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TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS E ESTRESSE NA UNIVERSIDADE: UM ESTUDO DE CASO

Entrenamiento de Habilidades Sociales y estrese en la universidad: un estudio de caso

RESUMO

A aplicação do Treinamento de Habilidades Sociais no contexto universitário pode ser eficaz para a redução do estresse percebido pelos estudantes. Assim, o objetivo do presente artigo foi descrever, no formato de um estudo de caso único, o processo terapêutico de um Treinamento de Habilidades Sociais realizado com uma estudante de Psicologia, apresentando dados referentes à eficácia da intervenção. As avaliações pré e pós-teste foram feitas com os seguintes instrumentos: Inventário de Habilidades Sociais 2 (IHS2-Del-Prette), Escala de Estresse Percebido (PSS-14), entrevistas e diário de campo. Contatou-se o aprimoramento de habilidades sociais como recusar e fazer pedidos, lidar com críticas e expor desagrado e solicitar mudança de comportamento do outro, e redução dos níveis de estresse com base em dados qualitativos e quantitativos, com manutenção desses resultados no follow-up de seis semanas. Concluiu-se que o Treinamento de Habilidades Sociais realizado possibilitou a melhora da experiência na universidade para a participante.

Palavras-chave:
treinamento de habilidades sociais; stress; estudo de caso

RESUMEN

La aplicación del entrenamiento de Habilidades Sociales en el contexto universitario puede ser eficaz para la disminución del estrese percibido por los estudiantes. Delante eso, el objetivo del presente artículo fue describir, en el molde de un estudio de caso único, el proceso terapéutico de un entrenamiento de Habilidades Sociales realizado con una estudiante de Psicología, que presentaba, también, datos referentes a la eficacia de la intervención. Las evaluaciones antes y e después de la prueba se hicieron con los siguientes instrumentos: Inventario de Habilidades Sociales 2 (IHS2-Del-Prette), Escala de Estrese Percibido (PSS-14), entrevistas y diario de campo. Fue posible constatar el perfeccionamiento de habilidades sociales como recusar y hacer pedidos, lidiar con críticas y exponer desagrado y solicitar cambio de comportamiento del otro, y reducción de los niveles de estrese con base en datos cualitativos y cuantitativos, con manutención de esos resultados en elfollow-upde seis semanas. Se concluye que el Entrenamiento de Habilidades Sociales realizado posibilitó la mejora de la experiencia en la universidad para la participante.

Palabras clave:
entrenamiento de habilidades sociales; estrese; estudio de caso

ABSTRACT

The application of Social Skills Training in the university context can be effective in reducing the stress perceived by students. Therefore, the objective of this article was to describe, in the format of a single case study, the therapeutic process of a Social Skills Training carried out with a Psychology student, also presenting data regarding the effectiveness of the intervention. Pre- and post-test assessments were performed using the following instruments: Social Skills Inventory 2 (IHS2-Del-Prette), Perceived Stress Scale (PSS-14), interviews and field diary. It was possible to verify the improvement of social skills such as refusing and making requests, dealing with criticism and exposing displeasure and requesting a change in the other’s behavior, and reduction of stress levels based on qualitative and quantitative data, with maintenance of these results in the follow-up of six weeks. It was concluded that the Social Skills Training carried out enabled the participant to improve her university experience.

Keywords:
social skills training; stress; case study

INTRODUÇÃO

Na teoria transacional de estresse e coping de Lazarus e Folkman (1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.), o fenômeno do estresse envolve, além de reações físicas, um processo cognitivo de avaliação. A avaliação cognitiva primária determinará a forma como uma pessoa percebe a situação e sua resposta a ela. Uma situação será percebida como estressora quando, primeiramente, for avaliada pelo indivíduo como ameaçadora, considerando um amplo contexto que inclui fatores situacionais, pessoais e precedentes.

Na avaliação secundária, os recursos de enfrentamento são analisados e a resposta ao evento é planejada conscientemente. Os recursos de enfrentamento, denominados coping, podem ser focados no problema, agindo na fonte do que gera estresse para modificá-la, ou na emoção, agindo na regulação da resposta emocional ao problema (Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis, & Gruen, 1986Folkman, S.; Lazarus, R. S.; Gruen, R. J.; Delongis, A. (1986). Appraisal, coping, health status and psychological symptoms. Journal of Personality and Social Psychology, 50(3), 571-579. https://doi.org/10.1037/0022-3514.50.3.571
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; Folkman, Lazarus, Gruen, & Delongis, 1986Folkman, S.; Lazarus, R. S.; Dunkel-Schetter, C.; DeLongis, A.; Gruen, R.J. (1986). Dynamics of a stressful encounter: Cognitive appraisal, coping and encounter outcomes. Journal of Personality and Social Psychology, 50(5), 992-1003. https://doi.org/10.1037/0022-3514.50.5.992
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). Caso sinta que a demanda apresentada pelo evento sobrecarrega ou excede seus recursos, a situação é percebida como estressora (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.). Com mudanças no ambiente e com os resultados das estratégias de coping empregadas são feitas reavaliações da situação inicialmente percebida como estressora. A partir da reavaliação, que é a terceira etapa da avaliação cognitiva, mudanças na percepção da situação inicial ou na forma de lidar com ela podem ocorrer (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.).

