Acessibilidade / Reportar erro

Problemas de linguagem e alimentares em crianças: co-ocorrências ou coincidências?

Resumos

TEMA: relações entre problemas de linguagem oral e transtornos alimentares em crianças. OBJETIVO: analisar a possível co-ocorrência desses distúrbios postos numa relação de implicação estrutural, pressupostas as influências recíprocas entre linguagem, corpo e psiquismo. MÉTODO: clínico quanti-qualitativo, a partir da observação livre de amostragem não intencional de 35 crianças (entre 1:4 e 7:0 anos de idade) com queixas de problemas de linguagem oral e atendidas numa clínica-escola durante o período de um ano. Dessa população foi destacado um estudo de caso (J., 4:0 anos), com importância de cenário emblemático em relação ao paradigma teórico utilizado na discussão dos resultados. O procedimento de avaliação de cada sujeito consistiu em entrevistas familiares, análise da linguagem oral no contexto dialógico e em situações lúdicas e avaliação da motricidade oral. RESULTADOS: problemas de linguagem e distúrbios alimentares co-ocorreram em 100% dos casos, que foram sub-categorizados por faixas etáreas em função de similaridades sintomatológicas. Na categoria A (1:4 a 3:0 anos) encontram-se 10 sujeitos (28,57%) e aparecem: atraso no desenvolvimento da linguagem oral, restrições interacionais, disfagia ou hipofagia. Na B (3:1 a 5:0 anos) 20 sujeitos (57,14%), temos: da ausência de linguagem oral à precariedade discursiva, distúrbios articulatórios, problemas de mastigação e deglutição, idiossincrasias alimentares e obesidade. Na C (5:1 a 7:0 anos) 5 sujeitos (14,28%), surgem: alterações discursivas severas, distúrbios articulatórios, problemas de mastigação e deglutição e recusa a determinados alimentos. RESULTADOS: a co-ocorrência de problemas de linguagem oral e transtornos alimentares não é mera coincidência, mas ambos os distúrbios configuraram-se como transtornos da oralidade. Sugere-se, portanto, que os fonoaudiólogos investiguem dificuldades alimentares nos processos diagnósticos de pacientes cuja queixa e/ou os sintomas manifestos incidam na linguagem oral.

Transtornos Alimentares; Linguagem; Psicanálise


BACKGROND: relationship between language problems and eating disorders in children. AIM: to analyze the possible co-occurrence of these disorders taking into consideration a relationship that has structural implications, the reciprocal influences between language, body and physique. METHOD: clinical quantitative-qualitative, based on free observations of non intentional samples of 35 children (between 1:4 and 7:0 years of age), presenting oral language problems and who were seen at a school clinic during the period of one year. One case study (J., 4:0 years old) was highlighted from the group of participants, with the importance of an emblematic scenario regarding the theoretical paradigm used in the discussion of the results. The evaluation procedure of each participant consisted of two interviews with the families, a language analysis in the dialogical context and in a play situation, and an evaluation of the oral performance. RESULTS: language problems and eating disorders co-occurred in 100% of the cases. These were sub-divided according to age due to similarities of the symptoms. Group A (1:4 to 3:0 years of age) was composed by 10 participants (28.7%) presenting: delay in oral language development, restrictions in interaction, dysphagia or hypophagia. Group B (3:1 to 5:0 years of age) composed by 20 participants presenting: from the absence of oral language to a discursive weakness; articulatory disturbance; mastication and swallowing problems; eating idiosyncrasies and obesity. Group C (5:1 to 7:0 years of age) composed by 5 participants (14,28%) presenting: severe discursive alterations; articulatory disturbances; mastication and swallowing problems and the refusal of certain foods. CONCLUSION: the co-occurrence of oral language problems and eating disorders is not just a coincidence. Both disorders configure themselves as oral disturbances. It is suggested that speech-language pathologists investigate eating difficulties during the diagnostic process of clients with complaints and/or symptoms that have manifestations on oral language.

Eating Disorders; Language; Psycho-Analysis


ARTIGOS DE PESQUISA

Problemas de linguagem e alimentares em crianças: co-ocorrências ou coincidências?

Ruth Ramalho Ruivo PalladinoI; Maria Claudia CunhaII; Luiz Augusto de Paula SouzaIII

IFonoaudióloga. Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

IIFonoaudióloga. Professora Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

IIIFonoaudiólogo. Professor Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Pedroso Alvarenga, 1062 - Cj. 28 São Paulo - SP - CEP 04536-012 ( palladinoruth@hotmail.com).

RESUMO

TEMA: relações entre problemas de linguagem oral e transtornos alimentares em crianças.

OBJETIVO: analisar a possível co-ocorrência desses distúrbios postos numa relação de implicação estrutural, pressupostas as influências recíprocas entre linguagem, corpo e psiquismo.

MÉTODO: clínico quanti-qualitativo, a partir da observação livre de amostragem não intencional de 35 crianças (entre 1:4 e 7:0 anos de idade) com queixas de problemas de linguagem oral e atendidas numa clínica-escola durante o período de um ano. Dessa população foi destacado um estudo de caso (J., 4:0 anos), com importância de cenário emblemático em relação ao paradigma teórico utilizado na discussão dos resultados. O procedimento de avaliação de cada sujeito consistiu em entrevistas familiares, análise da linguagem oral no contexto dialógico e em situações lúdicas e avaliação da motricidade oral.

RESULTADOS: problemas de linguagem e distúrbios alimentares co-ocorreram em 100% dos casos, que foram sub-categorizados por faixas etáreas em função de similaridades sintomatológicas. Na categoria A (1:4 a 3:0 anos) encontram-se 10 sujeitos (28,57%) e aparecem: atraso no desenvolvimento da linguagem oral, restrições interacionais, disfagia ou hipofagia. Na B (3:1 a 5:0 anos) 20 sujeitos (57,14%), temos: da ausência de linguagem oral à precariedade discursiva, distúrbios articulatórios, problemas de mastigação e deglutição, idiossincrasias alimentares e obesidade. Na C (5:1 a 7:0 anos) 5 sujeitos (14,28%), surgem: alterações discursivas severas, distúrbios articulatórios, problemas de mastigação e deglutição e recusa a determinados alimentos.

