Acessibilidade / Reportar erro

ESTÁGIO EXTRACURRICULAR E PROJETOS DE VIDA: PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIAS

Pasantía Extracurricular y Proyectos de Vida: Percepciones de Estudiantes Universitarias

RESUMO

Adultez emergente é uma fase do desenvolvimento na qual os indivíduos se preparam para adentrar a vida adulta. Devido as suas características, é um período propício para estudar projeto de vida. Este estudo teve como objetivo investigar as concepções de estudantes universitárias sobre estágio extracurricular e sobre sua relação com desenvolvimento do projeto de vida. Foi realizado um grupo focal com três estudantes do curso de psicologia. Para a análise de dados, foi feita uma análise de conteúdo. Os resultados mostraram que projeto de vida e estágio extracurricular são percebidos como relacionados. Estas temáticas são vistas como benéficas para o desenvolvimento, auxiliando no estabelecimento da identidade, na autopercepção dessas jovens como adultas e na tomada de decisões.

Palavras-chave:
projetos de vida; estudantes universitários; análise de conteúdo

RESUMEN

Adultez emergente es una fase del desarrollo en la cual los individuos se preparan para adentrar a la vida adulta. Por sus características, es un período propicio para estudiar proyecto de vida. En este estudio se tuvo como objetivo investigar las concepciones de estudiantes universitarias sobre pasantía extracurricular y sobre su relación con desarrollo del proyecto de vida. Se realizó un grupo focal con tres estudiantes del curso de psicología. Para el análisis de datos, se hiso un análisis de contenido. Los resultados apuntan que proyecto de vida y pasantía extracurricular son percibidos como relacionados. Estas temáticas son evaluadas como benéficas para el desarrollo, ayudando en el establecimiento de la identidad, en la autopercepción de esas jóvenes como adultas y en la toma de decisiones.

Palabras clave:
proyectos de vida; estudiantes universitarios; análisis de contenido

ABSTRACT

Emerging adulthood is a stage of development in which individuals prepare to enter adult life. Due to its characteristics, it is a favorable period to study a purpose in life. This study aimed to investigate the conceptions of university students about extracurricular internship and its relationship with the development of the purpose in life. A focus group was carried out with three students from the psychology course. For data analysis, a content analysis was performed. The results showed that purpose in life and extracurricular internship are perceived as related. These themes are seen as beneficial for development, helping to establish identity, in the self-perception of these young people as adults and in decision-making.

Keywords:
purpose in life; college students; content analysis

INTRODUÇÃO

O termo adultez emergente tem sido utilizado para se referir à fase posterior à adolescência, na qual os indivíduos se preparam gradualmente para adentrar a vida adulta (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
). Deste modo, os adultos emergentes não seriam mais adolescentes, apresentando características que diferem desse período do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que estariam emergindo na vida adulta (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
).

A adultez emergente, além ser de um termo distinto, também é uma fase diferente das demais que a antecedem ou sucedem. Em relação à adolescência, destaca-se que esta é marcada por uma série de mudanças físicas, psicológicas, cognitivas e sociais, tornando-se um período com características próprias. A maioria dos adolescentes, classificados segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. (1990). Ministério da Justiça: Lei Federal no. 8069/1990. Diário oficial da união, Poder Executivo, Brasília: DF.) como indivíduos dos 12 aos 18 anos, vive com seus pais, passa pela puberdade e está na escola. Contudo, após a maioridade, nenhuma das características citadas permanece normativa, de modo que a faixa etária dos 18 aos 29 anos não deve ser chamada de adolescência tardia (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
).

Para Arnett (2011Arnett, J. J. (2011). Emerging adulthood(s): The cultural psychology of a new life stage. In L. A. Jensen(Ed.), Bridging Cultural and Developmental Approaches to Psychology New Syntheses in Teory, Research, and Policy (pp. 255-275). New York, NY: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383430.003.0012
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
) houve uma mudança na inserção do jovem na vida adulta, em sociedades ocidentais modernas, de modo que a faixa etária entre os 18 aos 29 anos se tornou um momento de grandes vivências e de experiências singulares. Assim, para esse autor, torna-se necessário a nomeação e o estudo desse período de desenvolvimento. Nesse sentido, é importante contextualizar que a adultez emergente é um fenômeno típico de sociedades ocidentais industrializadas ou recentemente industrializadas, sendo, portanto culturalmente construída (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
; Pereira, Dutra-Thomé, & Koller, 2016Pereira, A. S.; Dutra-Thomé, L.; Koller, S. H. (2016). Habilidades sociais e fatores de risco e proteção na adultez emergente. Psico, 47(4), 268-278. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.4.23398
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016....
). A adultez emergente, assim como outras fases do desenvolvimento, apresenta características únicas. Destacam-se as seguintes particularidades deste período: (a) exploração de identidade, (b) instabilidade, (c) foco em si mesmo, (d) sensação de “estar entre” (in-between) e (e) possibilidades futuras (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
, 2011Arnett, J. J. (2011). Emerging adulthood(s): The cultural psychology of a new life stage. In L. A. Jensen(Ed.), Bridging Cultural and Developmental Approaches to Psychology New Syntheses in Teory, Research, and Policy (pp. 255-275). New York, NY: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383430.003.0012
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
).

