se evidenciava ou não entre mãe e criança serviu de ponto norteador da análise em conjunto com os dados obtidos sobre a função materna. Entre os aspectos analisados estão a entonação da mãe (de satisfação, insatisfação, desânimo), a troca de turnos entre mãe e filho, a quantidade de enunciados da mãe em seus turnos, a capacidade de sintonizar com os gestos e/ou fala do filho e a responder contingentemente.

RESULTADOS

Considerando as cinco díades, notaram-se duas grandes categorias em relação às interações dialógicas com a mãe: uma quase-ausência de diálogo (sujeitos 1 e 2) e um desequilíbrio dialógico manifesto em maior número de enunciados maternos (sujeitos 3, 4 e 5).

A seguir, descrevem-se os casos, partindo da leitura interpretativa de cada categoria.

Ausência dialógica e fragilidade no vínculo mãe-filho

Nessa categoria, encontram-se duas díades: díades 1 (S1-M1) e 2 (S2-M2). No primeiro caso, não existe substituta para a função materna exercida de modo frágil pela mãe, no segundo, a tia da criança exerce essa função.

Díade 1

A díade é formada por S1, um menino de 3 anos e 4 meses, e M1 de 28 anos.

A mãe de S1 apresentou diversas faltas às entrevistas continuadas e o pai não compareceu a nenhuma entrevista, nem aos atendimentos do filho. S1 sempre se fez presente aos atendimentos, comparecendo a 16 meses de atendimento. M1 tem, em seu histórico, o abandono de dois filhos em outra cidade cuja relação afirma ter melhorado, embora só faça referência constante aos dois filhos que vivem com ela: "é a nossa paixão, eu amo os meus filhos, os dois".

Ela apresenta relação de muita cobrança em termos de organização: "Eu não tenho muita paciência... eu sou muito... quando eu quero as coisas eu quero, eu não sou de falar uma ou duas vezes. Sou meio chata pra algumas coisas, gosto das coisas muito organizadas... Tem dias que eu penso:" são crianças, isso aqui não é um quartel". E isso aí eu procuro melhorar, às vezes é difícil". Afirma estar fazendo um esforço, mas iguala a função materna à atribuição de condições materiais. Por vezes, apresenta uma agressividade extrema, quando, por exemplo, coloca um carrinho no mesmo lugar onde o menino irá pisar quando este levanta do colchonete para buscar mais brinquedos. Nesse momento, a mãe chama o menino de burro e fala que quase destruiu o carrinho, mandando o menino tomar cuidado.

Essa limitação em se entregar ao relacionamento com os filhos e de adotar uma posição de "educadora rígida" pode ser entendida pela experiência vivida com a sua mãe: "Olha, na minha mãe... Até um bom tempo o meu relacionamento com a mãe nunca foi dos melhores. Hoje eu já tenho maturidade pra entender. Mas eu muito cedo, eu descobri que a minha mãe não tinha nada pra me oferece... Ela nunca foi uma mãe zelosa, nunca bateu, mas sempre foi agressiva com palavras (gritava e xingava), pra te falar a verdade das coisas boas que eu me lembro vieram do meu pai e da minha vó". Apesar de reconhecer a afetividade do pai, ressente-se por ele não ter dado mais limite e identifica aí a origem de sua cobrança com o pai: Acho que ele tinha que ter dado mais limite, não ter me deixado solta.". Vê-se, neste caso, um processo de identificação com a mãe, embora reconheça que as lembranças positivas vêm do pai. Há evidente dificuldade de ocupar a função materna que se manifesta nas reclamações constantes do filho e na realização de ameaças, diante da terapeuta: "Eu disse pra ele que se ele não comer direito tu não vai mais atender ele né?!" ou "Né que se ele não se comportar tu não vai mais querer ele aqui? Porque tu só gosta de brincar com crianças educadas né?! Tais ameaças produziram muito medo no menino de perder o contato com a Terapeuta.

O modo como tal relação surgia no diálogo era na forma de ausência. Mesmo diante de deixas da Terapeuta a mãe não conseguia manter o diálogo (seqüência 1).Como a mãe não participa da brincadeira, é excluída por S1. Quando mãe, terapeuta e S1 brincavam de fazer café, a mãe pergunta se o menino não vai convidá-la para o café e ele a ignora, quando questionado novamente ele informa que já havia tomado tudo (seqüência 2). Tais interações podem ser visualizadas no quadro 1.


