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Medidas de inteligibilidade nos distúrbios da fala: revisão crítica da literatura

Resumos

TEMA: a redução da inteligibilidade da fala é considerada uma das principais manifestações encontrada em sujeitos com distúrbios da fala, sendo um importante objeto de investigação fonoaudiológica. Apesar de sua relevância, não existe consenso na literatura da área de como a inteligibilidade da fala deva ser avaliada. Além da questão da diversidade de métodos existentes, outro aspecto importante refere-se à influência que determinadas variáveis podem exercer sobre tais medidas e, conseqüentemente, sobre sua interpretação. OBJETIVO: investigar a existência de possíveis evidências acerca da concordância entre medidas de inteligibilidade obtidas por diferentes métodos de mensuração, empregados na avaliação de sujeitos com distúrbios da fala, e identificar os efeitos de variáveis relacionadas aos procedimentos de avaliação ou ao ouvinte sobre essas medidas. Para tal, foi realizada uma revisão crítica de artigos sobre o tema, indexados nas bases de dados Medline, Web of Science, Lilacs e Scielo, até outubro de 2007, através dos termos de busca speech intelligibility ou inteligibilidade da fala. CONCLUSÃO: não foram encontradas evidências, na literatura pesquisada, de concordância entre as medidas de inteligibilidade da fala obtidas por métodos distintos, o que limita a comparação entre resultados clínicos e de pesquisas sobre inteligibilidade em sujeitos com distúrbios da fala. Além disso, constatou-se que algumas variáveis podem interferir nessas medidas, como: a tarefa e o estímulo de fala, seu modo de apresentação, o tipo de resposta requerido e a experiência do ouvinte com o falante, as quais devem ser consideradas na interpretação dos resultados dos testes de inteligibilidade.

Inteligibilidade da Fala; Medidas de Produção da Fala; Distúrbios da Fala; Fala


BACKGROUND: the reduction in speech intelligibility is considered one of the main characteristics of individuals with speech disorders, and is an important issue for clinical and research investigation. In spite of its relevance, the literature does not present a consensus on how to measure speech intelligibility. Besides the diversity of existent methods, another important issue refers to the influence of certain variables on these measurements and, consequently, on the interpretation of the results. AIM: to investigate evidence on the agreement between speech intelligibility measurements, obtained through different methods, used in the assessment of speech disorders, and to identify the effect of variables related to assessment procedures or to the listener. A critical review of articles indexed in the databases Medline, Web of Science, Lilacs and Scielo, until October 2007, was carried out. The key-word used to perform the search was speech intelligibility. CONCLUSION: there was no evidence of agreement between the speech intelligibility measurements obtained through different methods in the investigated literature. This fact limits the comparison between clinic and research results on speech intelligibility of individuals with speech disorders. Besides that, it was observed that some variables can interfere in these measurements, such as: type of task and speech stimulus, signal presentation mode, type of required answer and listener's experience with the speaker. These must be considered when interpreting the results of speech intelligibility tests.

Speech Intelligibility; Speech Production Measurement; Speech Disorders; Speech


ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA

Medidas de inteligibilidade nos distúrbios da fala: revisão crítica da literatura* * Trabalho Realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Simone dos Santos BarretoI, 1 1 Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 802 - São Paulo - SP - CEP 04023-062 ( simone_barret@hotmail.com). ; Karin Zazo OrtizII

IFonoaudióloga. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo. Fonoaudióloga da Prefeitura do Rio de Janeiro

IIFonoaudióloga. Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo

RESUMO

TEMA: a redução da inteligibilidade da fala é considerada uma das principais manifestações encontrada em sujeitos com distúrbios da fala, sendo um importante objeto de investigação fonoaudiológica. Apesar de sua relevância, não existe consenso na literatura da área de como a inteligibilidade da fala deva ser avaliada. Além da questão da diversidade de métodos existentes, outro aspecto importante refere-se à influência que determinadas variáveis podem exercer sobre tais medidas e, conseqüentemente, sobre sua interpretação.

