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Educação de alunos imigrantes: a experiência de uma escola pública em São Paulo

Educación de alumnos inmigrantes: la experiencia de una escuela pública en São Paulo

RESUMO

O estudo tem por objetivo geral investigar a experiência de uma escola municipal de ensino fundamental de São Paulo no acolhimento de alunos imigrantes. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com o diretor, coordenador pedagógico, professores e pais imigrantes bolivianos; observações de sala de aula, recreio e reuniões dos projetos destinados aos alunos imigrantes; aplicação da escala de proximidade entre alunos e análise do rendimento escolar. Os resultados mostraram que, na percepção dos profissionais e dos pais, houve uma redução significativa das manifestações de preconceito e discriminação, assim como maior interação entre os alunos. Iniciativas da escola no sentido de valorização da cultura dos imigrantes devem ser destacadas, assim como a incorporação do tema da imigração no currículo por meio dos roteiros de aprendizagem produzidos pelos professores. Por fim, destaca-se a importância da gestão democrática e da participação coletiva para o desenvolvimento de uma escola mais inclusiva.

Palavras-chave:
Ensino público; imigração; estudantes de ensino fundamental

RESUMEN

El estudio tiene por objetivo general investigar la experiencia en la acogida de alumnos inmigrantes en una escuela municipal de enseñanza fundamental de São Paulo. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevistas con el director, coordinador pedagógico, profesores y padres inmigrantes bolivianos; observaciones de clase, recreo y reuniones de los proyectos destinados a los alumnos inmigrantes, aplicación de la escala de proximidad entre alumnos y análisis del rendimiento escolar. Los resultados apuntaron que, en la percepción de los profesionales y de los padres, hubo una reducción significativa de las manifestaciones de prejuicio y discriminación, así como mayor interacción entre los alumnos. Las iniciativas de la escuela en el sentido de valorización de la cultura de los inmigrantes deben ser destacadas, así como la incorporación del tema de la inmigración en el plan de estudios por medio de los itinerarios de aprendizaje producidos por los profesores. Por último, se destaca la importancia de la gestión democrática y de la participación colectiva para el desarrollo de una escuela más inclusiva.

Palabras clave:
Enseñanza en la escuela pública; inmigración, estudiantes de 1er grado

ABSTRACT

The aim of the study is to investigate the experience of a municipal elementary school in São Paulo in welcoming immigrant students. Data collection was conducted through interviews with the principal, pedagogical coordinator, teachers and Bolivian immigrant parents; classroom observations, break time and project meetings for immigrant students; application of student proximity scale and analysis of school performance. The results showed that, in the perception of professionals and parents, there was a significant reduction in the manifestations of prejudice and discrimination, as well as greater interaction among students. School initiatives to enhance the culture of immigrants should be highlighted, as well as the incorporation of the theme of immigration into the curriculum through the learning scripts produced by teachers. Finally, the importance of democratic management and collective participation is highlighted for the achievement of a more inclusive school.

Keywords:
Public School Education; Immigration; Elementary School Students

INTRODUÇÃO

O crescimento do fluxo migratório transnacional (Ramos, 2013Ramos, M. C. P. (2013). Globalização e multiculturalismo. Revista Eletrônica Inter-Legere, 13, 75-101.) tem provocado a necessidade de reflexões sobre os impactos na vida social, sobretudo na educação (Ramos, 2007Ramos, M. C. P. (2007). Diásporas, culturas e coesão social. Em Bizarro, R. (Ed.), Eu e o outro. Estudos multidisciplinares sobre identidade(s), diversidade(s) e práticas interculturais. (pp.78-95). Porto: Areal Editores.).

A presença de alunos imigrantes de diferentes nacionalidades resulta na composição de ambientes pluriétnicos, multilingues e multiculturais, demandando mudanças no papel social das escolas, que historicamente tiveram a função de difundir a língua oficial e contribuir para a constituição de uma identidade nacional, condições necessárias para garantir a coesão dos estados nacionais modernos (Zanotti, 1972Zanotti, L. J. (1972). Etapas históricas de la política educativa. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires.).

Nalguns países, como Portugal, a integração de alunos imigrantes tem exigido a revisão de políticas, modelos teóricos e práticas educacionais. O enfrentamento de manifestações de preconceito, discriminação, xenofobia contra os alunos imigrantes e de minorias étnicas (Botas, 2010Botas, S. da C. C. (2010). Atitudes de crianças em relação aos grupos nacionais. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.; Silva, 2007Silva, C. I. S. (2007). Preconceitos etnoculturais: meio rural e meio urbano - contributo para a educação intercultural. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.), o ensino e a aprendizagem da língua não materna (Cardoso, 2005Cardoso, A. J. G. (2005). As interferências linguísticas do caboverdiano no processo de aprendizagem do português. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.; Nascimento, 2013Nascimento, A. I. (2013). Migração estudantil e a aprendizagem de uma segunda língua: estudantes estrangeiros em Portugal e suas representações pessoais e socioculturais. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto.), a formação dos profissionais na perspectiva da educação intercultural (N. Ramos, 2007Ramos, N. (2007). Sociedades multiculturais, interculturalidade e educação. Desafios pedagógicos, comunicacionais e políticos. Revista Portuguesa de Pedagogia, ano 41 (3), 223-244., 2009Ramos, N. (2009). Diversidade cultural, educação e comunicação intercultural − políticas e estratégias de promoção do diálogo intercultural. Revista Educação em Questão, 34, (20), 9-32., 2011Ramos, N. (2011). Educar para a interculturalidade e cidadania: princípios e desafios. Em Alcoforado, L. et al. (Eds.), Educação de adultos: políticas, práticas e investigação. (pp. 189-200). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.; Silva, 2016Silva, D. F. S. (2016). O trabalho educativo com jovens descendentes de imigrantes e de minorias étnicas: competências profissionais, estratégias e políticas de capacitação. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto.) são ações apontadas em pesquisas5 5 Conforme revisão bibliográfica realizada a partir dos bancos de dissertações e teses das bibliotecas da Universidade do Porto, da Universidade Aberta de Lisboa e na coleção de Teses do Observatório das Migrações - https://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-teses. como necessárias para reduzir o insucesso escolar dos imigrantes e promover a sua inclusão social e educacional.