Díade 2

M2 foi convidada a comparecer às entrevistas continuadas juntamente com seu marido, mas o pai compareceu a apenas uma entrevista e M2 a algumas entrevistas, porém não a todas. S2 fez-se presente a praticamente todos os atendimentos, faltando poucas vezes devido a motivos de saúde. Realizou-se um total de 12 meses de atendimento, recebendo alta após este período.

No caso de S2 (3 anos), a função materna era mais exercida pela tia do que pela mãe (32 anos). A mãe parecia identificar um pouco a origem dessa dificuldade de ocupar a função ao se descrever como sendo uma pessoa não muito ligada a crianças, anteriormente ao nascimento de S2. Ela tinha boas lembranças de sua mãe, sendo que se espelhou nela quando pensou em ser mãe: "Pensei em ser que nem a minha mãe, porque ela sempre foi maravilhosa" No entanto, não descreve exatamente como foi esse "ser maravilhosa". Afirma que a mãe sabe ser firme com seu filho, mas que ela e seu marido têm dificuldade em dar limites: "A única coisa que eu fico pensando, às vezes, é que eu não consigo fazer com que ele me ouça. Porque eu falo, falo, falo e ele nem olha pra minha cara. Aí eu fico pensando será que esse guri não vai mudar meu Deus do Céu. Mas ele é assim com todo mundo, a única pessoa que ele ouve é minha irmã. A tia foi quem criou e cuidou dele, pois os pais trabalham fora o dia inteiro, o que parecia dificultar o estabelecer limites pelo desejo de reparar a ausência com maior permissividade.

A gravidez de S2 foi planejada e tranqüila: "Não tive depressão pós-parto. O que me deixou assim mais preocupada foi o fato dele ter aspirado o mecônio. Aí tinha outra coisa, porque foi parto normal e ele tinha a cabeça pontuda demais, aí eu olhava pra ele e me dava uma coisa, eu achava que não ia voltar, mas aí eu fui conversando com as outras pessoas e aí eu fui aceitando de que era normal". Parece aqui haver um imaginário de que algo não era normal, o que pode ser um indício de problemas no exercício da função materna ou estar associado a um imaginário sobre a origem da dificuldade de fala de S2.

Nas primeiras sessões, M2 era quieta e apresentava dificuldades de se entregar à brincadeira, não dialogando com filho. A seguir, encarrega a tia de levar S2 às sessões, com a qual foi possível coletar a interação dialógica exposta na seqüência 3.

Seqüência 3

1. T2: banheiro.

2. S2: [pa'ñeyu]

3. T2: espelho.

4. S2: ['peyu]

5. T2: O espelho.

Percebe-se que o diálogo ocorre e que serve de ancoragem pra a fala de S2. O processo de espelhamento lingüístico flui entre tia e sobrinho o que permite que a fala de S2 avance consideravelmente no decorrer da terapia. Portanto, aqui ficou assegurado o exercício da função materna pela tia e a interação dialógica permite a construção do conhecimento lingüístico por parte do menino. O mesmo não ocorre com a mãe que não dialoga com o menino (observa o mesmo brincar sem falar nem participar).

Desequilíbrio dialógico e prolongamento da simbiose Mãe-filho

Nesta categoria, localizam-se três díades. Em todas é comum um vínculo excessivo, que infantiliza as crianças, deixando-as apegadas ao corpo materno. Esse excesso também se materializa no desequilíbrio dialógico, em que a mãe fala mais do que o filho. Poder-se-ia dizer que a mãe fala por ele. É comum o prolongamento da mamadeira (S3), da amamentação (S5), do uso de fraldas (S3, S5), fragilidades de saúde da criança (S4, S5) e dormir no mesmo quarto que os pais (S3, S5). Todas as características de um processo de infantilização das crianças que dificultam seu crescimento e desenvolvimento social, dentro do qual se insere a linguagem, pois permanecem coladas à mãe, sem o corte que deveria ser inserido pela função paterna. Embora os pais de S4 e S5 sejam mais presentes na rotina desses sujeitos, isso não se materializa na forma de lei que proíba o prolongamento da simbiose.