OBJETIVO: investigar a existência de possíveis evidências acerca da concordância entre medidas de inteligibilidade obtidas por diferentes métodos de mensuração, empregados na avaliação de sujeitos com distúrbios da fala, e identificar os efeitos de variáveis relacionadas aos procedimentos de avaliação ou ao ouvinte sobre essas medidas. Para tal, foi realizada uma revisão crítica de artigos sobre o tema, indexados nas bases de dados Medline, Web of Science, Lilacs e Scielo, até outubro de 2007, através dos termos de busca speech intelligibility ou inteligibilidade da fala.

CONCLUSÃO: não foram encontradas evidências, na literatura pesquisada, de concordância entre as medidas de inteligibilidade da fala obtidas por métodos distintos, o que limita a comparação entre resultados clínicos e de pesquisas sobre inteligibilidade em sujeitos com distúrbios da fala. Além disso, constatou-se que algumas variáveis podem interferir nessas medidas, como: a tarefa e o estímulo de fala, seu modo de apresentação, o tipo de resposta requerido e a experiência do ouvinte com o falante, as quais devem ser consideradas na interpretação dos resultados dos testes de inteligibilidade.

Palavras-Chave: Inteligibilidade da Fala; Medidas de Produção da Fala; Distúrbios da Fala; Fala.

Introdução

A inteligibilidade da fala pode ser definida como o grau com o qual a mensagem do falante pode ser decodificada pelo ouvinte (1). Em outras palavras, refere-se à facilidade com que o ouvinte é capaz de entender a fala de seu interlocutor. Dessa forma, a inteligibilidade não deve ser vista apenas como um atributo do falante, pois também é dependente de variáveis relacionadas ao ouvinte (2) e ao contexto no qual a comunicação acontece (1,3).

Considerada uma das principais manifestações encontradas em sujeitos com distúrbios da fala adquiridos ou desenvolvimentais, a redução da inteligibilidade da fala é um importante objeto de investigação e intervenção fonoaudiológica (1,4). Contudo, diferentes métodos para sua mensuração costumam ser freqüentemente empregados, não existindo consenso na literatura da área de como a inteligibilidade da fala deva ser avaliada (1).

Além da questão da diversidade de métodos existentes, outro aspecto importante diz respeito à influência que determinadas variáveis podem exercer sobre tais medidas (1,2). Diversos estudos sobre inteligibilidade da fala abordaram os efeitos de algumas dessas variáveis, tais como: a tarefa empregada na coleta das amostras de fala (5), o tipo de estímulo utilizado (3,4,6-14), o modo de apresentação das amostras de fala (11,13,15-17), o tipo de resposta requerida para a identificação dos estímulos (7,18), o tipo de análise da transcrição (2), o sexo do ouvinte ou avaliador (13,19), ou sua familiaridade com o(s) falante(s) (9,11,13,20-21).

Considerando que diferentes métodos e suas possíveis variáveis interferentes podem resultar em escores de inteligibilidade distintos, foi objetivo desta pesquisa investigar a existência de possíveis evidências na literatura acerca da concordância entre as medidas de inteligibilidade obtidas por diferentes métodos de mensuração, empregados na avaliação de sujeitos com distúrbios da fala. Além disso, foi também intuito deste estudo identificar os efeitos de variáveis relacionadas ao procedimento de avaliação ou ao ouvinte, que podem interferir na obtenção dessas medidas.

Para atender aos objetivos pretendidos, foi realizada pesquisa com dados secundários, do tipo revisão crítica da literatura. O material utilizado incluiu artigos indexados nas bases de dados Medline, Web of Science, Lilacs e Scielo. As estratégias de busca adotadas para a identificação dos artigos foram: pesquisa pelos termos speech intelligibility ou inteligibilidade da fala, nos campos descritores, palavras do título e/ou do resumo, até outubro de 2007. Foram selecionados os estudos que exploraram a relação entre diferentes métodos de avaliação da inteligibilidade da fala e aqueles que investigaram os efeitos de variáveis, relacionadas aos procedimentos de avaliação ou ao ouvinte, sobre as medidas de inteligibilidade da fala. Apenas estudos internacionais sobre o tema foram encontrados. Os resultados são abordados a seguir.