RESULTADOS: a co-ocorrência de problemas de linguagem oral e transtornos alimentares não é mera coincidência, mas ambos os distúrbios configuraram-se como transtornos da oralidade. Sugere-se, portanto, que os fonoaudiólogos investiguem dificuldades alimentares nos processos diagnósticos de pacientes cuja queixa e/ou os sintomas manifestos incidam na linguagem oral.

Palavras-Chave: Transtornos Alimentares; Linguagem; Psicanálise.

Introdução

A literatura fonoaudiológica brasileira tende a tratar os problemas de linguagem oral1 1 Aqui tomados, de forma ampla, como distúrbios que afetam as enunciações em termos discursivos, o que inclui a produção segmentar e supra-segmentar da fala. Assim, adotando-se uma concepção não formalista, a distinção entre linguagem e fala não será feita, uma vez que a categoria proposta é a dos distúrbios que afetam a linguagem verbal oral. e alimentares2 2 A saber: aqueles que envolvem transtornos alimentares e/ou nutricionais associados a disfunções do sistema estomatognático. em ambientes diferentes, ou seja, como classes nosológicas distintas, com filiações etiológicas específicas, mesmo quando ambas co-ocorrem num caso clínico (Palladino et al., 2004).

De acordo com os mesmos autores, e seguindo essa tradição, os diagnósticos e procedimentos terapêuticos em ambos os quadros clínicos fundamentam-se num mesmo sistema de causalidade linear em que, entre dois elementos, o primeiro é reconhecido como fator causal do segundo. Como esse fator não irá coincidir nas classes patológicas aqui destacadas, isso parece explicar a razão de tais distúrbios serem tratados em ambientes diversos, em termos do método clínico-terapêutico adotado.

Esta cisão é representada tanto na clínica infantil quanto na do adulto. No primeiro caso, podemos destacar o trabalho fonoaudiológico com bebês, geralmente voltado à assistência à alimentação com foco na motricidade oral (Souza e Maia, 2005).

No caso dos adultos, os trabalhos com pacientes acometidos por quadros demenciais são exemplares. O tratamento de pacientes com Alzheimer é representativo, pois se bifurca principalmente em ações referidas à linguagem e ações referidas à deglutição, "em função do aparecimento da disfagia e do declínio na capacidade comunicativa" (Marquez et al., 2002 p. 278).

Contudo, é importante ressaltar que uma relação de causalidade assim equacionada, isto é, de causa - efeito direta e fixa entre dois termos não permite, de imediato, que se reflita sobre estes acontecimentos desde uma mesma suposição. Portanto, impede também que se proceda clinicamente de modo similar na lida com tais problemas. Em outras palavras, se as causas dos problemas de linguagem oral e dos alimentares estão dissociadas, tornam-se obrigatórias condutas diferenciadas frente aos sintomas manifestos em um e outro caso (Palladino et al., 2004).

De fato, já nas entrevistas preliminares há uma importante distinção nos gestos clínicos fonoaudiológicos; ou seja, não somente há diferenças no que se pergunta, mas também no que se escuta nas respostas de pacientes e/ou responsáveis. O exame do paciente igualmente difere: o que se busca avaliar num caso não é o mesmo (freqüentemente, nem similar) àquilo que se busca no outro. Os tratamentos, naturalmente, seguem igual direção, distinguindo-se nos objetivos e na modulação técnica. Em outros termos, os protocolos de avaliação e terapia são constituídos por aspectos particulares, em geral mutuamente exclusivos. Assim, as intervenções fonoaudiológicas nos problemas de linguagem oral e nos alimentares, impõem como já foi dito ambiências clínicas distintas (Palladino et al., 2004).

No entanto, na atividade clínica, observa-se a co-ocorrência sintomática insistente, que parece conturbar tal abordagem dicotômica e, conseqüentemente, promover a necessidade de um outro tipo de reflexão (Quinet, 2005). Tal experiência coincide com as relatadas por fonoaudiólogos franceses em publicações recentes (Quiniou, 1996; Jouanic-Honnet, 2004; Puech e Vergeau, 2004 e Robert, 2004).

Esses achados clínicos sugerem que falar e comer são acontecimentos implicados entre si, como pontos de humanização que emergem numa sofisticada trama psíquica, constituindo-se em espaços nodais que ilustram o funcionamento simbólico. Isto é, a linguagem e a alimentação comparecem como articuladas e constitutivas dos sujeitos e, como tal, solicitam uma equação causal outra para o esclarecimento dos transtornos que as afetam. Essa é uma reflexão que pressupõe que os fenômenos abordados no campo fonoaudiológico, tais como estes, sejam tomados como fatos do sujeito e, por isso mesmo (e não em oposição à objetividade), dotados de subjetividade (Palladino et al., 2004).

Ressalta-se que, para que estes dois acontecimentos sejam tomados em conjunto como objeto de estudo, eles devem ter, mais do que uma ocorrência significativa na clínica fonoaudiológica, uma co-ocorrência. Isto é, uma ocorrência implicada (Palladino et al., 2004).

É exatamente dessa questão, e nesta perspectiva, que este trabalho vai tratar. Para subsidiar a discussão, parece importante escolher e esclarecer um sentido para as ordens humanas trazidas ao debate: a linguagem e o corpo. Ao lado disso, está a necessidade de desvendar o tipo de relação que estará reconhecida entre essas ordens. E, finalmente, demonstrar a implicação entre o falar e o comer, aqui tomados como vigas constitutivas do psiquismo.

O objetivo deste trabalho é analisar a co-ocorrência dos problemas de linguagem e alimentar postos numa relação de implicação estrutural, determinada pelas influências recíprocas entre linguagem, corpo e psiquismo.

Método

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP (protocolo nº 0048/2006). Todos os responsáveis pelos sujeitos da pesquisa assinaram termo de Consentimento Informado, sendo que as informações dos participantes e os dados da pesquisa encontram-se arquivados no banco de dados da instituição onde foi realizada.

Trata-se de investigação de natureza clínica quanti-qualitativa, portanto, com campo delimitado por fenômenos humanos e seus significados no campo da saúde, baseando-se na observação livre de uma amostragem não intencional.

Sujeitos

O material clínico é constituído pelos dados relativos a crianças atendidas na Divisão de Ensino e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic) nas disciplinas "Clínica Infantil" e "Avaliação de Linguagem", da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP, durante o ano de 2004.