Devido as suas características, a adultez emergente tem se tornado um período propício para o estudo do projeto de vida. Bronk (2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
) destaca que, historicamente, as primeiras pesquisas que abordaram o tema projetos de vida o consideravam como característica da adultez. Contudo, estudos com adolescentes e jovens demonstraram que essas populações já estão comprometidas com projetos de vida, além de enfatizarem a relação entre projetos de vida e a formação de identidade (Damon, 2009Damon, W. (2009). O Que o Jovem Quer da Vida?. São Paulo: Summus.; Damon, Menon, & Bronk, 2003Damon, W.; Menon, J.; Bronk, K. C. (2003). The Development of Purpose During Adolescence. Applied Developmental Science, 7(3), 119-128.). A relação entre essas duas temáticas já foi abordada por Erikson (1976Erikson, E. (1976). Identidade Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar.), que sustenta que o indivíduo, durante a adolescência, passa pelo estágio identidade versus confusão de papéis. Quando a resolução dessa crise é satisfatória, fornece bases para a construção de um projeto de vida. Em sociedades industrializadas, acredita-se que é possível estender a exploração pela identidade, que se inicia na adolescência, porém se intensifica na adultez emergente (Arnett, 2000Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.4...
; Erikson, 1976Erikson, E. (1976). Identidade Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar.).

Para o estudo de projetos de vida, a adolescência e a adultez emergente são fases importantes do desenvolvimento, porque são nelas que os indivíduos se engajam de maneira intencional na construção de um projeto de vida (Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
; Mariano & Going, 2011Mariano, J. M.; Going, J. (2011). Youth Purpose and Positive Youth Development. In R. M. Lerner; J. V. Lerner; J. B. Benson(Eds.), Advances in Child Development and Behavior - Positive Youth Development(1 ed., Vol. 41, pp. 39-68). Elsevier Inc. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492-5.00003-8
https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492...
). Para esta população, ter um projeto de vida está associado com maior satisfação com a vida, além de ser um fator de proteção (Bronk, Hill, Lapsley, Talib, & Finch, 2009; Damon, 2009Damon, W. (2009). O Que o Jovem Quer da Vida?. São Paulo: Summus.). Damon (2009)Nascimento, I. P. (2013). Educação e Projeto de vida de adolescentes do ensino médio. EccoS Revista Científica, 31(1), 83-100. https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328
https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328...
destaca que ter um projeto de vida bem estruturado é fator de proteção de comportamentos autodestrutivos e de risco, além de oferecer um rumo, garantindo momentos de resiliência nos tempos difíceis e de alegria nos bons.

Indivíduos que possuem um projeto de vida apresentam vivências e experiências mais positivas do que os que não o tem (Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
; Bronk et al., 2009Bronk, K. C.; Hill, P. L.; Lapsley, D. K.; Talib, T. L.; Finch, H. (2009). Purpose, hope, and life satisfaction in three age groups. The Journal of Positive Psychology, 4(6), 500-510. https://doi.org/10.1080/17439760903271439
https://doi.org/10.1080/1743976090327143...
; Mariano & Going, 2011Mariano, J. M.; Going, J. (2011). Youth Purpose and Positive Youth Development. In R. M. Lerner; J. V. Lerner; J. B. Benson(Eds.), Advances in Child Development and Behavior - Positive Youth Development(1 ed., Vol. 41, pp. 39-68). Elsevier Inc. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492-5.00003-8
https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492...
). Pesquisas ainda sugerem que, para os jovens, ter um projeto de vida faz com que se sintam bem, uma vez que fornece uma visão conciliatória do presente e futuro, o que gera conforto. Um propósito de vida também se relaciona com otimismo e esperança no futuro para adolescentes e adultos emergentes (Bronk et al., 2009Bronk, K. C.; Hill, P. L.; Lapsley, D. K.; Talib, T. L.; Finch, H. (2009). Purpose, hope, and life satisfaction in three age groups. The Journal of Positive Psychology, 4(6), 500-510. https://doi.org/10.1080/17439760903271439
https://doi.org/10.1080/1743976090327143...
; Mariano & Going, 2011Miranda, F. H. de F.; Alencar, H. M. de. (2011). Moral e Ética: a Importância dos Projetos de Vida. In II Congresso de Pesquisas em Psicologia e Educação Moral - Conflito nas instituições educativas: Perigo ou oportunidade?(pp. 511-524). Campinas, SP.).

Algumas características devem ser levadas em consideração durante a construção do projeto de vida. Estudos indicam que variáveis como idade, gênero, nível socioeconômico e cultural podem influenciar na construção do projeto de vida (Damon et al., 2003Damon, W.; Menon, J.; Bronk, K. C. (2003). The Development of Purpose During Adolescence. Applied Developmental Science, 7(3), 119-128.; Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
; Riter, Dellazzana-Zanon, & Freitas, 2019Riter, H. S.; Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. L. (2019). Projetos de vida de adolescentes de nível socioeconômico baixo quanto aos relacionamentos afetivos. Revista da SPAGESP , 20(1), 55-68.). Enquanto para jovens buscar um projeto de vida aumenta a satisfação com a vida, o oposto ocorre com a população adulta, que acredita que já devia ter identificado o seu projeto (Bronk et al., 2009Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
). Em relação ao nível socioeconômico, uma pesquisa demonstrou que os adolescentes de classes socieconômicas baixas possuiam mais projetos de vida que envolviam ajudar outras pessoas, quando comparados com indivíduos de nível socioeconômico alto (Valore & Viaro, 2007Valore, L. A.; Viaro, R. V. (2007). Profissão e Sociedade no Projeto de Vida de Adolescentes em Orientação Profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 8(2), 57-70.).

Em relação ao significado de projeto de vida, não há uma definição única entre estudiosos da temática (Dellazzana-Zanon & Freitas, 2015Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. de L. (2015). Uma Revisão de Literatura sobre a Definição de Projeto de Vida na Adolescência. Interação Em Psicologia, 19(2), 281-293. https://doi.org/10.5380
https://doi.org/10.5380...
). Contudo, uma definição muito importante é a de Damon et al. (2003Damon, W.; Menon, J.; Bronk, K. C. (2003). The Development of Purpose During Adolescence. Applied Developmental Science, 7(3), 119-128.), que descreve o projeto de vida como uma intenção estável e generalizada de alcançar algo que é ao mesmo tempo significativo para o eu e que gera um engajamento produtivo com algum aspecto no mundo além do eu.

