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Manifestações da criatividade no trabalho pedagógico do professor de artes visuais

Creativity manifestations in the educational work of visual arts teacher

Manifestaciones de la creatividad en la labor pedagógico del profesor de artes visuales

Resumos

A criatividade é um tema presente no ensino de arte, tanto por sua estreita relação com a arte quanto pelas exigências sociais e políticas que interferem no contexto escolar e impõem-na como essencial para a ação pedagógica. Com o objetivo de explicitar as manifestações da criatividade no trabalho do professor de artes visuais, realizamos observação, entrevistas, análise documental e registros imagéticos em duas escolas estaduais. A partir de uma análise qualitativa, definimos os seguintes eixos temáticos: Clima criativo no contexto escolar; Iconografia da criatividade no contexto escolar; A criatividade como objetivo e a arte como estratégia; A criatividade no trabalho pedagógico para o aluno com deficiência. Concluímos que as manifestações da criatividade apresentam dilemas que oscilam entre os aspectos de sua expressão - naturalizados e cristalizados no trabalho pedagógico - e as expectativas dos professores de artes visuais, que buscam condições para a expressão e o desenvolvimento da criatividade no contexto escolar.

Criatividade; professores; artes


Creativity is a theme in the teaching of art, as much for its close relationship with the art and the social and political demands that interfere in the school context and impose it as essential for the pedagogical action. In order to explain the creativity of demonstrations in the teacher's work of visual arts, conducted observation, interviews, document analysis and pictorial records in two public schools. From a qualitative analysis, we defined the following themes: creative climate in the school context; iconography of creativity in the school context; creativity as objective and art as strategy; creativity in educational work for students with disabilities. We conclude that the creativity of the manifestations present dilemmas ranging from aspects of its expression naturalized and crystallized in pedagogical work - and expectations of visual arts teachers, seeking conditions for the expression and the development of creativity in the school context.

Creativity; teachers; arts


La creatividad es un tema presente en la enseñanza de arte, tanto por su estrecha relación con el arte cuanto por las exigencias sociales y políticas que interfieren en el contexto escolar y la imponen como esencial para la acción pedagógica. Con el objetivo de explicitar las manifestaciones de la creatividad en la labor del profesor de artes visuales, realizamos observación, entrevistas, análisis documental y registros de imágenes en dos escuelas estaduales. A partir de un análisis cualitativo, definimos los siguientes ejes temáticos: Clima creativo en el contexto escolar; Iconografía de la creatividad en el contexto escolar; La creatividad como objetivo y el arte como estrategia; La creatividad en lalabor pedagógica para el alumno con deficiencia. Concluimos que las manifestaciones de la creatividad presentan dilemas que oscilan entre los aspectos de su expresión - naturalizados y cristalizados en lalabor pedagógica - y las expectativas de los profesores de artes visuales, que buscan condiciones para la expresión y el desarrollo de la creatividad en el contexto escolar.

Creatividad; profesores; artes


INTRODUÇÃO

A criatividade é um tema presente na educação e em diversos campos de atuação profissional, mas, no caso do professor de artes visuais, assume características especiais, sobretudo porque dele é esperado um conhecimento maior sobre os processos criativos, e também porque é quase uma exigência que esteja presente no desempenho de sua função. Isto se deve tanto à estreita relação da arte com os processos criativos quanto às exigências sociais e políticas que interferem no contexto escolar e impõem a necessidade da criatividade na ação pedagógica.

Observamos que na prática pedagógica e no contexto escolar existem polêmicas conceituais, de bases históricas e/ou epistemológicas, sobre a criatividade, e que falta aprofundamento na compreensão de como está se manifesta no processo de ensino e aprendizagem em artes visuais. As discussões nesse campo se acentuam quando envolvem questões sociais e culturais, sobretudo no que se refere às mudanças necessárias à inclusão de alunos com deficiência.

Conforme Martínez (2006______. (2006b) Criatividade no trabalho pedagógico e criatividade na aprendizagem: uma relação necessária? Em M. C. V. R. Tacca (Org.). Aprendizagem e trabalho pedagógico (pp. 69-94). Campinas: Alínea.a), a educação inclusiva representa uma mudança de paradigmas e desafia o professor a mudar o seu trabalho pedagógico, a utilizar novos procedimentos de ensino e a compreender as especificidades sobre a aprendizagem do aluno com deficiência, ou seja, do indivíduo que apresenta algum tipo de impedimento de natureza física, sensorial ou intelectual. A educação inclusiva é um princípio axiológico que fundamenta o projeto pedagógico da escola, por isso esta precisa se organizar para promover o acesso e a permanência de todos os alunos indistintamente, respeitando as suas características físicas, psicológicas, sensoriais, culturais e étnico-raciais.

Embora existam muitos estudos sobre a relação ou importância da criatividade no ensino de Arte, podemos afirmar que, de fato, não existem estudos específicos sobre as formas de manifestação da criatividade no trabalho pedagógico. Destacamos alguns estudos que permeiam a temática e que contribuíram para a compreensão da relação entre criatividade e ensino de Arte em distintos tempos históricos. O estudo pioneiro de Marin (1976Marin. A.J. (1976). Educação, arte e criatividade. São Paulo: Pioneira.) evidencia que a contribuição da Educação Artística para o desenvolvimento da criatividade no contexto escolar tem como base uma abordagem cognitiva e afirma a importância da Arte no currículo escolar como princípio do trabalho pedagógico em arte.