A população compõe-se de 35 crianças com queixas de problemas de linguagem oral, que foram divididas em três grupos etários distintos. Tal categorização se orientou pela seguinte divisão etária, proposta por Coriat (1997): de zero a três anos; de três a cinco anos e de cinco a nove anos.

A divisão sugerida é inspirada nas considerações da autora sobre a estimulação precoce. A autora argumenta que esses três momentos da infância são equivalentes, respectivamente: ao início das aquisições, seu desenvolvimento e sua estabilização. Tal categorização baseia-se na idéia de dependência / independência em relação ao adulto, particularmente em relação ao desenvolvimento da linguagem oral.

As crianças participantes do estudo foram divididas em três grupos: dez crianças (28,57% do total) entre um ano e quatro meses e três anos (Grupo A); vinte crianças (57,14% do total) entre três anos e um dia e cinco anos (Grupo B); cinco crianças (14,28% do total) entre cinco anos e um dia e sete anos (Grupo C).

Vale apontar que no terceiro grupo (Grupo C), as crianças mais velhas tinham sete anos.

Desse universo, foi também destacado um estudo de caso clínico, com importância de cenário emblemático em relação ao paradigma adotado na discussão, uma vez que o paciente em questão exibe problemas de linguagem oral e alimentar marcadamente sintomático. O nome da criança foi substituído por outro fictício para efeitos de preservação do sigilo.

Procedimento

O material clínico foi registrado regularmente por escrito, após as sessões de atendimento. Foram selecionados e sistematizados, na forma de relatório clínico para cada caso, os dados relativos a: entrevistas familiares; diagnóstico dos problemas de linguagem oral manifestos; diagnóstico dos problemas alimentares manifestos; co-ocorrência de problemas de linguagem e alimentares.

As entrevistas foram realizadas na modalidade aberta e os resultados relativos aos pacientes foram obtidos em avaliações de linguagem realizadas por meio de situações dialógicas (em contexto lúdico) e em avaliações da motricidade oral e da deglutição.

Critérios de interpretação dos resultados

A discussão dos resultados foi subsidiada teoricamente por concepções advindas da Psicanálise e da Fonoaudiologia. A primeira, no que se refere à dinâmica inconsciente e à abordagem biopsíquica da oralidade, isto é, sua dimensão pulsional. Ao lado dessas, estão os textos relativos ao método clínico-terapêutico fonoaudiológico, no que diz respeito às suas bases teóricas interdisciplinares e especificidades técnicas.

O tratamento estatístico dos dados se deu por meio de análise implicativa. A Análise Estatística Implicativa (ASI) tem por objetivo a extração de conhecimentos, de invariantes, de regras indutivas não simétricas consistentes, e a atribuição de uma medida probabilística em proposições do tipo: "Quando A está escolhido, tem-se tendência em escolher B". Tal análise quantifica a qualidade dessas regras, podendo ser usada no tratamento de dados oriundos de observação clínica ou de outros dados multidimensionais.

Foi utilizado o software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coercitiva), desenvolvido por Saddo Ag Almouloud na sua primeira versão e atualizado por Raphaël Couturier, o qual possibilitou: tratar diferentes tipos de variáveis; quantificar a significação dos valores atribuídos à qualidade, consistência da regra associada, de classes ordenadas de regras, a tipicalidade e contribuição de sujeitos ou categorias de sujeitos à constituição de certas regras; representar, por um gráfico, tendo fixado um intervalo de confiança, caminho de regras e uma hierarquia de regras sobre regras.

Por meio desse instrumento de análise estatística, procuramos sintetizar e estruturar certos achados clínicos relativos à co-ocorrência de problemas de linguagem oral e alimentares, em face das faixas etárias definidas (Grupos A, B e C) e por meio da co-presença de um problema de linguagem (AO: ausência de oralidade; ALO: alteração de linguagem oral) e por um ou mais problemas de alimentação (D: disfagia; O: obesidade ou sobrepeso; A: anorexia; NO: não obesidade ou sobrepeso; IA: idiossincrasias alimentares etc).

O programa estatístico utilizado (CHIC) mapeia as regras de ocorrência através de lógica binária (0/1), ou seja, cada categoria é definida pela ocorrência e pela não ocorrência, por exemplo: X e não X. Veja-se exemplos com o uso de categorias presentes na pesquisa: Suponha-se um grupo de dez crianças de mesma faixa etária com queixa de AO, no qual cinco crianças possuem também O.

Ter-se-iam as seguintes composições: AO + O em 50% dos casos; e AO + NO nos outros 50% dos casos. Essas composições formam as seguintes classes: (AO, O) e (AO, NO). Se no mesmo grupo de crianças houvesse uma que, além de AO e O possuísse também IA, teríamos: (AO, O, IA) em 10% dos casos; (AO, O) em 40% dos casos; e (AO, NO, NIA) em 50% dos casos.

A variável usada no estudo foi faixa etária, por isso, no caso dos exemplos aleatórios acima, a variável típica foi sempre a mesma, uma vez que as dez crianças eram de mesma faixa etária. Caso fossem de duas ou três faixas etárias, o programa estatístico calcularia a tipicalidade de cada classe formada, tal como aparecerá no estudo propriamente dito, após a apresentação das implicações e similaridades (em função da significância estatística de suas ocorrências), que dão origem a classes de co-ocorrências.

Desta forma, o estudo estatístico das observações clínicas (dados multidimensionais) sustentou a interpretação dos resultados e a subseqüente discussão clínica dos mesmos.

Assim, a seção de resultados será subdividida em: implicações e tipicalidades estatísticas nos Grupos A, B, C e estudo de caso clínico único, como cenário emblemático da pesquisa.

Resultados

Foram encontrados vários tipos de distúrbios nos 35 casos analisados, que podem ser assim sintetizados:

. problemas de linguagem oral: ausência de oralidade e alterações na linguagem oral (dificuldades de elaboração discursiva e distúrbios fonológicos);

. problemas alimentares: disfagia (com alterações em uma ou mais fases da deglutição, com e sem refluxo gastroesofágico); deglutição atípica (nos casos em que tal disfunção pode ser associada a perturbações nas rotinas alimentares)3 3 Resultados significativos foram encontrados na casuística, os quais demonstraram significância maior que 0,5 ou 50% da classe DGO (deglutição atípica) e O (obesidade ou sobrepeso) no grupo B, indiciando possível relação entre tais acontecimentos em crianças com queixas de alteração de linguagem oral deste grupo. ; obesidade ou sobrepeso; anorexia e desnutrição; e idiossincrasias nos rituais de alimentação.