No Brasil, segundo dados do censo escolar de 20166 6 Dados solicitados pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), recebidos em 05/02/2018. (INEP, 2017Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP]. (2017). Censo escolar de 2016. Ministério da Educação. Recuperado de http://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.aspx.
http://esic.cgu.gov.br/sistema/site/inde...
), 72.826 alunos estrangeiros estão matriculados na educação básica. Os grupos mais numerosos são os estudantes de nacionalidade boliviana (9757 matrículas), estado-unidense (9.029), portuguesa (7435), japonesa (5840), paraguaia (5253), argentina (3437), espanhola (3285), entre outros.

No estado de São Paulo, a Secretaria Estadual da Educação (2017Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (2017, 25 de setembro). Cresce em 66% número de estudantes nascidos fora do Brasil na rede estadual de SP. Recuperado de http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/cresce-em-66-numero-de-estudantes-nascidos-fora-do-brasil-na-rede-estadual-de-sp/
http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/c...
) informa que estão matriculados nas escolas estaduais 9,5 mil alunos estrangeiros, representando um aumento de 66% em relação a 2010, ano que registrava 5,7 mil alunos. São Paulo é o município com maior número de alunos de outras nacionalidades (5.636 matrículas), sendo 58% bolivianos (3.281).

Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (2016Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (2016, 04 de maio). Comunicado nº 560, de 3 de maio de 2016. São Paulo, SP: Diário Oficial da Cidade de São Paulo.), 4.067 alunos imigrantes estão na rede municipal de ensino, sendo aproximadamente 78% de origem latino-americana, de 17 nacionalidades. Os grupos mais numerosos são de nacionalidade boliviana (2.633 matrículas), paraguaia (123 matrículas), argentina (118 matrículas) e peruana (110 matrículas).

Manifestações de preconceito e discriminação contra os alunos bolivianos também têm sido investigadas em pesquisas brasileiras7 7 Conforme revisão bibliográfica realizada a partir dos bancos de dissertações e teses da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (Magalhães & Schilling, 2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.; Pontedeiro, 2013Pontedeiro, L. R. (2013). Encontros e confrontos na escola: um estudo sobre as relações sociais entre alunos brasileiros e bolivianos em São Paulo. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.; Carvalho, 2015Carvalho, F. O. (2015). Território do significado: a cultura boliviana e a interculturalidade na rede municipal de São Paulo. Revista Diversitas. Dossiê Educação e Direitos Humanos, 4, 166-223.; Freitas & Silva, 2015Freitas, M. C. de; Silva, A. P. (2015). Crianças bolivianas na educação infantil de São Paulo: adaptação, vulnerabilidades e tensões. Cadernos de Pesquisa, 45(157), 680-702.; Silva & Pinezi, 2015Silva, J.; Pinezi, A. K. M. (2015). Educação e interculturalidade: um estudo etnográfico de alunos bolivianos na rede pública de ensino paulistana. Anais Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão: didática e avaliação, 1, 1-6. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/ceduce/anais.php.
http://www.editorarealize.com.br/revista...
).

Os estudos realizados por Crochík, com base na Teoria Crítica da Sociedade, são de grande contribuição para a compreensão do preconceito. Segundo Crochík (1997)Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea., o preconceito é uma resposta às ameaças imaginárias, portanto, um falseamento da realidade, revelando a dificuldade em experimentar e refletir. Desse modo, o convívio não implicaria necessariamente na diminuição do preconceito, tal como presumido na hipótese de contato (Crochík, 2001Crochík, J. L. (2011). A forma sem conteúdo e o sujeito sem subjetividade. Em J. L. Crochík. Teoria Crítica da Sociedade e Psicologia: alguns ensaios. (pp.11-34). Araraquara: Junqueira & Marin editores; Brasília: CNPq., p. 83), pois o preconceito se mantém pela dificuldade do indivíduo preconceituoso em se identificar com sua vítima (Crochík, 2011Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea., p. 29). Todavia, a despeito das dificuldades, não se deve desprezar que a identificação com o mais frágil permitiria ao preconceituoso refletir sobre a sua própria fragilidade (Crochík, 2001Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea., p. 88).

Embora a pesquisa realizada por Crochík, Kohatsu, Dias, Freller e Casco (2013Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea.) sobre inclusão e discriminação na escola não aborde a questão dos imigrantes, não deixa de ser uma importante referência pela revisão teórica sobre o preconceito e a discriminação e pela metodologia de investigação da educação inclusiva, articulando vários instrumentos, que foram adotados também nessa pesquisa.