Camillis (2002Camillis, L.S. (2002). Criação e docência em arte. 1ª ed. Araraquara: JM.), refletindo sobre os processos criativos em arte como balizadores para o ensino de arte, com base na Psicologia Histórico-Cultural, evidencia que o trabalho pedagógico do professor de arte necessita de uma concepção sobre criatividade. Zanella (2007Zanella, A. V. (2007). Educação estética e constituição do sujeito: reflexões em curso (Org.). Florianópolis: NUP/CED/UFSC.), discutindo a educação estética, destaca a necessidade da criatividade para a constituição do sujeito e a necessidade de o professor ter a sensibilidade para percebê-la. Por fim, destacamos o estudo de Pelaes (2010Pelaes, M. L. W. (2010). Uma reflexão sobre o conceito de criatividade e o ensino da arte no ambiente escolar. Revista Educação, 5(1). Recuperado: 02 set. 2009. Disponível: http://revistas.ung.br/index.php/educacao/article/view/537/634.
http://revistas.ung.br/index.php/educaca...
) que, ao analisar o conceito de criatividade e o ensino de Arte, evidencia que a criatividade apresenta conceitos difusos, que se constituem na defesa da educação pela Arte e do desenvolvimento da criatividade como um dos objetivos do ensino de Arte.

Na interface do ensino de Arte com a Educação Especial destacamos os estudos de Reily (2008Reily, L. H. (2008). História, arte, educação: reflexões para a prática de arte na educação especial. Em Baptista, C. R., Caiado, K. R. M., & Jesus, D. M. (Orgs.). Educação Especial: diálogo e pluralidade (pp. 221-238). Porto Alegre: Mediação.) e Oliveira (2008Oliveira, I. M. (2008). Imaginação, processo criativo e educação especial. Em Baptista, C. R., Caiado, K. R. M., & Jesus, D. M. (Orgs.). Educação Especial: diálogo e pluralidade (vol. 1, pp. 255-266). Porto Alegre: Mediação.), que apresentam importantes questões conceituais sobre essa relação entre arte, ensino da disciplina Arte e Educação Especial, apontando aspectos históricos e ressaltando a compreensão da criatividade nessa relação.

Com base nessas reflexões, definimos como objetivo explicitar as manifestações da criatividade no trabalho pedagógico do professor de Artes Visuais no contexto da educação inclusiva com base na abordagem histórico-cultural.

Dessa maneira, adotamos a concepção de que a criatividade é uma atividade subjetiva complexa que evidencia a simultânea condição individual e social das suas formas de manifestação e que se expressa na produção de algo novo e valioso em algum campo da ação humana (Martínez, 2006______. (2006b) Criatividade no trabalho pedagógico e criatividade na aprendizagem: uma relação necessária? Em M. C. V. R. Tacca (Org.). Aprendizagem e trabalho pedagógico (pp. 69-94). Campinas: Alínea.b), enquanto o trabalho pedagógico refere-se diretamente à organização e à sistematização do processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar e educacional, podendo englobar questões sobre currículo, didática e profissionalização da prática docente (Marin, 1996).

A confluência entre criatividade e trabalho pedagógico consolida-se em aspectos subjetivos, expressos ou manifestos em produtos ou processos que contribuem para a produção de algo novo e valioso para o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Martínez,

[...] a utilização da expressão criatividade no trabalho pedagógico pode favorecer a complexidade desse processo, no qual não participa apenas a subjetividade individual do professor, mas também, elementos da subjetividade social de diferentes espaços sociais tal como se manifestam na subjetividade social do espaço escolar (2006b, p. 70. Grifo no original).

Utilizar a expressão criatividade no trabalho pedagógico representa uma abordagem inovadora; contribui para a explicitação de questões contextuais e permite um estudo que evidencie a relação entre o individual e o social. Dessa maneira, não centramos nossos estudos no indivíduo, embora o professor de Artes Visuais seja sujeito da pesquisa, mas sim, na busca pelo desvelamento da articulação entre sujeito e contexto, entre professor e escola, entre criatividade e ensino de Arte no contexto escolar.

MÉTODO

Para compreender as formas de manifestação do objeto em estudo, realizamos, no ano de 2010, uma pesquisa de campo em duas escolas estaduais de Ensino Médio, situadas na zona urbana do município de Campo Grande - MS. Contamos com a colaboração da professora Maria, na Escola A, e da professora Joana, na Escola B. Ambas se licenciaram em Artes Visuais e em 2008 e tinham dois anos de experiência na disciplina Arte, atuando como professoras contratadas. No período em que desenvolvemos a pesquisa, ministravam aulas para duas alunas com deficiência intelectual1 Essa deficiência se caracteriza pelas dificuldades que o sujeito apresenta em duas ou mais áreas do comportamento adaptativo (comunicação e linguagem, autocuidados, vida acadêmica, segurança, trabalho, lazer, autonomia para tomar decisões etc.), podendo se manifestar antes dos 18 anos de idade e com performance em teste de quoficiente de inteligência abaixo de 70. (AADID, 2007). .

A entrada no campo empírico foi definida a partir de dois critérios: professor com formação em artes visuais e a existência de alunos com deficiência nas salas de aula pesquisadas. Os instrumentos para a construção de informações foram: 1- entrevistas com os professores de Artes Visuais, sendo uma delas em junho, abordando questões conceituais, e a outra em dezembro, para complementação das informações; 2- observação de aula e do ambiente escolar, no período de junho a setembro, totalizando 20 sessões na escola A e 11 na escola B; 3- análise de documentos como a proposta curricular da rede estadual de ensino para o ensino médio, as propostas pedagógicas das escolas e os planos de ensino dos professores de Artes Visuais. Enriquecemos os registros por meio de fotografias.

A construção e o tratamento da informação seguiram os princípios da epistemologia qualitativa de González Rey, 2005Gonzáles Rey, F. (2005). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. (M. A. F. Silva, Trad.) São Paulo: Thomson., em que se consideram o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, a legitimação do singular como via de produção de conhecimento e o processo de comunicação. Nessa abordagem identificamos aspectos subjetivos que constituem as interações entre o professor, o contexto escolar e diferentes formas de expressão do objeto em estudo.