Existem inúmeros recursos pessoais para lidar com as demandas da vida e dentre eles está a categoria das habilidades sociais (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.), que são recursos relacionados à habilidade de se comunicar e se comportar com terceiros de forma apropriada e efetiva, facilitando a resolução de problemas em conjunto com outras pessoas. Assim, as habilidades sociais equivalem também a recursos de enfrentamento ao estresse e, consequentemente, atuam como fatores de proteção à saúde (Feitosa, 2020Feitosa, F. B. (2020). Terapia de habilidades sociais em saúde mental: Um relato de experiência. In da Silva, J C. B.; Campos, F. A. A. C. (Eds.), Saberes e fazeres em saúde mental: Uma visão multiprofissional(pp. 231-248). Curitiba, PR: CRV.; Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.).

Um estudo de revisão de literatura mostrou que as habilidades sociais são fatores de risco ou proteção à saúde mental, podendo estar associadas ao sofrimento psíquico e à vivência de estresse no curso universitário (Graner & Cerqueira, 2019Graner, K. M.; Cerqueira, A. T. A. R. (2019). Revisão integrativa: Sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Ciência & Saúde Coletiva, 24(4), 1327-1346. https://doi.org/10.1590/1413-81232018244.09692017
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). Nesse sentido, o Treinamento de Habilidades Sociais (THS) aumentaria a capacidade de estudantes universitários se adaptarem a mudanças ou transições de ciclos do desenvolvimento humano (Feitosa, 2020Feitosa, F. B. (2020). Terapia de habilidades sociais em saúde mental: Um relato de experiência. In da Silva, J C. B.; Campos, F. A. A. C. (Eds.), Saberes e fazeres em saúde mental: Uma visão multiprofissional(pp. 231-248). Curitiba, PR: CRV.), o que pode explicar sua eficácia na redução do estresse (Bezerra, Feitosa, Wagner, Rodríguez, & Rodrigues, 2022Bezerra, G. S.; Feitosa, F. B.; Wagner, M. F.; Rodríguez, T. D. M.; Rodrigues, A. da S. (2022). Treinamento de Habilidades Sociais na promoção do coping eficaz: um estudo piloto. Psicologia: Teoria e Prática, 24(2), 1-19. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPCP14090.en.
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).

No entanto, são escassos, tanto na literatura recente nacional, quanto na internacional, estudos que relacionem o THS e o estresse percebido de estudantes universitários. Por outro lado, em uma pesquisa realizada com 50 estudantes universitárias no Irã, verificou-se que o treinamento de habilidades sociais e de comunicação promoveu maiores níveis de bem-estar psicológico e felicidade (Eshkaftki, Ghazanfari, & Solati, 2020Eshkaftki, F. M.; Ghazanfari, A.; Solati, S. K. (2020). Effectivenes of social and comunication skills training using cognitive-behavioral approach on psychological well-being and happiness of female students with martyred and veteran parents in Shahrekord, Iran, governmental universities. Iran J War Public Health, 12(2), 85-91. https://doi.org/10.29252/ijwph.12.2.85.
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).

O THS, como definido por A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017aDel Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2017a). Competência social e habilidades sociais: Manual teórico-prático. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), é um conjunto de procedimentos, atividades e técnicas estruturados no formato de intervenção, mediada por um terapeuta visando à aquisição e/ou aprimoramento de habilidades sociais. A aplicação do THS no contexto universitário se justifica devido aos consideráveis níveis de estresse vivenciados pelos estudantes (Preto, Souza, Sousa, Fernandes, Pereira, & Cardoso, 2020Preto, V. A.; Souza, A. L. T.; Sousa, B. O. P.; Fernandes, J. M.; Pereira, S. S.; Cardoso, L. (2020). Preditores de estresse recente em universitários de enfermagem. Research, Society and Development, 9(3). http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i3.2371
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).

A literatura nacional aponta para a eficácia de programas de THS para a redução de estresse de estudantes: em Nazar, Pering, Girotto e Kucmanski (2020Nazar, T. C. G.; Pering, A. C.; Girotto, D. A.; Kucmanski T. (2020). Treinamento de habilidades sociais em universitários: um estudo acerca das variáveis estresse e habilidades sociais. Educação, Psicologia e Interfaces, 3(3), 190-204. https://doi.org/10.37444/issn-2594-5343.v4i1.210
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), concluiu-se que o THS proporcionou redução dos níveis de estresse e aperfeiçoamento de habilidades sociais. No entanto, apesar da crescente quantidade de pesquisas de intervenção, que verificam a eficácia do THS (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 2017bDel Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2017). Práticas baseadas em evidências e treinamento de habilidades sociais. In Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Habilidades sociais: Intervenções efetivas em grupo(pp. 57-82). São Paulo, SP: Pearson.), ainda são escassos os estudos que relatem protocolos, expondo de forma mais detalhada e passo a passo os procedimentos e técnicas utilizados em uma intervenção.

