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MULHERES TALENTOSAS NO BRASIL: TRAJETÓRIAS E DESAFIOS PROFISSIONAIS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA1 1 Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

MUJERES TALENTOSAS EN BRASIL: TRAYECTORIAS Y DESAFIOS PROFESIONALES EM LA SOCIEDAD

RESUMO.

Este estudo investigou a trajetória de mulheres talentosas de acordo com o Mega-Modelo de Desenvolvimento de Talentos, concebido por Subotnik, Olszewski-Kubilius e Worrell (2011), analisando a relação existente entre as dimensões individuais, contextuais e interpessoais no seu percurso profissional. Foram realizadas cinco entrevistas com mulheres eminentes em cinco áreas de atuação: educação, comunicação, recursos humanos, publicidade e literatura brasileira. Os resultados foram analisados conforme a Teoria Fundamentada nos Dados. Verificou-se que independente da área em que atuam e de diferenças encontradas em relação à idade, formação educacional e estrutura familiar, fatores como resistência a estereótipos de gênero, trabalho como fonte de transformação social, presença de mentores, suporte emocional da família, oportunidades, otimismo e resiliência foram decisivos para a expressão e desenvolvimento de seus potenciais. Esses fatores foram classificados como facilitadores e variáveis de proteção frente às adversidades encontradas. Compreender o talento feminino envolve considerar a inter-relação das dimensões psicológicas, sociais e culturais.

Palavras-chave:
Talento; carreira profissional; mulheres

RESUMEN.

En este estudio se investigó la trayectoria de mujeres talentosas de acuerdo con el Mega-Modelo de Desarrollo de Talentos concebido por Subotnik, Olszewski-Kubilius y Worrell (2011), analizando la relación existente entre las dimensiones individuales, contextuales e interpersonales en su recorrido profesional. Se realizaron cinco entrevistas con mujeres eminentes en cinco áreas de actuación: educación, comunicación, recursos humanos, publicidad, y literatura brasileña. Los resultados fueron analizados conforme a la Teoría Fundamentada en los Datos. Se verificó que independientemente del área en que actúan y de diferencias encontradas en relación a la edad, formación educativa y estructura familiar, factores como resistencia a estereotipos de género, trabajo como fuente de transformación social, presencia de mentores, apoyo familiar emocional, oportunidades, optimismo y resiliencia fueron decisivos para la expresión y el desarrollo de sus potenciales. Estos factores se clasificaron como facilitadores y variables de protección frente a las adversidades encontradas. Comprender el talento femenino implica considerar la interrelación de las dimensiones psicológicas, sociales y culturales.

Palabras clave:
Talento; carrera profesional; mujeres

ABSTRACT.

This study investigated the trajectory of talented women according to the Mega-Model of Talent Development conceived by Subotnik, Olszewski-Kubilius and Worrell (2011), analyzing the relationship between individual, contextual and interpersonal dimensions in their professional career. Five interviews were conducted with eminent women in five areas: education, communication, human resources, advertising, and Brazilian literature. The results were analyzed according to the Grounded Theory. Regardless of the area where they work and the differences found in relation to age, educational background and family structure, factors such as resistance to gender stereotypes, work as a source of social transformation, presence of mentors, emotional family support, opportunities, optimism and resilience were decisive for the expression and development of their potentials. These factors were classified as facilitators and protection variables against the adversities faced in life. Understanding female talent involves considering the interrelationship of psychological, social, and cultural dimensions.

Keywords:
Talent; professional career; women

Introdução

A condição de vida das mulheres tem passado por transformações decorrentes de mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas. O envelhecimento da população, a redução da taxa de fecundidade, a consolidação feminina no mercado de trabalho, a conquista de novos direitos, o aumento da escolarização e anos de estudo são alguns exemplos da realidade de mulheres em países ocidentais. Tais avanços repercutem em crenças e valores e geram adaptações aos novos papéis e demandas sociais (Bruzamarello, Patias, & Cenci, 2019Bruzamarello, D., Patias, N. D., & Cenci, C. M. B. (2019). Ascenção profissional feminina, gestação tardia e conjugalidade. Psicologia em Estudo, 24(1), 1-15. Recuperado de: https://doi.org/10.590/1807-0329e41860
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; Diniz & Feres-Carneiro, 2012Diniz, G., & Féres-Carneiro, T. (2012). Casamento e família: uma reflexão sobre desafios da conjugalidade contemporânea. In T. Camargo Viana, G. Diniz, L. C. Fortunato & V. Zanello (Eds.), Psicologia clínica e cultura contemporânea (p. 443- 462). Brasília, DF: Liber Livro.; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2017Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA]. (2017). Retrato das desigualdades de gênero e raça 1995-2015. Brasília, DF: IPEA.; Prado & Fleith, 2018Prado, R. M., & Fleith, D. S. (2018). The female leadership talent development: the brazilian context. Avances en Psicologia Latinoamericana, 36(2), 363-372. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4619
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).