Pesquisas com adolescentes brasileiros indicam que estes indivíduos elaboram projetos de vida com foco em três áreas: (a) trabalho, (b) estudo e (c) família (Miranda & Alencar, 2011Miranda, F. H. de F.; Alencar, H. M. de. (2011). Moral e Ética: a Importância dos Projetos de Vida. In II Congresso de Pesquisas em Psicologia e Educação Moral - Conflito nas instituições educativas: Perigo ou oportunidade?(pp. 511-524). Campinas, SP.; Nascimento, 2013Nascimento, I. P. (2013). Educação e Projeto de vida de adolescentes do ensino médio. EccoS Revista Científica, 31(1), 83-100. https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328
https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328...
; Riter et al., 2019Riter, H. S.; Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. L. (2019). Projetos de vida de adolescentes de nível socioeconômico baixo quanto aos relacionamentos afetivos. Revista da SPAGESP , 20(1), 55-68.). Para estes jovens, a atividade profissional exerce papel central nos projetos de vida, uma vez que se relaciona com sobrevivência, estabilidade financeira, independência e ascensão social (Riter et al., 2019Riter, H. S.; Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. L. (2019). Projetos de vida de adolescentes de nível socioeconômico baixo quanto aos relacionamentos afetivos. Revista da SPAGESP , 20(1), 55-68.). A atividade laboral tem este destaque, pois é vista pelos adolescentes como um aspecto organizador, sendo necessária para a concretização dos demais projetos.

Considerando que uma das esferas do projeto de vida seria o trabalho, pesquisas demonstram que quando pensam em seus desenvolvimentos vocacionais, os adolescentes e adultos emergentes brasileiros tendem a pensar na entrada no ensino superior para se profissionalizar ou se inserir no mercado de trabalho (Bardagi, Lassance, Paradiso, & Menezes, 2006Bardagi, M.; Lassance, M. C. P.; Paradiso, Â. C.; Menezes, I. A. de. (2006). Escolha profissional e inserção no mercado de trabalho: percepções de estudantes formandos. Psicologia Escolar e Educacional, 10(1), 69-82. https://doi.org/10.1590/S1413-85572006000100007
https://doi.org/10.1590/S1413-8557200600...
). Contudo, estudos que investigaram a inserção de formandos universitários no mercado de trabalho sugerem que muitos deles se sentem despreparados, apreensivos e insatisfeitos com sua atuação profissional (Bardagi et al., 2006Bardagi, M.; Lassance, M. C. P.; Paradiso, Â. C.; Menezes, I. A. de. (2006). Escolha profissional e inserção no mercado de trabalho: percepções de estudantes formandos. Psicologia Escolar e Educacional, 10(1), 69-82. https://doi.org/10.1590/S1413-85572006000100007
https://doi.org/10.1590/S1413-8557200600...
; Teixeira & Gomes, 2005Teixeira, M. A. P.; Gomes, W. B. (2005). Decisão de Carreira entre Estudantes em Fim de Curso Universitário. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21(3), 327-334.). Apesar disso, algumas vivências podem tornar essa transição mais fácil, como as atividades acadêmicas extraclasses como monitoria, iniciação científica e estágio (Bardagi et al., 2006; Silva & Teixeira, 2013Silva, C. S. C. da; Teixeira, M. A. P. (2013). Experiências de Estágio: Contribuições para a Transição Universidade-Trabalho. Paidéia, 23(54), 103-112. https://doi.org/101590
https://doi.org/101590...
).

Silva e Teixeira (2013Silva, C. S. C. da; Teixeira, M. A. P. (2013). Experiências de Estágio: Contribuições para a Transição Universidade-Trabalho. Paidéia, 23(54), 103-112. https://doi.org/101590
https://doi.org/101590...
) destacam o estágio em relação às demais experiências acadêmicas visto que ele possui um caráter de ensaio de trabalho. Assim, o universitário pode aplicar os conhecimentos teóricos na prática e assumir responsabilidades, o que o auxilia na transição do contexto educacional para o ambiente de trabalho. Para esses autores, o estágio auxilia os universitários a definir seus interesses e elaborar seus projetos profissionais de maneira mais clara, de modo que eles passam a ter maior confiança em relação ao futuro.

O estágio é amparado pela Lei 11.788/08Decreto de Lei n. 11.788/2008. (2008). Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União Seção 1 (26-09-2008), p. 3., que o define como um ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que propõe preparar o jovem para a inserção no mercado de trabalho. Ademais, a Lei do Estágio detalha que os estágios podem ser obrigatórios ou não. No caso do primeiro, chamado de estágio curricular, faz parte do projeto pedagógico do curso, sendo necessário para a aprovação e obtenção do diploma. No caso do estágio não-obrigatório, ou extracurricular, é uma atividade opcional, que deve ser acrescentada a carga horária regular.

Considerando que: (a) uma das esferas do projeto de vida refere-se ao aspecto profissional, (b) a entrada na universidade acontece durante o período da adultez emergente, (c) o estágio extracurricular pode ser o primeiro contato de jovens universitários com o mercado de trabalho, a questão de pesquisa deste estudo é o que os jovens estudantes universitários pensam sobre o estágio extracurricular e qual o papel desse estágio em seu projeto de vida. Este estudo tem como objetivo investigar as concepções de estudantes universitários sobre o estágio extracurricular e sobre o papel dessa experiência no desenvolvimento de seus projetos de vida.

MÉTODO

Delineamento

Foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório. Pesquisas exploratórias têm como objetivo oferecer maior familiaridade com uma questão específica, visando explicitar e construir hipóteses (Silveira & Córdova, 2009Silveira, D. T.; Córdova, F. P. (2009). A pesquisa científica. In T. E. Gerhardt; D. T. Silveira (Eds.), Métodos de Pesquisa(1 ed., p. 120). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). A pesquisa exploratória é justificada pelo objetivo do estudo, que busca conhecer concepções, adquirir conhecimento acerca de um tema pouco pesquisado e futuramente, levantar hipóteses.