Métodos de mensuração da inteligibilidade da fala e sua concordância

Os métodos empregados na avaliação da inteligibilidade de indivíduos com distúrbios da fala podem ser divididos em dois grupos: os métodos de graduação e os métodos de identificação de itens (1). Entre os métodos de graduação encontram-se: a estimativa de magnitude direta (12,19,22), a representação em escala intervalar (7,23-26), o julgamento de pares de amostras de fala (1), as estimativas percentuais (7,17) e a escala visual analógica (20). Os métodos de identificação de itens envolvem múltiplos formatos, de acordo com o tipo de resposta requerida para a identificação dos estímulos de fala. Para cada um desses métodos, algumas variações costumam ser encontradas (1-11,13-18,20,21,23,27-29).

A estimativa de magnitude direta é um método de graduação que consiste na seleção de uma amostra de fala padrão pelo pesquisador, a qual é atribuído um valor para sua inteligibilidade. Os ouvintes, então, estabelecem valores às amostras de fala dos sujeitos avaliados, que representem a proporção da inteligibilidade destas em relação à amostra padrão (22). Em uma variante deste método, o ouvinte é solicitado a designar qualquer número à primeira amostra avaliada, a qual é tomada como referência para a avaliação das demais (12,19).

Outro método de graduação da inteligibilidade bastante empregado é a representação em escala intervalar. Neste, o ouvinte atribui a cada amostra de fala um número, que representa uma divisão linear da escala de inteligibilidade. Tais escalas costumam variar em relação ao número de níveis em que a inteligibilidade é graduada (7,23-26).

O julgamento de pares de amostras de fala e as estimativas percentuais são métodos de graduação da inteligibilidade empregados com menor freqüência. No primeiro, o ouvinte é solicitado a comparar dois pares de amostras de fala e a julgar qual delas é a mais inteligível (1). Já nas estimativas percentuais, cabe ao ouvinte atribuir um valor percentual que julgue compatível com a proporção de palavras inteligíveis em cada amostra (7,17). Recentemente, outro método de graduação utilizado tem sido a escala visual analógica. Ela consiste em uma linha vertical de extensão determinada, cujos limites representam os extremos da inteligibilidade, cabendo ao ouvinte assinalar o ponto da escala que representa a inteligibilidade do falante (20).

Os métodos de identificação de itens podem envolver a transcrição ortográfica dos estímulos de fala pelo ouvinte (2-11,13-18,20,21,23,27-29) ou a seleção de alternativas em um formato de múltipla-escolha (1,7,14,23). Na transcrição ortográfica, também são encontradas algumas variações, tais como: a transcrição parcial(5,7,18) (por exemplo, apenas dos fonemas-alvo das palavras) ou integral das amostras de fala (2-4,6-11,13-16,18,20,21,23,27-29), e a contagem apenas dos estímulos-alvo (2,4,5,7,9,18,28) ou de todos os estímulos da amostra (2,3,6,8,10,11,13-16,20,21,23,27,29). Neste último caso, a contribuição de cada estímulo na determinação do escore final pode variar. Um exemplo é quando tipos de palavras, diferentes quanto à sua importância na sentença, recebem valores distintos (11). Os escores de inteligibilidade nos métodos de identificação de itens também divergem em relação à unidade de medida, que pode ser o número (6,15,18) ou a percentagem de estímulos decodificados correta ou incorretamente (2-5,7-11,13,14,16,17,20,21,23,27-29).

Na literatura pesquisada, foram encontrados poucos estudos que se propuseram a analisar as relações existentes entre os métodos de mensuração da inteligibilidade da fala. Em um desses experimentos, realizado com 21 falantes com perda auditiva, a relação entre as medidas resultantes de três instrumentos de avaliação da inteligibilidade foi analisada, por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Um destes instrumentos baseava-se no método de representação em escala intervalar e os outros, na identificação de itens, sendo um de múltipla-escolha e outro de transcrição. Foram encontradas fortes correlações entre os resultados dos testes (acima de 0,84), tendo, as medidas por escala intervalar, alcançado maior correlação com as medidas por identificação de itens, do que estas entre si (23).

