Resumo
O presente artigo apresenta uma proposta de sequência didática (SD) para a compreensão auditiva no ensino de Alemão como Língua Adicional (ALA) em turmas iniciais a partir de um texto autêntico - o curta-metragem Milch & Zucker (2018) -, o qual apresenta características essenciais para o desenvolvimento das atividades propostas: linguagem acessível; curta duração; insumos audiovisuais; tema alinhado dentro de práticas sociais contextualizadas; e acesso gratuito na internet. Com enfoque em descrever a elaboração de uma SD composta pelas três fases Introdução, Elaboração e Produção, sugeridas por Ende et al. (2013), este artigo apresenta reflexões relativas à escolha textual e às estratégias de ensino para a condução das atividades propostas. A SD apresentada pode ser adaptada para diferentes gêneros textuais e contextos de ensino que tenham o objetivo de uma aprendizagem que ultrapasse a esfera estrutural da língua, incluindo estudantes e professoras nas interações discursivas. Por fim, buscou-se proporcionar uma alternativa para atividades de compreensão auditiva, geralmente limitadas aos áudios dos livros didáticos voltados para o mercado internacional (especialmente em níveis iniciais), assim como incentivar uma maior motivação e participação das estudantes no processo de aprendizagem de alemão (AQUINO; FERREIRA, 2023; BIMMEL; RAMPILLON, 2000).
Palavras-chave:
Alemão como Língua Adicional; materiais autênticos; compreensão auditiva; sequência didática; curtas-metragens (Kurzfilm)
Abstract
This article presents a proposal for a didactic sequence (DS) for listening comprehension in the teaching of German as an Additional Language (GAL) in beginner classes based on an authentic text - the short film Milch & Zucker (2018) -, which possesses essential features for the development of the proposed activities: accessible language; short duration; audiovisual inputs; theme aligned with contextualized social practices; and free access on the internet. With the focus on describing the development of a DS composed of the three phases Introduction, Elaboration and Production, suggested by Ende et al. (2013), this article presents reflections on textual choice and teaching strategies for conducting the proposed activities. The DS presented can be adapted to different textual genres and teaching contexts with the aim of a learning that surpasses the structural sphere of language, including students and teachers in discursive interactions. Finally, the aim was to provide an alternative for listening comprehension activities, which are usually limited to audio from textbooks aimed at the international market (especially at initial levels), as well as to encourage greater motivation and participation of students in the process of learning German (AQUINO, FERREIRA, 2023; BIMMEL; RAMPILLON, 2000).
Keywords:
German as an Additional Language; authentic materials; listening comprehension; didactic sequence; short films (Kurzfilm)
1 Introdução1
Tendo em vista o postulado de Berend (2009: 215) de que "não é segredo que o alemão falado éuma língua extremamente diversificada e variada",2 questionamos neste artigo a utilização de áudios de livros didáticos globais de Alemão como Língua Adicional (ALA)3 como única fonte textual para a compreensão auditiva desde turmas iniciais.
Consideramos que tais materiais não são capazes de aproximar as estudantes4 da língua em usos e contextos que fujam da esfera de textos demasiado didatizados, isto é, desenvolvidos com objetivos de ensino (AQUINO; CHERCHIGLIA, 2021). No entanto, não se trata somente de uma dicotomia entre Hochdeutsch e linguagem informal ou dialetal, já que há por vezes o esforço das editoras em incorporar elementos que aproximem esses textos do universo oral e informal, como podemos observar no excerto abaixo:
Nele: Du Marco, mach doch bitte das Radio lauter.
Marco: Was gibt es denn Interessantes?
Nele: Jetzt kommen die Hörergrüße aus unserer Stadt, also Geburtstagsgrüße und andere Glückwünsche - das finde ich total interessant. Man erfährt viel Neues.
Marco: Die Hörergrüße? Aber du kennst die Leute doch nicht.
Nele: Wer sagt denn das? Letzten Monat habe ich im Radio erfahren, dass meine Schulfreundin Pia schon ihr zweites Kind bekommen hat. Da habe ich sie sofort angerufen. Sie hat sich sehr gefreut
Marco: Na gut ... Dann wollen wir mal hören, wer heute etwas feiert. (BRAUN et al., 2016: 194).
A transcrição do áudio acima pertence ao livro didático DaF kompakt neu A2 (BRAUN et al., 2016) e apresenta marcas de oralidade, como por exemplo, partículas modais (ex.: doch, denn, mal) e o advérbio total. Contudo, incluir esses elementos não poupa o texto de soar artificial, configurando uma distância entre a linguagem apresentada pelo material e a de textos autênticos. Além da falta de contextualização do diálogo e do foco em estruturas gramaticais e lexicais específicas, nota-se que a velocidade de fala, a interpretação das atrizes e os efeitos sonoros desempenham papel importante para uma percepção de falta de autenticidade. Nas disciplinas de língua alemã na Letras -Alemão da USP, este livro foi adotado até 2024, e assim como muitos outros materiais de ALA, foi produzido por uma editora alemã para o mercado internacional e apresenta essencialmente textos didatizados e não autênticos (AQUINO; CHERCHIGLIA, 2021). Na experiência das autoras, o livro DaF kompakt neu é recebido com muito estranhamento por parte das estudantes, que não se identificam com temas, imagens ou atividades e não se sentem motivadas. Diversos estudos relacionam tal desconforto com a não autenticidade dos textos e a falta de representatividade (ARANTES, 2018; UPHOFF, 2009; AQUINO; FERREIRA, 2023). Logo, cabe às professoras a seleção de materiais eaelaboração de atividades complementares que despertem o interesse das estudantes e que tragam exemplos de linguagem autêntica (formal ou informal), como filmes, séries, podcasts, propagandas e músicas (AQUINO, 2021: 25).