Participantes

Participaram deste estudo três estudantes universitárias do curso de psicologia, todas do sexo feminino e com 22 anos de idade. Os critérios de inclusão foram: (a) jovens com idades entre 18 a 25 anos, (b) que estivessem cursando ou já tivessem cursado o 5º semestre do curso, (c) que estivessem fazendo ou já tivessem feito um estágio extracurricular, e (d) que aceitassem participar do estudo voluntariamente (por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido).

Características do grupo de participantes

Andressa* cursa o oitavo período do curso e vive com seus pais e uma irmã na mesma cidade em que estuda. A estudante realiza estágio extracurricular há quatro anos. Além do estágio atual, Andressa também já realizou um estágio extracurricular em um núcleo de assistência social e em uma empresa de Recursos Humanos (RH). Desta vez, o campo é uma escola e ela está nele desde julho de 2017. A duração é de 30 horas semanais e é remunerado. A participante possui bolsa do ProUni - Programa de Universidade para Todos - para subsidiar a faculdade.

Bianca* cursa o décimo período do curso, possui dois irmãos, mas vive apenas com seus pais, na mesma cidade em que estuda. Seu estágio extracurricular é na Defensoria Pública do Estado de São Paulo e teve início em março de 2017. A duração é de 20 horas semanais e é remunerado. Esse é o único estágio que fez.

Carla* está no décimo período do curso e tem pais divorciados, de modo que passa a semana na casa de um deles e o final de semana na casa do outro. Além dos pais, seus respectivos companheiros também vivem nas residências. No que se refere ao estágio extracurricular, este é o primeiro que Carla já fez e é em uma empresa de tecnologia, na área de RH. A duração é de 28 horas semanais e é remunerado. Ela realiza esse estágio desde maio de 2017.

Instrumentos

Grupo Focal: Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica do grupo focal, definida por Gondim (2003Gondim, S. M. G. (2003). Grupos Focais como Técnica de Investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos. Paidéia, 12(24), 149-161.) como uma técnica que coleta dados por meio de interações grupais ao discutir um tópico apresentado pelo pesquisador, que exerce papel de facilitador. O grupo focal possui maior foco no grupo, e não no indivíduo, o que faz com que uma opinião possa ser vista como do grupo (Barbour, 2009Barbour, R. (2009). Grupos Focais. Porto Alegre: Artmed.; Gondim, 2003Gondim, S. M. G. (2003). Grupos Focais como Técnica de Investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos. Paidéia, 12(24), 149-161.).

Ficha de dados sociodemográficos: elaborada especificamente para esse estudo, teve como objetivo conhecer melhor as características da amostra. Foi preenchida pelas próprias participantes e as questionava a respeito de seus estágios, como por exemplo, qual área de atuação, remuneração, número de horas semanais, se já haviam feito outros estágios; e dados pessoais, como idade, estado civil, com quem moravam e em qual período do curso estavam.

Conto ilustrado do livro A Redoma de Vidro: trecho do livro de Sylvia Plath (1963Plath, S. (1963). A Redoma de Vidro. São Paulo: Biblioteca Azul.) foi utilizado para iniciar a discussão no grupo focal. Para tornar o conteúdo mais visual, foi apresentada uma ilustração do conto, feita por Than (2013Than, G. A. (2013). Sylvia Plath: The fig tree. [Imagem]. Recuperado de: https://zenpencils.com/comic/130-sylvia-plath-the-fig-tree.
https://zenpencils.com/comic/130-sylvia-...
).

Roteiro semiestruturado para investigação sobre estágio extracurricular e projetos de vida: teve como objetivo conhecer as vivências e opiniões dos participantes acerca das temáticas. Foram feitas perguntas abertas sobre projeto de vida, estágio extracurricular e sobre a relação entre esses dois temas.

Procedimentos de coleta de dados

A presente pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da universidade em que o estudo se realizou (CAAE: 88807218.1.0000.5481). A seguir, foi feito o contato com a diretora da faculdade de psicologia, para que ela autorizasse a realização da pesquisa. Após a autorização, a pesquisadora entrou em contato com a entidade responsável por tratar dos assuntos referentes aos estágios extracurriculares desta universidade, para acessar os possíveis participantes. Assim, foi oferecida uma lista com o nome de todos os alunos juntamente com os seus e-mails. Foi enviado um e-mail convidando todos os 30 estagiários da lista, que explicava sobre a pesquisa e quem era a pesquisadora. Houve uma baixa taxa de resposta, de modo que somente 12 pessoas responderam, e desse número cinco estudantes não participaram, por indisponibilidade de horário ou desistência.

Desta maneira, participaram do estudo sete estudantes, sendo que quatro participaram do estudo piloto e três do estudo propriamente dito. O estudo piloto teve como objetivo verificar a adequação dos instrumentos e possibilitar possíveis alterações na metodologia. Após sua realização, foram feitas pequenas alterações no roteiro semiestruturado. Tanto o estudo piloto como o grupo focal foram realizados em um único encontro na universidade, em sala de aula ociosa durante um horário extraclasse comum a todos os participantes. Os estudantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os encontros tiveram a duração média de uma hora e meia, sendo gravados em áudio para serem transcritos. A moderadora foi a própria autora da pesquisa.

Procedimentos de análise de dados

As sessões de grupo focal foram transcritas literalmente, para então serem submetidas a uma análise de conteúdo de acordo com Laville e Dionne (1999Laville, C.; Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: UFMG. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324...
). As categorias foram elaboradas a partir das falas produzidas no grupo e organizadas em núcleos temáticos, seguindo o modelo aberto sugerido dos mesmos autores. Esse modelo propõe que as categorias não são fixas, contudo, adquirem forma no curso da análise. Foi adotado esse modelo por ser um estudo de caráter exploratório.