Definimos os seguintes procedimentos para a construção da informação: 1- registro das informações oriundas das observações; 2- transcrição das entrevistas; organização de fichas analíticas; 3- identificação de indicadores, como as formas de menção à criatividade presentes nos documentos; 4- o destaque conferido a algumas atividades; 5- a ênfase e a entonação da voz; 6- a valorização de algumas práticas pedagógicas; 7- a opção por procedimentos de ensino; 38- a exposição e uso de imagens.

A partir do cruzamento e da sistematização das informações oriundas dos instrumentos de construção da informação, definimos eixos temáticos que consistem em categorias analíticas emanadas da realidade estudada. Tais eixos permitiram a consolidação da construção da informação sobre as formas de manifestação da criatividade no trabalho pedagógico do professor de Artes Visuais no contexto da educação inclusiva.

RESULTADOS

A seguir apresentamos eixos temáticos que abarcam um conjunto de elementos que informam e explicitam processos e produtos que, de alguma maneira, representam algo novo e valioso para o trabalho pedagógico, ou seja, expressam as manifestações da criatividade no trabalho pedagógico, a saber: o clima criativo no contexto escolar; a iconografia da criatividade no contexto escolar; a criatividade como objetivo e a arte como estratégia; a criatividade no trabalho pedagógico para o aluno com deficiência.

1. O clima criativo no contexto escolar

Uma das formas de manifestação da criatividade no trabalho pedagógico está relacionada ao clima favorável ao desenvolvimento da criatividade. Esse clima criativo, segundo Martínez (1997Martínez, A. M.(1997). Criatividade, personalidade e educação. (M. Pinto, Trad.) São Paulo: Papirus.), não está restrito à ação do professor, mas emana da própria escola e envolve um complexo sistema relacional e comunicacional, abarcando inúmeros elementos do funcionamento institucional e das relações estabelecidas que estimulam ou inibem a expressão da criatividade.

Observamos que na Escola A as intencionalidades educacionais estabelecidas pela escola e as reuniões pedagógicas estimulam a expressão da criatividade do professor. Por exemplo, a proposta pedagógica da escola apresenta um "ideal de homem criador de si mesmo", isto é, de um homem que, por isso, deve escolher "fazer opções, ser livre, a fim de construir um conjunto de valores que norteiam sua ação". Além disso, entre os seus objetivos indica a necessidade de "primar por uma metodologia criativa do corpo docente, no processo de recuperação e classificação dos alunos". A professora Maria entende que esse princípio está presente no cotidiano escolar, pois tem liberdade para escolher sua metodologia de ensino e definir seus objetivos de ensino e aprendizagem, e ao mesmo tempo, as orientações da coordenação escolar, que acontecem em reuniões mensais coletivas ou em reuniões individuais, contribuem com indicação de estratégias e formas de solucionar dificuldades de aprendizagem. Esclarece a professora:

Primeiramente, como eu já disse lá atrás, tem que cumprir o Referencial. Agora quanto às outras coisas como, é... por exemplo, trabalhar a própria área de Artes, aí, já deixa assim... um pouco mais livre; mas tem que seguir o programa, a própria criatividade do professor, mas logicamente você tem que mostrar o seu caminho. Aqui a coordenadora dá o aval dela. Quer dizer que, se não estiver de acordo, ela também dá conselhos, ela dá umas dicas, entendeu?

Contraditoriamente, essas orientações apresentam-se, também, como um empecilho à expressão da criatividade no trabalho pedagógico, pois a professora fica preocupada em resolver as necessidades específicas dos alunos do Ensino Médio e, ao mesmo tempo, em desenvolver as especificidades dos conhecimentos artísticos e estéticos. Observamos este conflito na aula do 1° ano D, em que a professora Maria propôs uma atividade escrita, em grupo, sobre a arte egípcia. Na verdade, seu planejamento foi alterado para atender ao encaminhamento de uma reunião pedagógica, que apontava a necessidade de solução para as dificuldades dos alunos na interação pessoal e na interpretação de texto, visando à preparação para o ingresso e sucesso no Ensino Superior. Além disso, ela se vê na obrigação de utilizar os Referenciais Curriculares da Rede Estadual de Ensino, tanto que o seu planejamento de ensino é a cópia desse documento.

Embora encontre esses fatores limitadores, a professora sente-se valorizada pela forma como a direção e a coordenadoria escolar se referem ao seu trabalho:

Eu acho assim, eu sinto que eles valorizam sim, sabe? Por que depois eles vêm te dar os parabéns... Por que você faz as exposições, eles vêm te dar os parabéns. A partir do momento em que eles vêm te dar os parabéns, que aquilo ali ficou bonito e o aluno orgulhoso é sinal que você trabalhou bem, né? (trecho da fala da professora Maria).

Essa satisfação em ver seu trabalho valorizado cria um clima altamente favorável, sobretudo porque a professora Maria entende que o reconhecimento permitirá que continue a desenvolvê-lo; conforme suas palavras "a partir, também, do momento em que você fica sabendo, antecipadamente, que você já vai ser contratada para o próximo ano e, que não é para você é... Firmar contrato com outra escola é porque gostaram do seu trabalho, né?"