Segundo Maijala (2007: 548), mesmo com o esforço para integrar a língua falada dos países da língua adicional, os livros didáticos ainda apresentam grande deficiência em equilibrar espontaneidade e adequação à gramática e ao vocabulário de um nível específico. Apesar de terem diversas vantagens para a didática de língua alemã, os materiais internacionais não precisam ser o único insumo para a compreensão auditiva em sala de aula. Nesse sentido, concordamos com Aquino e Cherchiglia (2021) quando defendemos uma integração entre o trabalho com textos didatizados (por exemplo do livro didático) e aqueles de contextos autênticos (não produzidos para o ensino). A adaptação e adequação dos materiais possibilita também um posicionamento mais ativo e crítico de estudantes e professoras e, consequentemente, uma valorização das necessidades locais.
O uso de materiais autênticos para a compreensão auditiva vem ganhando atenção desde a abordagem comunicativa durante a década de 70, mas a definição do termo "autêntico" ainda é imprecisa (cf. ANDRADE E SILVA, 2016; 2017). Brown e Menasche (2010: 36) definem um texto autêntico como aquele criado para um contexto comunicativo externo ao ensino de línguas que, na sua aplicação em sala de aula, não apresente nenhuma alteração em sua estrutura gramatical, vocabulário ou elementos que caracterizem seu gênero textual. Entre a dualidade da autenticidade e não autenticidade encontram-se ainda os textos adaptados e semi-autênticos. Neste artigo consideramos como autênticos textos que tenham sido produzidos fora do contexto de ensino de línguas, ou seja, sem didatização (repetições, adaptações, entre outros).
Assim como Braun (2008: 72), consideramos que ouvir é, sobretudo, uma experiência que vai além de entender palavra por palavra. Dessa forma, o trabalho com textos não didatizados pode representar uma ferramenta que auxilie na preparação das estudantes para lidarem com a língua alemã em interações autênticas, dentro e fora da sala de aula. Diálogos autênticos situam-se no contexto sócio-histórico de uma comunidade discursiva e possibilitam, portanto, uma reflexão crítica e cultural mais complexa e contextualizada. Logo, o acesso aos discursos autênticos pode permitir uma experiência de ensino-aprendizado mais relevante para as estudantes, aumentando a motivação e participação.
Apresentamos neste artigo uma proposta de sequência didática (SD) com o curta-metragem (Kurzfílm)Milch & Zucker (2018) com o objetivo de auxiliar no trabalho com recepção e produção de textos orais autênticos para turmas iniciais, com atividades de introdução, elaboração e produção (ENDE et al., 2013). O curta escolhido engloba elementos da língua falada e as atividades focam no conteúdo e não na forma. Assim, acreditamos que a SD proposta possa ser utilizada como material de apoio para alunas e professoras, com a possibilidade de adaptação a diferentes contextos de ensino de ALA, discutindo-se desde a escolha do material até a produção das alunas a partir dele.
Nas próximas seções será apresentado um breve panorama teórico referente ao papel da autenticidade e da compreensão auditiva e audiovisual no ensino de ALA. Na terceira seção, apresentaremos os materiais e métodos utilizados para a concepção e elaboração da SD; essa que será abordada com mais detalhes na quarta seção. Finalmente, na conclusão, apresentaremos algumas reflexões sobre este trabalho.
2 Referencial teórico
A seguir serão discutidos os papéis e as definições de autenticidade e de participação no contexto de ALA, assim como as principais características da compreensão auditiva e audiovisual, de forma a explicitar os conceitos que guiaram a elaboração da SD. Para encerrar a discussão teórica, será feita uma breve apresentação do que consideramos, neste trabalho, ser uma sequência didática.
2.1 A autenticidade e a participação em comunidades discursivas
No que se refere à definição de autenticidade, Andrade e Silva (2017) aponta que em sua maioria consideram-se autênticos os materiais sem qualquer modificação para o trabalho didático, entretanto, há outros estudos como Neuner, Krüger e Grewer (1981) e Edelhoff (1985) que abrangem a autenticidade para textos adaptados, como por exemplo com simplificação gramático-lexical ou edição do texto. Brown e Menasche (2010) elencam cinco graus de autenticidade de materiais: (1) Autenticidade do insumo genuíno - textos criados em um contexto de comunicação real, não pensado para o ensino de línguas; (2) Autenticidade do insumo alterado - insumo com edições visuais, segmentação ou comentários, mas mantendo a gramática e o significado; (3) Autenticidade do insumo adaptado - mudanças na estrutura e/ou vocabulário; (4) Autenticidade do insumo simulado-criado para o ensino de línguas, mas com a tentativa de simular autenticidade; (5) Inautenticidade - texto criado para a sala de aula sem a intenção de parecer autêntico.
Baseando-se nas classificações de Brown e Menasche (2010), Andrade e Silva (2016:36) sugere suas próprias definições e define como autêntico um:
[...] texto criado para um contexto de comunicação entre falantes externo ao ensino, mas empregado no ensino da língua estrangeira sem alterações em sua estrutura gramatical, vocabulário ou elementos que caracterizem seu gênero textual - corresponde aos tipos de insumo 1 e 2 de Brown e Menasche.