Em outro estudo realizado com esse fim (7), as relações existentes entre os escores de inteligibilidade por transcrição integral dos estímulos de fala, as estimativas de percentagem e as representações em escala intervalar de oito falantes disártricos foram investigadas, através do coeficiente de correlação de Kendall. Fortes correlações foram encontradas entre as medidas dos métodos de graduação e do método de identificação de itens (acima de 0,72). Comparações entre os escores de inteligibilidade por transcrição e as estimativas percentuais foram também efetuadas, em outra pesquisa com quatro falantes disártricos (17), sendo evidenciado escores de transcrição superiores às estimativas de percentagem.

Como pôde ser constatada nessas pesquisas, apenas a relação entre as medidas de inteligibilidade resultante de métodos de mensuração distintos foi analisada, mas não sua concordância. A questão da adequação dos métodos estatísticos utilizados para avaliar a concordância entre dois métodos de mensuração clínica já foi discutida por Bland e Altman (30). Eles criticaram o uso do coeficiente de correlação, argumentando que nem sempre uma alta correlação entre as medidas de dois métodos implicaria na sua concordância, dada a possibilidade de alta discrepância entre esses escores.

Com base nas considerações anteriores, os dados encontrados na literatura não fornecem evidências acerca da existência de concordância entre os métodos de mensuração da inteligibilidade até então.

Efeitos de variáveis relacionadas aos procedimentos de avaliação ou ao ouvinte sobre as medidas de inteligibilidade da fala.

Foram encontrados vários estudos que investigaram direta ou indiretamente os efeitos de determinadas variáveis sobre as medidas de inteligibilidade da fala. Enquanto algumas dessas variáveis são fatores relacionados ao ouvinte (9,11,13,19,20,21), outras se relacionam aos procedimentos de avaliação, podendo ser específicas a determinados métodos de mensuração (3-17). A seguir, são apresentados os resultados dessas pesquisas, de acordo com cada variável examinada. Os cincos primeiros referem aos procedimentos de avaliação e as duas últimas ao ouvinte.

Tipo de tarefas de fala

Independente do método de mensuração da inteligibilidade, as amostras de fala dos sujeitos avaliados são gravadas para posterior análise pelos ouvintes. Tais tarefas podem envolver a leitura dos estímulos de fala (1,4,5,8,10,11,13,15,18,20,23-26,29), sua repetição (2,3,5,22,27,28), ou a fala espontânea (5,14,16,24-26).

No único estudo que comparou os efeitos de cinco tarefas de fala sobre os escores de inteligibilidade por transcrição de um falante disártrico, apenas a fala espontânea diferiu das demais (leitura, repetição, canto sob repetição e canto espontâneo). Além disso, os escores na repetição e na leitura foram bastante próximos, indicando a possibilidade de utilização de ambas as tarefas nos testes de inteligibilidade por transcrição, com resultados similares. Contudo, a distinção dos escores alcançados com a fala espontânea em relação à leitura e à repetição indicou a tendência destes a superestimar a inteligibilidade da fala espontânea, devendo, portanto, ser interpretados com cautela (5).

Tipo de estímulos de fala

O tipo de estímulo de fala é um aspecto que varia bastante na avaliação da inteligibilidade, podendo abranger estímulos com diferentes complexidades morfossintáticas e preditividade semântica, tais como: palavras isoladas (1,3,4,6-8,10,14,18,20,23,25,26), sentenças isoladas com e sem sentido (3-5,7,9-15,19,20,22,23,27,29) ou sentenças em narrativas (2,3,8,14,16,23-26). O efeito do emprego de estímulos de fala distintos sobre as medidas de inteligibilidade já foi objeto de investigação de vários pesquisadores ou indiretamente constatado por outros (3,4,6-14).