Observou-se também a ocorrência de outros problemas: transtornos no desenvolvimento neuro-psico-motor, paralisia cerebral, deficiência auditiva e visual, deficiência mental e fissura palatina. Tais quadros, potencialmente, podem estar associados aos problemas de linguagem oral e aos alimentares. Contudo, não foram incluídas como variável dada a não pertinência ao objetivo do estudo, em função da pequena incidência em relação ao universo da pesquisa.

A análise estatística dos dados relativos aos problemas de linguagem oral e aos alimentares mostra a tendência às seguintes implicações e tipicalidades em relação às classes etárias A, B e C (Quadro).


Tipicalidades

Tipicalidade às classes AO, NIA, AD: a variável A é típica a esta classe com um risco de 0,108; a variável B é típica a esta classe com um risco de 1; a variável C é típica a esta classe com um risco de 1; a variável típica a esta classe é A com um risco de 0,108.

Tipicalidade às classes ALO, NAD, ND, DGA, O: a variável A é típica a esta classe com um risco de 1; a variável B é típica a esta classe com um risco de 0,188; a variável C é típica a esta classe com um risco de 1; a variável típica a esta classe é B com um risco de 0,188;

Tipicalidade às classes DGA, O: a variável A é típica a esta classe com um risco de 0,847; a variável B é típica a esta classe com um risco de 0,25; a variável C é típica a esta classe com um risco de 1; a variável típica a esta classe é B com um risco de 0,25.

Tipicalidade às classes ND, DGA, O: a variável A é típica a esta classe com um risco de 0,847; a variável B é típica a esta classe com um risco de 0,25; a variável C é típica a esta classe com um risco de 1; a variável típica a esta classe é B com um risco de 0,25.

Tipicalidade às classes D, IA: a variável A é típica a esta classe com um risco de 0,772; a variável B é típica a esta classe com um risco de 0,412; a variável C é típica a esta classe com um risco de 0,774; a variável típica a esta classe é B com um risco de 0,412.

Tipicalidade às classes D, IA, NDGA, NO: a variável A é típica a esta classe com um risco de 0,893; a variável B é típica a esta classe com um risco de 0,931; a variável C é típica a esta classe com um risco de 0,00672; a variável típica a esta classe é C com um risco de 0,00672.

Lembre-se que a co-ocorrência dos problemas de linguagem e transtornos alimentares evidenciou-se em 100% da população estudada. A análise estatística aponta para similaridades e implicações (significância maior do que 0,5 ou 50%) em função da variável faixa etária, dando a ver as incidências e co-ocorrências de problemas de linguagem oral e alimentar em cada grupo etário, os quais podem ser esquematicamente sintetizados como segue:

. tendência de co-ocorrência de problemas de linguagem oral e alimentares nas crianças do grupo A, com privilégio de ausência de oralidade (AO) e anorexia e/ou desnutrição (AD), sendo que tais crianças, provavelmente em função da pouca idade, apresentam poucas queixas de idiossincrasias alimentares;

. tendência de maior freqüência relativa de obesidade (O) relacionada à deglutição atípica (DGA); e de disfagia (D) relacionada à idiossincrasia alimentares (IA) em crianças do Grupo B, que, por sua vez, apresentam maior ocorrência de alterações de linguagem oral (ALO) do que ausência de oralidade (AO);

. tendência de relação relativamente freqüente, também, entre disfagia (D) e idiossincrasias alimentares (IA) associadas à alterações de linguagem oral (ALO) nas crianças do Grupo C;

. tendência de que nos Grupos B e C seja menos significativa a ocorrência de anorexia e/ou desnutrição, bem como de ausência de oralidade.

Tais correlações indicam implicações e tipicalidades relevantes em face do universo estudado, permitindo supor que a variação observada e a freqüência dos problemas de linguagem oral e alimentar nos três grupos etários não são coincidências, mas advém de uma rede causal, que pode estar relacionada com as diferenças em termos de desenvolvimento e de condições bio-psíquicas e sociais da população pesquisada, na direção do que o caso clínico apresentado a seguir permite constatar.

Estudo de caso clínico: Jefferson

A título de ilustração do procedimento utilizado na análise das particularidades dos funcionamentos - indissociáveis - da linguagem (orgânico, psíquico e da linguagem oral) de cada paciente investigado, destacamos Jéferson, em função da quantidade de evidências clínicas que articulam problemas de linguagem e alimentares, o que o torna exemplar, como mencionado anteriormente.

Trata-se de um menino de quatro anos, bonito, alegre, obeso e ofegante, que se locomove devagar, faz apenas corridas curtas e, sempre que pode, as evita. Durante os atendimentos, ele prefere ficar sentado ou mesmo deitado no chão, brincando sozinho. Fala muito, com inúmeras alterações fonológicas que, muitas vezes, fazem ficar incompreensível o que diz. Tem ceceio frontal acentuado, voz agudizada e de volume abaixado (insinuando um certo esforço vocal durante a fonação). Não apresenta problemas auditivos.

Brinca timidamente e de forma simbolicamente primitiva e desorganizada; resiste em aceitar as propostas lúdicas da terapeuta.

Na entrevista inicial com a mãe, a história pessoal narrada não evidenciava problemas orgânicos importantes. A queixa era de uma fala "atrapalhada, que os parentes perceberam". A mãe, inibida, falou pouco e manteve-se distante, inclusive espacialmente.

Na seqüência, inicialmente não demonstrou qualquer entusiasmo ou envolvimento ao participar do grupo de mães; espaço em que cada uma fala sobre o que quer: os filhos, si mesmas, a dinâmica familiar etc.