Neste trabalho consideramos como autênticos os textos produzidos para consumo externo ao ensino, ou seja, que não foram elaborados ou adaptados com intenções didáticas. Em relação ao uso de textos autênticos no ensino de ALA, pode-se dizer que mesmo com as discussões atuais da era do "Pós-Método", a qual se distancia da utilização de abordagens de ensino específicas, a maioria dos livros didáticos tradicionais ainda têm forte influência da abordagem comunicativa, procurando simular interações autênticas a fim de adequar a gramática e o vocabulário (MAIJALA, 2007). No entanto, atualmente pode ser observada uma intensificação na preocupação de professoras e pesquisadoras na seleção de materiais a partir da análise do contexto local e das necessidades das alunas (BROWN, 2007; LONG, 2009; FUNK, 2010; KLIPPEL, 2016; AQUINO; FERREIRA, 2023). Os materiais do DDL 5 (RÖSLER, WÜRFFEL 2014), por exemplo, indicam que as docentes podem fazer mudanças necessárias no material para que este se adeque ao seu grupo, possibilitando assim a introdução de textos autênticos como complemento ao livro didático.
No contexto de ensino de alemão para fins específicos, Weissenberg (2012: 6-11) argumenta que, no momento da elaboração do currículo e das aulas, o corpo docente deve se fazer as perguntas "Como?", "O quê?" e "Por quê?", de forma que seja possível alcançar os objetivos profissionais das aprendizes. No curso de Letras Alemão da USP - cujos fins específicos são formar professoras e pesquisadoras - foram desenvolvidos diversos projetos com essa preocupação, como por exemplo, O Projeto de Consultoria, no qual as alunas colaboraram com a docente e as monitoras para desenvolver atividades voltadas à conscientização sobre estratégias de aprendizagem (AQUINO et al., 2022); e o levantamento de dificuldades das estudantes com a transição entre as matérias de língua alemã e literatura, discutindo possíveis adaptações para a habilitação em Alemão (UPHOFF; DEBIA, 2017). Ambos os projetos buscam diagnósticos em colaboração com as alunas para oferecer caminhos possíveis para as necessidades e interesses em um curso de Letras.
Apesar da reconhecida importância do trabalho com materiais complementares e autênticos em ALA, pouco se discute sobre o impacto no esforço de trabalho das professoras que, muitas vezes, não são compensadas pelo tempo de preparação de aulas. Não obstante, é evidente que pode se tornar extremamente exaustivo constantemente adaptar e buscar novos materiais, além da dificuldade de encontrar referências com temas relevantes para cada turma. Com relação ao uso de materiais autênticos, ainda se nota a dificuldade de encontrar uma harmonia entre o nível linguístico das alunas e do texto. Nesse sentido, ressaltamos a importância de estudos que apresentem propostas didáticas objetivas que incentivem o trabalho com textos autênticos em ALA.
Outro conceito que se relaciona à autenticidade é o da participação, que pode ser definida como o ato de propiciar uma maior interlocução entre as estudantes e os discursos que circulam em comunidades da língua alvo (ANDRADE E SILVA, 2021). Não obstante, neste artigo, consideramos importante não apenas aumentar o contato com a comunidade de língua adicional, mas possibilitar o uso contextualizado do idioma pelas estudantes brasileiras. Assim, é preciso levar em consideração o objetivo das atividades com estes materiais autênticos para que seja possível proporcionar uma participação ativa e contextualizada, em que as alunas tenham algo a dizer sobre o mundo real.
No contexto do ensino de alemão no curso de Letras da USP, o currículo permite que as estudantes tenham contato com disciplinas de Língua, Literatura, Linguística e Tradução, que proporcionam interações variadas com materiais autênticos, semi-autênticos, assim como não autênticos. Neste sentido, as obras literárias prescritas no currículo seriam um exemplo de porta de entrada para discursos das comunidades discursivas de língua alemã. No entanto, o contato com a língua fora da sala de aula, ou seja, que parta da própria aluna e não esteja relacionado ao currículo do curso, ainda é um grande desafio, mas que, devido à sua importância para a participação, motivação e aprendizagem, deve ser cada vez mais estimulado. No que diz respeito à compreensão auditiva, mostra-se ainda mais importante o papel da professora na introdução dos textos, já que eles raramente farão parte do currículo do curso ou da conjuntura diária das estudantes.
Para que seja possível o contato consciente com materiais autênticos pelas estudantes, a internet acaba sendo uma importante ferramenta pelo acesso a textos audiovisuais de diferentes temas, formas de linguagem e duração. Optamos neste estudo por elaborar uma sequência didática com o curta-metragem Milch & Zucker (2018) 5 retirado da plataforma YouTube. Acreditamos que o trabalho com curtas-metragens possa permitir um espaço de participação tanto em sala de aula como de forma autônoma na busca de novos materiais audiovisuais para a aprendizagem de ALA.
2.2 Compreensão auditiva e audiovisual em ALA
A fim de alcançar uma compreensão auditiva adequada é importante atentar-se à relação entre os conhecimentos prévios (Vorwissen) e as novas informações, para a formação de uma imagem mental (ein mentales Abbild) do texto apresentado, o que indica um papel ativo das estudantes (SOLMECKE, 2010). De acordo com Solmecke (2003), esse processo seria uma espécie de "jogo mental", o qual é influenciado por três aspectos: (i) objetivo da compreensão; (ii) foco de leitura; (iii) subjetividade e interpretação da ouvinte. Segundo Braun (2008), uma das dificuldades ao se ouvir na LA é a (i) falta de objetivo para esta tarefa. Nesse sentido, é essencial que sejam realizadas atividades de preparação para a recepção do texto, permitindo que as aprendizes alcancem cada vez mais uma maior segurança auditiva. Ainda para a autora, existem três estilos de compreensão auditiva: (a) seletiva (selegierend), (b) superficial (kursorisch) e (c) intensiva/total (intensiv/total). Tais estilos podem ser praticados a partir de atividades didáticas, sendo que se recomenda para o primeiro tipo de compreensão textos nos quais seja possível distinguir informações especificas. Já o segundo tende a ser mais eficaz com textos simplificados, que levem a uma visão geral de seu conteúdo, como um diálogo (BRAUN, 2008).