Díade 3

M3 (20 anos) compareceu a todas as entrevistas continuadas sendo acompanhada de seu marido. S3 (3 anos e 8 meses) teve poucas faltas, perfazendo um total de 11 meses de atendimento.

A gravidez não foi planejada e a mãe a imaginava como algo terrível, mas afirma ter percebido no decorrer desta que se tratava de algo maravilhoso. A mãe uniu-se ao pai quando estava com 5 meses de gestação e afirma que a responsabilidade do cuidado recaiu toda sobre ela. Se via como uma mãe superprotetora e sentia muito medo de dar banho, de deixar cair, de dar mamá sozinha, pois a menina tinha muito refluxo. Percebe-se, nesse caso, a preocupação materna primária, o que não é relatado pelas mães anteriores.

M3 relata um histórico de superproteção de seus pais e acredita que foram permissivos demais, pois "se tivessem puxado mais talvez não tivesse engravidado tão cedo (17 anos)". Residindo ainda com a família de origem, ressente-se atualmente do fato de os pais tirarem sua autoridade diante de S3. Não possui muito apoio do esposo que, embora presente nas entrevistas, era extremamente silencioso.

S3 ainda usa fralda noturna e, segundo a mãe, já foram feitas várias tentativas de retirada mal sucedidas. Apesar de a mãe relatar que isso a incomoda muito, não parece realmente desejar que a menina saia da posição de bebê (apesar de terem uma filha mais nova). S3 ainda dorme no quarto dos pais e, no berço, pois a irmã dorme na cama juntamente com o casal (existe um quarto separado para as crianças, porém não é utilizado).

M3 se apresentou ativa nas interações dialógicas, mas reforçando alguns erros cometidos pela menina, ou seja, não retornando sua fala de modo que a criança pudesse confrontá-la com o padrão utilizado socialmente. Sem retornar a fala da menina corretamente, a mãe não engendra um processo de comparação entre a fala adulta e a infantil por parte da menina, que faça que a mesma busque dominar a produção fonológica. O funcionamento do diálogo até se processa, mas com lacunas nesse aspecto. Do ponto de vista da construção sintática e semântica, a mãe permite uma ancoragem para o funcionamento lingüístico, na medida em que buscava interpretar o que a filha diz (seqüência 4 a). No entanto, havia excesso de fala da mãe o que dificultava S3 de ocupar a posição de falante. Esta já era limitada pela dificuldade de programação motora que impedia uma maior extensão e precisão do enunciado. A mãe, em sua ansiedade, nem sempre dava tempo para a menina responder e continuar a narrativa, conforme se visualiza na seqüência 4b do quadro 2.


Díade 4

M4 e seu esposo compareceram a todas as entrevistas e relataram que S4 possuía uma saúde muito frágil durante o inverno, o que se materializou em faltas em algumas sessões durante o período de frio. No entanto, após 15 meses de terapia, S4 recebeu alta.

Em relação ao histórico materno, M4 teve três filhos, um do primeiro casamento e S4 (2 anos e 8 meses) é o mais novo da segunda união. A gestação apresentou complicações (deslocamento de placenta) o que acarretou muito medo e ansiedade em relação à saúde de S4. A partir do sexto mês, fez repouso até o nascimento de S4 aos 8 meses de gravidez. O histórico da sua mãe (45 anos) com a avó materna foi bom: "fui muito bem criada".

O menino necessitou ficar na UTI neonatal durante 10 dias, apresentou hérnia escrotal e, após a alta, teve pneumonia. Essa doença se repetiu após um ano. Os invernos de S4 são acompanhados de problemas respiratórios, que atualmente se suavizaram. Os pais admitem uma educação mais protetora a S4 em razão das fragilidades de saúde. Cabe ressaltar que o pai de S4, juntamente com o pai de S5, foram presentes na terapia.

Do mesmo modo que a mãe de S3, a mãe de S4 conseguia interpretar bem as manifestações comunicativas do filho que não falava ao início da terapia. S4 fazia vocalizações, que a mãe compreendia, juntamente com gestos. Seu brinquedo era solitário, mas corporalmente próximo à mãe, resistindo às tentativas de aproximação da terapeuta. S4 parecia ter um silêncio de resistência (Surreaux, 2000), sobretudo com a terapeuta, pois não permitia que ela entrasse nas suas brincadeiras, calando-se e afastando-se ainda mais quando ela tentava participar das atividades. S4 sempre gostou de brincar de carrinho, sozinho, em mesas. A mãe relata que é assim que ele brinca em casa, pois ela é costureira e o menino (no trabalho ou em casa) brincava ao seu lado enquanto esta trabalhava.