Os protocolos de intervenção (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2017). Práticas baseadas em evidências e treinamento de habilidades sociais. In Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Habilidades sociais: Intervenções efetivas em grupo(pp. 57-82). São Paulo, SP: Pearson.) e a divulgação da análise qualitativa do processo terapêutico possibilitam a correta reaplicação de pesquisas e a realização de outros estudos semelhantes de intervenção. A divulgação do processo terapêutico do THS enquanto um programa de intervenção justifica-se por complementar e detalhar as informações dos protocolos, beneficiando não apenas os profissionais estudiosos da área das habilidades sociais, mas também os próprios estudantes envolvidos nesse tipo de programa enquanto uma modalidade preventiva, educativa e de cuidado à saúde mental do universitário.

Por processo terapêutico, entende-se aqui o método de manejo das técnicas de intervenção aplicadas em uma sessão estruturada e as mudanças observadas (Feitosa, 2020Feitosa, F. B. (2020). Terapia de habilidades sociais em saúde mental: Um relato de experiência. In da Silva, J C. B.; Campos, F. A. A. C. (Eds.), Saberes e fazeres em saúde mental: Uma visão multiprofissional(pp. 231-248). Curitiba, PR: CRV.; Leonardi, 2017Leonardi, J. L. (2017). Métodos de pesquisa para o estabelecimento da eficácia das psicoterapias. Interação em Psicologia, 21(3), 176-186. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v21i3.54757
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). Assim, optou-se pela elaboração de um estudo de caso que pudesse apresentar o relato da experiência de condução de um programa de promoção de habilidades sociais, com a descrição do processo terapêutico estabelecido.

O estudo de caso não visa investigar o efeito de uma intervenção ou testar determinada hipótese, mas descrever um processo terapêutico por meio de uma narrativa fiel, sistemática e longitudinal, abrangendo informações sobre o indivíduo estudado, as intervenções realizadas e as mudanças resultantes (Leonardi, 2017Leonardi, J. L. (2017). Métodos de pesquisa para o estabelecimento da eficácia das psicoterapias. Interação em Psicologia, 21(3), 176-186. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v21i3.54757
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). De acordo com Lima (2011Lima, D. V. M. (2011). Desenhos de pesquisa: uma contribuição para autores. Online Brazilian Journal of Nursing, 10(2). https://doi.org/10.5935/1676-4285.20113648
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), o estudo de caso pode ser caracterizado como uma investigação detalhada de uma única entidade, neste caso, um indivíduo, obtendo-se informações descritivas que permitem examinar relações entre diferentes fenômenos.

No caso, o fenômeno a ser considerado é a forma de promoção de habilidades sociais para a redução do estresse em universitários. Diante disso, o objetivo do presente artigo é descrever, no formato de um estudo de caso único, o processo terapêutico de um THS realizado com uma estudante de Psicologia, apresentando, além disso, dados referentes à eficácia da intervenção em termos de redução dos níveis de estresse e ampliação do repertório de habilidades sociais.

MÉTODO

Participantes

A participante incluída no estudo de caso é do gênero feminino e estava cursando Psicologia em 2019, ano de realização da intervenção. Informações adicionais sobre ela não foram expostas aqui com o intuito de manter sua identidade preservada. A terapeuta e a coterapeuta eram, no mesmo período, mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da mesma universidade da participante e tinham experiência na mediação de grupos de THS.

Instrumentos

A participante foi avaliada com os seguintes instrumentos:

Inventário de Habilidades Sociais 2 - IHS2-Del-Prette (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2018Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2018). Inventário de habilidades sociais 2 (IHS2-Del-Prette): Manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo, SP: Pearson.): instrumento de autorrelato validado nacionalmente, com consistência interna excelente (alfa de Cronbach=0,944), para caracterizar o desempenho social e avaliar o repertório de habilidades sociais frente a diferentes situações de enfrentamento social.

Escala de Estresse Percebido - PSS-14 (Carnegie Mellon University, 2015Carnegie Mellon University. (2015). Dr. Cohen’s Scales. Laboratory for the Study of Stress, Immunity, and Disease, Department of Psychology. Recuperado de:https://www.cmu.edu/dietrich/psychology/stress-immunity-disease-lab/scales/index.html
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; Cohen, Kamarck, & Mermelstein, 1983Cohen, S.; Kamarck, T.; Mermelstein, R. (1983). A global measure of perceived stress. Journal of Health and Social Behavior, 24(4), 385-396. https://doi.org/10.2307/2136404
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): escala de autoavaliação para acessar a frequência com que o indivíduo lidou com situações inesperadas, incontroláveis ou que representaram sobrecarga, exigindo que avalie sua percepção de controle e seu estado emocional diante de eventos estressantes implícitos (Cohen & Williamson, 1988Cohen, S.; Williamson, G. (1988). Perceived stress in a probability sample of the United States. In Spacapan, S.; Oskamp, S. (Eds.), The social psychology of health. New York, NY: Sage.).