Os progressos alcançados pelas mulheres nas últimas décadas, principalmente no contexto educacional, ainda não repercutiram em conquistas significativas no âmbito profissional. Muitos obstáculos persistem na contemporaneidade e refletem na baixa representatividade feminina em diversas áreas, como engenharias e tecnologias, nas diferenças salariais e na desigual distribuição das tarefas domésticas entre homens e mulheres (Barros & Mourão, 2018Barros, S. C. V., & Mourão, L. (2018). Panorama da participação feminina na educação superior, no mercado de trabalho e na sociedade. Psicologia & Sociedade, 30. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30174090
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; Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2016Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2016). Mulheres no trabalho: tendências 2016. Genebra, CH: Organização Internacional do Trabalho. Recuperado de: http://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_457096/lang--pt/index.htm
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; Prado & Fleith, 2012Prado, R. M., & Fleith, D. S. (2012). Pesquisadoras brasileiras: conciliando talento, ciência e família. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 64(2), 19-34. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v64n2/v64n2a03.pdf
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; Reis & Sullivan, 2009Reis, S. M., & Sullivan, E. E. (2009). A theory of talent development in women of accomplishment. In L. V. Shavinina (Ed.), International handbook of giftedness (p. 487-504). New York, NY: Springer.). Percebe-se mesmo em ações para a promoção da emancipação feminina, ou em prol do seu empoderamento, resquícios da valorização de atributos e comportamentos que favorecem a permanência da condição de desigualdade. Um exemplo é a naturalização da ‘diferença’ entre homens e mulheres, atribuindo ao sexo feminino, como aspectos intrínsecos do indivíduo, habilidades e comportamentos idealizados de gênero que foram construídos socialmente desde a infância, como, por exemplo, sensibilidade, fragilidade e passividade feminina.

As desigualdades presentes nas trajetórias profissionais de mulheres relacionam-se ao impacto dos estereótipos no processo de constituição da subjetividade feminina e geram bloqueios e barreiras no desenvolvimento e na expressão de suas habilidades e potenciais. Entende-se que o papel social desempenhado pela mulher e os padrões de desenvolvimento e expressão de suas habilidades e talentos estão fortemente relacionados ao contexto em que vivem.

Estudos indicam que as características de personalidade e necessidades singulares das mulheres também precisam ser focalizadas para a promoção de um desenvolvimento sadio, capaz de favorecer seu bem-estar emocional e saúde mental (Kerr & Mckay, 2014Kerr, B. A., & McKay, R. (2014). Smart girls in the 21st century: understanding talented girls and women. Tucson, AZ: GreatPotential Press.; Noble, Subotnik, & Arnold, 1999Noble, K., Subotnik, R., & Arnold, K. (1999). To thine own self be true: a new model of female talent development. Gifted Child Quarterly, 43(3), 140-149. Recuperado de:http://dx.doi.org/10.1177/001698629904300302
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; Reis & Sullivan, 2009Reis, S. M., & Sullivan, E. E. (2009). A theory of talent development in women of accomplishment. In L. V. Shavinina (Ed.), International handbook of giftedness (p. 487-504). New York, NY: Springer.; Tweedale & Kronborg, 2015Tweedale, C., & Kronborg, L. (2015). What contributes to gifted adolescent females´ talent development at a high-achieving, secondary girls’ school?Gifted and Talented International, 30(1-2), 6-18. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1080/15332276.2015.1137450
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; Zanello & Andrade, 2014Zanello, V., & Andrade, A. P. M. (2014). Saúde mental e gênero: diálogos, práticas e interdisciplinaridade.Curitiba, PR: Appris.). A possibilidade de expressar o talento ou a chance de desenvolver habilidades, além de resultar em alto nível de satisfação pessoal ou autorrealização, pode também favorecer contribuições científicas, estéticas, entre outros benefícios práticos para a sociedade (Subotnik, Olszewski-Kubilius, & Worrell, 2011Subotnik, R. F., Olszewski-Kubilius, P., & Worrell, F. C. (2011). Rethinking giftedness and gifted education: a proposed direction forward based on psychological science. Psychological Science, 12(1), 3-54. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1177/1529100611418056
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).

Reis e Sullivan (2009Reis, S. M., & Sullivan, E. E. (2009). A theory of talent development in women of accomplishment. In L. V. Shavinina (Ed.), International handbook of giftedness (p. 487-504). New York, NY: Springer.) argumentam que a promoção do talento feminino requer esforço, escolhas conscientes e pautadas na realidade da condição feminina. A autora chama a atenção para o papel da sociedade na desconstrução de estereótipos de gênero, que afetam todos e não apenas as mulheres, e, para isso, é necessário além de conhecer as barreiras culturais, oferecer modelos de mulheres que superaram essas barreiras.

Diante do exposto, esse estudo buscou investigar a trajetória de mulheres talentosas e eminentes de acordo com o Mega-Modelo de Desenvolvimento de Talentos concebido por Subotnik et al. (2011Subotnik, R. F., Olszewski-Kubilius, P., & Worrell, F. C. (2011). Rethinking giftedness and gifted education: a proposed direction forward based on psychological science. Psychological Science, 12(1), 3-54. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1177/1529100611418056
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). Essa perspectiva teórica destaca a contribuição da ciência psicológica nesse processo e integra diversas teorias e modelos existentes. Para os autores não há distinção entre os termos talento e superdotação e sugerem uma definição compreensiva deste fenômeno que trata do desenvolvimento de potencialidades; defendem que o talento é um construto em desenvolvimento com diferentes estágios em que variáveis se destacam em cada um deles. O potencial é o fator chave no início do processo, o desempenho é a medida no estágio seguinte, e o alcance da eminência é o ponto culminante do processo de desenvolvimento de talento. A infância é associada à identificação dos interesses e, possivelmente, de potenciais. Essa é a fase de exploração e a família possui papel fundamental. Já na adolescência, percebe-se maior engajamento em uma área específica. Nessa fase deve-se investir no potencial manifestado e interesses apresentados, além de oferecer desafios e recompensas pelo desempenho resultante da dedicação. Mas é durante a fase adulta que a produtividade criativa e de excelência poderá emergir. Destacam-se a presença de grande bagagem de conhecimento, maior habilidade em um domínio específico, alta capacidade de aprender e assimilar novas informações. Vale ressaltar que a compreensão do talento na trajetória de vida também deve enfatizar como esses indivíduos são instruídos, orientados, incentivados, e que suporte têm ao longo do tempo.