Considerando a atualidade e a relevância do tema, foi realizada uma pesquisa numa escola pública de São Paulo com o intuito de conhecer a experiência no acolhimento de alunos imigrantes, cujos resultados são apresentados neste artigo.

A ESCOLA

A Escola Municipal de Ensino Fundamental - Escola C. - está situada no bairro do Pari, município de São Paulo, onde se concentra um número significativo de imigrantes bolivianos (Silva, 2006Silva, S. A. da. (2006). Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, 20 (57), 157-170.).

No ano de 2011, com a mudança da direção da escola, iniciaram as ações para impedir as ocorrências de discriminação e bullying contra os alunos imigrantes. Desde então, orientados por princípios como a defesa da educação, cidadania e direitos humanos, presentes no Projeto Político Pedagógico da Escola C., vários projetos têm sido realizados com o intuito de promover a integração entre os alunos imigrantes e brasileiros.

Atualmente cerca de 20% dos 490 alunos matriculados na Escola C. são procedentes de outros países, a maioria da América Latina (Bolívia, Peru, Paraguai, Argentina, Colômbia, Equador, México), e de países de outros continentes, como a Síria e Angola.

A PESQUISA

Objetivo geral:

  • Investigar a experiência no acolhimento de alunos imigrantes realizada pela Escola C.

Objetivos específicos

Investigar:

  • A percepção dos agentes da Escola C. (diretor, coordenador pedagógico e professores) em relação aos avanços obtidos com os projetos e as ações desenvolvidas junto aos alunos imigrantes e os desafios ainda presentes;

  • Como a questão da imigração e as culturas dos alunos imigrantes têm sido incluídas nas práticas pedagógicas e no currículo;

  • A interação entre alunos imigrantes e brasileiros;

  • As expectativas e receios dos pais (imigrantes) em relação à educação escolar dos filhos.

MÉTODO

Sujeitos

  1. Diretor, coordenador pedagógico e 14 professores do ensino fundamental II;

  2. Alunos do ensino fundamental de sete classes do 5º ao 8º anos;

  3. Alunos imigrantes8 8 Não foram discriminados alunos de primeira e segunda geração, ou seja, filhos de pais imigrantes mas nascidos no Brasil. do ensino fundamental de sete classes do 5º ao 8º anos;

  4. Pais bolivianos de sete alunos dos 4º, 5º, 6º e 7º anos.

Instrumentos

  • Roteiro de entrevista semi-estruturado (cf. Robson, 2002, citado por Crochík e cols., 2013Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea.) utilizado com os profissionais da escola: diretor, coordenador pedagógico e professores;

  • Roteiro de entrevista semi-estruturado utilizado com pais bolivianos;

  • Roteiro de observação de sala de aula e recreio;

  • Escala de proximidade entre os alunos - sociograma (Krech, Crutchfield, & Ballachey, 1975, citado por Crochík et al., 2013Crochík, J. L.; Kohatsu, L. N.; Dias, M. A. de L.; Freller, C. C.; Casco, R. (2013). Inclusão e discriminação na educação escolar. Campinas: Editora Alínea.) para verificar o grau de preferência/rejeição entre os alunos imigrantes e brasileiros. O sociograma é constituído por seis questões: três que indicam a preferência e três que apontam a rejeição. Cada aluno é pontuado com um escore obtido pela fórmula: I = (P/3n-3) - (R/3n-3), sendo I o índice de proximidade; P, o número de citações de preferência recebido pelo aluno; R, o número de citações de rejeição; N, número de alunos da classe. O escore pode variar de -1 a +1; quanto maior o número, maior é a aceitação de um aluno pelos seus colegas, e vice versa.

  • Boletim escolar.

Procedimentos

A coleta de dados foi iniciada após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da USP. Os dados foram coletados ao longo do ano de 2017 seguindo os procedimentos éticos previstos.

As entrevistas com os profissionais foram gravadas individualmente na escola; com os pais, algumas foram realizadas na escola, outras em suas casas, e gravadas quando consentidas. Após transcrição, foi realizado cotejamento para identificar aspectos concordantes e divergentes sobre os projetos, os avanços obtidos e os desafios ainda presentes (diretor, coordenador e professores) e sobre a interação dos filhos na escola; os hábitos culturais, a língua e as expectativas em relação à escolarização dos mesmos (pais).

As observações e a aplicação do sociograma foram realizadas nas classes dos 5º, 6º, 7º e 8º anos. Os dados obtidos foram cotejados visando identificar a interação entre os alunos imigrantes e brasileiros.

A consulta aos boletins escolares foi realizada no fim do ano letivo para obtenção das notas finais. As notas dos alunos imigrantes foram comparadas à média da sala em cada disciplina. Os resultados foram cotejados com as percepções dos entrevistados (profissionais e pais).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entrevista com professores, coordenador e diretor

Algumas professoras (Português-1, Profa. Mediadora, Geografia-2 e Educação Física) relataram que na época em que ingressaram na Escola C., não existiam ações ou projetos para acolhimento dos alunos imigrantes.

O diretor, a professora de Português-1 e a professora de Geografia-2 recordaram que os alunos de origem boliviana se relacionavam apenas com os colegas do mesmo grupo, pouco interagindo com os colegas brasileiros.