Pode-se observar que a mãe consegue fazer funcionar bem o diálogo, embora fale, a exemplo de M3, ocupa turnos de modo mais extenso, dando pouco espaço para manifestações do filho, conforme se vê na seqüência 5 do quadro 2.

Díade 5

M5 compareceu a todas as entrevistas continuadas juntamente com seu marido. S5 teve poucas faltas devido à fragilidade de sua saúde durante o inverno. Foram realizados 8 meses de atendimento, sendo que após este período o menino demonstrou grande evolução e os pais não compareceram mais.

A gravidez de S5 (2 anos e 5 meses) não foi planejada nem tranqüila. O pai tem outro filho de 10 anos de outro casamento. O pai relata:

Pra mim também, nos 3 ou 4 meses, fui junto fazer o pré-natal , fui vê né, tudo certinho, garanti, não tínhamos plano de saúde foi o que aconteceu, infelizmente, não tínhamos noção como era esse negocio do SUS, o que diziam eu sabia mais ou menos, mas não pensei que fosse tão assim...

Os pais relatam que o parto foi muito complicado, pois a mãe (26 anos) trocou de hospital no meio do processo de parto e, ao chegar naquele onde o parto ocorreria, os médicos não consideraram o tempo que ela esteve no hospital anterior. A mãe estava com 41 semanas de gestação, não tinha dilatação, e o médico plantonista não se encontrava no hospital. Tiveram que esperar mais 4 horas (além das 12 horas que já haviam esperado) até que o médico chegasse para fazer a cesariana. S5 aspirou mecônio, fizeram lavagem e o menino teve pneumonia, precisando ficar 15 dias na UTI neonatal. Quando foi para o quarto não conseguia mamar em razão da dificuldade de respiração. Foi colocado no oxigênio e os médicos informaram aos pais que o estado dele era grave, podendo ficar seqüelas em conseqüência das complicações e do tempo de sofrimento, os batimentos cardíacos estavam abaixo do esperado.

Pelos inúmeros internamentos, S5 sempre teve uma saúde muito frágil, não permite que as pessoas encostem nele, que o segurem, pois entra em desespero.

O pai demonstra muito sofrimento e angústia por não entender a fala do filho:

a gente... quê que eu vou te dizê, eu não sei, mas eu gostaria que ele falasse mais, assim, é difícil o dia de hoje a gente trabalha, tudo, aí a gente tem que fazê um sacrifício, a gente tem que fazer um esforço dentro de casa prá conversá, mas eu, por mim, eu posso fazê o que eu tive que fazê pra que ele se desenvolva mais rápido, e sei que uma amiga nossa tem um problema da idade né, que a cada dia vai diminuindo cada vez mais, vai repercuti pra ele depois, eu acho que, eu queria, o que depende de mim, assim, hoje a gente não tem condições ..., a gente trabalha até pra dar melhores condições, trata ele, colocá numa escola mais tarde, ... até se precisa, financeiramente, se precisa gastar mais .. a gente faz um sacrifício.

Ambos relatam essa angústia com a fala dele, porém o pai é quem sofre mais, por não passar o dia com ele (a mãe não trabalha), fica mais difícil de compreender o que o menino diz.

S5 possui muitos medos, ainda mama, aos 3 anos, no seio da mãe. Esta, por sua vez, faz uma lista de motivos para não fazer a retirada do seio. Segundo a mãe, o menino não mama muito, é mais para estar com ela do que pela alimentação.

A mãe é uma pessoa, visivelmente nervosa, preocupada, atrapalha-se muito ao falar, pois dependendo do assunto que estamos conversando ela gagueja mais. Porém, é uma mãe que interage e dialoga com o seu filho. Se não o compreende pede que repita, e, se continua não entendendo, fala para ele que não entendeu (a fala de S5 é realmente muito ininteligível, conversa muito e constantemente, mas é de difícil interpretação lingüística). No entanto, também a exemplo das mães anteriores, fala muito em seus turnos, não conseguindo ouvir alguns dos enunciados do filho, conforme seqüência 6 do quadro 2.