A valorização do trabalho pedagógico apresenta-se como alento para a professora, gerando uma expectativa de ter uma sala específica para as aulas de Arte. Na verdade, a falta de um espaço adequado para o desenvolvimento das aulas de Arte gera um clima pouco favorável, levando a professora a buscar soluções:

Comecei um trabalho em sala de aula com instrumentos de pintar tela, eu iniciei, eu não sabia que não podia [...] Para não sujar as carteiras [...] Mas, eu vou continuar fazendo. Vou fazer de conta que eu não sei [...] Eu já tinha feito, (risos) já tinha começado a fazer. Eu só falei para os alunos que na próxima aula eu queria o trabalho pronto, né? Eles acabaram em casa e trouxeram, por que eu só tenho uma aula por semana. Agora vou comprar um plástico, entendeu? E vou dar continuidade àquilo, não vou fazer dentro da sala de aula mais. Vou fazer no pátio da escola, ali tem uma mesa. Vou fazer ali. Mas eu vou continuar fazendo. (trecho da fala da professora Maria).

A professora Joana também enfrenta falta de espaço e de condições favoráveis para a prática artística, o que pode ser observado na aula do 1º C, em que os alunos desenvolvem uma atividade de modelagem em argila, tendo como tema a escultura grega, e no 2º ano B e C, em que os alunos fazem uma pintura inspirados na obra de Rubem Valentim. Apesar disso, a professora considera que essa dificuldade de espaço é superada, uma vez que a escola fornece os materiais necessários para as aulas de Arte:

O professor de Artes tem uma lista de materiais e coloca a quantidade que a gente acha necessário e, com o tempo, a gente pode ir pedindo mais, né? Só que nem sempre é necessário, por que sobra geralmente do outro ano. Algumas coisas, é... Os alunos trazem, também. Então, vai formando uma corrente aí. A gente vai tudo pro mesmo resultado (trecho da fala da professora Joana).

Esse resultado refere-se ao desempenho dos alunos e à ideia de um trabalho conjunto, o que gera um clima favorável à expressão da criatividade, principalmente porque a professora acredita que a escola apoia o seu trabalho, conforme afirma a professora Joana:

A escola eu acho que apoia cem por cento, até em relação a... a... aos meios. Vamos supor, eu preciso, para a apresentação, de um data show, preciso daquilo. Então você tem toda a organização para você marcar para o dia que você precisa, para que tudo esteja no dia certo, para que todos os materiais estejam ali, os necessários. (trecho da fala da professora Joana).

Esse mesmo clima favorável pode ser observado, segundo informa a professora Joana, pela liberdade de escolha dos referenciais curriculares. A professora não utiliza os referenciais curriculares da rede estadual de ensino, opta por utilizar os Parâmetros Curriculares Nacionais como referência, pois estes oferecem uma maior flexibilidade na seleção de conteúdos e na utilização de métodos e procedimentos de ensino. Tal opção é aceita pela escola, o que faz a professora sentir-se respeitada e valorizada. Assim, ela acredita ter as condições favoráveis para expressar o seu potencial criador no trabalho pedagógico.

2. A iconografia da criatividade no contexto escolar

O ponto de partida para a construção desse eixo temático foram os registros fotográficos, que nos permitiram perceber a visualidade do espaço escolar com maior clareza, além de considerarmos as falas das professoras "Olha como é criativo!" ou "Não são criativos?", quando apontavam ou mostravam desenhos ou pinturas de seus alunos. A análise dessa visualidade permite-nos compreender a subjetividade das relações existentes no contexto escolar, apontando os limites para o desenvolvimento da criatividade a partir do sistema de crenças e valores culturais e estéticos instituídos, direcionados tanto para a reprodução de modelos quanto para a produção de algo novo e valioso no trabalho pedagógico do professor de Arte.

As escolas participantes da pesquisa apresentam elementos similares, pois elas contam com edifícios projetados e construídos para serem os espaços de produção e/ou reprodução de saberes. Nas duas escolas observamos preocupação com a limpeza e com organização do espaço, e também com as condições de segurança e de controle sobre a circulação de pessoas. Há grades que limitam o livre acesso às salas de aulas ou ao pátio da escola.

No espaço escolar estão dispostos murais, biombos, varais e paredes que são utilizados como suporte para fixar cartazes, poesias, desenhos, recados e ilustrações variadas, dispostos em lugares estratégicos, de fácil visualização e de maior trânsito de alunos, funcionários e pais. Servem para decorar o ambiente, para informar sobre assuntos diversos e para expor atividades produzidas em aula, ao mesmo tempo em que apresentam padrões estéticos. Especialmente na Escola B, observamos o cuidado com o uso de elementos decorativos, que contribuem para a criação de um ambiente agradável e receptivo. Existem biombos dispostos na entrada da escola que apresentam cartazes, trocados de acordo com datas comemorativas: festa junina, Dia da Árvore, Natal e outras. As representações constituem-se de desenhos estereotipados do homem do campo, de árvores e objetos natalinos.

Em alguns casos as imagens expostas foram produzidas por um profissional considerado "criativo", que se ocupa de fazer a decoração e a manutenção dos murais conforme explicação das professoras. Na maioria das vezes, o profissional escolhido ou indicado é o professor de Arte, mas também pode ser o coordenador, o bibliotecário ou outros que tenham habilidades manuais e senso decorativo.

Fazemos destaque especial para os cartazes afixados nos murais e nas paredes das escolas e das salas de aula. Alguns são institucionais e impressos em gráfica, em larga escala, e servem para divulgar eventos e ações sociais e culturais, promover campanhas de conscientização sobre temas diversos, entre outras finalidades. Há também cartazes de cartolina feitos pelos alunos e utilizados como um recurso didático para facilitar a visualização dos conteúdos ensinados. Esses cartazes materializam a reprodução de formas visuais aceitas e reconhecidas pelos diversos sujeitos do contexto escolar, uma vez que muitas imagens são reproduções de personagens de histórias em quadrinhos ou desenhos animados, ou ainda são desenhos estereotipados de datas comemorativas.