Desse modo, a pesquisadora agrupou as unidades de significados semelhantes, para assim obter um primeiro conjunto de categorias (Laville & Dionne, 1999Laville, C.; Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: UFMG. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324...
). Posteriormente, foram construídas matrizes que permitiram reunir as verbalizações apresentadas baseadas nas similaridades. Todos esses processos de codificação, categorização e análise de dados foram feitos pela pesquisadora. Depois, os dados foram interpretados com base na literatura. O estudo também seguiu o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) (Tong, Sainsbury, & Craig, 2007Tong, A.; Sainsbury, P.; Craig, J. (2007). Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): A 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care, 19(6), 349-357.).

RESULTADOS

Foram encontradas as seguintes categorias na análise dos dados: (a) projetos de vida, (b) estágio extracurricular, e (c) relação entre estágio extracurricular e projetos de vida. Cada categoria é composta de subcategorias. Uma vez que a presente pesquisa buscava conhecer as implicações da experiência do estágio extracurricular no desenvolvimento do projeto de vida, o estudo irá focar e discutir à luz da literatura os resultados da categoria “estágio extracurricular e projetos de vida”. A maior parte da discussão sobre as duas temáticas foi originada com uma questão feita pela pesquisadora a respeito da possível relação entre os dois temas. Esta categoria possui duas subcategorias.

As participantes Andressa e Carla acreditam que o estágio extracurricular faz parte de seus projetos de vida, como visto pela seguinte frase: “Eu acho que o estágio é parte do projeto de vida... porque é a sua vida, então você tá colocando as coisas nela, as suas experiências...” (Carla). O estágio é visto como mais um componente ou experiência que ajuda a formar o projeto de vida das participantes. Para Carla, o estágio extracurricular é peça fundamental para que ela alcance seu projeto de vida, estando fortemente relacionado, como visto na seguinte fala: “Eu preciso desse estágio, preciso desse nome no meu currículo, pra alcançar meus objetivos, que fazem parte do meu projeto de vida”. A participante relata que seu projeto de vida relacionado ao trabalho é ser uma psicóloga clínica, contudo seu estágio em RH lhe oferece benefícios como fortalecimento do currículo e ganho financeiro, importantes para que ela possa concretizar seu objetivo.

A opinião de Carla é compartilhada por Andressa, como pode ser visto nesta fala: “Preciso de dinheiro, então vou fazer o estágio extracurricular, pra conseguir o dinheiro para fazer as coisas que eu quero... quero trabalhar em tal lugar, então vou fazer o estágio para ter experiência para trabalhar em tal lugar...”. No caso de Andressa, que demonstrou interesse em trabalhar na área de psicologia escolar no futuro, o estágio é importante pela experiência prática e importância no currículo. Além disso, a participante relatou desejar usar o dinheiro do estágio em viagens que fazem parte de seu projeto de vida. Desta forma, o estágio desta participante oferece condições para que ela possa conquistar o projeto de vida que deseja, pelo dinheiro ou pela experiência na área.

Ainda que concorde com as demais participantes, para Bianca, seu estágio é seu projeto de vida, uma vez que ela pretende trabalhar no lugar em que estagia. A participante também foi a primeira a associar mudanças em seu projeto de vida ocasionadas pelo estágio extracurricular, quando pensou na relação entre as duas temáticas. Sua vivência como estagiária causou algumas mudanças em si mesma, que tiveram impacto em seu projeto de vida, como visto na seguinte fala: “Mudou tudo que eu pensava [...] Tudo que eu quero pra minha vida, meu projeto de vida. A principal mudança que eu penso que foi quando eu estava nessa busca de sentido da faculdade, que eu pensava “ah quero ser professora” [...] e aí eu vi que não, que eu posso fazer outras coisas e a vivência que eu tenho lá, eu sinto que mudou completamente esse projeto de vida sim...”. Para Bianca, a vivência e atividades do estágio introduziram atividades de seu gosto e que ela gostaria de desempenhar quando formada. Assim, ela pode construir um projeto de vida diferente.

Diante da fala de Bianca, a participante Andressa também destacou mudanças em seu projeto de vida ocasionadas por suas vivências no estágio extracurricular, principalmente relacionadas a conhecer uma nova área de atuação na psicologia e repensar o trabalho que deseja desempenhar depois de formada, como se pode ver na seguinte fala: “Relacionado ao projeto de vida, mudou porque eu entrei na psicologia achando [...] que no máximo assim eu ia ter uma clínica e faço terapia com criança e tal [...] e aí eu comecei a fazer estágio e falei “não, não quero clínica não, acho que eu quero vivência em grupo tal” e aí o fato de ir pra RH e já ser mais um que, cortou”. Os estágios de Andressa a ajudaram a pensar em novas possibilidades de trabalho, tanto em áreas de interesse como de desinteresse, gerando mudanças no projeto de vida traçado anteriormente.

As três participantes também destacaram mudanças ocasionadas pelo estágio extracurricular, que tiveram impactos em suas identidades e, indiretamente, em seus projetos de vida. Carla acredita que as novas responsabilidades adquiridas no estágio causaram uma ideia de “amadurecimento”, como pode ser visto em sua fala: “Eu senti que eu amadureci muito. Eu me sinto uma adulta, que era uma coisa que eu não sentia até eu entrar no estágio...”. Para a participante, sua rotina no estágio, responsabilidades e independência financeira fizeram com que ela mudasse sua autopercepção, de modo que ela sente que alcançou a adultez graças a ele. As demais participantes também sentem que o trabalho e a independência financeira fizeram com que elas sentissem que alcançaram a adultez, embora Bianca afirme não se ver completamente como adulta.