Cada fase da trajetória de vida tem suas especificidades e impactam a expressão do talento. O modelo tem cinco princípios: (a) habilidades, gerais ou específicas, são importantes e podem ser desenvolvidas; (b) cada área ou domínio do talento tem diferentes trajetórias de desenvolvimento; (c) em cada fase do processo de desenvolvimento do talento, oportunidades devem ser fornecidas, bem como aproveitadas e comprometidas pelo indivíduo talentoso; (d) variáveis psicossociais são fatores determinantes no desenvolvimento bem-sucedido de talentos; (e) eminência é o resultado esperado da educação da pessoa talentosa. Outro aspecto a considerar são as diferenças existentes entre os campos de conhecimento. Determinadas áreas exigem habilidades e tempo diferenciado nesse processo como, por exemplo, o talento na área esportiva versus acadêmica. No entanto, o ingrediente que perpassa todo o processo, desde o potencial latente à performance de sucesso em uma área, diz respeito a variáveis psicossociais associadas ao esforço, ao acesso a oportunidades, e a como as pessoas respondem às chances que lhes são apresentadas.

Neste sentido, compreendemos a emergência do talento feminino como um processo dinâmico e multifacetado que privilegia a interação de fatores contextuais, sociais, personológicos e cognitivos. Não há um perfil único de pessoa talentosa, pois é preciso considerar diferenças socioculturais, econômicas, raciais e de gênero na caracterização de um perfil talentoso. As mulheres talentosas, ou com alto potencial a ser desenvolvido, ainda estão subrepresentadas em diversas áreas e posições de destaque social.

Este estudo investigou a trajetória de mulheres talentosas, analisando a relação existente entre as dimensões individuais, contextuais e interpessoais no seu percurso profissional. Três questões nortearam a realização da pesquisa: Quais as características pessoais atribuídas ao desenvolvimento do talento, segundo mulheres eminentes? Como mulheres eminentes avaliam o papel do ambiente familiar no desenvolvimento do talento? Durante a trajetória profissional, que fatores facilitaram e/ou dificultaram o desenvolvimento do talento em mulheres eminentes?

Método

Participantes

A amostra foi constituída por cinco mulheres talentosas, assim identificadas por serem reconhecidas nacionalmente pelo desempenho profissional de excelência em suas áreas de atuação: educação, comunicação, recursos humanos, publicidade e literatura brasileira. Todas as participantes eram brasileiras.As idades variaram entre 39 e 66 anos, todas possuíam filhos e quatro eram casadas. Das participantes, apenas uma era oriunda de uma família com condição socioeconômica desfavorecida, caracterizada por extrema pobreza e pais não escolarizados.

Os critérios de inclusão foram: (a) ser reconhecida por meio do recebimento de prêmios ou títulos nacionais e/ou internacionais, e/ou socialmente, por meio de citações em jornais ou revistas de grande circulação e alcance social; (b) estar em atividade profissional; (c) exercer posição de liderança no local ou área onde trabalha.

Instrumentos

Utilizou-se a entrevista semiestruturada de caráter exploratório como principal instrumento de coleta de dados. O roteiro foi elaborado com base nos estudos de Araújo, Cruz e Almeida (2011)Araujo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). A entrevista no estudo da excelência: uma proposta. Psychologica, 52(1), 253-280. Recuperado de: http://hdl.handle.net/1822/19130
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, Csikszentmihalyi (1996Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity. Flow and the psychology of discovery and invention. New York, NY: Harper Collins.), e Nakamura e Fajans (2014Nakamura, J., & Fajans, J. (2014). Interviewing highly eminent creators. In D. K. Simonton (Ed.), The Wiley handbook of genius(p. 33-61). Chicester, UK: Wiley.) e submetido para apreciação de juízes, especialistas da área, integrantes de um grupo de pesquisa sobre superdotação e desenvolvimento de talentos registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Houve a realização de um estudo piloto com a finalidade de verificar a adequação do roteiro aos objetivos e tempo de entrevista proposto. Algumas questões foram reformuladas e a versão final constou de 28 questões distribuídas entre cinco eixos temáticos, descritos a seguir:

  1. características pessoais: questões relativas à identificação de características de personalidade, como perfeccionismo, independência, autonomia, motivação, determinação, foco, autorregulação;

  2. contexto familiar: questões relativas à estrutura e relacionamento familiar, presença de modelos familiares, rede social de apoio, estratégias de equilíbrio entre família e carreira, impacto na família;

  3. percurso profissional: questões relacionadas às experiências significativas ao longo do percurso profissional, identificação de fatores favorecedores e inibidores, estratégias e recursos utilizados para a superação de barreiras ou desafios, e o sentido dado à carreira, talento e posição profissional em que se encontra;

  4. presença de mentores e figuras de influência: questões relacionadas à identificação de pessoas significativas no percurso profissional e que contribuíram para o desenvolvimento do seu talento ou potencial;

  5. fatores associados à autorrealização e bem-estar: questões relativas à concepção das participantes acerca de bem-estar e autorrealização e à percepção pessoal em relação a esses construtos e sua relação com aspirações futuras.

Procedimentos

A partir dos critérios de elegibilidade estabelecidos, foi realizada uma análise em sítios eletrônicos, e também foi solicitado aos membros do grupo de pesquisa mencionado anteriormente que indicassem participantes. Após a identificação e indicação de mulheres que atendessem os critérios da pesquisa, uma carta-convite foi enviada por correio eletrônico, consultando-as sobre o interesse e disponibilidade em contribuir com o estudo. Cinco aceitaram participar.