A professora de Português-1 relatou que havia preconceito dos demais alunos em relação aos bolivianos; a violência sofrida pelos alunos imigrantes foi comentada também pela professora mediadora: “a gente escutava ‘boliviano pagava pedágio’”. No entanto, predominava o silêncio, conforme a professora de Português-1.

Sobre o início das ações e dos projetos de acolhimento dos alunos imigrantes

As professoras de Português-1, Geografia-1 e Geografia-2 contaram que foi somente em 2011, com a vinda do atual diretor, que os trabalhos com os alunos imigrantes começaram.

Na ocasião em que assumiu o cargo na unidade, em 2011, o diretor já sabia que era uma escola que recebia imigrantes e que, por isso, esperava encontrar projetos destinados a esse público, mas, para sua surpresa, não encontrou trabalhos sendo desenvolvidos provavelmente porque “os imigrantes não davam trabalho, são alunos bem comportados, eles são alunos que têm o sucesso escolar”.

O primeiro passo, dado em 2011, foi chamar os pais dos alunos estrangeiros para saber como os filhos se sentiam na Escola C., ocasião em que episódios de agressão sofridos pelos filhos foram relatados.

Do trabalho com os alunos, o diretor recordou a dinâmica de grupo realizada para levantar os problemas que queriam discutir. As respostas foram tabuladas e organizadas em dois gráficos. No primeiro registrou-se os problemas: “apareceu bullying, preconceito, discriminação”; no segundo, as soluções apresentadas pelos alunos. O diretor relatou que uma das propostas foi polêmica, pois os alunos queriam “classes específicas para os imigrantes”, tal como as mães bolivianas entrevistadas por Magalhães e Schiling (2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.). “Tinha tanta violência e preconceito que eles queriam uma classe dos bolivianos”. Após muita conversa com os alunos, a proposta não foi implementada.

De 2012 a 2014, o projeto com os alunos era coordenado somente pelo diretor com auxílio da assistente de direção. O projeto ganhou a adesão de um professor somente em 2014, com o ingresso do professor responsável pela Sala de Informática, formado em História, que assumiu a coordenação das reuniões quinzenais com os alunos imigrantes.

Em 2014 foi realizada uma expedição à Bolívia, da qual participaram o diretor, os professores, os alunos de origem boliviana, dois pesquisadores e uma estagiária. Segundo o coordenador pedagógico, a expedição “simbolicamente é muito forte na narrativa dos professores” e teve como um dos saldos positivos a adesão de mais professores, que passaram a propor novos projetos.

O projeto, tal como recordou o professor da Sala de Informática, teve como objetivo inicial o enfrentamento das situações de discriminação vivenciadas na Escola C., mas gradualmente, com a adesão de mais professores, foram realizados outros projetos que visavam à valorização da cultura dos alunos imigrantes e refugiados.

Os efeitos dos projetos

Pelo que se pode notar das entrevistas feitas com os profissionais da Escola C., há uma percepção comum de que as ações realizadas resultaram em maior integração dos alunos imigrantes e refugiados.

Segundo a professora mediadora houve “mudança bem considerável”, a Escola C. está mais receptiva e os alunos imigrantes estão “mais integrados”. Na percepção do professor de Ciências “melhorou bastante”, embora tenha dúvidas se a discriminação ficou “mais mascarada”, pois em 2013 “era muito escancarada a segregação, era cruel”.

A professora de Português-2 relatou que atualmente os seus alunos não se sentem discriminados e participam muito das aulas - “Acho que isso é fruto do projeto”. A professora de História-2 comenta que o projeto contribuiu para melhorar as relações interpessoais e acrescenta: “eu percebo (que) muito do preconceito e da discriminação passa justamente por ele ignorar a condição do outro, desconhecer ou não querer olhar para a situação do outro”. E valeria acrescentar a fala da professora de Matemática: “O conhecimento consegue romper essa barreira do preconceito”.

A professora da sala de leitura apontou como um aspecto positivo a iniciativa das alunas do 6º B, descendentes de famílias bolivianas, de propor aulas de espanhol9 9 As aulas de espanhol eram ministradas semanalmente, na hora do almoço, após o término das aulas. As alunas eram auxiliadas pelas professoras de Inglês-2 e História-2. para os colegas brasileiros: “Eu acho que isso é um sinal de que a integração está cada vez melhor”. E conclui: “Quanto mais eles estão participando do projeto, mais rápido eles estão evoluindo, mais rápido eles estão se posicionando”.

E merece ser ressaltada a observação feita pelo coordenador pedagógico: “quando eu faço as eleições dos representantes de sala de manhã e eu tenho três salas com representantes bolivianos ou filhos de bolivianos, isso para mim é um sinal super favorável”.

As professoras de Matemática, Inglês e História-1fizeram comparações com as escolas estaduais em que lecionam e comentaram que na Escola C. os alunos “são mais respeitados” (profa. de Matemática), são “mais participativos” e “bem mais envolvidos” (profa. de Inglês), atribuindo essas diferenças como decorrências dos projetos, da gestão e dos docentes (profa. de História-1).

A professora de Matemática ressalta ainda a importância que as famílias bolivianas dão ao estudo dos filhos: “Você percebe toda a esperança que ele deposita na educação do filho. Realmente, eles valorizam”. E a professora de Educação Física-1 concorda: “a família dá importância à escola”.