A partir do que foi discutido até o momento, não há muitas diferenças entre a leitura e a compreensão auditiva, no entanto, a última apresenta características únicas que devem ser levadas em consideração nas tarefas auditivas em ALA: a velocidade da fala; as características de pronúncia; os barulhos de fundo; a expressão de emoções a partir de expressões verbais; e gestos (RÖSLER, 2012). Como discutido anteriormente, os áudios de diálogos do livro DaF kompakt neu A2 (BRAUN et al., 2016) apresentam características de textos didatizados: gravados em estúdio; texto adaptado a determinados níveis de conhecimento; barulhos de fundo cuidadosamente selecionados para se assemelhar, por exemplo, a uma conversa no telefone; velocidade de fala reduzida; apagamento de elementos regionais; limitação de vocabulário; e temas voltados para o treino de questões gramático-lexicais. Além disso, tais textos têm frequentemente o objetivo principal da busca por resposta a exercícios de alternativas, testando a compreensão auditiva pontual. Nesse sentido, tais atividades não exploram uma experiência contextualizada, que envolva uma diversidade de sentidos e percepções.
Concordamos com Solmecke (1993) quando a autora defende que as estudantes, mesmo iniciantes, são receptoras críticas dos textos por elas confrontados, e são, muitas vezes, negativamente afetadas pela falta de autenticidade oferecida pelos áudios dos 1ivros didáticos voltados para o mercado internacional. Além da motivação e participação, o contato com qualquer língua apenas a partir das aulas e do livro didático faz com que a experiência linguística das estudantes fora de um contexto de imersão seja demasiadamente limitada. Afinal, marcas da oralidade, variedades regionais e dialetos fazem parte da realidade linguística de todos os idiomas e precisam ser consideradas para o ensino de forma a não excluir uma participação ativa e contextualizada com relação ao uso da língua.
Quando se trata da compreensão audiovisual, as imagens e o contexto têm papel significativo para a sua recepção, já que além das informações linguísticas, as alunas precisam levar em consideração as percepções a partir da relação de sentido apresentada pelas imagens, o que em muitos casos acaba por facilitar a compreensão de estruturas linguísticas mais complexas (BILYTSKA, 2017). Assim, ao discutir acerca da dificuldade em haver uma harmonia linguística entre o texto e o nível de conhecimento das alunas, o uso de textos audiovisuais pode representar uma ferramenta significativa para a compreensão em ALA. Ao empregar esses textos, deve-se levar em consideração, portanto, percepções a partir de uma construção semiótica tecida por uma série de códigos que operam simultaneamente para produzir significado, que pode ser transmitido através de meios acústicos e de canais visuais (CHAUME, 2013; AQUINO, 2023).
Ademais, consideramos que o uso de materiais audiovisuais, como filmes, é muito propício para o ensino de ALA, pois vincula conhecimentos linguísticos, socioculturais, históricos e políticos (CRESPO; ROZENFELD, 2018; AQUINO, 2023). Não obstante, trabalhar efetivamente com filmes em turmas iniciais é um desafio por conta da sua longa duração, linguagem complexa e elaboração de atividades didáticas que acompanham a prática. Portanto, sugerimos o trabalho com vídeos ou curtas-metragens retirados da plataforma YouTube.
2.3 Sequências didáticas no ensino de línguas
Uma SD pode ser descrita como uma sequência de atividades baseada em um gênero textual a fim de trabalhar competências orais e/ou escritas (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). Para uma SD, utiliza-se, portanto, textos como base para a recepção e produção, dado que estes são a materialização de práticas linguísticas desenvolvidas histórica e socialmente, sendo uma espécie de mediadores entre aluna e linguagem (DENARDI, 2017). Em outras palavras, as estudantes podem se apropriar mais facilmente de práticas discursivas na língua adicional por meio de SDs (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). De acordo com Machado (2004), o acesso a diferentes gêneros textuais pode representar uma estratégia relevante para a socialização, já que faz possível a participação em diferentes atividades sociais. Não obstante, Dolz e Schneuwly (2004) defendem que para qualquer trabalho com gêneros textuais, é fundamental realizar uma apresentação e discussão das suas características, fazendo com que as estudantes possam confrontar e reconstruir os textos.
No que se refere à construção de uma SD, Denardi (2017) elenca três fatores a serem levados em consideração: (i) as características das práticas discursivas (gêneros textuais); (ii) conhecimentos linguísticos e(iii) as estratégias de ensino. Dolz et al.(2004) defendem ainda que as professoras devem tomar decisões teóricas de natureza: (a) pedagógica; (b) psicológica; (c) linguística; e (d) relacionadas às finalidades gerais com a SD. Trabalhos como de Stutz e Cristóvão (2011) indicam também a relevância em se pensar no público-alvo da SD e no seu contexto educacional. Desta forma, elaborar uma SD não se trata somente do trabalho com o gênero textual, mas sim de uma série de escolhas baseadas nos conhecimentos, necessidades e interesses de estudantes e docentes.