A produção de algo "criativo" pode também ser materializada nos eventos organizados pela escola. Um deles é a festa junina, que aconteceu na escola A. A professora Maria ficou responsável por fazer a decoração da festa, juntamente com outras professoras de Arte. No caso, a professora evidenciou gostar de realizar a decoração, embora fosse "uma atividade muito cansativa". Por outro lado, decorar a escola para o evento lhe conferia um status de professora habilidosa e criativa.

Outro evento é a Mostra de Artes, que ocorreu na escola A. Na ocasião foram expostos desenhos, objetos escultóricos ou pinturas produzidos pelos alunos ao longo do ano letivo, selecionando-se apenas os considerados "melhores" por melhor representarem a temática, pela capacidade de reproduzir um modelo, pela expressividade ou pelo uso da técnica, conforme relato da professora Maria. Destacamos que uma mesma aluna expôs vários desenhos, em um espaço especialmente reservado para ela. A aluna foi considerada criativa e colocada em destaque pelo uso da técnica grafite ou lápis de cor para representar rostos, flores e animais.

3. A criatividade como objetivo e a arte como estratégia pedagógica

A concepção do desenvolvimento da criatividade como um dos principais objetivos do ensino de Arte encontra embasamento nas informações oriundas da análise documental, das entrevistas e das observações. Tal eixo faz um contraponto com a afirmação de Martinez (1997Martínez, A. M.(1997). Criatividade, personalidade e educação. (M. Pinto, Trad.) São Paulo: Papirus.) de que os objetivos são necessários para a definição de uma estratégia global para o desenvolvimento da criatividade na escola.

A definição dos objetivos e da intencionalidade do ensino de arte está vinculada diretamente às estratégias pedagógicas, que, segundo Tacca (2006Tacca, M. C. V. R. (2006). Aprendizagem e trabalho pedagógico (Org.). Campinas: Alínea., p. 48) são "recursos relacionais que orientam o professor na criação de canais dialógicos, tendo em vista adentrar o pensamento do aluno, suas emoções [...]".

Observamos que as professoras Maria e Joana definem seus objetivos de ensino e aprendizagem a partir dos referenciais curriculares, nacionais ou estaduais, das próprias expectativas quanto à aprendizagem e necessidades dos alunos e das orientações definidas pelas escolas para o trabalho pedagógico. Para essas professoras, ensinar Arte tem como principal objetivo "estimular a criatividade". Por exemplo, para a professora Maria, esse objetivo será alcançado quando for possível desenvolver práticas artísticas em sala de aula, pois, segundo ela, a criatividade é a produção, o fazer. Explica a professora:

Vou trabalhar máscaras que eu acho que ajuda na criatividade, desenha... Ajuda porque você pode criar das... das... de formas variadas, também. E, tem mais atividades que ajudam, também, tipo desenho. [...] Outra coisa que eu queria trabalhar que eu acho que enriquece ah... A criatividade do aluno, também, é trabalhar com o teatro. São várias as técnicas, né? Que você pode trabalhar em sala de aula, né? E que ajuda a enriquecer o conhecimento do aluno, né? (trecho da fala da professora Maria).

A produção artística apresenta-se como estratégia para estimular a criatividade do aluno. Afirma a professora Maria: "Na hora de produzir, fazer suas obras de arte, cada um vai fazer a sua de maneira diferente, pode, eu dou a liberdade para que eles escolham, dentro do tema que eu quero eu cito dois ou três artista, para não ficar aquela cópia".

Na verdade, observamos o esforço da professora Maria em desenvolver algumas ações que visam fomentar a criatividade em arte a partir da própria arte, como é o caso da uma estratégia de ensino bem-sucedida que aconteceu na aula do 1º D, quando a professora propôs uma atividade de desenho de observação. A professora colocou sobre a mesa uma toalha branca e uma jarra de vidro e flores e pediu que os alunos definissem uma posição que julgassem melhor e que, ao mesmo tempo, fosse uma composição que tivesse equilíbrio e harmonia. Em seguida os alunos receberam folhas para fazer o desenho de observação. Os alunos participam ativamente da atividade. Nas aulas do 2º e 3º ano a professora pediu que os alunos fizessem como tarefa uma atividade de pintura em tela.

Essa professora considera que estimular a criatividade dos alunos significa mostrar que "(...) a produção, também, não é só o fazer ali, dentro da sala de aula, ela é o fazer fora, é o fazer dentro de uma sala de informática [...] ou ainda de museus [...], porque o objetivo é esse, sempre estar estimulando o aluno a ser criativo".

Neste sentido, destacamos o caso observado na aula do 1º ano C, em que os alunos realizavam a apresentação de seus resumos sobre impressionismo e pós-impressionismo, fazendo a apresentação em slides, por meio do projetor multimídia, na sala de informática da escola. Um aluno fez a apresentação oral, falando fluentemente e sem ler texto (escrito por ele mesmo) e sem apresentar cópias; então a professora fala: "É assim que eu queria que vocês fizessem!".

Para a professora Maria, a criatividade se manifesta também em sua ação de planejar a aula:

Da criatividade, por exemplo, de você planejar uma aula, assim, que acho que foi o maior desafio para mim até agora, porque planejar uma aula, chegar na sala de aula e não é nada daquilo que o aluno quer e você ter que ter aquele jogo de cintura e "pá!" [estrala os dedos] para mudar a sua aula, arrumar uma estratégia rapidinho, mudar de aula, mudar, assim, dentro da sala uma outra dinâmica e mudar a sua aula e jogar aquela aula pra... para frente, joga um pouquinho mais pra frente. Entendeu? (trecho da fala da professora Maria)

Para a professora Joana, esse princípio criativo está presente no processo de planejamento de suas aulas, quando ideias novas surgem a partir das leituras realizadas. Segundo ela, "a criatividade vai brotando, mesmo, por conta desse conhecimento que você vai... Se vai focando também". Nesse caso o foco está nas estratégias de ensino para desenvolver a criatividade dos alunos, o que significa possibilitar que o aluno tenha uma percepção mais sensível das coisas, mostrando que a arte contribui para o desenvolvimento humano. Podemos observar que a professora Joana desenvolve atividades realizadas com o intuito de contribuir para o desenvolvimento da criatividade. Segundo ela, isso tem base "[...] no improviso, muitas vezes, a discussão, a leitura de imagens, se localizar em tempo e espaço".