Embora em geral as percepções dos professores em relação aos alunos bolivianos sejam frequentemente positivas, o coordenador pedagógico alertou que isso ocorre na medida em que os alunos correspondem ao “que se espera do comportamento dos imigrantes, de como eles devem ser na escola”, havendo pouca tolerância quando as expectativas não são correspondidas.

Os desafios

Um desafio ressaltado pelos professores da Sala de Informática, História-2 e Português-1 foi a necessidade de se incluir a temática da imigração no currículo da Escola C.

É importante destacar que no ano de 2017, os professores iniciaram os trabalhos com os roteiros de estudos com as turmas do ensino fundamental II. Segundo a professora de História-2 essa forma de trabalho com os roteiros “amplia essa possibilidade de um trabalho interdisciplinar” e favorece a inclusão de conteúdos fundamentais, de novos conhecimentos.

No segundo semestre de 2018, a Escola C. ampliou a proposta de trabalho, com roteiros de estudo interdisciplinar, com material produzido pelos professores, modificando inclusive a forma de agrupar os alunos, guiados por professores tutores.

Outro desafio destacado pelo coordenador pedagógico referia-se à atenção a outros grupos de alunos: “Além da questão dos imigrantes, dos migrantes... tem o grupo do invisível também... a gente não tem conversado sobre o que significa ser jovem negro nesse lugar e a comunidade desse lugar é negra”.

O mesmo foi ressaltado pelo diretor: “O dilema que mais está incomodando a gente hoje, inclusive está no nosso Projeto Político Pedagógico, são os alunos mais pobres e os negros... Nosso desafio é: como é que a gente inclui os não estrangeiros em situação de pobreza?”

Entrevista com pais

Foram realizadas sete entrevistas: pai da aluna Gabriela10 10 Foram adotados nomes fictícios com o intuito de preservar as identidades dos alunos. (4º B); pai de Juan (4º A); pai e mãe de Cesar (5º B); mãe de Rene (6ºA); pai e mãe de Marta (6º B); pai de Tereza (6º B); mãe de Joana (6º B) e Yara (7º A). Os entrevistados são de nacionalidade boliviana, casados, têm mais de um filho, alguns também estudando na Escola C.

Todos os entrevistados disseram que a Escola C. é boa. Segundo a mãe, René gosta da escola porque “pasa clase de español11 11 Refere-se às aulas de espanhol dadas pelas alunas do 6º B. , algumas professoras falam espanhol, emprestam livros nessa língua, inclusive uma delas contou que viajou para a Bolívia. René também gostou da escola porque tem aulas de “computadora”.

O pai de Tereza comentou positivamente sobre os projetos em que a filha participa. A mãe de Joana e Yara disse que “a escola é boa. Poderia dar mais lição de casa. É acolhedora, não é como as outras escolas. Não tem bullying, não tem isso”.

No entanto, um dado saliente é o consenso dos pais em relação às escolas bolivianas, consideradas mais exigentes. Como exemplo, pode-se ver o comentário da mãe de René: “La escuela boliviana es mejor. Todas as matérias aprendem bem. Más exigente”.

Nenhum pai se queixou de discriminação sofrida pelos filhos na escola. “... todos os alunos são tratados por igual”, afirmou o pai de Gabriela. “Estão todos misturados, brasileiros, bolivianos, paraguaios, colombianos - todos igual”, disse o pai de César. Os pais de Marta consideram que a escola melhorou muito com o diretor atual.

Em relação às amizades, o pai de Gabriela falou que a filha tem amigos brasileiros, mas a melhor amiga na escola é boliviana. Já, segundo a mãe de Yara, na escola, a filha tem mais amigas brasileiras, dado que foi também constatado pelas observações e pelo sociograma. E René, conforme relato da mãe, é tímido, não conversa com os companheiros e só se comunica com a prima.

Referente aos idiomas, os pais de Gabriela, Juan e René disseram que em casa conversam em espanhol, embora o pai de Juan tenha comentado que também conversa em português com o filho.

A mãe de Joana e Yara relatou que em casa conversam em espanhol e português, mas as filhas só conversam em português entre elas. No entanto, a mãe ressalta a importância do espanhol, pois viajam à Bolívia com frequência. Na casa de César também conversam em espanhol e português - “falam misturado”, segundo o seu pai. Já na casa de Tereza predomina o português. O pai considera importante saberem a língua quéchua dos avós, mas pensa que atualmente o inglês e o mandarim seriam mais importantes para o trabalho, se quiserem viver em outro país.

Nota-se que o bilinguismo é uma prática comum no ambiente familiar e o esquecimento da língua materna não pareceu ser uma preocupação da maioria dos pais. Na pesquisa feita por Magalhães e Schilling (2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.) foi observado que no âmbito privado a maioria das famílias parecia manter o espanhol; o mesmo foi apontado por Oliveira (2014Oliveira, G. C. de. (2014). A segunda geração de latino-americanos na cidade de São Paulo: a questão do idioma. Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana - REMHU, 42, 213-230.), mas considerou que a segunda geração não apresentava habilidade para falar o espanhol, não podendo, portanto, serem considerados bilíngues, mas linguisticamente assimilados.