Também é necessário atentar-se à estrutura e à sistematização de uma SD, que, de acordo com Ende et al. (2013: 103), podem ser realizadas em três fases: Introdução (Einstieg), Elaboração (Erarbeitung) e Produção (Anwendung/Transfer). A primeira fase é responsável por ativar os conhecimentos prévios das alunas e despertar seu interesse, além de fazer com que se inicie o contato com o objeto de ensino. Já a segunda fase consiste em analisar, sistematizar e discutir sobre o objeto de estudo. Nesta última etapa, espera-se que as alunas empreguem a língua em situações de produção (oral e escrita). A ordem das fases não é rígida, cabendo à professora organizar a SD, mas o modelo mais recorrente é o linear, o qual segue exatamente a ordem introdução (ativação dos conhecimentos prévios), elaboração (apresentação, sistematização, semantização, prática reprodutiva, prática parcialmente reprodutiva) e produção (transferência), o qual será o empregado neste artigo e será melhor desenvolvido no tópico 4.
Finalmente, acreditamos que o uso de textos autênticos em SDs pode fomentar a aprendizagem de maneira participativa e motivadora. Com a escolha de um gênero textual como o curta-metragem, que engloba a língua falada informalmente, temas atuais e possibilidade de adaptação para diferentes níveis de conhecimento, acredita-se que seja possível alcançar uma aprendizagem relevante e reflexiva. Ademais, utilizar um texto autêntico dentro da SD faz com que as dificuldades de compreensão auditivas possam ser mais bem trabalhadas a fim de proporcionar uma experiência contextualizada para a recepção e produção em ALA.
3 A sequência didática
As atividades auditivas representam experiências sensoriais essenciais para o aprendizado de línguas, já que ouvir envolve sentimentos, sensações e percepções que não se limitam apenas à compreensão lexical ou gramatical (BRAUN, 2008). Nesse contexto, o trabalho com gêneros audiovisuais pode ser ainda mais relevante, já que envolve um processo cognitivo mais complexo, com percepção acerca de personagens, gestos e imagens, permitindo experiências socioculturais, linguísticas, históricas e políticas (MARQUES; ROZENFELD, 2017). Além disso, textos audiovisuais permitem o trabalho e a compreensão de estruturas linguísticas mais complexas a partir da junção entre texto e imagem (BILYTSKA, 2017). Consideramos que o gênero curta-metragem pode ser uma excelente escolha para o trabalho com materiais autênticos por promover o contato com discursos que circulam em comunidades de fala de língua adicional, assim como promover um aprendizado de forma espontânea e interessante. Por fim, diferente de muitos filmes, há uma série de curtas-metragens disponíveis de forma gratuita em plataformas como o YouTube, o que facilita o acesso das professoras e alunas.
Para a elaboração da sequência didática, utilizamos como material principal de ensino o curta-metragem em língua alemã Milch & Zucker (2018) 6. Ele foi produzido em Leipzig, tem duração de seis minutos e apresenta uma conversa entre duas personagens (pai e filha) em uma cafeteria. A natureza do relacionamento não é revelada de forma explícita, mas deve ser inferida durante os primeiros minutos de conversa. Durante o curta-metragem, percebemos diferentes níveis de interação (como desconforto e relaxamento) que são traduzidos não apenas pelo conteúdo linguístico, mas também por expressões e gestos. Este curta foi selecionado por apresentar características essenciais para o desenvolvimento de uma SD com atividades de recepção e produção em níveis iniciais de ALA, como: a linguagem acessível (frases curtas com pausas e de campo semântico familiar às alunas); curta duração; aspectos audiovisuais com informações contextuais que facilitam a compreensão da história; tema (problemas familiares) alinhado a questões dentro de práticas sociais contextualizadas, permitindo que estudantes compreendam e façam uso da língua de forma reflexiva e crítica; estrutura narrativa a partir da qual seja possível elaborar uma SD; e acesso gratuito na internet.
O trabalho com curtas-metragens permite, portanto, a elaboração de práticas didáticas com atividades de compreensão e produção que abordam diferentes níveis de aprendizagem. Além da linguagem acessível, a temática de Milch & Zucker (2018) parece ser bastante relevante por poder incitar reflexões individuais e relações com experiências familiares. Neste artigo propomos uma SD dividida em três fases: introdução; elaboração; produção. As atividades de cada encontro, os modos e o tempo de execução de cada fase são sistematizados na tabela a seguir:
Como é indicado na tabela de sistematização apresentada acima, as atividades podem ser desenvolvidas em quatro encontros, de preferência consecutivos, nos quais cada uma das fases pode ser realizada em um período restrito de tempo, ou seja, sem necessariamente ocupar a aula inteira. A fase de Introdução tem o objetivo de levantar conhecimentos prévios e experiências envolvendo a turma toda (plenum) com relação à compreensão auditiva e ao contato com diferentes gêneros de textos audiovisuais, incluindo os curtas-metragens. Esta discussão poderá ser feita em português e ocupar entre 30 e 40 minutos da aula. Em Elaboração, em pequenos grupos, as estudantes terão a oportunidade de criar hipóteses sobre o curta-metragem que irão assistir a partir de uma imagem, para então realizar a compreensão global do filme de forma individual. A professora pode fazer pequenas pausas durante o vídeo, realizando perguntas norteadoras e levantando tópicos de discussão para acessar as necessidades das alunas. Esta fase pode durar cerca de 50 minutos e deve ser realizada, sempre que possível, em língua alemã.
A fase da Produção é dividida em três momentos: a discussão em pleno das impressões e experiências das estudantes com relação às atividades realizadas nas etapas anteriores; a elaboração (individual ou em pequenos grupos) de uma continuação para o fim da história; e a apresentação dos resultados. Esta fase ocupa dois encontros e pode durar cerca de 45 minutos cada, sendo as interações preferencialmente em língua alemã.