Pelas falas e respostas das participantes, observou-se que as estudantes acreditam que existia uma relação mútua entre as temáticas do estágio extracurricular e as dos projetos de vida. Para elas, o estágio extracurricular seria parte de seus projetos de vida, de maneira direta ou indireta, ao mesmo tempo em que influenciaria no projeto de vida que elas estão construindo.

DISCUSSÃO

Considerando que a presente pesquisa buscou conhecer possíveis implicações do estágio extracurricular no projeto de vida das universitárias, pode-se afirmar que as duas temáticas se influenciam mutuamente, estando presentes na vida das estudantes e sendo fatores relevantes para o desenvolvimento identitário e profissional das jovens.

A influência do projeto de vida no estágio extracurricular é destacada de diferentes maneiras pelas estudantes. As participantes acreditam que o estágio faz parte de seus projetos de vida, uma vez que pode auxiliá-las a alcançar os objetivos desejados, principalmente os relacionados ao projeto de vida profissional. Além disso, o estágio proporciona uma fonte de renda, que é importante para que elas alcancem seus projetos de vida relacionados a bens materiais, como morar sozinha e viajar.

O estágio extracurricular é visto como parte do projeto de vida laboral de três maneiras diferentes: a primeira como uma vivência que possibilitou conhecer uma determinada área de atuação, seja de interesse ou desinteresse. A segunda maneira é o estágio sendo o objetivo final do projeto de vida de trabalho, opinião compartilhada por Andressa e Bianca. A terceira é o estágio extracurricular como parte do projeto de vida para se chegar a um objetivo laboral distinto, opinião de Carla, que vê seu trabalho como parte de seu projeto de vida laboral final de psicóloga clínica.

No caso de Carla, observou-se que seu objetivo laboral final e seu estágio extracurricular são bastante distintos, além do fato de que a jovem demonstrou diversas insatisfações em relação ao estágio. Nesse caso, o grande enfoque no projeto laboral futuro que a participante apresentou pode ser visto como uma maneira de enfrentar uma situação aversiva. Para alguns autores, o projeto de vida pode fornecer resiliência nos momentos difíceis, já que o indivíduo foca em seu projeto para enfrentar situações aversivas, de modo que o projeto de vida seria conciliador de presente e futuro, oferecendo conforto (Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-...
; Damon, 2009Damon, W. (2009). O Que o Jovem Quer da Vida?. São Paulo: Summus.; Mariano & Going, 2011Mariano, J. M.; Going, J. (2011). Youth Purpose and Positive Youth Development. In R. M. Lerner; J. V. Lerner; J. B. Benson(Eds.), Advances in Child Development and Behavior - Positive Youth Development(1 ed., Vol. 41, pp. 39-68). Elsevier Inc. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492-5.00003-8
https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492...
).

Do mesmo modo que o estágio é parte do projeto de vida, ele também influencia o projeto de vida. As participantes afirmaram que as experiências vividas no estágio extracurricular geraram mudanças em seus projetos de vida, de duas maneiras diferentes: (a) mostrando que determinada área da psicologia está ou não em concordância com seu projeto de vida e (b) gerando mudanças identitárias e de valores que consequentemente, impactaram seus projetos de vida. No primeiro caso, a vivência do estágio extracurricular mostrou para as participantes a prática de uma área de trabalho da psicologia, que pode agradar ou não. Caso fosse positiva, poderia causar uma mudança no projeto de vida, indicando uma nova área de interesse, podendo se configurar em um novo projeto de vida de trabalho. Esse foi o caso do estágio escolar de Andressa e judicial de Bianca. No caso de uma vivência negativa, um projeto de vida laboral poderia deixar de existir, o que foi o caso do estágio de Andressa em uma empresa de RH.

A segunda maneira que o estágio extracurricular influencia o projeto de vida é quando gera mudanças identitárias. As participantes relataram que algumas das vivências que elas tiveram no estágio foram importantes na formação da própria identidade, principalmente devido às relações sociais. As participantes relatam ter mais habilidade para lidar com pessoas e situações diferentes, além de entrar em contato com indivíduos com vivências distintas. Essas experiências as fizeram questionar quem eram e como se posicionavam no mundo. Pesquisas indicam que a experiência do estágio extracurricular pode ter impactos na identidade do sujeito, visto que ela promove a exploração vocacional, que por sua vez leva a pessoa a contrastar as informações do ambiente de trabalho com suas preferências, favorecendo o autoconhecimento (Silva & Teixeira, 2013Silva, C. S. C. da; Teixeira, M. A. P. (2013). Experiências de Estágio: Contribuições para a Transição Universidade-Trabalho. Paidéia, 23(54), 103-112. https://doi.org/101590
https://doi.org/101590...
). Para Silva e Teixeira (2013), é preciso testar hipóteses, imaginar-se em diversos cenários e experimentar várias atividades para assim determinar interesses e habilidades. A partir destas experiências modificam-se as preferências pessoais dos jovens e suas próprias identidades, o que foi observado nas participantes do estudo.

A exploração da identidade também pode ser vista como característica da adultez emergente. Para Arnett (2011Arnett, J. J. (2011). Emerging adulthood(s): The cultural psychology of a new life stage. In L. A. Jensen(Ed.), Bridging Cultural and Developmental Approaches to Psychology New Syntheses in Teory, Research, and Policy (pp. 255-275). New York, NY: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383430.003.0012
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
), esse período da vida proporciona vivências distintas em diversas áreas, como vida profissional e social. Além de oferecer uma gama de experiências de vida, essas vivências podem ser prazerosas e preparam para o papel de adulto. Desse modo, tanto o estágio extracurricular como a vida social fazem as estudantes explorarem suas identidades. A identidade, por sua vez, é importante na elaboração do projeto de vida. A Teoria Psicossocial de Erikson (1976Erikson, E. (1976). Identidade Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar.) considera o projeto de vida como componente essencial da identidade. Para essa teoria, a resolução bem-sucedida da crise de identidade fornece a base para o projeto de vida. Desse modo, mudanças identitárias teriam impacto nos projetos de vida, ao alterar valores e objetivos das participantes.