Mas, foi exatamente neste contexto, em que se espera que as defesas se fragilizem pela emergência de conteúdos transferenciais que circulam entre aquelas mulheres, que surgiram em seu discurso: a gravidez não programada, a recusa do filho ao aleitamento materno a partir do décimo quinto dia de vida, as estafantes tarefas domésticas, a falta de lazer, o distanciamento do marido, a impaciência para brincar com a criança. E a ausência de rotina associada às dificuldades quanto à alimentação do menino, além da bronquite que nele teimava, apesar dos constantes tratamentos médicos.

E nos encontros subseqüentes acrescia: Jeferson não aceitava correções na sua fala, recusava os alimentos que não gostava (e somente gostava dos doces, frios e moles); dormia "quando queria"; além de ser "bagunceiro", brigar com as outras crianças, dormir com ela porque "é pequeno". E, certa vez, disse enfaticamente: "é comendo porcarias, diante da TV, que ele fica quieto e passa a maior parte do tempo".

No decorrer do processo terapêutico, alguns aspectos foram ganhando possíveis sentidos. A respiração do menino era tipicamente disfuncional, o que sugeriu a relação entre a "falta de fôlego" (queixa materna) e a lenta locomoção de Jéferson (observada em terapia).

Quanto à alimentação, quando questionada, ela apenas afirmava que o filho "gosta de comer bastante", minimizando o quadro manifesto de obesidade da criança.

A avaliação da linguagem de Jeferson revelou alterações fonológicas diversas, com assistematicidade marcante, sugerindo que sua linguagem oral não suporta as contenções estabelecidas pelo código lingüístico verbal-oral.

Apresentou ecolalias, que pareceram ser a sua principal possibilidade de enunciação.

Tais repetições se dispersavam, na medida em que ele falava bastante, num discurso repleto de onomatopéias, interjeições e pequenas palavras, que acompanhavam os constantes trejeitos motores. Jefferson era é assim: alegre, agitado e sonoro. Mas, ao falar, "dissolvia-se no outro", de maneira a emitir seus enunciados. As narrativas pessoais inexistiam.

Com o tempo, também foi possível observar que ele tinha significativas dificuldades quanto à motricidade oral, especialmente nas funções de mastigação e deglutição. Comia rápida e vorazmente os alimentos que apreciava, até o limite em que cessava a oferta. Ao morder rasgava lateralmente o alimento sólido, mastigava pouco e o engolia, deixando restos alimentares na cavidade oral, e por vezes engasgando. A postura desta criança era inadequada, evidenciando certa hipotonia, que estava associada com a imprecisão na realização das funções estomatognáticas.

A literatura aponta que a postura corporal é condição essencial para a adequação dessas funções, e seu comprometimento, sabe-se, leva a "déficit no desempenho das funções de sucção, deglutição, respiração e na coordenação entre elas, bem como das habilidades motoras orais necessárias para a articulação da fala" (Fabiano et al., 2005. p. 77).

Estes prejuízos nas funções orais, aliás, podem ser esclarecidos, por certos estudiosos, como uma questão de tonicidade e incompetência muscular; distúrbios funcionais vinculados a desorganizações "de forças que naturalmente atuam na cavidade oral" (Degan e Puppin - Rontani, 2004: 396). Nessa perspectiva, vale lembrar que Jeferson usou chupeta por longo tempo, hábito de sucção que pode "desequilibrar o sistema estomatognático" (idem). Quanto a esse aspecto, destaca-se que o uso de chupeta (e também da mamadeira) é considerado um hábito oral nocivo, particularmente em relação à oclusão (Bertoldi et al., 2005). Jeferson tem alteração na oclusão.

Além disso, tinha dificuldade em manipular pratos e talheres, o que sugeriu que recebia alimentação pelas mãos de um adulto. Preferia os alimentos moles, sempre ingeridos com a colher.

O caso desta criança sugere a implicação entre linguagem oral e alimentação, na medida em que os hábitos alimentares, a obesidade e os problemas de linguagem oral tecem uma trama singular. Isso não invalida o reconhecimento dos sintomas orgânicos específicos (no caso, evidenciados na motricidade oral) associados às alterações fonológicas, que permitem que se estabeleçam relações entre os prejuízos funcionais na mastigação, deglutição, respiração e fonação. Porém, a proposta aqui é a de ampliar esse ponto de vista.

Sintetizando: Jéferson é uma criança que apresentava dificuldades para falar e para comer e ambas incidiam, metaforicamente, "na boca".

Na próxima seção, o conjunto dos dados clínicos apresentados será discutido a partir do referencial teórico psicanalítico e das implicações dessa abordagem para o campo fonoaudiológico.

Discussão

Vale ressaltar, inicialmente, que a co-ocorrência de problemas de linguagem oral e alimentar não se deu a ver imediatamente: os fonoaudiólogos e alunos/estagiários responsáveis pelos atendimentos foram, pouco a pouco, conduzidos a ela na rotina clínica, pela articulação entre conteúdos das entrevistas familiares e material clínico relativo ao processo de atendimento dos pacientes.

A escuta atenta, tanto aos conteúdos manifestos quanto aos latentes envolvidos nos sintomas, promoveu uma estratégia clínica diferenciada: o exercício de interpretações fonoaudiológicas. Em outras palavras, para que essa insistência sintomática ganhasse voz, o clínico precisou ganhar escuta. A constatação dos problemas alimentares não foi, na maioria das vezes, simultânea a dos problemas de linguagem oral e, inclusive, os primeiros não constavam das queixas familiares, que justificaram a entrada das crianças no serviço. Em cada caso, os problemas alimentares se deram a ver em tempos e por razões variáveis, até ganharem relevância científica e passarem a ser pesquisados.

Nessa perspectiva, acrescentamos que o fato de as crianças examinadas apresentarem problemas de linguagem oral e alimentar conduziu à seguinte proposição: tais alterações podem ser consideradas como transtornos na oralidade.

Os apontamentos freudianos são argumentos para elaboração de tal assertiva. Freud nos apresenta uma criança muito diferente daquela postulada pelo cartesianismo, já que a reconhece como constituída pulsionalmente. Ou seja, uma criança cujo corpo seria desde sempre um conjunto de zonas erógenas que se sustentam em pulsões. Em outras palavras, o funcionamento da criança seria essencialmente simbólico.

Assim, ao criar essa "nova criança", submetida ao desejo, a psicanálise cancela a idéia de exatidão e especificidade funcional que a fisiologia indicia, desde o nascimento do bebê.