A divisão dos temas, do tempo de aula e dos encontros pode ser facilmente adaptada a diferentes contextos, já que diferentes cenários de ensino-aprendizagem - como experiências anteriores, acesso à internet e ao datashow, número de estudantes por sala e interesse pelo tema - podem afetar na configuração da sequência. Para a sistematização proposta neste artigo, tomamos como base a possível aplicação da sequência em uma turma de 15 até 30 estudantes de nível inicial - A1 e A2, segundo o QCER (cf. CONSELHO DA EUROPA, 2001). Na próxima seção apresentaremos em maiores detalhes como as atividades podem ser realizadas em cada uma das três fases.
4 Descrição das atividades e sugestões de condução
Apresentamos nesta seção como as atividades da SD proposta podem ser desenvolvidas. Como comentado anteriormente, a SD apresenta possíveis caminhos para o trabalho com textos autênticos em turmas iniciais de ALA. Deste modo, não serão descritas somente as atividades, mas também possíveis condutas para as professoras em relação à organização temporal das tarefas, assim como atitudes de natureza pedagógica perante possíveis dificuldades das alunas.
4.1 Atividades de introdução
Já que atividades de introdução devem ativar os conhecimentos prévios das alunas, despertar seu interesse e estabelecer um primeiro contato com o objeto de ensino (ENDE et al., 2013), faz sentido que elas discutam suas próprias percepções sobre o gênero textual a ser trabalhado. Seguindo essa lógica, pensou-se para a primeira fase da SD um breve levantamento acerca das experiências das estudantes com a compreensão auditiva em língua alemã, seja com materiais autênticos ou com as atividades do livro didático em sala de aula, assim como uma discussão acerca do gênero textual que será trabalhado: o curta-metragem.
Nesta primeira fase, as estudantes poderão levantar suas impressões sobre o uso do livro didático e compartilhar experiências com músicas, vídeos, filmes ou séries na língua adicional, podendo ser um espaço de troca acerca de materiais e mídias relevantes para a aprendizagem de ALA. Consideramos este momento importante para que as alunas se sintam acolhidas com relação às suas dificuldades e às suas experiências com a aprendizagem autônoma coma língua alemã, o que pode ter um impacto na sua motivação e confiança. Consequentemente, as discussões sobre diferentes mídias de acesso à linguagem autêntica, que vão além do livro didático, podem colaborar para um novo posicionamento de estudo autônomo. Além disso, tal discussão tem o objetivo de preparar as alunas para as próximas fases da SD com o gênero textual curta-metragem e acessar o seu conhecimento prévio.
Dada a imprecisão da definição do gênero e toda a sua diversidade (WELKE, 2007), a fase da introdução representa um passo fundamental para a compreensão das potencialidades e expectativas do trabalho com o curta-metragem. O tempo e direção das discussões podem ser adaptados tendo em vista o interesse e experiência das estudantes, mas é essencial abrir um espaço para discussão sobre a relevância do trabalho com textos autênticos em ALA e quais são as suas possibilidades para a aprendizagem autônoma.
4.2 Atividades de elaboração
A fim de iniciar a fase de elaboração, ou seja, o momento para as alunas analisarem, sistematizarem e praticarem o objeto de ensino, seria feita mais uma discussão de forma oral e, se possível em alemão, a partir da imagem abaixo a fim de levantar hipóteses sobre o curta-metragem. A professora pode apresentar às alunas as seguintes perguntas:
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Wer sind diese Personen?
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Wo findet die Geschichte statt?
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Warum heij3t der Kurzfilm "Milch & Zucker"?
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Was passiert im Film?,
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Was ist das Thema des Filmes? 8
As questões a partir da imagem ativam conhecimentos prévios e fomentam a discussão e sistematização de vocabulário essencial (exemplo: Café, Vater, Toehter) para analisar a imagem e prever o conteúdo do curta. A professora pode atribuir um tempo para que as estudantes pesquisem no dicionário palavras-chave para responder às perguntas. É importante que o trabalho com textos autênticos não promova ansiedade para as estudantes, mas uma oportunidade de lidar com a língua de uma maneira mais criativa e contextualizada. As perguntas provocadoras e a elaboração de respostas e espaço para discussão dialogam com aspectos pedagógicos, psicológicos e linguísticos da SD (DENARDI, 2017; DOLZ et al., 2004).
Com relação ao uso de legendas para a apresentação do curta, Hjelset (2015) sugere que o acompanhamento dos vídeos com legendas no mesmo idioma pode apoiar a aprendizagem e possibilitar uma melhor compreensão do texto. Não obstante, as legendas exigem um esforço extra de leitura, o que pode se sobrepor à compreensão auditiva. Assim, consideramos que as professoras podem adequar sua decisão com o grau de compreensão esperado pelas alunas e o nível de dificuldade do texto. No caso da SD com o curta Milch & Zueker, optou-se pela transmissão do filme com o áudio original em alemão e sem legendas. Como dito anteriormente, o campo semântico de Milch & Zueker pertence ao conhecimento das alunas e ele não é gramaticalmente complexo. Além disso, o fato de estarmos trabalhando com um texto audiovisual faz com que a compreensão de estruturas linguísticas mais complexas seja facilitada a partir da junção entre texto e imagem (BILYTSKA, 2017).
Para essa SD, sugere-se que o curta-metragem seja passado duas vezes. Na primeira passagem do curta, as alunas poderão compreender, de maneira global, a história do filme, buscando identificar palavras conhecidas e desconhecidas. Antes da primeira visualização, a professora pode apresentar e explicar as perguntas norteadoras que vão apoiar e direcionar a interpretação do curta. Na segunda visualização, a professora pode fazer pausas em trechos específicos para verificar a apreensão do enredo e discutir as respostas às perguntas norteadoras, como por exemplo:
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Wer sind diese Personen?