A versão em português da referida escala, utilizada no presente estudo, é apresentada no trabalho de Feitosa, Silva e Bezerra (2015Feitosa, F. B.; Silva, J. F.; Bezerra, L. A. (2015). Apresentação de uma versão em português da Escala de Estresse Percebido (PSS-14) com índices de precisão. Seção de Pôster apresentado no 15º Congresso de Stress da ISMA-BR, Porto Alegre, RS, Brasil. Recuperado de:http://www.ismabrasil.com.br/congressos/congresso-2015/trabalho
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). Segundo esses autores, à semelhança do estudo original em inglês, a PSS-14 apresentou índices aceitáveis de precisão ou fidedignidade, com estabilidade temporal no teste-reteste (r=0,79, p<0,001) e boa consistência interna (Alpha=0,85 no teste e Alpha=0,86 no reteste). De acordo com Coutinho (2016Coutinho, L. F. B. (2016). Avaliação e correlação dos níveis de estresse e depressão dos discentes de enfermagem, Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal Fluminense, Niterói- RJ. Recuperado de:https://app.uff.br/riuff/handle/1/3530
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), tem-se a classificação dos escores: entre zero e 18,6 é um nível baixo de estresse; de 18,7 a 37,2 é um nível médio de estresse e a partir de 37,3, são altos níveis de estresse.

Entrevistas: roteiros de entrevista semiestruturados utilizados em dois momentos: anteriormente à intervenção para avaliação de linha de base, estabelecimento de rapport e acesso às queixas e demandas da participante e seus recursos para lidar com situações interpessoais estressoras e, posteriormente à intervenção, na avaliação de follow-up, para verificação de aquisições e manutenção de habilidades sociais.

Diário de campo: os registros incluíam os eventos ocorridos em cada sessão, observações feitas pela terapeuta e pela coterapeuta após cada encontro e falas da participante realizadas ao longo do THS que pudessem indicar déficits e aquisições.

A participante foi avaliada, com a utilização do IHS2-Del-Prette (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2018Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2018). Inventário de habilidades sociais 2 (IHS2-Del-Prette): Manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo, SP: Pearson.) e da PSS-14 (Carnegie Mellon University, 2015Carnegie Mellon University. (2015). Dr. Cohen’s Scales. Laboratory for the Study of Stress, Immunity, and Disease, Department of Psychology. Recuperado de:https://www.cmu.edu/dietrich/psychology/stress-immunity-disease-lab/scales/index.html
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; Cohen, Kamarck, & Mermelstein, 1983Cohen, S.; Kamarck, T.; Mermelstein, R. (1983). A global measure of perceived stress. Journal of Health and Social Behavior, 24(4), 385-396. https://doi.org/10.2307/2136404
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), em quatro momentos diferentes: antes do início da intervenção (avaliação de linha de base realizada de forma individual no dia 28 de agosto de 2019), em torno de um mês depois, no primeiro encontro (pré-teste realizado coletivamente no dia 12 de setembro de 2019), no último encontro (pós-teste realizado coletivamente no dia 24 de outubro de 2019) e cerca de seis semanas após a finalização do grupo (follow-up realizado individualmente no dia 16 de dezembro de 2019). Essas avaliações permitiram a coleta dos dados quantitativos.

Quanto aos dados qualitativos, esses foram coletados a partir das entrevistas (realizadas com a participante antes e após a intervenção, nas avaliações de linha de base e follow-up) e das anotações feitas pela pesquisadora em diário de campo ao longo da intervenção, as quais eram relacionadas aos desempenhos de cada participante nos encontros realizados.

Procedimentos

A realização da pesquisa de intervenção com o THS teve parecer favorável do Comitê de Ética da Universidade Federal de Rondônia (CAAE 09193119.6.0000.5300) e a participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. A intervenção foi divulgada em redes sociais para estudantes dos cursos de saúde da universidade envolvida, juntamente com o link de um formulário de manifestação de interesse. Foi estabelecido contato por telefone com quem demonstrou interesse ao preencher o formulário para que fossem fornecidas mais informações sobre a pesquisa.

O THS foi realizado na clínica-escola da universidade e teve sete sessões, semanais, com duração de cerca de 1h cada. As sessões foram norteadas por um planejamento elaborado anteriormente pela pesquisadora, cujos objetivos focaram as relações interpessoais no contexto universitário com base em queixas relatadas na entrevista inicial e nas habilidades sociais mais deficitárias indicadas pelos resultados da aplicação prévia do IHS2-Del-Prette (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2018Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2018). Inventário de habilidades sociais 2 (IHS2-Del-Prette): Manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo, SP: Pearson.). Os conteúdos temáticos de cada sessão e seus objetivos, bem como as técnicas utilizadas ao longo do THS para estruturar o processo terapêutico, foram derivados principalmente de A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2013Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2013). Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo (10a ed.). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), Soares e Del Prette (2013Soares, A. B.; Del Prette, Z. A. P. (2013). Guia teórico-prático para superar dificuldades interpessoais na universidade. Curitiba, PR: Appris.), A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017bDel Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2017b). Enfoques e modelos do treinamento de habilidades sociais. In Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Habilidades sociais: Intervenções efetivas em grupo(pp. 19-56). São Paulo, SP: Pearson.) e estão listados no Quadro 1.