De modo geral os pais consideram importante manter as tradições culturais, mas fazem isso de maneiras distintas. Alguns, como os pais de Marta e os pais de Joana e Yara, participam ativamente das fraternidades folclóricas bolivianas; o pai de Gabriela e o pai de Juan disseram que já participaram e a família de René só assiste às festas. Diferentemente dos outros, o pai de Tereza contou que são evangélicos e não frequentam as festas em função do trabalho e do filho recém-nascido. A despeito das diferenças, a Praça Kantuta12 12 Praça situada no bairro do Pari, zona norte de São Paulo, onde é realizada a feira boliviana aos domingos. foi citada como referência por todos.

Foi possível notar que todos os entrevistados tinham expectativas de que os filhos apresentassem bom desempenho na escola; o pai de Tereza e a mãe de Joana e Yara explicitaram a importância do estudo para a vida profissional e o ingresso na universidade. O relato dos pais confirma a percepção dos profissionais da escola e reforça o que foi apontado em outras pesquisas (Magalhães & Schilling, 2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.; Silva & Pinezi, 2015Silva, J.; Pinezi, A. K. M. (2015). Educação e interculturalidade: um estudo etnográfico de alunos bolivianos na rede pública de ensino paulistana. Anais Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão: didática e avaliação, 1, 1-6. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/ceduce/anais.php.
http://www.editorarealize.com.br/revista...
). Em pesquisa realizada em escolas portuguesas para uma dissertação de Mestrado, Mirotshinik (2006Mirotshinik, V. (2006). Integração e escola em populações imigrantes da ex-URSS. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa.) também constatou que pais imigrantes do leste europeu tinham altas expectativas em relação à escolarização dos filhos e que a Educação era considerado um meio para atingir o sucesso na vida.

Em resumo, pode-se inferir que a boa educação dos filhos, a continuidade dos estudos e a inserção no mercado de trabalho se mostraram mais importantes do que a preocupação com a preservação da língua originária e das tradições culturais, indo ao encontro do que foi observado por Stoer (2008Stoer, R. S. (2008). Educação e o combate ao pluralismo cultural benigno. Educação, Sociedade & Culturas, 26, 177-183.) em relação aos imigrantes hispânicos nos Estados Unidos.

Interação entre os alunos

São apresentados os dados obtidos pelo sociograma (escala de proximidade entre os alunos) cotejados com as observações em sala e recreio. Recorda-se que I é o índice de proximidade; quanto maior o número, maior é a aceitação pelos colegas.

Quadro 1
Escala de Proximidade entre alunos

O número de alunos imigrantes é referente aos alunos que participaram do sociograma (25), pois em algumas turmas foram registradas ausências. Recorda-se que I é o índice de proximidade. Na coluna I positivo é apresentado o número de alunos de cada classe que tiveram mais indicações de preferência do que de rejeição (15); na coluna I negativo é apresentado o número de alunos que tiveram mais rejeições do que preferências (5). Na coluna I = 0 é apresentado o número de alunos cujas indicações de preferência e rejeição se igualaram (6), resultando em I = 0. Desses, quatro não receberam citação alguma, seja de preferência ou de rejeição, podendo indicar baixa interatividade ou isolamento.

Nota-se que o número de alunos que tiveram I positivo é três vezes maior do que o número de alunos que tiveram I negativo, indicando que há maior aceitação do que rejeição dos alunos imigrantes em suas respectivas classes. No entanto, não se pode desconsiderar que em algumas classes os votos de preferência foram dados pelos próprios colegas bolivianos.

Desse modo, presume-se que os poucos votos de rejeição associados aos poucos votos de preferência dos colegas brasileiros não indique necessariamente ausência de preconceito, discriminação ou xenofobia, mas a existência de preconceito encoberto, tal como suposto pelo professor de Ciências, fato que deveria ser mais investigado. Deve-se recordar que manifestações sutis ou preconceito encoberto também foram considerados em pesquisas portuguesas sobre atitudes de estudantes em relação aos colegas imigrantes (Botas, 2010Botas, S. da C. C. (2010). Atitudes de crianças em relação aos grupos nacionais. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.; Silva, 2007Silva, C. I. S. (2007). Preconceitos etnoculturais: meio rural e meio urbano - contributo para a educação intercultural. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.). A despeito dessa hipótese, não se pode desconsiderar a manifestação de rejeição explicita, tal como foi flagrada em relação ao aluno de origem japonesa do 5º A, que recebeu 28 votos de rejeição dos colegas. Como não foi possível averiguar o motivo, não se pode afirmar que haja alguma relação com a origem étnica do aluno.

As observações e os dados do sociograma mostraram que algumas alunas imigrantes preferem interagir com as colegas imigrantes (6º B); outros interagem com colegas imigrantes e brasileiros (5º A e B) e alguns interagem predominantemente com brasileiros (6º A, 7º A e B). No caso dos alunos do 6º A, 7º A e uma aluna paraguaia do 7º B, a preferência dos alunos imigrantes foi retribuída pelos colegas brasileiros, indicando reciprocidade, diferentemente dos alunos bolivianos do 7º B e 8º A, que interagiam com os colegas brasileiros, mas sem haver reciprocidade.