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Warum heißt der Film "Milch & Zucker"?
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Was ist die Beziehung zwischen der Frau und dem Mann?
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Worüber sprechen sie? Warum wird die Frau unglücklich?
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Warum muss sie losgehen?
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Was verabreden sie am Ende? 9
Vale ressaltar que para responderem às perguntas, as alunas não precisam entender inteiramente o curta. Um aspecto importante deste trabalho é demonstrar que alunas de níveis iniciais não precisam ser confrontadas apenas com textos simplificados ou altamente didatizados. Além disso, as imagens e discussões podem auxiliar na compreensão do vídeo. As perguntas norteadoras e o tempo de discussão podem ser adaptados pelas professoras a depender das necessidades específicas das estudantes. Eventualmente pode ser relevante entregar a transcrição das falas dos personagens para acompanhar uma terceira visualização. Também pode ser necessário oferecer um tempo extra para que as estudantes discutam as perguntas e procurem formular respostas em alemão.
4.3 Atividades de produção
A última fase deve fomentar a produção (oral e escrita) por meio de atividades em que as alunas tenham liberdade para fazer escolhas com relação aos temas e às formas de desenvolver seus textos. Logo, essa fase introduz a possibilidade do uso do idioma e de estratégias de elaboração textual que levem em consideração os conhecimentos e interesses das estudantes, representando um processo de aprendizagem contextualizado e reflexivo. Sugerimos, portanto, que as professoras apresentem alternativas de tarefas para que as estudantes possam escolher, adaptando-as eventualmente às suas necessidades. O desenvolvimento dessas tarefas pode ser realizado dentro e fora de sala de aula, mas idealmente seria interessante que as professoras e/ou monitoras pudessem apoiar as estudantes durante o processo de elaboração dos textos.
A primeira fase das atividades após a compreensão auditiva seria feita de forma oral e em grupos, na qual as alunas possam discutir (preferencialmente em alemão) acerca de suas experiências assistindo ao curta-metragem. Para essa discussão, a professora pode apresentar algumas perguntas norteadoras, como por exemplo: Wie ist lhre Familie? Wie ist lhre Beziehung zu lhren Eltern bzw. anderen Familienmitgliedern?.10 Além disso, poderão ser oferecidos recursos discursivos para que elas se encorajem a falar em ambas as discussões, como "Den Kurzfilm finde ich ...." e "Ich habe gut/viel/wenig verstanden" para a primeira parte, e "Meine Familie ist ....", "In meiner Familie gibt es... "e "Meine Beziehung zu (+ Dativ) ist ....".11 A escolha dos recursos discursivos pode variar de acordo com o nível de cada turma. Ademais, pode ser relevante o oferecimento de acompanhamento individual para a preparação da produção oral das estudantes.
Após essa fase inicial, tem-se o objetivo de oferecer algumas opções de atividades de produção oral e escrita, as quais as alunas possam escolher de acordo com seus objetivos e interesses. A proposta é trabalhar com o final aberto do curta-metragem ao sugerirem uma continuação para a história. Tal escolha foi inspirada pelo livro didático Dimensionen (JENKINS et al., 2002-2006), sendo um dos seus objetivos oferecer alternativas de atividades que possam ser relevantes para as necessidades de um grupo específico de estudantes. Pensamos, portanto, em sete opções divididas entre texto/imagem e vídeo/áudio. No que se refere a texto/imagem: (a) escrever mensagens de textos entre as personagens; (b) escrever um roteiro para a continuação do curta; (c) fazer uma história em quadrinhos; (d) fazer uma colagem/um desenho com texto. Para a produção vídeo/áudio: (e) gravar um vídeo encenando uma conversa entre as personagens; (f) gravar mensagens de áudio trocadas pelas personagens; e (g) gravar um vídeo contando o que aconteceu da perspectiva de alguma das personagens.
Na alternativa (a), as alunas poderiam escrever as mensagens no papel ou até trocar mensagens de WhatsApp ou pelo Instagram com a colega, permitindo o trabalho com mídias digitais. As atividades de texto/imagem são mais apropriadas para aprendizes que dêem preferência para tarefas abstrato-analíticas (abstrakt-analytisch), uma vez que a partir das mensagens de texto é possível fazer uma sistematização mais clara da situação (BIMMEL; RAMPILLON, 2000). Além disso, também pretendem contemplar habilidades visuais (visuell oríentiert) e as orientadas para a ação (erfahrungsorientiert), o que pode fomentar a criatividade.
As atividades de vídeo/áudio têm orientação para habilidades auditivas (auditiv orientiert), comunicativas/cooperativas (kommunikativ bzw. kooperativ orientiert), motoras (haptisch bzw. motorisch orientiert) e voltadas para a ação (erfahrungsorientiert) (BIMMEL; RAMPILLON, 2000). As estudantes poderão se concentrar na fala e interagir com colegas, movimentando-se para encenar e colocar em prática o vocabulário e as estruturas vistas no curta-metragem.
Tendo em vista as considerações e sugestões apresentadas nesta seção, acreditamos que as atividades propostas por meio do uso de um texto audiovisual em uma estrutura de SD possa fomentar o trabalho com materiais e participação autêntica, promovendo uma maior autonomia e liberdade de escolha para as estudantes de alemão (JENKINS, 2006). A partir de tarefas que possibilitam diferentes experiências linguísticas, sensoriais e culturais, as estudantes têm a oportunidade de utilizar a língua adicional de forma mais contextualizada e criativa, influenciando a aprendizagem e a motivação. Espera-se que as sugestões de atividades possam apoiar estudantes e professoras no momento da elaboração de atividades com textos autênticos desde turmas iniciais, configurando novas alternativas para o trabalho didático em ALA.