Em seguida, foi proposto um agendamento para realização da entrevista. Duas participantes solicitaram responder às perguntas do roteiro por escrito, via correio eletrônico, uma por skype, e as demais, presencialmente. Previamente às entrevistas, foi realizada uma análise de informações públicas em sítios eletrônicos sobre as participantes. Em relação às entrevistas presenciais, uma foi realizada na casa da participante e a outra em seu local de trabalho. Tanto as entrevistas presenciais quanto por skype tiveram a duração de, aproximadamente, 02 horas, foram gravadas com o consentimento das participantes, transcritas e analisadas em conjunto com as demais entrevistas. Esta pesquisa faz parte de um macroprojeto intitulado ‘Identificação e promoção do talento feminino: Conhecendo trajetórias e despertando potenciais’, o qual foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa e aprovado sob o parecer 1.418.639.

Análise de dados

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de natureza qualitativa cuja análise de dados foi baseada na Teoria Fundamentada nos Dados (Corbin & Strauss, 2016Corbin, J., & Strauss, A. (2016). Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles, CA: Sage.). Essa é uma abordagem qualitativa que envolve um processo não matemático de interpretação dos dados coletados para descobrir conceitos e relações entre eles, organizados em um esquema explanatório teórico. Esse procedimento favorece a construção de bases conceituais sobre o fenômeno investigado tornando-se importante para o desenvolvimento de um campo de conhecimento. O primeiro passo é a codificação aberta. Neste estudo utilizou-se a análise de frase ou parágrafo, em que após a leitura atenta de cada um, fez-se a reflexão sobre a ideia principal e atribuiu-se uma palavra ou expressão, formando-se códigos preliminares e, posteriormente, agrupando-os em categorias. A codificação axial foi a etapa seguinte em que ocorreu a reagrupamento dos dados (códigos), relacionando as categorias oriundas da etapa anterior às suas subcategorias para gerar explicações mais precisas e completas sobre o fenômeno. O processo final da análise de dados envolveu codificação seletiva, na qual as categorias foram integradas e organizadas em torno de um conceito explanatório central.

Resultados

Quais as características pessoais atribuídas ao desenvolvimento do talento, segundo mulheres eminentes?

Os resultados provenientes das entrevistas foram organizados em duas categorias: fatores hereditários e fatores psicossociais. A primeira, refere-se às características atribuídas como naturais ou herdadas. Apenas uma participante relatou herança genética como característica pessoal que influenciou sua trajetória de sucesso. Como pode ser verificado na fala a seguir, o fator genético foi considerado a razão da sua elevada motivação para trabalhar:

Deve ter alguma questão genética, pois eu sempre fui alegre, já acordo com um sorriso na cara, cheia de energia para fazer milhões de coisas. Eu nunca fiz nada para ser assim. Eu gosto de trabalhar, de acordar cedo e realizar tarefas o dia todo, nunca fui daquela que gosta de ficar deitada na piscina tomando sol (participante 1).

A forma como os indivíduos interagem com o ambiente, suas aspirações ou ambições, e como lidam com os desafios e problemas são exemplos de fatores psicossociais que devem ser considerados na compreensão do talento, e neste estudo, integraram a segunda categoria. Todas as participantes indicaram alto comprometimento, engajamento e dedicação durante o percurso profissional como fatores determinantes do seu sucesso. Esses dados foram agrupados na subcategoria ‘compromisso, esforço e dedicação’, ilustradas nas falas a seguir:

Eu não me considero uma pessoa talentosa, fico muito surpresa com essa sua leitura, isso não é falsa modéstia, sempre tive muitas limitações em diversas áreas. Eu sempre fui muito questionadora .... Uma característica que eu sempre trouxe é a questão do compromisso, o que quer que eu fosse fazer eu tinha sempre muito compromisso (participante 2).

Eu não me considero uma pessoa de destaque, de fama, mas sim de conhecimento, de boas práticas e resultados efetivos [...]. Eu não era a mais brilhante da turma de faculdade, depois eu vi que essas colegas não estavam tão bem profissionalmente quanto eu (participante 3).

Não acredito que me destaco [...] me considero mais esforçada que talentosa. Trabalho com pessoas igualmente ou até mais talentosas [...] Me sinto um pouco estranha respondendo sobre ‘meu’ sucesso. Acredito que tenho uma carreira que me dedico bastante e que me traz muita alegria (participante 4, grifo nosso).

Características atribuídas ao talento, como sensibilidade, alegria, autorresponsabilidade, honestidade, flexibilidade, adaptação, coragem e paciência, foram identificadas e constituíram a subcategoria ‘características emocionais e de personalidade associadas ao talento’. É interessante observar que entre as cinco participantes, três apresentaram incômodo ao se identificarem como mulheres talentosas. Com relação aos resultados referentes às características pessoais, ou fatores individuais, atribuídos ao desenvolvimento do talento, percebeu-se a prevalência dos aspectos psicossociais. Conforme mencionado, apenas uma participante se referiu à influência de herança genética na sua trajetória de sucesso.

Também foi mencionado pelas participantes a satisfação por alcançar objetivos profissionais e sentirem-se realizadas nessa dimensão, bem como a percepção de que a atuação profissional tinha sentido e significado. Esses dados foram organizados na subcategoria ‘autorrealização e propósito de vida’.

Em relação às emoções e atitudes positivas, apesar da heterogeneidade entre as características pessoais e contextuais das participantes, quatro mencionaram vínculo afetivo com o trabalho e alegria por estarem realizando atividades profissionais alinhadas ao propósito de vida mesmo diante das barreiras encontradas ao longo do ciclo de vida. Essa disposição para ver as situações por um aspecto positivo, mesmo em situações desfavoráveis, foi agrupada na subcategoria ‘otimismo e resiliência’.