Afirma a professora Joana: "A criatividade é algo que todo mundo tem, mas que nem todo mundo desenvolve. [...] Só que tem que ser exercitado". Por isso em suas aulas ela fomenta a interação entre os alunos, por meio de aula dialogada e com direcionamentos que contribuem para que o aluno se expresse criativamente. Por exemplo, na aula do 2º B a professora faz uma discussão com os alunos sobre o processo de produção de uma peça de teatro com base no filme Carlota Joaquina, visando à definição e à distribuição de funções. Os alunos apresentam ideias sobre a montagem do teatro. A professora ouve cada aluno e faz anotações em seu caderno, faz comentários e perguntas mais específicas, incentivando os alunos a fazerem suas propostas e expressarem suas ideias.

O mesmo procedimento é adotado na aula seguinte, quando a professora Joana encerra a exibição do filme Carlota e solicita aos alunos, como tarefa, uma pesquisa a sobre Debret. Pede que façam resumos: "[...] não adianta trazer textos enormes, mas não saber falar sobre eles [...]". Em seguida é feito um debate sobre o filme Carlota Joaquina, em que os alunos participam, fazendo comentários ou respondendo às perguntas da professora. Depois ela os orienta que, após assistir ao filme, deverão fazer um resumo dele, com comentários e críticas, expondo pontos de vista a respeito.

A solicitação de pesquisas sobre a temática estudada é uma estratégia de ensino que a professora utiliza como forma de complementar os estudos e suprir o limitado tempo das aulas de Arte. Em quase todas as aulas, os alunos recebem como tarefa a realização de pesquisas sobre o assunto da aula dada ou da aula seguinte, pesquisas que, na verdade, consistem no levantamento de informações sobre o conteúdo da aula, apresentado em forma de resumos escritos no caderno. A professora diz que é um pouco difícil a aceitação da necessidade de estudos complementares, mas todos os alunos fazem a tarefa solicitada. A postura da professora é de manter sempre um diálogo com os alunos, aceitando questionamentos que expressem uma postura crítica sobre a realidade.

Na definição de estratégias de ensino podemos perceber que parte do que é definido pela professora necessita do interesse e participação ativa do aluno. Por exemplo, na aula do 2º ano A, a professora Joana, ao propor a pintura tendo como base a obra de Rubem Valentim, orienta e acompanha o desenvolvimento da atividade. Uma aluna diz não saber como fazer a pintura, ao que a professora responde: "A atividade é essa, o tema é esse. Agora, você pode utilizar de sua criatividade para resolver isso".

4. A criatividade no trabalho pedagógico para o aluno com deficiência

Esse eixo apresenta uma análise da relação entre a criatividade no trabalho pedagógico e o aluno com deficiência. Este também é um eixo que emana da pesquisa empírica, tendo como base as observações e entrevistas. Notamos, primeiramente, que nas escolas colaboradoras encontramos alunas com deficiência intelectual, uma coincidência que contribuiu para uma análise do trabalho pedagógico com alunos com deficiência intelectual, em duas situações distintas.

Para a professora Joana, a educação inclusiva requer um trabalho mais direcionado: o aluno com deficiência precisa de um esclarecimento maior, "precisa ser questionado se entendeu, se concluiu a atividade". A professora entende que a educação inclusiva nem sempre é inclusiva, pois apenas tratar o aluno com deficiência de maneira diferenciada dos demais alunos não contribui para o aprendizado. Segundo a professora Joana, "dispor de outro professor para o aluno que tem mais dificuldade seria muito bacana, embora utópico".

A orientação da Escola A é que os professores destinem maior atenção ao aluno com deficiência, que elaborem provas diferenciadas para ele. Além disso, explica as características da deficiência. Assim, para a professora Joana, o seu trabalho pedagógico deve ser "um pouco mais direcionado", sendo que o algo novo e valioso que ela realiza para a aluna com deficiência consiste na elaboração de questões com uso de termos menos técnicos e com nível de dificuldade menor, para que sejam de compreensão mais acessível. Além disso, seguindo as orientações da escola, ela permite que a aluna realize as provas com consulta.

Afirma a professora Maria: "É preciso dar uma atenção especial ao aluno com deficiência, mas isto é uma tarefa difícil, com apenas uma aula por semana", além de ser grande a quantidade de alunos na sala de aula. De qualquer maneira, a professora percebeu que a aluna tinha dificuldades de memorização e por isso procura dar-lhe atenção diferenciada - por exemplo solicitar atividades mais fáceis, ou seja, com nível menor de exigência sobre a compreensão de conceitos, aceitando respostas mais curtas e rápidas; conversar com a aluna e observar se ela consegue realizar a atividade solicitada; perguntar à aluna o quê e como ela faria a atividade. Afirma a professora:

Eu tento trabalhar assim: explicava para ela o conteúdo, sentava do lado, chamava ela, explicava o conteúdo, perguntava para ela, acabava de explicar: "O que você entendeu?". Às vezes se via, ela não é de falar muito... Olhava... "Não entendi nada". Aí falava de novo. Aí chegou no fim e eu comecei a trabalhar [...] mais o sistema de apostila para sobrar tempo para trabalhar com ela. Aí, passar a apostila para ela para ver o que que ela é capaz de fazer. Mesmo tendo a apostila do lado, é muito pouco" (fala da professora Maria).