Quando se pensa no objetivo deste estudo, que seria conhecer o papel da experiência do estágio extracurricular no projeto de vida de estudantes, pode-se afirmar que existem implicações e influências mútuas. O estágio extracurricular pode ser visto como parte do projeto de vida, de maneira direta ou indireta, ao mesmo tempo em que influenciaria a construção deste projeto de vida.

Diante do resultado apresentado, acredita-se que o estágio extracurricular teve um efeito catalisador no desenvolvimento das estudantes, de modo a acelerar a chegada da adultez. Acredita-se que as experiências e os aspectos positivos do estágio, como responsabilidades, autonomia, aprendizado e independência financeira, contribuíram não somente para o projeto profissional e projeto de vida das participantes, mas também para seu desenvolvimento. As estagiárias apresentaram falas que atribuem às experiências do estágio um “amadurecimento” e visão de si mesmas como adultas.

Assim, embora as participantes estejam na faixa etária da adultez emergente, duas delas já se veem como adultas, fato atribuído a realização do estágio. A independência financeira pode ser um fator que explica a percepção das estudantes como adultas, uma vez que pesquisas feitas com jovens indicam que ser capaz de pagar as próprias contas é um dos critérios que evidenciam a transição para a adultez (Arnett, 1997Arnett, J. J. (1997). Young People’s Conceptions of the Transition to Adulthood. Youth & Society, 29(1), 3-23.). Ainda assim, são percebidas características da adultez emergente, como exploração da identidade e foco em si mesmo nas participantes (Arnett, 2000).

Desse modo, embora grande parte dos estudantes procure um estágio extracurricular pela experiência prática e remuneração financeira, ele oferece mais benefícios para o desenvolvimento. Acredita-se que quando o estágio oferece atividades condizentes com a prática profissional, autonomia e aprendizagem, os benefícios ultrapassam a vida profissional, sendo fator que auxilia no desenvolvimento.

Destaca-se que o estágio tem prazo de validade. No caso das participantes, somente uma afirmou ter alguma chance se ser efetivada. De acordo com a Lei do Estágio, a duração máxima é de dois anos (Brasil, 2008). Sendo assim, ele oferece uma ideia momentânea do que é ser adulto, visto que a independência financeira e as responsabilidades das estagiárias terminarão com o fim do estágio. Ainda assim, acredita-se que as mudanças ocasionadas por essas experiências farão com que as estudantes estejam mais motivadas e engajadas em dar continuidade a essa autopercepção como adultas por meio de seus projetos de vida profissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo conhecer as concepções de estudantes universitários acerca de estágio extracurricular e projetos de vida. Observou-se que estas duas temáticas se encontram bastante presentes na vida dos universitários, o que indica também que essa população tende a pensar sobre elas. Destaca-se que o estágio extracurricular e os projetos de vida estão mutuamente relacionados. O estágio extracurricular mostra-se como componente do projeto de vida das universitárias, além de auxiliar na tomada de decisões, principalmente referentes às escolhas profissionais. Por outro lado, o projeto de vida sofre influência das vivências no estágio extracurricular, que causam mudanças identitárias e ajudam a conhecer melhor uma área de interesse.

Quanto a questões metodológicas, acredita-se que a técnica utilizada se mostrou adequada para acessar o objetivo do estudo. O grupo focal cumpriu seu objetivo, oferecendo discussões aprofundadas e permitindo conhecer as percepções e atitudes do grupo. Além disso, acredita-se que os estímulos apresentados foram bem compreendidos pelas participantes e auxiliaram na discussão do grupo.

Contudo, este estudo apresenta algumas limitações. O baixo índice de resposta dos alunos de psicologia ao convite de participação da pesquisa, somado às limitações de horário que eles tinham em função dos estágios fez com que o estudo tivesse poucos participantes. Além de um baixo número de participantes, elas possuem um perfil bastante semelhante, de modo que a amostra não é representativa para que se faça uma análise dos resultados de maneira mais abrangente.

Destaca-se que o nível socioeconômico das estudantes deve ser levado em consideração, tanto na construção de seus projetos de vida como no significado que é dado para o estágio extracurricular. O fato de as estudantes cursarem psicologia também deve ser considerado, por poderem ter maior familiaridade com as temáticas e por este curso já exigir estágios curriculares. Sendo assim, sugere-se que estudos futuros investiguem características como gênero, curso de graduação e classe social.

Acredita-se que o presente estudo cumpriu seus objetivos de conhecer as percepções de estudantes universitários acerca do estágio extracurricular e de projetos de vida. O resultado positivo destas duas temáticas no desenvolvimento e no projeto profissional das participantes provocou o questionamento de possíveis diferenças entre projetos de vida de estudantes universitários que fazem e que não fazem estágio extracurricular. Estudos comparativos futuros seriam interessantes.

Por fim, cabe destacar a importância da universidade e do psicólogo para a população do estudo. Tanto o projeto de vida como o estágio extracurricular mostraram-se importantes para o desenvolvimento, visto que um estágio que cumpre os seus requisitos e um projeto de vida elaborado seriam fatores que beneficiam o desenvolvimento dos jovens. Sendo assim, a universidade possuindo caráter formador integral do estudante, e a psicologia como vetor de promoção do bem-estar e o desenvolvimento saudável dos indivíduos, podem pensar maneiras de trabalhar com esta população.

Dois pontos se destacam quando se pensa no impacto prático da presente pesquisa. O primeiro seria a importância de um supervisor local no campo de estágio, que oferece suporte teórico-prático no campo de estágio e assegura que as atividades realizadas estejam relacionadas com a futura profissão. O outro ponto é que a universidade tenha contato com o local do estágio extracurricular, para garantir que as atividades desenvolvidas promovam o aprendizado, os conhecimentos práticos e a aproximação com o mundo do trabalho. Somente com essas condições o estágio auxiliará os estudantes a elaborarem seus projetos de vida.