Cabe ressaltar que as entonações são de satisfação no diálogo. Esse fato é comum a M3 e M4, mas está ausente em M1 e M2. Estas se apresentavam mais apáticas na interação, com tons monocórdicos.

Em relação à função paterna, nos casos de S1 e S2 o pai está ausente fisicamente e subjetivamente, nos casos de S3, S4 e S5 ele está presente nos atendimentos, mas não consegue fazer o corte necessário na simbiose mãe-filho. Com a seqüência terapêutica, tal corte foi possível, bem como a maior aproximação das mães com S1 e S2.

DISCUSSÃO

Pôde-se observar que cada mãe traz, no exercício de sua função materna, traços da função materna exercida por suas próprias mães e das funções parentais destas. A forma como isso pode afetar tal exercício é muito diversificada. Além da vivência dessas mães com suas famílias na infância, deve-se considerar a sua vivência durante a gravidez, suas expectativas, seus desejos que podem ter sido alcançados ou não. Como foram as suas experiências com o nascimento do filho, pois todas as mães passaram por alguma dificuldade em conseqüência das complicações na gravidez ou na saúde do recém-nascido o que levou, em alguns casos, a uma depressão pós-parto (Frizzo & Piccinini, 2007; Hart, Jones, Field & Lundy, 1999; Field, 2002; Schwengber & Piccinini, 2004), ou a uma dificuldade de lançar desejos e cuidados sobre seus filhos (Molina, 2001).

Notou-se também que o estilo de fala dessas crianças alimenta a desestabilidade, angústia, inquietação e desestrutura dessas mães, mas não necessariamente as impediria de apostar nesse filho e de exercer a função materna de forma mais efetiva. Como respostas, algumas falam pelo filho, não sustentando o silêncio funcional (Surreaux, 2001) que o limite biológico impõe, mas necessário para que o filho se arrisque na sua gestualidade orofacial e na fala. Desse modo, ao silêncio funcional pode estar somando o silêncio de resistência que acaba por surgir quando, em vez da conversa, delineia-se um monólogo ou uma diretividade lingüística. A mãe precisa dar espaço para que a criança deseje falar.

As crianças, por sua vez, ficam desestruturadas, pois não conseguem, nas suas mães, nem mesmo uma forma de se comunicar com o mundo. Embora elas sejam as pessoas que mais convivem com as crianças, não se transformam em facilitadoras desse contato com as demais pessoas que naturalmente apresentam dificuldades na compreensão de suas falas.

Apesar da importância do vínculo inicial simbiótico entre mãe e filho, existe um momento em que se processe uma descolagem, iniciando-se assim uma separação mãe-filho (Laznik, 2004; Lopes et al, 2007). Os dados sugerem que essa separação não foi satisfatória nos casos de S3, S4 e S5, nos quais as mães são superprotetoras, infantilizando seus filhos, permitindo o co-leito, prolongando o uso das fraldas, de bico e de mamadeira (ou aleitamento materno por até 3 anos).

Como citam Jerusalinsky e Coriat (sn), o lugar do filho é definido pelos acontecimentos entre a criança e seus pais ou quem exerça as funções parentais, sendo significado por atos, gestos e palavras. Assim podemos observar no caso do S2, em que a mãe exercia a função materna de forma precária, a tia passou a assumi-la o que permitiu a estruturação do menino e uma melhor evolução de sua fala.

Diversos autores citam a depressão pós-parto ou a depressão materna como sendo fatores determinantes para a falta de engajamento, afastamento por parte da mãe, pouca estimulação, comportamentos intrusivos e superestimulação afetando o brincar por parte do filho (Field, 2002; Hart, Jones, Field & Lundy, 1999; Schwengber & Piccinini, 2004). Isso pôde ser observado nas mães que fizeram parte deste estudo. Detectaram-se abandono e afastamento do filho no momento do brincar (M1); quase ausência da função materna, passando esse papel à outra pessoa da família (M2), superestimulação, não permitindo à criança um tempo para que pudesse se empenhar em falar (M3, M4 e M5). Não pudemos evidenciar um diagnóstico de depressão pós-parto, mas sinais levam a supor que o pós-parto possa ter tido esta característica para a maior parte das mães do grupo.