O que se pode concluir, ainda que provisoriamente, é que não há um padrão único que represente o modo como ocorrem as interações entre os alunos, assim como não se pode afirmar um comportamento típico dos alunos imigrantes, pois alguns se mostraram mais extrovertidos e comunicativos enquanto que outros mais tímidos e silenciosos. O domínio da língua portuguesa poderia ser um fator determinante das interações e do comportamento, tal como observado por Silva e Pinezi (2015Silva, J.; Pinezi, A. K. M. (2015). Educação e interculturalidade: um estudo etnográfico de alunos bolivianos na rede pública de ensino paulistana. Anais Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão: didática e avaliação, 1, 1-6. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/ceduce/anais.php.
http://www.editorarealize.com.br/revista...
), mas essa hipótese teria que ser mais investigada.

Desempenho escolar dos alunos imigrantes

No Quadro 2, é apresentado um resumo das notas das disciplinas obtidas por cada classe.

Quadro II
Notas - Disciplina - Classe

Pelo que se pode observar, na maioria das classes prevalece o número de alunos com nota superior à média da classe, sendo que entre eles, duas alunas de origem boliviana (6º A e 7º A) se destacaram pelas notas significativamente superiores à média da classe.

Embora tenham ocorrido notas abaixo da média das classes, foram raríssimos os alunos que apresentaram notas inferiores a cinco, mínima exigida para aprovação. Isto ocorreu apenas com dois alunos do 5º A, sendo que um deles apresentou notas insuficientes em cinco disciplinas. Recorda-se que esse aluno recebeu 28 indicações de rejeições no sociograma, dados que alertam para dificuldades de adaptação na escola.

De modo geral, a análise do desempenho escolar contrariou a expectativa de insucesso de alunos imigrantes, tal como observado em pesquisas portuguesas (Abrantes, 2016Abrantes, P. (2016). A educação em Portugal. Princípios e fundamentos constitucionais. Sociologia, Problemas e Práticas, número especial, 23-32.; Casa-Nova, 2005Casa-Nova, M. J. (2005). Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, 13 (47), 181-216.; Casimiro, 2006Casimiro, E. (2006). Percursos escolares de descendentes de imigrantes de origem cabo-verdiana em Lisboa e Roderdão. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.; Gonçalves, 2009Gonçalves, L. M. C. R. (2009). Escola e imigração na cidade: implicações da parentalidade em adolescentes de diferentes grupos étnicos. Tese de Doutorado em Ciências da Educação, Universidade Aberta, Porto.; Pires, 2001Pires, S. (2001). A segunda geração de imigrantes em Portugal e a diferenciação do percurso escolar - jovens de origem cabo-verdiana versus jovens de origem hindu-indiana. Dissertação de Mestrado em Sociologia, Universidade de Coimbra, Coimbra.; Silva, 2007Silva, C. I. S. (2007). Preconceitos etnoculturais: meio rural e meio urbano - contributo para a educação intercultural. Dissertação de Mestrado em Relações Interculturais, Universidade Aberta, Lisboa.), mas confirmou dados de pesquisas que apontaram os bolivianos como bons alunos (Magalhães & Schilling, 2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.).

No cruzamento dos dados sobre interação social e desempenho escolar pode-se identificar algumas situações como: aluno(a) com bom desempenho escolar interagindo preferencialmente com colegas imigrantes; aluno(a) com bom desempenho escolar interagindo com colegas brasileiros; aluna com bom desempenho escolar e baixa interatividade, seja com colegas imigrantes ou brasileiros; alunos com desempenho escolar abaixo da média da classe e com baixo índice de interação e aluno com desempenho escolar abaixo da média da classe e com alto índice de rejeição.

Os resultados ressaltam a necessidade de maior investigação sobre a relação entre interatividade e desempenho escolar.

Uma escola pública em permanente movimento coletivo de reflexão e transformação

A análise da trajetória da escola revelou um processo contínuo de ações e reflexões com vistas ao acolhimento dos alunos imigrantes.

Há alguns anos, como se pode ver pelos relatos dos profissionais e pais, na Escola C. os alunos de origem boliviana mantinham-se isolados, tímidos, quietos, sofriam preconceito e discriminação em silêncio, apresentando características também identificadas em outras pesquisas (Magalhães & Schilling, 2012Magalhães, G. M.; Schilling, F. (2012). Imigrantes da Bolívia na escola em São Paulo: fronteiras do direito à educação. Pro-Posições, 23,1, (67), 43-63.; Pontedeiro, 2013Pontedeiro, L. R. (2013). Encontros e confrontos na escola: um estudo sobre as relações sociais entre alunos brasileiros e bolivianos em São Paulo. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.; Carvalho, 2015Carvalho, F. O. (2015). Território do significado: a cultura boliviana e a interculturalidade na rede municipal de São Paulo. Revista Diversitas. Dossiê Educação e Direitos Humanos, 4, 166-223.; Freitas & Silva, 2015Freitas, M. C. de; Silva, A. P. (2015). Crianças bolivianas na educação infantil de São Paulo: adaptação, vulnerabilidades e tensões. Cadernos de Pesquisa, 45(157), 680-702.; Silva & Pinezi, 2015Silva, J.; Pinezi, A. K. M. (2015). Educação e interculturalidade: um estudo etnográfico de alunos bolivianos na rede pública de ensino paulistana. Anais Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão: didática e avaliação, 1, 1-6. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/ceduce/anais.php.
http://www.editorarealize.com.br/revista...
).