Agradecimentos:

Este artigo foi desenvolvido com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

REFERÊNCIAS

  • Arnett, J. J. (1997). Young People’s Conceptions of the Transition to Adulthood. Youth & Society, 29(1), 3-23.
  • Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55(5), 469-480. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
    » https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.5.469
  • Arnett, J. J. (2011). Emerging adulthood(s): The cultural psychology of a new life stage. In L. A. Jensen(Ed.), Bridging Cultural and Developmental Approaches to Psychology New Syntheses in Teory, Research, and Policy (pp. 255-275). New York, NY: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383430.003.0012
    » https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383430.003.0012
  • Barbour, R. (2009). Grupos Focais Porto Alegre: Artmed.
  • Bardagi, M.; Lassance, M. C. P.; Paradiso, Â. C.; Menezes, I. A. de. (2006). Escolha profissional e inserção no mercado de trabalho: percepções de estudantes formandos. Psicologia Escolar e Educacional, 10(1), 69-82. https://doi.org/10.1590/S1413-85572006000100007
    » https://doi.org/10.1590/S1413-85572006000100007
  • Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A Critical Component of Optimal Youth Development (Springer). Dordrecht: Springer Netherlands. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
    » https://doi.org/10.1007/978-94-007-7491-9
  • Bronk, K. C.; Hill, P. L.; Lapsley, D. K.; Talib, T. L.; Finch, H. (2009). Purpose, hope, and life satisfaction in three age groups. The Journal of Positive Psychology, 4(6), 500-510. https://doi.org/10.1080/17439760903271439
    » https://doi.org/10.1080/17439760903271439
  • Damon, W. (2009). O Que o Jovem Quer da Vida? São Paulo: Summus.
  • Damon, W.; Menon, J.; Bronk, K. C. (2003). The Development of Purpose During Adolescence. Applied Developmental Science, 7(3), 119-128.
  • Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. de L. (2015). Uma Revisão de Literatura sobre a Definição de Projeto de Vida na Adolescência. Interação Em Psicologia, 19(2), 281-293. https://doi.org/10.5380
    » https://doi.org/10.5380
  • Erikson, E. (1976). Identidade Juventude e Crise Rio de Janeiro: Zahar.
  • Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. (1990). Ministério da Justiça: Lei Federal no. 8069/1990. Diário oficial da união, Poder Executivo, Brasília: DF.
  • Gondim, S. M. G. (2003). Grupos Focais como Técnica de Investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos. Paidéia, 12(24), 149-161.
  • Laville, C.; Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas Belo Horizonte: UFMG. https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
    » https://doi.org/10.1017/CBO9781107415324.004
  • Decreto de Lei n. 11.788/2008. (2008). Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências Diário Oficial da União Seção 1 (26-09-2008), p. 3.
  • Mariano, J. M.; Going, J. (2011). Youth Purpose and Positive Youth Development. In R. M. Lerner; J. V. Lerner; J. B. Benson(Eds.), Advances in Child Development and Behavior - Positive Youth Development(1 ed., Vol. 41, pp. 39-68). Elsevier Inc. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492-5.00003-8
    » https://doi.org/10.1016/B978-0-12-386492-5.00003-8
  • Miranda, F. H. de F.; Alencar, H. M. de. (2011). Moral e Ética: a Importância dos Projetos de Vida. In II Congresso de Pesquisas em Psicologia e Educação Moral - Conflito nas instituições educativas: Perigo ou oportunidade?(pp. 511-524). Campinas, SP.
  • Nascimento, I. P. (2013). Educação e Projeto de vida de adolescentes do ensino médio. EccoS Revista Científica, 31(1), 83-100. https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328
    » https://doi.org/10.5585/EccoS.n31.4328
  • Pereira, A. S.; Dutra-Thomé, L.; Koller, S. H. (2016). Habilidades sociais e fatores de risco e proteção na adultez emergente. Psico, 47(4), 268-278. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.4.23398
    » https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.4.23398
  • Plath, S. (1963). A Redoma de Vidro São Paulo: Biblioteca Azul.
  • Riter, H. S.; Dellazzana-Zanon, L. L.; Freitas, L. B. L. (2019). Projetos de vida de adolescentes de nível socioeconômico baixo quanto aos relacionamentos afetivos. Revista da SPAGESP , 20(1), 55-68
  • Silva, C. S. C. da; Teixeira, M. A. P. (2013). Experiências de Estágio: Contribuições para a Transição Universidade-Trabalho. Paidéia, 23(54), 103-112. https://doi.org/101590
    » https://doi.org/101590
  • Silveira, D. T.; Córdova, F. P. (2009). A pesquisa científica. In T. E. Gerhardt; D. T. Silveira (Eds.), Métodos de Pesquisa(1 ed., p. 120). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Teixeira, M. A. P.; Gomes, W. B. (2005). Decisão de Carreira entre Estudantes em Fim de Curso Universitário. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21(3), 327-334.
  • Than, G. A. (2013). Sylvia Plath: The fig tree. [Imagem]. Recuperado de: https://zenpencils.com/comic/130-sylvia-plath-the-fig-tree
    » https://zenpencils.com/comic/130-sylvia-plath-the-fig-tree
  • Tong, A.; Sainsbury, P.; Craig, J. (2007). Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): A 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care, 19(6), 349-357.
  • Valore, L. A.; Viaro, R. V. (2007). Profissão e Sociedade no Projeto de Vida de Adolescentes em Orientação Profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 8(2), 57-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2020
  • Aceito
    05 Set 2020
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Rua Mirassol, 46 - Vila Mariana , CEP 04044-010 São Paulo - SP - Brasil , Fone/Fax (11) 96900-6678 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@abrapee.psc.br