Havia a possibilidade das mães interpretarem a fala dos filhos e colocarem a linguagem em funcionamento, porém, como estas não estavam bem colocadas na função materna, isso não foi possível, dificultando, o retorno da fala do filho na maior parte dos casos. Sem esse retorno, não se permite observar o funcionamento pleno dos processos metafóricos e metonímicos (De Lemos, 1992) nem a ancoragem permitida pelo espelhamento em casos de ruptura importante no gesto articulatório (Ramos, 2007).

Outro aspecto a ser ressaltado é que os pais se apresentaram ausentes tanto no discurso materno, quanto efetivamente na vida dos sujeitos para S1, S2, S3 e S5. Apenas S4 tem um pai mais participativo, mas que talvez não se faça presente no discurso materno. Tal fato contribui para o prolongamento da simbiose em S3, S4 e S5, e agrava a insuficiência parental para S1 e S2. Ou seja, os pais, por sua vez, não auxiliaram no processo de crescimento desses filhos favorecendo o corte necessário (Araújo, 2005) ao processo de mudança pelo qual a função materna tem de passar para que a criança continue seu desenvolvimento para acessar ao simbolismo.

A insuficiência da função paterna parece ser motivo para outras análises no dados aqui apresentados, já que afeta tanto o discurso quanto o comportamento materno. De um modo sintético, pode-se sugerir que a falta de representação mais consistente da lei desempenhada pela função paterna induziu ao prolongamento da simbiose nos casos 3, 4 e 5. Também não pôde ser reparadora da forma agressiva como se apresentava a mãe de S1 ou da presença inconstante de S2. Assim, todos os sujeitos desenvolveram um retardo de aquisição da linguagem tanto por falta de acesso pleno ao simbolismo quanto pelo limite biológico imposto pela dispraxia verbal. Esta, no entanto, não se constituiu no cerne das dificuldades de funcionamento lingüístico, mas como limitação de fala, totalmente superável diante de funções parentais exercidas de modo a ancorar a atividade dialógica.

CONCLUSÃO

Com este estudo, pôde-se observar que uma interação não potencializadora, manifesta na falta de investimento no diálogo, e as funções parentais, em especial a materna exercida de modo não suficientemente bom dificultam a evolução lingüística e psíquica da criança. A limitação práxica parece dificultar a compreensão da fala do filho por parte da mãe, sem, contudo, impedi-la. Porém as funções parentais que parecem determinar o quanto essas limitações afetam o funcionamento lingüístico da criança. Uma mãe suficiente boa em sua função materna, mesmo tendo um filho com limitações práxicas, terá o vínculo necessário com seu filho para investir no diálogo com ele, interpretando-o e dando-lhe espaço para se desenvolver. Para isso, a função paterna terá que fazer o corte na simbiose mãe-filho. A simples identificação de um limite biológico não permite engendrar uma nova forma de interação dialógica nos casos estudados. Faz-se necessário um olhar sobre o funcionamento parental de modo a diferenciar o que é fruto das limitações práxicas (silêncio funcional) e o que emerge como resistência a um pseudodiálogo (silêncio de resistência).

A fonoaudióloga pode, partindo de uma visão interacionista, fornecer a sustentação dialógica, em sessão, de modo a permitir algum avanço lingüístico do sujeito, mas este poderá ser truncado sem a participação familiar, pois o desejo parental é fundamental para o funcionamento lingüístico. A escuta parental é fator fundamental para emergir o desejo de falar e, nos casos de dispraxia verbal, para empreender um esforço motor para tanto.

Recebido em 29/01/2009

Aceito em 19/03/2010

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  • 1
    A interpretação lingüística se caracteriza por processo ativo de atribuição de sentido lingüiístico ao enunciado do interlocutor, ou seja, demonstrar que compreendeu o que outro falou seja por ação ou por enunciação do dito ou de algum elemento complementar ao dito.
  • 2
    O modo intrusivo é descrito no protocolo de Bosa e Souza (2002) no qual há uma retirada ou introdução autoritária de objetos ou uma tentativa de correção forçada da fala da criança afirmando-se "diz x" em várias tentativas que podem constranger a criança ou mesmo ser violências simbólicas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Jan 2009
    • Aceito
      19 Mar 2010
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