Quadro 1
Temas, Objetivos e Técnicas Estruturantes das Sessões do THS.

As técnicas foram aplicadas em um modelo semidirigido, ou seja, as instruções para realização de ensaios comportamentais e outras atividades foram feitas de forma diretiva. No entanto, o nível de participação e a quantidade de informações e experiências pessoais a serem compartilhadas foram de decisão da participante, sendo respeitado o grau de revelação pessoal, o que caracterizou não diretividade (Feitosa, 2020Feitosa, F. B. (2020). Terapia de habilidades sociais em saúde mental: Um relato de experiência. In da Silva, J C. B.; Campos, F. A. A. C. (Eds.), Saberes e fazeres em saúde mental: Uma visão multiprofissional(pp. 231-248). Curitiba, PR: CRV.).

A condução do grupo contou com o auxílio de uma coterapeuta com experiência na mediação de intervenções de THS, cuja participação consistiu no registro das sessões em tempo real, contribuições pontuais durante os encontros e troca de impressões sobre os acontecimentos ao longo do treinamento. A função da terapeuta principal, por sua vez, foi de planejar e mediar todos os encontros, além de registrar informações sobre as sessões em diário de campo.

Possibilitando a consecução do objetivo do presente estudo, foi feita uma análise aprofundada de um dos casos que compuseram a intervenção grupal do THS. A escolha do caso foi baseada nas informações resultantes da avaliação inicial (pré-intervenção) da participante, as quais indicaram um repertório comportamental bastante deficitário em relação a habilidades interpessoais importantes no contexto universitário, visto que a participante apresentava dificuldades para pedir e aceitar favores e ajuda, ser assertiva e lidar com críticas. Além disso, os resultados da avaliação final (pós-intervenção) também influenciaram na escolha do caso: verificou-se que, possivelmente, a intervenção contribuiu para o aprimoramento das habilidades interpessoais citadas anteriormente, em relação às quais a participante apresentava dificuldades.

Os resultados do grupo dessa pesquisa de intervenção podem ser encontrados em Bezerra et al. (2022Bezerra, G. S.; Feitosa, F. B.; Wagner, M. F.; Rodríguez, T. D. M.; Rodrigues, A. da S. (2022). Treinamento de Habilidades Sociais na promoção do coping eficaz: um estudo piloto. Psicologia: Teoria e Prática, 24(2), 1-19. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPCP14090.en.
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). O pseudônimo atribuído para referenciar a participante ao longo do relato de experiência da intervenção foi Clarice, como o caso será chamado a partir de agora.

Tratamento de dados

Para a análise qualitativa, os conteúdos da entrevista inicial (pré-intervenção, quando foi questionada sobre as dificuldades interpessoais vivenciadas na universidade e suas formas de lidar com elas) e da entrevista de follow-up (pós-intervenção, quando foi questionada sobre os benefícios do THS) foram transcritos e analisados através da criação de categorias temáticas. Alguns destes relatos estão descritos no presente estudo. Além disso, o desempenho da participante, por meio de observação direta ao longo da intervenção, foi registrado em diário de campo, estudado e utilizado para apresentar os avanços da participante.

Os dados quantitativos, obtidos com as aplicações dos instrumentos IHS2-Del-Prette (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2018Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2018). Inventário de habilidades sociais 2 (IHS2-Del-Prette): Manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo, SP: Pearson.) e PSS-14 (Carnegie Mellon University, 2015Carnegie Mellon University. (2015). Dr. Cohen’s Scales. Laboratory for the Study of Stress, Immunity, and Disease, Department of Psychology. Recuperado de:https://www.cmu.edu/dietrich/psychology/stress-immunity-disease-lab/scales/index.html
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; Cohen et al., 1983Cohen, S.; Kamarck, T.; Mermelstein, R. (1983). A global measure of perceived stress. Journal of Health and Social Behavior, 24(4), 385-396. https://doi.org/10.2307/2136404
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), foram tabulados no software IBM Statistical Package for the Social Sciences for Windows(SPSS, versão 24.0).

Estrutura das sessões

As sessões do THS aplicado apresentaram estrutura geral semelhante, com exceção do primeiro e do último encontro, que apresentaram algumas diferenças. No primeiro encontro foram feitas a avaliação pré-teste, as apresentações, o contrato terapêutico e uma breve explicação sobre o conceito de habilidades sociais e como elas seriam trabalhadas ao longo da intervenção. No último encontro, foi realizada a avaliação pós-teste, os feedbacks e o encerramento.