Essa postura otimista e positiva aponta alta capacidade de controlar emoções, lidar com problemas, resistir às pressões do ambiente (sociais ou profissionais), e aptidão para enfrentar estrategicamente as adversidades sem afetar a saúde mental e o desenvolvimento de suas potencialidades. Verifica-se que a resiliência observada é um fator a ser considerado no processo de desenvolvimento do talento feminino, especialmente quando os fatores externos desfavoráveis prevalecem (fatores de risco). Seguem algumas falas nessa direção:

O grande pulo do gato da minha carreira foi conseguir imprimir uma postura de uma mulher que é muito mais que um corpo [...] pois quando é muito jovem é favorável, mas ao longo do tempo isso vai virando uma questão difícil e nem todas lidam bem com isso, no meu caso foi um ótimo desafio, e eu lido muito bem com isso (participante 2).

Eu já me senti realizada, mas hoje em dia não me sinto realizada, mas estou satisfeita. Cada dia que venho trabalhar eu encaro cada dificuldade como desafio. Eu fiz uma escolha. Frente as adversidades que eu encontrei, decidi não sofrer e trabalhar isso em mim. A forma que encontrei foi fazer o melhor possível, dar o melhor de mim (participante 3).

Não deixo esta busca do ‘onde falhei’ me enlouquecer não. Tenho muita resiliência mas tenho resignação quando necessário. Não era para ser meu e ponto final. Tento também fugir de desculpas fáceis para o ocorrido como ‘Perdi porque eu sou mulher’ (participante 4, grifo nosso).

Em 2015 fui finalista de um prêmio e sonhava em ganhar a quinta estatueta. Não veio, infelizmente. Fiquei um pouco triste, mas não me abati. Continuei trabalhando com afinco. Mantenho a tarefa diária de escrever e ler muito. E não abro mão da boa qualidade literária. Costumo dizer para mim mesma: vamos que vamos! (participante 5).

Como mulheres eminentes avaliam o papel do ambiente familiar no desenvolvimento do talento?

O contexto social onde o indivíduo está inserido e o tipo de relacionamentos que estabelece nesse ambiente pode favorecer ou inibir o desenvolvimento do talento (Dessen, 2007Dessen, M. A. (2007). A família como contexto de desenvolvimento. In D. S. Fleith(Ed.), A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação: o aluno e a família (p. 13-27). Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretária de Educação Especial.). Um exemplo é a família que exerce influência direta em todo o ciclo de vida. A influência do ambiente familiar, original e atual foi investigada neste estudo com o intuito de compreender as dimensões contextuais e interpessoais no processo de desenvolvimento de talentos em mulheres eminentes. Os resultados oriundos das entrevistas que buscaram responder à segunda questão de pesquisa foram organizados em duas categorias, uma sobre ambiente familiar de origem e outra acerca do ambiente familiar atual.

Em relação à primeira categoria, ‘estrutura familiar, influência paterna e suporte materno’ foram as subcategorias geradas a partir dos relatos das entrevistadas. As características da estrutura familiar destacadas foram união, apoio emocional, estabelecimento de regras e expectativa moderada e alta quanto ao desempenho escolar e profissional. Apesar de algumas participantes mencionarem a importância do pai no desenvolvimento de características que contribuíram para a atuação profissional ou na atenção dada aos interesses da filha (influência paterna), percebe-se nos relatos apresentados pelas entrevistadas que a figura materna teve um impacto mais significativo nas suas trajetórias, principalmente por representar suporte afetivo e apoio emocional (suporte materno).

Todas as participantes apresentaram o ambiente familiar como fonte de suporte emocional, valorização da educação, estabelecimento de regras, e expectativa de moderada a alta em relação ao desempenho das participantes. Esses fatores propiciaram a manifestação e desenvolvimento de suas potencialidades e corroboram o que a literatura da área tem evidenciado (Dessen, 2007Dessen, M. A. (2007). A família como contexto de desenvolvimento. In D. S. Fleith(Ed.), A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação: o aluno e a família (p. 13-27). Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretária de Educação Especial.; Olszewski-Kubilius, Lee, & Thomson, 2014Olszewski-Kubilius, P., Lee, S. Y., & Thomson, D. (2014). Family environment and social development in gifted students. Gifted Child Quarterly, 58(3), 199-216. Recuperado de:http://dx.doi.org/10.1177/0016986214526430
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).

Eu sofria horrores na escola, mas eu me resignava, pois, minha mãe dizia que a escola iria mudar minha história. Eu não sabia o que isso representava, mas me dava força para continuar. Nós tínhamos muitas limitações, por conta da situação de pobreza, eu vivi a importância de saber adiar [...] minha mãe dizia que iria valer a pena esperar (participante 1).

Vir de um ambiente familiar tão consistente e coeso me ajudou muito. Apesar das diferenças, nós sempre fomos uma família muito unida. Eu dou valor a isso, ao que parecia difícil na época hoje eu acho bom. Moramos na mesma rua que meus pais (participante 2).

No presente estudo, todas as mulheres entrevistadas optaram por constituir uma família, e esta exerceu função determinante no processo de desenvolvimento do talento, atuando em um caso como barreira e como fator promotor nos demais. Esses dados constituíram a segunda categoria, ‘ambiente familiar atual’. Entre os aspectos relatados como favoráveis no ambiente familiar atual, destacou-se a parceria do cônjuge. Notou-se nos relatos das participantes o efeito das mudanças ocorridas pela maior participação feminina no mercado de trabalho, como também configurações familiares em que as relações são mais igualitárias. A menor desigualdade entre os papéis masculinos e femininos implicou maior distribuição das tarefas entre os genitores e uma flexibilização da hierarquia familiar. Três subcategorias resultaram dos seus relatos: parceria do cônjuge, maternidade como fator propulsor e impacto positivo da carreira na família.

Meu esposo é uma pessoa extraordinária, um marido incrível! Eu não tenho preocupação alguma com casa. Ele (marido) é um ‘parceirasso’! Ele sabe o que eu vivo. Foi uma construção [...] Meu filho é um marco importante na minha vida! (participante 1, grifo nosso).