A influência das informações sintático-semânticas nas medidas de inteligibilidade pôde ser constatada, quando sentenças com e sem sentido, produzidas por um falante sem alteração, foram comparadas quanto a sua inteligibilidade por meio da estimativa de magnitude direta. Estimativas distintas foram obtidas, sendo superiores para as sentenças com sentido (12). O benefício dessas pistas sintático-semânticas na decodificação da fala alterada também foi atestado para sujeitos com distúrbios da fala (deficientes auditivos e disártricos), quando a inteligibilidade por transcrição de sentenças isoladas foi comparada com palavras isoladas. Os pesquisadores evidenciaram que os escores de inteligibilidade por transcrição de sentenças foram superiores aos de palavras isoladas (9,10,14), com magnitude relevante, apenas para os melhores falantes (3,4,7). O próprio tipo de sentença, quanto a sua preditividade semântica, parece influenciar as medidas de inteligibilidade, pois quando sentenças com alta preditividade foram comparadas a sentenças com baixa preditividade, os escores de inteligibilidade dos falantes se elevaram. Uma variação de 16 a 30% da magnitude da diferença foi verificada entre os estudos, a qual poderia ser influenciada pelo modo de apresentação dos estímulos e pela severidade do prejuízo da fala (13), mas não pela experiência do ouvinte com falas alteradas (9).

O efeito da coesão das sentenças sobre os escores de inteligibilidade por transcrição, quando estas são apresentadas em narrativas, foi igualmente verificado (8,14), assim como sua interação com a severidade do distúrbio (3). Tal efeito revelou-se ainda mais forte e consistente que os demais, pois influenciou a inteligibilidade não só de falantes com disartria leve, mas também daqueles com disartria moderada e severa. A magnitude da diferença entre narrativas e outros tipos de estímulos variou de 10 a 30%, em média (3).

Quanto ao efeito da complexidade morfossintática, este foi avaliado na comparação da inteligibilidade por transcrição de listas de palavras que variavam em relação a sua estrutura morfológica. Porém, para um grupo de 10 disártricos avaliados, não foram encontradas diferenças entre os escores de inteligibilidade provenientes das três listas (6). Já em um experimento com 10 surdos, a presença de polissílabos, de encontros consonantais e de sintaxe complexa reduziu os escores de inteligibilidade de palavras em sentenças, sendo este efeito maior entre os falantes menos inteligíveis (nesse grupo, diferenças de 17% foram encontradas, dependendo da complexidade das sentenças) e entre os ouvintes sem experiência com a fala de surdos (11).

Modo de apresentação das amostras de fala

O modo de apresentação das amostras de fala aos ouvintes, com o fornecimento de informações apenas auditivas ou combinando informações auditivas e visuais, também interfere nos escores de inteligibilidade da fala por transcrição. Comparando esses modos de apresentação, verificou-se que a condição combinada elevou os escores de inteligibilidade por transcrição de sentenças em um grupo de laringectomizados, mas não entre os seus controles (15), assim como entre falantes com disartria (13,16,17) e perda auditiva (11).

Tipo de resposta na identificação dos estímulos de fala

Específico para o método de identificação de item, o tipo de resposta requerida para identificação dos estímulos de fala é um fator que se distingue na avaliação da inteligibilidade, cuja influência também foi averiguada (7,18). Como mencionado anteriormente, as medidas de inteligibilidade por identificação de item podem ser obtidas através da transcrição ortográfica parcial (5,7,18) ou integral do material de fala (2-4,6-11,13-16,18,20,21,23,27-29) ou da seleção de alternativas (1,7,14,23).

Em um estudo com quatro falantes com fissura palatina e/ou insuficiência velofaríngea, observou-se benefício da transcrição parcial de fonemas-alvo em relação à transcrição integral de palavras isoladas sobre os escores de inteligibilidade de consoantes, apesar da significância estatística dessa diferença não ter sido analisada (18). Entretanto, outra pesquisa realizada com falantes disártricos, na qual os escores de inteligibilidade por transcrição integral, por transcrição parcial (completar palavras em frases) e de múltipla-escolha foram comparados, observou-se uma hierarquia dessas medidas de acordo com a dificuldade do tipo de resposta requerida. Os escores de inteligibilidade do formato múltipla-escolha foram superiores, seguidos pelos escores de transcrição parcial e pelos escores de transcrição integral (7).