A zona oral, portanto, é uma das zonas erógenas corporais, isto é, um espaço sustentado pulsionalmente, no qual muitas funções se embaralham no plano comum do funcionamento simbólico. A boca (órgão) é, neste sentido, território da alimentação, da linguagem e dos afetos (Thibault, 2006).

Assim é que Freud alerta: "Se o fato da zona labial for patrimônio comum de duas funções é a razão porque a ingestão de alimentos gera uma satisfação sexual, esse mesmo fator nos permite compreender que haja distúrbios na nutrição quando as funções erógenas da zona comum são perturbadas" (1905 / 1969. p. 193).

A sucção faz dos lábios uma zona erógena, deslocando os sentidos advindos da alimentação para outras funções, o que leva, por exemplo, a criança a sugar a própria pele antes de sair em busca do outro.

Na mesma linha, a gustação também faz da língua uma zona erógena, já que das identificações doce/salgado/ácido/amargo, com aceitação imediata do doce; surgem as preferências (o que a criança aprecia ou não). Tem-se, assim, o deslocamento de uma percepção predominantemente sensorial para outra, predominantemente estética (Rigal, 2004. p. 10), o que denota um movimento de caráter simbólico.

Se a boca é lugar, por excelência, da troca de um registro por outro é, também, lugar de reconhecimento do dentro / fora corpóreo, condição para a construção do eu/não eu e, valem lembrar, que por esse motivo ela se perfila a outras zonas igualmente marcadoras, como os olhos, os ouvidos, a pele (Bick, 1968).

Aqui se torna pertinente a observação de que, durante o tratamento, crianças com problemas de linguagem tendem a manifestar otites, amigdalites, diarréias, alergias respiratórias, etc. Jerusalinsky (1999. p. 24) observa que "Na infância temos os transtornos alimentares, excrementícios, mictórios, os vômitos..., associados a situações emocionais. Trata-se de demonstrativos de até que ponto as determinações simbólicas capturam o corpo da criança, colocando-o a serviço da expressão sintomática psíquica, ao mesmo tempo em que desconhece ou se contrapõe àfunção fisiológica do órgão".

Golse e Guinot (2004), num belo trabalho sobre a oralidade, insistem que a boca não pode ser reduzida à sua função alimentar, dada a sua profunda implicação na ontogênese do sujeito.

Abraham e Torok (1972. p. 118) afirmam que a linguagem é efeito de uma báscula entre uma boca cheia de sentido e uma boca cheia de palavras, o que denota exatamente este caminho pulsional. Acrescenta-se a essas proposições o fato de que esse movimento, havido na boca, passa pela alimentação, fonte inaugural dos sentidos.

Quando a tradição fonoaudiológica reconhece privilegiadamente a alimentação como o ato de comer e esse como sugar/mastigar/deglutir, distancia-se de uma idéia polissêmica de oralidade, restringindo-a as condições fisiológicas; porque reconhece que apenas o sistema nervoso central é responsável por iniciar e coordenar as várias estruturas envolvidas na deglutição Essa é a idéia que sustenta também a indicação de que "o trato aerodigestivo inicialmente é mais especializado para a deglutição que para a fonação. Disso decorre o postulado de que o órgão da fala se destaca de todo o aparato aerodigestivo por razões orgânicas.

Há diferentes esclarecimentos sobre a maturação, sendo o princípio de auto-organização, pertencente à Teoria dos Sistemas Dinâmicos (do funcionamento motor) muito interessante, na medida em que privilegia uma idéia de tempo em que "Todo sistema se amolda de acordo com as circunstâncias" (Ferreira-Rocha e Tudella, 2003. p. 11) em detrimento daquela que põe como principal o tempo genético ou o tempo neural. Porém, ainda que se compreenda maturação como resultante da relação entre tempo neurológico e tempo exploratório (das experiências sensório motoras, cognitivas, etc.), há uma discriminação entre comer e falar como atividades neuromotoras, restando uma hierarquia entre elas.

Contudo, a co-ocorrência entre problemas de linguagem oral e alimentares explícita no material clínico analisado, parece sinalizar algo diferente.

É interessante notar que quando a literatura fonoaudiológica especializada da área se refere aos transtornos que podem interferir no desenvolvimento normal da alimentação, a tendência é a de tomar como "fatores internos" aspectos etiológicos sem, no entanto, especificá-los (Hernandez, 2003). Estes pacientes formatam os casos de "doenças funcionais", com muitos sinais e poucos sintomas, como postulam Camargo e Teixeira (2002).

Ou seja, a explicação foca-se no funcionamento fisiológico, fato realçado também nas orientações, atreladas ao desenvolvimento neurológico, que sugerem, por exemplo, que o uso da colher deve ser introduzido apenas quando o reflexo de protusão da língua desaparecer, por volta do quinto mês de vida. Porém, a esse argumento poderíamos adicionar um outro, a saber: o do instrumento (colher) vir cancelar um estado "canibal", de intenso movimento fusional da criança com a mãe, a qual é por ela "abocanhada" durante a amamentação (Couly e Thibault, 2004; Delgado e Halpelin, 2005).

Neste sentido, Winograd (2002. p. 52) pontua que a conexão entre os processos fisiológicos e os processos psíquicos não é de causalidade mecânica. São processos paralelos, concomitantes e dependentes reciprocamente uns aos outros. Ou seja, devem ser analisados a partir de suas mútuas influências.

Feitas essas considerações, voltemos ao caso de Jeferson, uma criança que exibe uma fala muito alterada e tem um discurso frágil, "grudado" no do outro pelas repetições. E que, ao lado de uma fonologia frouxamente arquitetada, inconstante e incontida, de uma voz rouca e baixa nos faz questionar: o que quer dizer?

Tem essa fala insólita, mas é ativo; disperso e ansioso, como se estivesse sempre apressado. Quanto à alimentação, constata-se: como e quanto ele come!