Investir na afetividade nas relações bem estruturadas na família me ajudou. Eu sou muito presente na criação dos meus filhos, acordo eles, tomamos café da manhã juntos todos os dias e busco eles na escola todos os dias. Eu me organizo para que as minhas atividades coincidam com o horário que eles estão na escola (participante 2).

Se tivesse sido diferente, será que meus filhos seriam melhores do que são hoje? Hoje meus filhos são tão maravilhosos. Eu não voltava para casa sem um presentinho para eles. Um certo momento eu perguntei aos meus filhos se eu deveria ter feito diferente, e eles dizem que não, que sentem orgulho! (participante 3).

Atualmente meu marido é uma grande fonte de sabedoria, paciência e conselho. Somos muito parceiros e sei que posso contar com ele sempre (participante 4).

O único problema foi os ex-maridos. O restante da família se orgulha muito do meu trabalho e ajuda na divulgação [...] Tentei um segundo casamento, mas também não deu certo [...] Foi bem dramática a separação e o fato de ser independente financeiramente foi decisivo (participante 5).

Durante a trajetória profissional, que fatores facilitaram e/ou dificultaram o desenvolvimento do talento em mulheres eminentes?

Os aspectos favorecedores e inibidores que tiveram maior impacto durante o percurso profissional das participantes na expressão de suas potencialidades e desenvolvimento de seus talentos foram investigados e os resultados organizados em duas categorias, ‘barreiras e fatores promotores’. Quanto à categoria ‘barreiras’, apenas uma participante enfatizou, em diversos momentos da entrevista, conflitos no relacionamento conjugal pela dificuldade do cônjuge lidar com a sua dedicação e amor pela área profissional. Esse resultado gerou a subcategoria denominada ‘carreiras e conflitos conjugais’, e referiu-se às dificuldades encontradas na trajetória profissional da participante resultantes de crises matrimoniais.

Na noite do lançamento do primeiro livro, meu ex-marido disse que eu dera o primeiro passo para a nossa separação. Ele, rude e machista, não suportou a presença de tantos amigos, jornalistas, televisão etc. (participante 5).

Também, no que se refere às barreiras, a organização do trabalho constituiu fator limitador do desenvolvimento do potencial das participantes. Carga horária excessiva e estrutura precária foram alguns dos exemplos mencionados. Além disso, enquanto que algumas participantes apontaram dificuldades no relacionamento com pares e chefia especialmente em fases de ascensão profissional em que o fato de ser mulher impôs ambiguidades nessa relação, outras declararam não sofrer o impacto do gênero no seu ambiente de trabalho. Esses dados constituíram a subcategoria ‘estrutura e relações de trabalho’.

A escola é um espaço de trabalho muito duro, os professores são submetidos a condições terríveis de trabalho. Quem dá 15 turmas com 40 alunos para um professor não espera que esse professor faça alguma coisa efetiva. Eu fui tomando consciência (participante 1).

Não é fácil ser chefe, ser mulher e ter que tomar decisões que impactam. Temos que manter uma postura, não podemos ser autoritárias, mas também não podemos ser tão condescendentes (participante 3).

Nunca me vi como um gênero. Sei que sou exceção, mas não sinto que fui prejudicada por ser mulher. Trabalho em um ambiente predominantemente masculino, mas sempre tive muito apoio dos meus pares e lideranças (participante 4).

Ainda sobre as barreiras, uma participante indicou como fator limitante ao longo da sua trajetória as percepções e pensamentos distorcidos sobre si mesma e sobre situações que vivenciou. Esse sistema de crenças disfuncionais perdurou muitos anos e foi grande barreira a ser vencida. Esse resultado configurou a subcategoria ‘crenças negativas’, conforme ilustrado no relato a seguir.

Eu fui chamada para assumir uma coordenação e não aceitei, mas quando fui chamada para uma função não gratificada na biblioteca, eu falei: então eu vou! Eu achava que não era nem capaz e nem digna de assumir uma função com reconhecimento e gratificação (participante 1).

As participantes deste estudo são mulheres bem-sucedidas, eminentes em suas áreas de atuação, com uma trajetória profissional de destaque e sucesso. Conforme relatado no tópico sobre barreiras, diversos obstáculos estiveram presentes no processo de desenvolvimento de suas potencialidades e expressão de seus talentos, mas os fatores promotores, em comparação às barreiras, foram mais mencionados pelas participantes e constituíram a categoria ‘fatores promotores’.

Resistência a estereótipos de gênero, subcategoria dos ‘fatores promotores’, abarcou características e comportamentos que contrastam com a crença generalizada do que se espera das mulheres. O impacto da indústria da beleza, cultura de romance e maternagem, ainda presentes na sociedade contemporânea, parece não ter afetado as participantes deste estudo. Outros aspectos como a valorização da individualidade e autonomia também foram identificados.

Eu não era uma menina dentro dos padrões de beleza, a beleza nunca me trouxe alguma vantagem, pelo contrário, eu sempre era lembrada que não era bonita e não teria namorado. Sempre fui levada a acreditar que se alguma coisa acontecesse na minha vida seria pela formação escolar e acadêmica e não pela minha aparência. Hoje eu vejo que isso foi uma vantagem! (participante 1).

Na infância brincava muito de boneca. Fui meio ‘infantiloide’, criançona mesmo. Mas isto foi bom, estiquei uma fase da vida e levo comigo um jeito leve, otimista, brincalhão de ver a vida (participante 4, grifo nosso).

Adoro morar sozinha e decidir tranquilamente sobre horários e compromissos, sem a intervenção de ninguém. Enquanto casada, era bem difícil e complicado, porque, por mais que eu me esforçasse, o ex-marido não achava que eu lhe dava a atenção merecida (participante 5).