As ações contra a discriminação cederam passo às práticas de valorização da cultura do imigrante, que não se limitaram à mera contemplação e celebração pontual da diferença cultural ou à “folclorização dos grupos culturais minoritários”, nos termos de Leite (2005, citada por Silva, 2016Silva, D. F. S. (2016). O trabalho educativo com jovens descendentes de imigrantes e de minorias étnicas: competências profissionais, estratégias e políticas de capacitação. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto., p. 82). Nas salas de aula, ainda que as práticas pedagógicas estivessem centradas no uso do livro didático, foram observadas iniciativas de alguns professores em associar as experiências dos alunos imigrantes aos conteúdos das aulas. Posteriormente, a necessidade de maior articulação sistemática entre os projetos com os imigrantes e a inclusão da temática da imigração no currículo escolar, apontada por alguns professores, foi concretizada pelas práticas pedagógicas orientadas por roteiros de aprendizagem, que resultaram numa reorganização radical dos tempos e espaços da escola. O conjunto das ações da Escola C., como se pode ver, integra-se no paradigma intercultural, conforme teorizado por N. Ramos (2007Ramos, N. (2007). Sociedades multiculturais, interculturalidade e educação. Desafios pedagógicos, comunicacionais e políticos. Revista Portuguesa de Pedagogia, ano 41 (3), 223-244., 2009Ramos, N. (2009). Diversidade cultural, educação e comunicação intercultural − políticas e estratégias de promoção do diálogo intercultural. Revista Educação em Questão, 34, (20), 9-32., 2011Ramos, N. (2011). Educar para a interculturalidade e cidadania: princípios e desafios. Em Alcoforado, L. et al. (Eds.), Educação de adultos: políticas, práticas e investigação. (pp. 189-200). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.).

A criação de espaços para a valorização da cultura e o estímulo ao protagonismo são ações que devem ser reconhecidas como fundamentais no processo de superação da condição de invisibilidade dos imigrantes. No entanto, se considerarmos que a manifestação do preconceito ocorre, de certa maneira, independente das características dos objetos alvos do preconceito (Crochík, 1997Crochík, J. L. (1997). Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Robe editorial., p. 12), somente ressaltar as qualidades positivas das minorias reprimidas, conforme questiona Adorno (1995Adorno, T. W. (1995). Educação após Auschwitz. Em Adorno, T. W. Educação e emancipação(pp. 119-138). Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 121), talvez não seja suficiente. Há que se considerar também os efeitos dos projetos junto aos não imigrantes.

Os projetos realizados inicialmente com os alunos imigrantes e posteriormente estendidos aos demais alunos possibilitaram condições para que houvesse identificação com aquele considerado mais frágil (Crochík, 2001Crochík, J. L. (2001). Teoria Crítica da Sociedade e estudos sobre o preconceito. Revista Psicologia Política, 1 (1), 67-99., p. 88), o imigrante. Como exemplo, pode ser citado o projeto sobre imigração e trabalho escravo coordenado pela professora de História-2 e o professor da Sala de Informática, que possibilitou a alguns alunos reconhecerem semelhanças entre a trajetória de seus pais, migrantes de outros Estados do Brasil, e a trajetória das famílias dos colegas imigrantes.

Mesmo reconhecendo os limites do esclarecimento para o enfrentamento do preconceito, que tem suas raízes nas condições sociais objetivas (Crochík, 1997Crochík, J. L. (1997). Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Robe editorial., p. 26), a experiência realizada pela Escola C. mostrou as possibilidades da educação escolar contribuir para o desenvolvimento da autorreflexão e também a integração da diversidade cultural no processo educativo.

Por considerar as condições desfavoráveis impostas pelo momento histórico, torna-se imprescindível reconhecer a importância da gestão democrática e da participação coletiva como formas de resistência, necessárias para o fortalecimento de uma escola que, sem negar a existência de conflitos e contradições, busca se manter em permanente movimento de reflexão e transformação para a efetivação da educação como direito universal, sem que se tenha que renunciar ou excluir as diferenças, a alteridade, condição fundamental para preservação da humanidade e da cidadania.

Agradecimentos

Este trabalho é apoiado por financiamento nacional através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE / SADG / UI0289 / 2016.

REFERÊNCIAS

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  • 5
    Conforme revisão bibliográfica realizada a partir dos bancos de dissertações e teses das bibliotecas da Universidade do Porto, da Universidade Aberta de Lisboa e na coleção de Teses do Observatório das Migrações - https://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-teses.
  • 6
    Dados solicitados pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), recebidos em 05/02/2018.
  • 7
    Conforme revisão bibliográfica realizada a partir dos bancos de dissertações e teses da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • 8
    Não foram discriminados alunos de primeira e segunda geração, ou seja, filhos de pais imigrantes mas nascidos no Brasil.
  • 9
    As aulas de espanhol eram ministradas semanalmente, na hora do almoço, após o término das aulas. As alunas eram auxiliadas pelas professoras de Inglês-2 e História-2.
  • 10
    Foram adotados nomes fictícios com o intuito de preservar as identidades dos alunos.
  • 11
    Refere-se às aulas de espanhol dadas pelas alunas do 6º B.
  • 12
    Praça situada no bairro do Pari, zona norte de São Paulo, onde é realizada a feira boliviana aos domingos.
  • Artigo derivado de pesquisa de pós-doutoramento realizado na Universidade do Porto, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    02 Set 2019
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