A professora buscava compreender o que e como a aluna tinha aprendido, e de acordo com as respostas, buscava outros procedimentos, como por exemplo, continuamente se dirigir à aluna ou chamá-la à sua mesa para explicar novamente o conteúdo ou atividade. Na aula em que realizou trabalho em grupo, inseriu a aluna com deficiência no "grupo das intelectuais", para que ela pudesse estar junto com um grupo mais avançado e em condições de ajudá-la no processo de aprendizagem.

A professora Maria deixou evidente a busca por novas estratégias e procedimentos para conseguir que a aluna aprendesse, mesmo considerando que atingir esse objetivo seria muito difícil, devido à condição da aluna. Segundo professora, a aluna chegou a um estádio em que a capacidade de reter informações é limitada, e que "(...) agora a aluna tende a esquecer o que aprendeu". Além disso, a professora Maria considera que o que é importante para a aluna com deficiência "é que ela tenha um diploma para trabalhar de empacotadora numa loja"; por isso mesmo, embora tente utilizar metodologias diferenciadas, reconhece que a sua ação é limitada, assim como a ação da escola, pois ambas sabem que a aluna está em sala de aula apenas para conseguir o documento de conclusão do Ensino Médio, para poder ingressar no mercado de trabalho.

discussão

A singularidade do contexto escolar e dos sujeitos em questão mostra que pode existir, ou não, uma intencionalidade implícita que contribua para o desenvolvimento da criatividade. Isto pode ser percebido em processos e formas de organização do trabalho pedagógico ou em produtos que compõem a visualidade da escola, os quais podem deixar transparecerem interações complexas entre o professor, o aluno e o contexto escolar, bem como sentidos e significados que propiciam ou inibem as manifestações da criatividade.

Observamos que os documentos institucionais representam e comunicam formas socialmente aceitas e historicamente determinadas de conceber a criatividade. Tais concepções nem sempre são conhecidas ou estão em consonância com as dos professores, e em níveis e graus distintos, também colaboram ou inibem as manifestações da criatividade do trabalho pedagógico.

Um aspecto importante a ser destacado é que o conceito de criatividade expresso pelas professoras e aquele expresso nos documentos analisados apontam para direções distintas: ora abrangem uma concepção bioligicista de criatividade, compreendida como uma força vital sem precedentes e sem repetições, transmitida pelos códigos genéticos e por isso mesmo não educável (Wechsler, 2002Wechsler, S. M. (2002). Criatividade: descobrindo e encorajando. 3ª ed. Campinas: Livro Pleno.). Também podem esbarrar em uma concepção relacionada à gestalt - em que a pessoa identifica lacunas ou tensões dentro de uma determinada estrutura e procura resolver os problemas. A solução surge repentina e inusitadamente, em um insight, ou seja, num momento exato em que se chega à compreensão da natureza íntima de algo. Essa concepção tem ampla influência no ensino de Arte, principalmente a partir da Psicologia da Visão Criadora, de Arnheim (2005Arnheim, R. (2005). Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora (I. T. Faria, Trad.) São Paulo: Pioneira Thomson Learning.).

Nota-se que as concepções carregam também uma abordagem cognitiva, que valoriza o estudo das habilidades criadoras, principalmente quando comparadas ou relacionadas com outros tipos de habilidades. O pensamento criativo implica sempre a resolução de problemas, ou seja, a produção de respostas diferentes e alternativas. Tal abordagem teve grande impacto no ensino de Arte, contribuindo para a defesa da Arte na escola (Barbosa, 1975Barbosa, A. M. T. (1975). Teoria e prática da educação artística. São Paulo: Cultrix.), e ainda permanece, mesmo que distanciada dos princípios teóricos.

Tais concepções tangenciam a diversidade de interesses e metodologias, de determinações ou orientações para o trabalho pedagógico que, de maneira contraditória, impedem ou criam condições à expressão da criatividade. Existe assim uma tensão constante entre a possibilidade e a impossibilidade, e nestas condições o professor aproveita-se de brechas existente nas relações interpessoais e institucionais para superar as dificuldades encontradas.

O clima favorável para a criatividade provém das relações entre o sujeito e o contexto escolar e se materializa na liberdade de escolha que o professor pode ter, bem como na confiança depositada na prática pedagógica, sendo que os aspectos culturais evidenciados na visualidade do espaço escolar são determinantes para a expressão de sua singularidade. A simples capacidade de associar e combinar estratégias de ensino, objetivos e conteúdos, reagrupando-os de maneira nova e com valores singulares, constitui uma das formas de manifestação da criatividade do professor.

Um fator que inibe a expressão da criatividade no trabalho pedagógico é o tempo, sobretudo porque o tempo escolar é planejado, controlado e organizado, o que contribui para a definição de formas de agir e de pensar. O tempo escolar, segundo Frago (2000Frago, A.V. (2000). El espacio y el tiempo escolares com o objeto histórico. Contemporaneidade e Educação: revista semestral de ciências sociais e educação, 5(7), 93-110., p. 104), é [...] una modalidad más del tiempo social y humano, un tiempo diverso y plural, individual e institucional, condicionante de y condicionado por otros tiempos sociales [...]. Traz junto de si uma ideia de curso escolar - organizado em dias letivos, número de horas semanais para cada disciplina escolar, com a realização de atividades com indicação de duração, início e fim previamente estabelecidos. Essa planificação do tempo escolar impacta a organização do trabalho do professor, gerando um clima de conflitos nas relações institucionais e interpessoais que é pouco favorável ao surgimento de novas formas de organizar o trabalho pedagógico.