A importância dada às experiências profissionais como fator de aprendizagem relevante em um percurso de desenvolvimento de talentos foi destacada pelas participantes. Nota-se que esse aspecto poderia ser confundido com privilégio ou sorte, mas nesse estudo as participantes demonstraram fazer bom uso das oportunidades que surgiram, maximizando-as. Esse aspecto constituiu a subcategoria ‘oportunidades’. O próprio ofício como fator de emancipação social e atuação intencional nessa direção foi mencionado por duas participantes e constituiu a subcategoria ‘trabalho como fonte de transformação social’.

Também foi identificado nos relatos das participantes um sentimento de satisfação, compromisso e experiências emocionais positivas que refletem em forte vínculo afetivo com o trabalho realizado ou área de atuação. Essa característica estava presente na maioria das falas e pareceu contribuir para o alto envolvimento com a área o que por sua vez contribuiu para minimizar os efeitos dos obstáculos enfrentados. Esses dados integraram a subcategoria ‘paixão pela área profissional’. Por fim, verificou-se nas entrevistas uma relação de aprendizagem por meio de redes sociais de desenvolvimento em que pessoas mais experientes e/ou pessoas significativas atuaram como modelos importantes na trajetória profissional das participantes, portanto constituíram a subcategoria ‘presença de modelos ou mentores’.

Essa pessoa apareceu na minha vida aos 8 anos de idade [...]. Ela acreditava que eu ia aprender, e vibrava com a minha aprendizagem [...] ela se tornou alguém tão grande para mim que eu disse, gente não deve ter nada mais importante para fazer na vida do que ser professora. O simples fato dela me dar esse sonho já foi muito importante pois ela me deu um projeto de vida para eu agarrar (participante 1).

Minha mentora é a minha mãe, uma grande leitora e contadora de casos. Meu mentor é o meu pai, que embora não lesse quase nada, era sensível à minha arte e sempre me estimulou (participante 5).

Discussão e considerações finais

Os estudos nacionais e internacionais estão em consenso diante da constatação de que o talento é um fenômeno complexo, multideterminado e fatores internos e externos estão em constante interação. Na última década, as características psicológicas e socioemocionais têm sido progressivamente evidenciadas como aspectos significativos nesse processo (Alencar, 2014Alencar, E. M. L. S. (2014). Ajustamento emocional e social do superdotado: fatores correlatos. In F. H. R. Piske, J. M. Machado, S. Bahia & T. Stoltz, (Eds.), Altas-habilidades/superdotação (AH/SD): criatividade e emoção (p. 149-162). Curitiba, PR: Juruá.; Chagas-Ferreira, 2014Chagas-Ferreira, J. F. (2014). As características socioemocionais do indivíduo talentoso e a importância do desenvolvimento de habilidades sociais. In A. M. R. Virgolim & E. C. Konkiewitz (Eds.), Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade (p. 283-308). Campinas, SP: Papirus.; Neihart, Pfeiffer, & Cross, 2015Neihart, M., Pfeiffer, S. I., & Cross, T. L. (Eds.). (2015). The social and emotional development of gifted children: what do we know? Waco, TX: Prufrock Press.; Peterson, 2014Peterson, J. (2014). Paying attention to the whole gifted child: why, when, and how to focus on social and emotional development. In F. H. R. Piske, J. M. Machado, S. Bahia & T. Stoltz (Eds.), Altas-habilidades/superdotação (AH/SD): criatividade e emoção (p. 45-66). Curitiba, PR: Juruá .; Prado & Fleith, 2016Prado, R. M., & Fleith, D. S. (2016). O papel das variáveis psicossociais no desenvolvimento do talento. Revista Amazônica, 18(2), 176-189. Recuperado de: http://periodicos.ufam.edu.br/amazonica/article/view/4682
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). Esse dado aponta uma mudança de paradigma na área em que os aspectos inatos não são mais reconhecidos como única causa em um processo de desenvolvimento humano e de talentos.

Compromisso, esforço, dedicação, autorrealização, propósito de vida, sensibilidade, alegria, autorresponsabilidade, honestidade, flexibilidade, adaptação, coragem, paciência, otimismo e resiliência foram os fatores individuais relatados pelas participantes como fundamentais ao sucesso alcançado. É interessante ressaltar que não houve tendência de associar o alto desempenho à sorte ou às oportunidades, conforme estudos realizados anteriormente com mulheres (Manuel & Antunes, 2017Manuel, M., & Antunes, A. (2017). Mérito acadêmico no ensino superior e carreira profissional: um estudo de caso no feminino. Revista Amazônica,19(2), 23-39. Recuperado de: http://www.periodicos.ufam.edu.br/amazonica
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; Noble et al., 1999Noble, K., Subotnik, R., & Arnold, K. (1999). To thine own self be true: a new model of female talent development. Gifted Child Quarterly, 43(3), 140-149. Recuperado de:http://dx.doi.org/10.1177/001698629904300302
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). Contudo, a maioria das participantes demonstrou incômodo ao se reconhecerem como mulheres talentosas e de sucesso, justificando que alcançaram esse patamar com muito trabalho. Esse incômodo pode ser fruto do mito divulgado em nossa sociedade de que talento é um traço inato e imutável do indivíduo.