Nas demais sessões, a estrutura foi constituída pela utilização das seguintes técnicas selecionadas:

  1. Exposição dialogada, consistindo em breve exposição didática e teórica de conceitos relacionados ao tema e à habilidade social a ser trabalhada;

  2. Resolução de problemas, que é um processo para compreensão e solução de problemas. Essa técnica conta com seis etapas, das quais três foram aplicadas nas sessões, em processos de decisão grupal: (2.1) Definição do problema, etapa na qual foram levantadas situações vivenciadas na universidade e compartilhadas experiências relacionadas ao tema, além de terem sido respondidos questionamentos como “qual é a situação problemática? O que ocorre? Com quem, quando e onde? O que você deseja em situações deste tipo e quais são as barreiras para alcançar?”; (2.2) Levantamento de alternativas e estratégias, que consistiu no brainstorming de possíveis formas para lidar com a situação que causa estresse e no compartilhamento de dicas e estratégias utilizadas pelas próprias participantes ou por parte da terapeuta, com base na literatura da área (Soares & Del Prette, 2013Soares, A. B.; Del Prette, Z. A. P. (2013). Guia teórico-prático para superar dificuldades interpessoais na universidade. Curitiba, PR: Appris.); (2.3) Avaliação das alternativas levantadas, quando era, então, solicitado às participantes que tentassem colocar em prática as alternativas e estratégias que haviam sido levantadas e avaliadas;

  3. Ensaio comportamental de habilidades relacionadas ao tema de forma a colocar em prática, em contexto interativo e análogo, o que era trabalhado nas sessões. A estrutura dos ensaios era feita com base nos relatos de dificuldades específicas e que eram comuns à maioria do grupo;

  4. Tarefa interpessoal de casa (TIC), com a proposta de que as participantes refletissem sobre os conteúdos dos encontros e tentassem colocar em prática ao longo da semana o que havia sido aprendido, estando atentas para a forma como o faziam, as consequências do comportamento e como se sentiam na situação, processo que contribuía para o desenvolvimento do automonitoramento. Além disso, foram incorporados às TIC os exercícios instrucionais, os quais são tarefas lápis-papel para elaboração de respostas, aplicando e exemplificando estratégias. Ainda sobre as TIC, na sessão seguinte era feita a retomada destas, o que consistia no relato das participantes sobre a realização da tarefa proposta, possibilitando que a terapeuta observasse os efeitos do conteúdo trabalhado na sessão anterior sobre o comportamento do grupo. Todas as técnicas explicitadas acima foram retiradas de A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017bDel Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2017). Práticas baseadas em evidências e treinamento de habilidades sociais. In Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Habilidades sociais: Intervenções efetivas em grupo(pp. 57-82). São Paulo, SP: Pearson.), onde suas descrições completas podem ser encontradas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O processo terapêutico foi descrito por meio das técnicas manejadas no percurso de Clarice ao longo da intervenção, levando em conta suas dificuldades iniciais, avanços feitos a cada encontro e habilidades que haviam sido aprendidas ao final do THS.

Relato de experiência acerca do caso

A partir da entrevista inicial e das avaliações de linha de base e pré-teste realizadas com Clarice, pode ser feito um levantamento das suas principais dificuldades interpessoais anteriores ao THS no contexto universitário: fazer pedidos, o que incluía situações mais específicas que demandassem pedir favores, pedir/aceitar ajuda e buscar informações; ser assertiva, o que incluía maior tendência à passividade em situações que demandassem dizer não, discordar, expressar desagrado e solicitar mudança de comportamento do outro; e lidar com críticas, o que incluía situações de exposição que pudessem resultar no recebimento de críticas de terceiros.

Na primeira sessão do THS, Clarice logo demonstrou sua dificuldade de exposição, quando foi solicitado que as participantes se apresentassem. Foi observado que ela evitou contato visual durante esse momento e foi a última a falar, chegando a verbalizar que aquilo já dizia muita coisa sobre ela. Contudo, surpreendeu positivamente já no segundo encontro, cujo tema foi exposição a público, quando Clarice participou voluntariamente das discussões em dois momentos. Na retomada da TIC, compartilhou que colocou em prática o que foi discutido no primeiro encontro, no qual tratamos sobre a importância da expressão de sentimentos positivos para o fortalecimento de vínculos e, no momento de elaboração de alternativas e estratégias, Clarice falou sobre uma estratégia de associação de conteúdos que utilizava quando apresentava trabalhos sobre assuntos dos quais não tinha tanto domínio.

Na terceira sessão, Clarice verbalizou que vinha colocando em prática ao longo da semana uma estratégia que havia sido compartilhada por outra participante na sessão anterior. A estratégia pode ser classificada como focada na emoção (Folkman et al., 1986Folkman, S.; Lazarus, R. S.; Gruen, R. J.; Delongis, A. (1986). Appraisal, coping, health status and psychological symptoms. Journal of Personality and Social Psychology, 50(3), 571-579. https://doi.org/10.1037/0022-3514.50.3.571
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, p. 572), pois consistia em “tirar a importância” de uma demanda estressora, ou seja, atribuir menos significado a determinada situação que estivesse sendo fonte de estresse e, de certa forma, reavaliá-la de maneira positiva.