Além desse clima criativo, enfocamos a visualidade da criatividade do espaço escolar, que pelos seus produtos cria uma série de imagens e representações da atividade criadora humana. Em princípio, a criatividade não pode ser vista, pois é um estado, uma ação; mas isto não impede que ela seja analisada pelos produtos gerados pelo trabalho pedagógico, e no caso da escola, os painéis decorativos e as apresentações artísticas em eventos escolares consolidam-se como produtos da imaginação criadora apreciados e enaltecidos pelo seu valor decorativo, deixando transparecer uma concepção de arte como decoração. Ora, conforme afirma Janson (2007Janson, H.W. (2007). História da Arte. Trad. J. A. Ferreira de Almeida e Maria Manuela Rocheta Santos. 8ª ed. Lisboa: Gulbenkian.), uma das razões para o homem criar obras de arte é a necessidade de enfeitar e de decorar o mundo a sua volta, de maneira a dar a si próprio e ao mundo uma nova forma ideal.

Os valores estéticos e artísticos desses produtos da criatividade sintetizam processos que os constituem, inclusive evidenciando facetas do processo de ensino e de aprendizagem em artes visuais. Por isso mesmo existe um conjunto de imagens que, uma vez analisadas, configuram uma representação imagética da criatividade no contexto escolar, sobretudo porque o espaço escolar nos fala, "de modo expreso o simbólico, del tipo de educación que en el se imparte" (Frago, 2000Frago, A.V. (2000). El espacio y el tiempo escolares com o objeto histórico. Contemporaneidade e Educação: revista semestral de ciências sociais e educação, 5(7), 93-110., p. 99).

O espaço escolar é visto de maneira fragmentada e a visualidade existente expressa conceitos estéticos e artísticos que se constituem como valores culturais naturalizados e constantemente reproduzidos no contexto escolar. Conforme Franco e Bonamino (2005Franco, C., &amp: Bonamino, A. (2005). A pesquisa sobre características de escolas eficazes no Brasil: breve revisão dos principais achados e alguns problemas em aberto. Revista Educação On-Line, 1. Recuperado: 12 mar. 2011. Disponível: <http://www.educacaoonline.pro.br/>.
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), nas análises do espaço escolar geralmente se discutem apenas aspectos pedagógicos e ideológicos existentes na forma de ocupação dos espaços, enquanto as questões estéticas ficam de lado. Mesmo que as artes visuais (principalmente o desenho) sejam utilizadas como estratégias para o desenvolvimento da criatividade, ainda existem questões da educação estética ou de uma educação criadora nela engendradas que precisam ser mais bem sistematizadas e compreendidas no contexto escolar.

A análise do trabalho pedagógico com alunos com deficiência evidenciou que as estratégias pedagógicas e as formas de avaliar podem representar a consolidação de um processo de ensino e de aprendizagem de um novo tipo, mas também uma forma de adaptação dos alunos com deficiência ao sistema disciplinador e institucionalizado do conhecimento. É interessante destacar que a finalidade da educação para o trabalho é uma prerrogativa legal do Ensino Médio, e se torna mais evidente no cotidiano escolar justamente quando se verbaliza que o motivo da presença dos alunos com deficiência é a necessidade do certificado para ingressar no mercado de trabalho.

Diante de tais resultados, percebemos que as manifestações da criatividade no trabalho pedagógico acontecem mesmo que, conforme as palavras de Vigotski (2009Vigotski, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática.), em mínimas partículas ou de maneira difusa. São constituídas de dilemas que oscilam entre os aspectos da expressão, naturalizados e cristalizados no trabalho pedagógico, e das expectativas dos professores de artes visuais, que buscam condições para a expressão e o desenvolvimento da criatividade no contexto escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não temos a pretensão de ter esgotado as possibilidades de apreensão da realidade, nem a tomamos como a única forma possível. De fato, buscamos captar o objeto de estudo em seu movimento, e entendemos ter conseguido atingir o objetivo proposto, embora a falta de estudos similares tenha dificultado a construção das informações.

A criatividade apresenta-se como objetivo e um ideal a ser atingido e como um tema relevante, mas com propostas e estratégias pedagógicas pouco sistematizadas. O professor desenvolve estratégias voltadas para a aprendizagem de seus alunos, mas a sua ação criadora está sujeita às condições materiais para a produção do conhecimento e para o desenvolvimento de novas propostas de ensino e de aprendizagem. Por vezes, a atividade criadora fica restrita à prática pedagógica e à exclusiva iniciativa pessoal.

Nesse sentido, entendemos ser necessário continuar a realizar estudos não somente sobre conceitos de criatividade, mas também sobre as formas e as condições de manifestações da criatividade no trabalho pedagógico. Seria necessário, também, realizar estudos sobre aspectos estéticos e artísticos existentes no espaço escolar que contribuem para a imitação, e não para a criação. Neste sentido, várias pesquisas podem ser realizadas.

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  • Alexandra Ayach Anache (alexandra.anache@gmail.com) - Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
  • Vera Lúcia Penzo Fernandes (vera.penzo@ufms.br) - Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
  • Este texto tem origem na tese "A criatividade no trabalho pedagógico do professor de artes visuais no ensino médio, no contexto da educação inclusiva", defendida no ano de 2011, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Neste texto apresentamos parte dos resultados da pesquisa realizada.
  • Essa deficiência se caracteriza pelas dificuldades que o sujeito apresenta em duas ou mais áreas do comportamento adaptativo (comunicação e linguagem, autocuidados, vida acadêmica, segurança, trabalho, lazer, autonomia para tomar decisões etc.), podendo se manifestar antes dos 18 anos de idade e com performance em teste de quoficiente de inteligência abaixo de 70. (AADID, 2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2013
  • Revisado
    27 Ago 2014
  • Aceito
    17 Set 2014
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