5 Conclusão
O presente artigo propõe uma sequência didática para o ensino de compreensão auditiva em Alemão como Língua Adicional, utilizando um texto autêntico a partir de turmas iniciais. Defendemos, portanto, o fomento do trabalho com textos autênticos em detrimento da unicidade da recepção oral de áudios altamente didatizados dos livros didáticos voltados para o mercado internacional, que muitas vezes não compreendem a variedade da língua falada (BEREND, 2009). Há, por um lado, o objetivo de integrar aspectos da oralidade dos países da língua adicional, mas sem abandonar a progressão linguística dos livros didáticos, de forma a equilibrar as modalidades de trabalho com o idioma alvo (MAIJALA, 2007).
Apesar de a compreensão auditiva ser uma experiência que vai muito além da compreensão lexical ou gramatical (BRAUN, 2008), muitos dos processos que ocorrem naturalmente na primeira língua não acontecem de maneira intuitiva na língua adicional (BRAUN, 2008). Um deles é a falta de intenção de compreensão (BRAUN, 2008). Por isso, elaboramos uma SD com atividades de Introdução, Elaboração e Produção (ENDE et al., 2013) que tivessem como objetivo auxiliar as alunas a alcançarem experiências contextualizadas para a compreensão global e seletiva do texto. Nesse sentido, a escolha por um texto audiovisual autêntico também é relevante nos níveis iniciais, pois a combinação entre texto e imagem permite o trabalho e a compreensão de estruturas mais complexas (BILYTSKA, 2017).
A SD elaborada teve como base o curta-metragem Milch & Zucker (2018), destacando sua acessibilidade linguística, curta duração, recursos audiovisuais e disponibilidade gratuita online. Esta proposta não se limita a um manual fechado, podendo ser adaptada para diferentes gêneros textuais e contextos de ensino, visando uma aprendizagem que ultrapasse a esfera estrutural da língua e promova a participação ativa das estudantes e professoras. Logo, ao adotar materiais autênticos, busca-se não somente enriquecer o repertório linguístico das aprendizes, mas também motivá-las e incentivá-las a se engajar em comunidades linguísticas da língua adicional e utilizar o idioma de maneira contextualizada, isto é, com objetivos específicos e relevantes ao público-alvo. Além disso, a integração de materiais autênticos no ensino de ALA permite uma reflexão crítica e cultural mais complexa, preparando as alunas para interações autênticas dentro e fora da sala de aula.
Embora o trabalho com materiais autênticos apresente desafios, como a adaptação do nível linguístico e a relevância temática, é fundamental que professoras e pesquisadoras busquem maneiras de superar essas dificuldades, visando uma educação mais contextualizada e significativa. Nesse sentido, a proposta de sequência didática apresentada neste artigo oferece uma alternativa viável e eficaz para o ensino de compreensão auditiva em ALA, promovendo uma aprendizagem mais autêntica, participativa e motivadora para as estudantes.
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1
O presente artigo foi desenvolvido com apoio da Bolsa CAPES de Mestrado (processo 88887.940186/2024-00).
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2
Tradução nossa do original: Es ist kein Geheimnis, dass das gesprochene Deutsch eine äußerst vielfältige und variantenreiche Sprache ist.
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3
Optamos pelo termo língua adicional (LA) em detrimento da língua estrangeira (LE), pois, enquanto a segunda indica que o aprendizado foi desenvolvido fora do convívio social entre falantes da língua-alvo, LA refere-se à língua como recurso para a participação em práticas sociais. O termo LA associa-se à utilização de uma língua como meio de integração no cotidiano e convívio social, considerando as outras línguas ou variedades que compõem o repertório linguístico das aprendizes (SCHLATTER; GARCEZ, 2009). Na área de ensino de alemão, emprega-se desde os anos 1970 o termo DaF, Deutsch ais Fremdsprache (Alemão como Língua Estrangeira), que designa o ensino pela perspectiva europeia. Assim, consideramos que o termo alemão como língua adicional tende a ampliar as perspectivas de aprendizagem do idioma no Brasil.
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4
Para referências genéricas, usamos o artigo feminino, que engloba aqui também outros gêneros, ou seja, pessoas que estudam, pessoas que ministram aulas.
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5
Acesso em: https://youtu.be/YauVQtntAa8.
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6
Acesso em: https://youtu.be/YauVQtntAa8
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7
As perguntas norteadoras são: 1. Wer sind die Personen; 2. Warum heißt der Film "Milch & Zucker"?; 3. Was ist die Beziehung zwischen der Frau und dem Mann?; Worüber sprechen sie? Warum wird die Frau unglücklich?; 5. Warum muss sie losgehen?; 6. Was verabreden sie am Ende?
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8
(a) Quem são essas pessoas? (b) Onde a história se passa? (e) Por que o curta-metragem se chama "Milch & Zucker"? (d) O que acontece no filme?, (d) Qual é o tema do filme?.
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1. Quem são essas pessoas? 2. Por que o filme se chama "Milch & Zucker"? 3. Qual é a relação entre a mulher e o homem? 4. Sobre o que eles falam e por que a mulher parece infeliz? 5. Por que ela tem que ir embora? 6. A qual acordo os dois personagens chegam ao final?
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10
Como é a sua família? Como é seu relacionamento com seus pais ou outros familiares?
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11
"Acho que o curta-metragem... " e "Entendi bem/muito/pouco" "Minha família é...", ''Na minha família há... " e "Minha relação com (+ dativo) é...".
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Fev 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
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Recebido
13 Ago 2024 -
Aceito
13 Set 2024