Observou-se que as participantes apresentavam uma crença positiva a respeito de si mesma e na possibilidade de melhoria da sua performance e desempenho por meio do esforço, dedicação, comprometimento e engajamento. Nessa direção, verifica-se nessas mulheres uma atitude mental de crescimento (growthmindset), que, conforme Dweck (2017Dweck, C. S. (2017). From needs to goals and representations: foundations for a unified theory of motivation, personality, and development. Psychological Review, 124(6), 689-719. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1037/rev0000082
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), são características associadas à realização do potencial humano e a uma trajetória de sucesso. A autora defende que o desenvolvimento de talento é um processo de aprendizagem em que os fracassos e erros estão presentes, mas o que diferencia as pessoas que desenvolvem seus potenciais e são bem-sucedidas das que não os desenvolvem é a mentalidade de crescimento. Essa crença mental não é fixa, pode ser aprendida e está diretamente relacionada à motivação e alto desempenho.

De acordo com Dweck (2017Dweck, C. S. (2017). From needs to goals and representations: foundations for a unified theory of motivation, personality, and development. Psychological Review, 124(6), 689-719. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1037/rev0000082
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), o ser humano possui necessidades psicológicas que, quando atendidas e estimuladas, favorecem o desenvolvimento saudável do indivíduo, resultando em uma sensação de satisfação com a vida e realização pessoal. Contudo, Baumeister, Vohs, Aaker e Garbinsky (2013Baumeister, R., Vohs, K., Aaker, J., & Garbinsky, E. N. (2013). Some key differences between a happy life and a meaningful life. The Journal of Positive Psychology, 8(6), 505-516. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2168436
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) argumentam que a identificação de valores e propósito de vida favorece uma vida com significado ou sentido (meaningfulness), o que pode indicar autorrealização, mas não necessariamente felicidade e bem-estar. Para o autor, vida focada em senso de propósito está mais propensa ao florescimento das potencialidades do indivíduo, todavia promove maior ansiedade, preocupação e estresse do que emoções positivas.

Estudos recentes sugerem que alto nível de resiliência está associado a um pensamento mais realista e flexível sobre as situações vividas (Seligman, 2011Seligman, M. (2011). Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.). Pessoas resilientes são menos ansiosas, mais assertivas e lidam melhor com situações complexas e que exigem frequentes tomadas de decisão. Todavia, um comportamento resiliente não depende unicamente de fatores internos (características individuais). A presença de rede de apoio social e afetiva tem sido destacadas pela literatura como fatores de proteção e promoção de resiliência, o envolvimento da família e presença de mentores são alguns exemplos (Couto-Oliveira, 2007Couto-Oliveira, V. (2007). Vida de mulher: gênero, pobreza, saúde mental e resiliência. (Dissertação de mestrado não publicada). Universidade de Brasília, Brasília.; Pinto & Monteiro, 2018Pinto, A. R., & Monteiro, A. A. (2018). As redes sociais de apoio na transição para a parentalidade. Sociologia Online, 17, 113-135. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.30553/sociologiaonline.2018.17.5
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; Seligman, 2011Seligman, M. (2011). Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.).

Outro fator que chama a atenção nos resultados desta investigação é o valor dado à educação por parte da família de origem, independentemente do nível socioeconômico ou educacional de seus membros. Educação é considerada um caminho para mobilidade social e melhor qualidade de vida. Esse achado também é encontrado em pesquisas anteriores envolvendo pessoas talentosas e criativas (Csikszentmihalyi, 1996Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity. Flow and the psychology of discovery and invention. New York, NY: Harper Collins.; Reis & Sullivan, 2009Reis, S. M., & Sullivan, E. E. (2009). A theory of talent development in women of accomplishment. In L. V. Shavinina (Ed.), International handbook of giftedness (p. 487-504). New York, NY: Springer.).

Neste estudo, a família atual exerceu função determinante e favorável ao processo de desenvolvimento do talento feminino, em especial quando houve a parceria do cônjuge e maternidade tardia. As configurações familiares favoráveis ao talento possuem relações mais igualitárias em que há maior distribuição de tarefas entre os genitores e maior flexibilização da hierarquia familiar. Também se verificou que a influência de mulheres talentosas e de destaque foi positiva no contexto familiar.

Embora as participantes não tenham se referido à postergação da maternidade como um aspecto positivo em sua trajetória profissional, alguns estudos revelam que tanto o declínio da fecundidade quanto a maternidade tardia podem ser fatores de proteção das mulheres a favor do desenvolvimento de seus talentos. Sendo assim, a resistência a estereótipos de gênero ou a comportamentos que vão de encontro à crença ou expectativa social, minimiza o risco de exposição excessiva à indústria da beleza, cultura de romance, gravidez precoce e outras decorrentes de pressão de grupo, principalmente durante a adolescência (Csikszentmihalyi,1996Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity. Flow and the psychology of discovery and invention. New York, NY: Harper Collins.; Kerr & McKay, 2014Kerr, B. A., & McKay, R. (2014). Smart girls in the 21st century: understanding talented girls and women. Tucson, AZ: GreatPotential Press.; Reis & Sullivan, 2009Reis, S. M., & Sullivan, E. E. (2009). A theory of talent development in women of accomplishment. In L. V. Shavinina (Ed.), International handbook of giftedness (p. 487-504). New York, NY: Springer.).

Essa pesquisa apresentou contribuições para a compreensão do desenvolvimento do talento feminino, com destaque para a influência dos fatores psicossociais neste processo. Entretanto, foi um estudo qualitativo com um número reduzido de participantes o que pode ser uma limitação do estudo. Com o intuito de ampliar essa compreensão e complementar os resultados obtidos, sugerem-se novos estudos como a realização de pesquisas longitudinais para identificar as características do desenvolvimento do talento feminino ao longo do curso de vida, a replicação desse estudo com mulheres eminentes em apenas um campo de atuação, a condução de uma pesquisa quantitativa para identificar fatores motivacionais nas trajetórias de mulheres eminentes e também conduzir uma pesquisa comparativa entre homens e mulheres eminentes quanto às características pessoais, familiares e profissionais.

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    Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2019
  • Aceito
    23 Set 2019
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