Tipo de análise da transcrição

No que se refere às medidas de inteligibilidade por transcrição, os critérios adotados para pontuar ou não cada estímulo podem diferir. O critério de correspondência fonêmica entre a transcrição ortográfica do ouvinte e o estímulo produzido pelo falante é o mais freqüentemente utilizado (2,3,13,27), embora possa assumir um caráter mais flexível (5,11,21). Neste caso, falhas de correspondência fonêmica que não comprometem o significado da informação transferida não são consideradas, como a omissão ou acréscimo de morfemas de número. Em um estudo recente (2) com falantes disártricos, três paradigmas de pontuação da transcrição foram analisados: a correspondência fonêmica exata de todas as palavras, a correspondência fonêmica exata apenas das palavras de informação (palavras conteúdo e modificadores) e a correspondência semântica das palavras de informação. Verificou-se que os escores de inteligibilidade resultantes dos três tipos de análise foram diferentes. Todavia, a magnitude das diferenças encontrada foi pequena, sugerindo não ser significante do ponto de vista clínico.

Sexo do ouvinte

Sobre os efeitos do sexo do ouvinte nos julgamentos de inteligibilidade por estimativa de magnitude direta, em um estudo com dois falantes normais, não foram verificadas diferenças significantes entre as médias dos escores dos grupos de ouvintes (19). O mesmo foi constatado através de uma pesquisa com um falante disártrico, por meio de medidas de transcrição ortográfica de sentenças (13).

Familiaridade do ouvinte com o falante

Em relação à familiaridade do ouvinte com o falante, ela pode estar relacionada com a experiência do ouvinte com um falante em particular ou com a fala de indivíduos com determinado distúrbio da fala. Quanto à familiaridade do ouvinte com falantes específicos, tal aspecto foi estudado com um falante disártrico (13), ao serem comparados os escores de inteligibilidade por transcrição de sentenças de ouvintes expostos e não-expostos previamente à fala desse sujeito. Constatou-se que a familiaridade dos ouvintes com o falante não refletiu sobre os escores de inteligibilidade do mesmo.

Em relação à familiaridade do ouvinte com a fala alterada em geral, os achados das pesquisas são divergentes, sinalizando a superioridade dos escores de transcrição entre os ouvintes com experiência com falantes surdos (9,11), mas não com falantes traqueoesofágicos (20). Para os falantes com surdez, a magnitude da diferença foi, em média, de 10%, sendo potencializada pela complexidade da sentença e pela severidade do quadro (11). Em outra pesquisa com falantes disártricos (21), na qual o nível de exposição dos ouvintes à fala alterada foi controlado, a inteligibilidade de sentenças por transcrição também foi superior no grupo de ouvintes expostos.

Conclusão

Os dados deste estudo nos permitem constatar que não existem evidências, na literatura pesquisada, de concordância entre as medidas de inteligibilidade da fala obtidas por métodos distintos. Tal fato limita a comparação de parte dos resultados de pesquisas sobre a inteligibilidade em populações com distúrbios da fala. Além disso, para o emprego dessas medidas na clínica fonoaudiológica, o uso do mesmo instrumento de avaliação na comparação inter e intrafalantes é fundamental. Isto se justifica não só pela falta de evidência de concordância entre os métodos de mensuração existentes, mas pela constatação de que algumas variáveis podem interferir nessas medidas, como: a tarefa e o estímulo de fala, seu modo de apresentação, o tipo de resposta requerido e a experiência do ouvinte com o falante.

Como já mencionado, é possível que nenhuma medida de inteligibilidade singular seja aplicável universalmente a todos os pacientes com distúrbios da fala, em seus vários graus de severidade, ou a todos os objetivos clínicos e de pesquisa (8,10). Dessa forma, independente do método de avaliação da inteligibilidade escolhido pelo clínico ou pesquisador, a interpretação dos escores obtidos deve levar em consideração todas as variáveis interferentes conhecidas até então, a fim de que sejam evitadas generalizações inadequadas dos resultados em relação às situações reais de comunicação.

Recebido em 26.11.2007.

Revisado em 20.03.2008.

Aceito para Publicação em 10.06.2008.

Artigo de Revisão de Literatura

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • *
    Trabalho Realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
  • 1
    Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 802 - São Paulo - SP - CEP 04023-062 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Revisado
      20 Mar 2008
    • Recebido
      26 Nov 2007
    • Aceito
      10 Jun 2008
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