No quarto encontro, cujo tema foi recusar pedidos, para introduzir a discussão, as participantes foram questionadas sobre seus comportamentos assertivos, passivos ou agressivos e quais utilizavam com maior frequência. Clarice disse que se considerava bastante passiva e que relutava em dizer “não” por falta de motivação para se explicar e por medo das reações a sua negativa. No entanto, já no encontro seguinte, foi possível verificar um avanço nesse quesito: ela compartilhou que havia conseguido dizer não para a realização de uma prática acadêmica no dia de seu aniversário. Explicou que conseguiu expor ao grupo seu desejo de mudar a data e que obteve sucesso nessa interação.

Na sexta sessão, Clarice falou novamente sobre se considerar passiva, mas relacionando isso a sua dificuldade para expressar desagrado e solicitar mudança de comportamento, que era o tema daquela sessão, porém, ainda naquele encontro, Clarice se voluntariou para participar do ensaio comportamental realizado. Para aquele ensaio, foi utilizada uma situação que a própria participante havia vivenciado e não havia conseguido lidar da forma que gostaria. Foi assim possibilitado que ela praticasse o que havia sido trabalhado no encontro, em situação análoga à vivenciada por ela. Tal atitude indicou avanços em relação ao seu desempenho inicial e motivação para aperfeiçoar suas habilidades sociais.

Na última sessão, foram realizadas as avaliações pós-teste e o encerramento. No entanto, antes disso, no momento de retomada da TIC proposta na sessão anterior, Clarice afirmou que planejava utilizar uma técnica que havia sido apresentada para criticar e solicitar mudança de comportamento de maneira assertiva. A participante compartilhou que havia uma situação com uma professora que demandava esse tipo de comportamento e que acreditava que conseguiria expor seu desagrado calmamente para a professora. Adicionalmente, Clarice citou que seria melhor tentar mudar a situação e, talvez, errar ao se omitir. Ao final do sétimo e último encontro, em seu feedback, a participante disse que vinha refletindo sobre tudo que havia aprendido e que saberia, daquele momento em diante, lidar melhor com diversas situações.

Nessa direção, observa-se que os relatos de Clarice ilustram o processo de estresse e coping do modelo transacional (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.): na quinta sessão do THS, cujo tema foi fazer pedidos, o que envolvia pedir e aceitar favores, Clarice contou que era muito difícil para ela buscar e aceitar ajuda e compartilhou um evento estressante que, recentemente, havia vivenciado: não tendo como ir sozinha a uma atividade extraclasse da qual participava, um colega ofereceu caronas regulares a ela (situação estressante), porém ela não conseguiu aceitar e, com isso, ficou impossibilitada de continuar praticando a referida atividade extraclasse, da qual ela gostava de participar. A recusa da oferta, por parte de Clarice, pode ter sido devido ao receio de “ser um peso” para quem iria ajudá-la (avaliação primária), o que resultou na esquiva da situação (coping para situação estressante). Como efeito dessa forma de lidar, deixou de participar da atividade por não ter como se locomover até o local por conta própria (gerando sentimentos negativos e perda do senso de controle, percebendo estresse).

Na entrevista de follow-up, realizada cerca de seis semanas após a finalização do THS, Clarice havia reavaliado a situação e relatou que, após o quinto encontro, sobre fazer pedidos, percebeu que não podia “continuar perdendo coisas por medo de pedir coisas”. Conseguiu, portanto, a partir de então, em situações similares, solicitar e aceitar ajuda (coping com habilidades sociais). Ainda aplicando a teoria transacional, as habilidades sociais mudam a qualidade da interação entre a pessoa e o seu ambiente, de uma relação problemática para uma relação que gera uma avaliação cognitiva mais satisfatória e compatível com o senso de bem-estar (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984).Stress, appraisal, and coping. New York, NY: Springer.). Ao longo do THS, Clarice passou a fazer uma avaliação secundária mais positiva quanto a sua capacidade de enfrentar situações interpessoais potencialmente estressantes.

Assim, enquanto Clarice sentia que a demanda apresentada pelo evento interpessoal excedia seus recursos de enfrentamento focados no problema, a situação era percebida como estressora e a resposta de coping, focada na emoção, era a esquiva ou a fuga da situação para gerenciar o estresse, mas mantendo-o. Durante o THS, aprendeu a usar e a aprimorar suas habilidades sociais (fazer pedidos e ser assertiva, a exemplo), empregando-as no cotidiano enquanto estratégias de coping focadas no problema. A partir dessa mudança, houve a reavaliação cognitiva da situação inicialmente percebida como estressora, resultando na redução do seu estresse percebido. A eficácia das habilidades sociais enquanto coping parece ter aumentado a motivação de Clarice para interagir ativamente com o ambiente, resolvendo problemas interpessoais de maneira a maximizar a conquista daquilo que valorizava, sustentando o uso em elevada frequência dessas habilidades.

Na avaliação qualitativa do follow-up, foi possível constatar o aprimoramento de habilidades sociais, como: recusar e fazer pedidos, lidar com críticas, expor desagrado e solicitar mudança de comportamento do outro e exposição a público. Os dados qualitativos reforçam os resultados quantitativos, discriminados no Quadro 2.