A fala e o comer incontidos, "deformados", parecem apontar para uma criança ainda alienada no outro, como sua ecolalia parece declarar (Mariotto, 2003). Uma criança que dorme com a mãe, que é alimentado intermitentemente por ela. Nutri-lo "sem parar" não seria, talvez, uma maneira de contê-lo, fazê-lo "parar"? Essa aparente indistinção entre um e outro, é encenada na natureza indiferenciada do vínculo mãe-filho: ele não vai à escola, não brinca fora de casa com outras crianças; permanece "abotoado" a ela. E há ali uma boca que não é ainda nem lugar da palavra nem da nutrição efetivas; é lugar de um funcionamento regido por uma sintaxe estrangeira, que interdita a subjetividade dessa criança. Em síntese: a boca é o lugar dos conflitos.

Conclusão

Este trabalho pretendeu situar uma discussão sobre problemas de linguagem oral e alimentar, tomando-os como transtornos da oralidade. O material clínico exibiu que a co-ocorrência de ambas as alterações não é mera coincidência, bem como a análise estatística mostrou similaridades e implicações entre os problemas de linguagem oral e de alimentação dos sujeitos aqui estudados, sugerindo ainda outras possibilidades de desdobramento do tema em novas pesquisas.

Achados repetidos desta co-ocorrência nos serviram de alerta, delineando esse estudo, cujos resultados sugerem que os fonoaudiólogos invistam numa escuta sensível às narrativas familiares sobre as dificuldades e idiossincrasias alimentares da criança, naquilo que elas possam vir a revelar de conflitos e de sofrimentos psíquicos. Por exemplo: retomando o processo de amamentação com ênfase na presença / ausência de trocas afetivas entre a mãe e o bebê, reconhecendo o caráter psicogênico da recusa à alimentação, dos vômitos e refluxos gastroesofágicos, atentando para a diferença entre as condutas maternas de nutrir e alimentar a criança, a primeira dissociada da dimensão do prazer . Tais elementos, entre outros, devem ser considerados nas ponderações diagnósticas e terapêuticas fonoaudiológicas, além da funcionalidade fisiológica.

Finalmente, ressaltamos que produções científicas recentes na área dos transtornos alimentares indicam que esta reflexão é compartilhada por clínicos que assumem a humanização do corpo, processo que se dá no vínculo com o outro.

Agradecimentos: Professores e Doutores Saddo Ag Almouloud (Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP) e Maria Inez Rodrigues Miguel (Departamento de Matemática da PUC-SP), a quem agradecemos pela inestimável colaboração e disponibilidade para realização da análise estatística.

Referências Bibliográficas

ABRAHAM, K.; TOROK, M. Introjecter-incorporer: deuil ou mélancolie. Nouvelle Revue de Psychanalise, Paris, v. 6, p. 111-122, 1972.

BERTOLDI, P. M.; FELÍCIO, C. M.; MATSUMOTO, M. A. N. Efeito da interceptação precoce dos hábitos orais no desenvolvimento da oclusão. Pro-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 1, p. 37-44, abr. 2005.

BICK, E. The experience of the skin in early object-relations. J. Psychoanal., Londres, v. 3, n. 49, p. 558-566, dec. 1968.

CAMARGO, E. P.; TEIXEIRA, M. Doenças funcionais. R. Latinoam. Psicopatol. Fundam., ano 5, v. 5, 2002.

CORIAT, E. Psicanálise e clínica de Bebês. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997. 310 p.

COULY, G.; THIBAULT, C. Epilogue: une cullièrre pour. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 195-196, dec. 2004.

DEGAN, V. V.; PUPPIN-RONTANI, R. M. Terapia miofuncional e hábitos orais infantis. R. Cefac, São Paulo, v. 6, n. 4, p. 396-404, out.-dez. 2004.

DELGADO, S. E.; HALPEIN, R. Amamentação de prematuros com menos de 1500 gramas: funcionamento motor-oral e apego. Pro-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 2, p. 141-152, maio-ago. 2005.

FABIANO, F. C.; LIMONGI, S. C.; DO-VAL, D. C.; Linhares-da-Silva, K. C. R. Soc. Bras. Fonoaudiol., São Paulo, v. 10, n. 2, p. 77-82, abr.-jun. 2005.

FERREIRA-ROCHA, N. A.; TUDELLA, E. Teorias que embasam a aquisição das habilidades motoras em bebês. R. T. Desenvolv., São Paulo, v. 11, n. 66, p. 5-11, jan.-fev. 2003.

FREUD, S. (1905) A sexualidade infantil. ed. atual. São Paulo: Imago, 1969. Edição Staudael Brasileira das Obras Completas de Sigmundo Freud (ESB). v. 5. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.

GOLSE, B.; GUINOT, M. La bouche et l'oralité. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 23-30, dec. 2004.

HERNANDEZ, A. M. Atuação fonoaudiológica com o sistema estomatognático e a função na alimentação. In: HERNANDEZ, A. M. (Org.). Neonato. São José dos Campos (SP): Pulso, 2003. cap. 5, p. 57-51.

JERUSALINSKY, A. A psicanalise e o desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artes e Oficios, 1999. 317 p.

JOUANIC-HONNET, A. Prise en charge de l'oralité alimentaire et l'oralité verbale. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 179-185, dec. 2004.

MARIOTTO, R. M. M. Distúrbios alimentares em bebês: uma interlocução entre a fonoaudiologia e a psicanálise. R. Dist. Comun., São Paulo, v. 14, n. 2, p. 263-274, jun. 2003.

PALLADINO, R. R. R.; SOUZA, L. A. P.; CUNHA, M. C. Transtornos alimentares em crianças. Psicanálise e Universidade, São Paulo, v. 2, n. 21, p. 95-108, set. 2004.

PUECH, M.; VERGEAU, D. Dysoralité: du refus à l'envie. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 123-137, dec. 2004.

QUINIOU, Y. Nourrir, être nourri em réanimation néonatale. Nerv. J. Psychiatr., Paris, v. 9, n. 3, p. 1-3, sep. 1996.

QUINET, A. A lição de Charcot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005.

RIGAL, N. La construction du goût chez l'enfant. Rééduc. orthophon., Paris, n. 220, p. 9-13, dec. 2004.

ROBERT, S. Une prise de conscience de l'oralité chez um grand enfant trisomique. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 187-190, dec. 2004.

SOUZA, R. F.; MAIA, S. M. A "clínica dos bebês" e suas especificidades. R. Soc. Bras. Fonoaudiol. ,

THIBAULT, C. La langue, organe clé des oralités, Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 226, p. 115-124, jun. 2005.

SOUZA, R. F.; MAIA, S. M. A "clínica dos bebês" e suas especificidades. R. Soc.

THIBAULT, C. La langue, organe clé des oralités, Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 226, p. 115-124, jun. 2006.

WINOGRAD, M. Freud: o corpo e o psiquismo. Percurso, São Paulo, v. 1, n. 28, p. 43-54, ago. 2002. .

Recebido em 29.06.2005.

Revisado em 11.10.2005; 13.12.2005; 27.09.2006; 01.03.2007; 18.04.2007.

Aceito para Publicação em 18.04.2007.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

  • ABRAHAM, K.; TOROK, M. Introjecter-incorporer: deuil ou mélancolie. Nouvelle Revue de Psychanalise, Paris, v. 6, p. 111-122, 1972.
  • BERTOLDI, P. M.; FELÍCIO, C. M.; MATSUMOTO, M. A. N. Efeito da interceptação precoce dos hábitos orais no desenvolvimento da oclusão. Pro-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 1, p. 37-44, abr. 2005.
  • BICK, E. The experience of the skin in early object-relations. J. Psychoanal., Londres, v. 3, n. 49, p. 558-566, dec. 1968.
  • CAMARGO, E. P.; TEIXEIRA, M. Doenças funcionais. R. Latinoam. Psicopatol. Fundam., ano 5, v. 5, 2002.
  • CORIAT, E. Psicanálise e clínica de Bebês. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997. 310 p.
  • COULY, G.; THIBAULT, C. Epilogue: une cullièrre pour. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 195-196, dec. 2004.
  • DEGAN, V. V.; PUPPIN-RONTANI, R. M. Terapia miofuncional e hábitos orais infantis. R. Cefac, São Paulo, v. 6, n. 4, p. 396-404, out.-dez. 2004.
  • DELGADO, S. E.; HALPEIN, R. Amamentação de prematuros com menos de 1500 gramas: funcionamento motor-oral e apego. Pro-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 2, p. 141-152, maio-ago. 2005.
  • FABIANO, F. C.; LIMONGI, S. C.; DO-VAL, D. C.; Linhares-da-Silva, K. C. R. Soc. Bras. Fonoaudiol., São Paulo, v. 10, n. 2, p. 77-82, abr.-jun. 2005.
  • FERREIRA-ROCHA, N. A.; TUDELLA, E. Teorias que embasam a aquisição das habilidades motoras em bebês. R. T. Desenvolv., São Paulo, v. 11, n. 66, p. 5-11, jan.-fev. 2003.
  • FREUD, S. (1905) A sexualidade infantil. ed. atual. São Paulo: Imago, 1969. Edição Staudael Brasileira das Obras Completas de Sigmundo Freud (ESB). v. 5. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
  • GOLSE, B.; GUINOT, M. La bouche et l'oralité. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 23-30, dec. 2004.
  • HERNANDEZ, A. M. Atuação fonoaudiológica com o sistema estomatognático e a função na alimentação. In: HERNANDEZ, A. M. (Org.). Neonato. São José dos Campos (SP): Pulso, 2003. cap. 5, p. 57-51.
  • JERUSALINSKY, A. A psicanalise e o desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artes e Oficios, 1999. 317 p.
  • JOUANIC-HONNET, A. Prise en charge de l'oralité alimentaire et l'oralité verbale. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 179-185, dec. 2004.
  • MARIOTTO, R. M. M. Distúrbios alimentares em bebês: uma interlocução entre a fonoaudiologia e a psicanálise. R. Dist. Comun., São Paulo, v. 14, n. 2, p. 263-274, jun. 2003.
  • PALLADINO, R. R. R.; SOUZA, L. A. P.; CUNHA, M. C. Transtornos alimentares em crianças. Psicanálise e Universidade, São Paulo, v. 2, n. 21, p. 95-108, set. 2004.
  • PUECH, M.; VERGEAU, D. Dysoralité: du refus à l'envie. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 123-137, dec. 2004.
  • QUINIOU, Y. Nourrir, être nourri em réanimation néonatale. Nerv. J. Psychiatr., Paris, v. 9, n. 3, p. 1-3, sep. 1996.
  • QUINET, A. A lição de Charcot Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005.
  • RIGAL, N. La construction du goût chez l'enfant. Rééduc. orthophon., Paris, n. 220, p. 9-13, dec. 2004.
  • ROBERT, S. Une prise de conscience de l'oralité chez um grand enfant trisomique. Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 220, p. 187-190, dec. 2004.
  • SOUZA, R. F.; MAIA, S. M. A "clínica dos bebês" e suas especificidades. R. Soc. Bras. Fonoaudiol.
  • THIBAULT, C. La langue, organe clé des oralités, Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 226, p. 115-124, jun. 2005.
  • SOUZA, R. F.; MAIA, S. M. A "clínica dos bebês" e suas especificidades. R. Soc.
  • THIBAULT, C. La langue, organe clé des oralités, Rééduc. orthophon., Paris, ano 42, n. 226, p. 115-124, jun. 2006.
  • WINOGRAD, M. Freud: o corpo e o psiquismo. Percurso, São Paulo, v. 1, n. 28, p. 43-54, ago. 2002.
  • Endereço para correspondência:

    Rua Pedroso Alvarenga, 1062 - Cj. 28
    São Paulo - SP - CEP 04536-012
    (
  • 1
    Aqui tomados, de forma ampla, como distúrbios que afetam as enunciações em termos discursivos, o que inclui a produção segmentar e supra-segmentar da fala. Assim, adotando-se uma concepção não formalista, a distinção entre linguagem e fala não será feita, uma vez que a categoria proposta é a dos distúrbios que afetam a linguagem verbal oral.
  • 2
    A saber: aqueles que envolvem transtornos alimentares e/ou nutricionais associados a disfunções do sistema estomatognático.
  • 3
    Resultados significativos foram encontrados na casuística, os quais demonstraram significância maior que 0,5 ou 50% da classe DGO (deglutição atípica) e O (obesidade ou sobrepeso) no grupo B, indiciando possível relação entre tais acontecimentos em crianças com queixas de alteração de linguagem oral deste grupo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      18 Abr 2007
    • Revisado
      18 Abr 2007
    • Recebido
      29 Jun 2005
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br