Quadro 2
Níveis Médios de Estresse e do Escore Geral de Habilidades Sociais da Participante.

Diante disso, os resultados do presente estudo de caso corroboram o entendimento de que o THS tem potencial para contribuir com a saúde mental e bem-estar de estudantes (Graner & Cerqueira, 2019Graner, K. M.; Cerqueira, A. T. A. R. (2019). Revisão integrativa: Sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Ciência & Saúde Coletiva, 24(4), 1327-1346. https://doi.org/10.1590/1413-81232018244.09692017
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; Eshkaftki et al., 2020Eshkaftki, F. M.; Ghazanfari, A.; Solati, S. K. (2020). Effectivenes of social and comunication skills training using cognitive-behavioral approach on psychological well-being and happiness of female students with martyred and veteran parents in Shahrekord, Iran, governmental universities. Iran J War Public Health, 12(2), 85-91. https://doi.org/10.29252/ijwph.12.2.85.
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), podendo ser eficaz na promoção de habilidades sociais no contexto universitário (Lopes, Dascanio, Ferreira, Del Prette, & Del Prette, 2017Lopes, D. C.; Dascanio, D.; Ferreira, B. C.; Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2017). Treinamento de habilidades sociais: Avaliação de um programa de desenvolvimento interpessoal profissional para universitários de ciências exatas. Interação em Psicologia, 21(1), 55-65. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v21i1.36210
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) e empregado na redução do estresse (Bezerra et al., 2022Bezerra, G. S.; Feitosa, F. B.; Wagner, M. F.; Rodríguez, T. D. M.; Rodrigues, A. da S. (2022). Treinamento de Habilidades Sociais na promoção do coping eficaz: um estudo piloto. Psicologia: Teoria e Prática, 24(2), 1-19. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPCP14090.en.
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; Nazar et al., 2020Nazar, T. C. G.; Pering, A. C.; Girotto, D. A.; Kucmanski T. (2020). Treinamento de habilidades sociais em universitários: um estudo acerca das variáveis estresse e habilidades sociais. Educação, Psicologia e Interfaces, 3(3), 190-204. https://doi.org/10.37444/issn-2594-5343.v4i1.210
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). A aplicação do THS nesse contexto se justifica devido aos consideráveis níveis de estresse vivenciados pelos estudantes (Preto et al., 2020Preto, V. A.; Souza, A. L. T.; Sousa, B. O. P.; Fernandes, J. M.; Pereira, S. S.; Cardoso, L. (2020). Preditores de estresse recente em universitários de enfermagem. Research, Society and Development, 9(3). http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i3.2371
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). A correta replicação de pesquisas e a realização de outros estudos semelhantes de intervenção com o THS requer o uso de protocolos (Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P.; Del Prette, A. (2017). Práticas baseadas em evidências e treinamento de habilidades sociais. In Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Habilidades sociais: Intervenções efetivas em grupo(pp. 57-82). São Paulo, SP: Pearson.) cujo detalhamento, por meio da descrição do processo terapêutico, contribui no sentido de exemplificar como a estrutura técnica de cada sessão se relaciona aos resultados positivos esperados a partir de uma teoria psicológica específica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da avaliação inicial realizada com Clarice, foi verificado que suas principais dificuldades nas relações interpessoais incluíam tendência à passividade em situações que demandassem recusar uma oferta ou pedido; discordar, expressar desagrado e solicitar mudança de comportamento do outro; fazer pedidos e aceitar ajuda; e lidar com críticas, o que incluía situações de exposição que pudessem resultar no recebimento de críticas de terceiros. Durante a intervenção, pode-se observar que, a cada semana, Clarice se tornava mais participativa, chegando a se voluntariar para uma atividade de ensaio comportamental. Tal atitude foi considerada um avanço devido à timidez demonstrada por ela no primeiro encontro.

As avaliações posteriores ao THS sugeriram aperfeiçoamento das habilidades sociais de recusar e fazer pedidos, expor desagrado e solicitar mudança de comportamento do outro e exposição a público. Além disso, os resultados quantitativos anteriores e posteriores ao THS, referentes ao estresse e ao repertório de habilidades sociais de Clarice, também sugeriram que o THS foi eficaz para a redução dos níveis de estresse e para a ampliação do repertório de habilidades sociais da participante.

Conclui-se, portanto, haver indicativos de que o processo terapêutico do THS possa ter possibilitado a melhora da experiência na universidade para a participante cujo caso foi analisado no presente estudo. Os resultados foram compatíveis com as previsões da teoria transacional de estresse e coping de Lazarus e Folkman, indicando confiabilidade para a aplicação do Treinamento de Habilidades Sociais no contexto universitário com o objetivo de aumentar as habilidades sociais e reduzir o estresse. Espera-se que, com as informações relativas à estrutura da intervenção realizada, as quais foram compartilhadas neste artigo, haja a replicação deste tipo de intervenção por outros autores, sobretudo por psicólogos atuantes na área da saúde mental.

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  • 1
    Pesquisa realizada com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2020
  • Aceito
    11 Dez 2021
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