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Aspirações e fracassos da narrativa contemporânea em um romance de Roman Ehrlich

Aspirations and failures of contemporary narrative in a novel from Roman Ehrlich

Resumo

Em seu último romance, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens (Os pavorosos dias do Espantoso Horror), Roman Ehrlich apresenta a trajetória de um grupo de pessoas que almeja produzir um filme de terror inovador que retrate todos os medos da atualidade. Ao mesmo tempo que não rejeitam a inspiração dos mais diversos filmes do gênero, incluindo o trash, os envolvidos acreditam poder produzir uma obra vanguardista de destacada qualidade artística. Tão claro quanto o futuro fracasso do projeto, está o jogo de vaidades e inseguranças que movimenta o grupo, assim como a completa ausência das pretensas qualidades artísticas. Com base nas teorias de Andreas Huyssen sobre o pós-moderno, Bourdieu sobre o valor da arte, e Boris Groys sobre o novo, este artigo visa discutir como ambições artísticas mal fundamentadas produzem o efeito de vazio trabalhado no romance de Roman Ehrlich.

Palavras-chave:
pós-moderno; valor da arte; hipster; pós-terror

Abstract

In his latest novel, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens, Roman Ehrlich presents the trajectory of a group of people which aims the production of an innovative horror movie that depicts all contemporary fears. They do not reject the inspiration of various movies, including B-movies, and trust their capability of producing a high-quality avant-garde work. The future failure of the project is clear, for the group is moved by vanity and insecurity, and lacks any of its pretense artistic qualities. Based on the theories of Andreas Huyssen about the post-modern, Bourdieu about the value of art, and Boris Groys about the new, this article discusses how poorly grounded artistic ambitions produce the feeling of emptiness explored in Roman Ehrlich’s novel.

Keywords:
post-modern; value of art; hipster; post-terror

A apresentação da obra deixa, desde o princípio, claro a que veio. O título, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens (Os pavorosos dias do Espantoso Horror) não apenas dá indício de que se trata de um romance que irá, de alguma maneira, abordar o horror, mas também o faz de forma a acentuar o exagero, provocando, consequentemente, um efeito satírico. Da mesma forma, a capa do livro, apesar de totalmente coberta pelo nome do autor e título em letras vermelhas, tem como base um fundo amarelo ovo que também não suscita mistério ou terror. A combinação do vermelho com o amarelo chamativo - a mesma utilizada pela rede de fastfood McDonald’s - evoca muito mais a ideia de uma narrativa jovem e potencialmente divertida, que é o que o livro entrega.

A história é narrada por Moritz, um jovem formado em Estudos de Cultura e Mídia na Universidade de Munique, empregado em uma firma de pós-produção que oferece serviços para a indústria fono- e cinematográfica. Moritz está atravessando um momento de crise - recém-abandonado pela namorada e insatisfeito com o trabalho -, quando é contatado por um ex-colega da faculdade, Christoph, que o convida para participar de seu próximo filme de terror.

O filme, Das schreckliche Grauen (O Espantoso Horror), ao qual se refere o título do livro, não é o primeiro projeto de Christoph. Moritz já havia assistido a um curta metragem do ex-colega, chamado Der fiese Film (Teil 1) (O Filme Asqueroso - Parte 1). Apesar de o filme não ter tido nenhuma recepção relevante (434 acessos no YouTube) e ser uma produção de péssima qualidade, com má atuação, enfoque de câmera inadequado e figurino que ele designa como “ridículo” (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 20), nada disso serve como um indicativo para Moritz de que Christoph não tenha qualquer talento para direção ou para o cinema em geral. E a razão de ele aceitar trabalhar com Christoph parece ser o desejo de Moritz de se destacar dos outros por um suposto entendimento superior do mundo devido ao seu envolvimento com a arte, em especial, com a arte que só é apreciada por um recorte seleto de escolhidos.

Moritz pode ser identificado como um narrador não confiável. Por um lado, está plenamente convencido do valor do trabalho de Christoph, por outro, tudo aquilo que é descrito pelo narrador está muito distante de ser o trabalho de um diretor visionário, que é o que ele acredita estar descrevendo. Desde o início, e cada vez mais conforme a história avança, o que se lê é a descrição da atuação de um parvo narcisista. Tão óbvia quanto essa percepção possa ser para o leitor, ela não é partilhada pelo narrador que descreve esses fatos. Ao que tudo indica, noções difusas do que seria a arte pós-moderna influenciam a percepção do incauto narrador. Ao comentar o curta metragem do ex-colega, Moritz menciona o interesse que Christoph teria por importantes diretores alemães dos anos 1960, como Fassbinder e Schlöndorff, de forma que ele parece concluir que tanto o figurino ridículo quanto a atuação fraca devem ser, na verdade, propositais, e que deve haver alguma intenção artística por trás de tudo isso. Moritz deveria saber, através de seus estudos na área, que esse é um efeito comum na arte pós-moderna, grandes diretores fizeram uso dele - já durante a modernidade, o efeito de estranhamento, que pode fazer uso de uma atuação marcadamente deficiente, era um dos conceitos centrais da arte dramática. Que características aparentemente questionáveis para um olhar destreinado sejam recorrentes em grandes obras de arte é algo que Moritz sabe, ele apenas parece não sabe dizer ao certo qual é a finalidade delas. Assim, assumir que não aprecia o filme - que, pelo que se percebe de sua descrição, realmente não tem valor algum - poderia, da perspectiva de Moritz, resultar no mesmo que assumir que ele próprio não dispõe de um entendimento especial de arte.

Um dos temas recorrentes do romance é o desejo de se destacar das massas pela relação com a arte, apesar de uma dificuldade latente de compreender o que definiria uma produção como tal. Essa suposta superioridade está exposta desde o primeiro momento no qual Moritz menciona sua antiga relação com Christoph. Unidos pelo interesse em comum por filmes e música, sua principal atividade era criticar os outros estudantes que eles consideravam

... fracos, inúteis, degenerados, crianças, egomaníacos, ignorantes, hipocritamente afeminados, incultos, desinteressantes, sem noção, arruinados e débeis, covardes, cegos e surdos para o bem maior, de forma geral e no todo uma enorme decepção em comparação às expectativas e esperanças que nós havíamos feito antes de termos entrado na universidade. (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 16)

Tanto o narrador, Moritz, quanto seu ex-colega, Christoph, reconhecem o poder simbólico da arte, como definido por Bourdieu (20103 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.): o conhecimento do cânone artístico como forma de atestar pertencimento a uma elite cultural. Eles creem ser pessoas superiores, que se destacam no seu meio social devido ao seu gosto pessoal por música e filme. A princípio, a diferença entre os dois protagonistas é a maneira através da qual cada um procura se apropriar da arte: Moritz posa como alguém de gosto privilegiado e simula conhecimento e reconhecimento daquilo que é artisticamente válido, enquanto que Christoph deseja ser aquele que produzirá algo novo e grandioso. Assim, ao ser chamado para o projeto de Christoph, Moritz passa a ver a si mesmo como o “escolhido” por supostos talentos superiores à massa. Contudo, como fica claro para o leitor desde o início, nenhum dos dois é realmente possuidor de quaisquer talentos, ou de uma compreensão mais aprofundada do que realmente poderia ser o valor da arte ou, mais especificamente, o valor da arte que ultrapassa sua funcionalidade de identificá-los como pertencentes a uma elite. E é essa falta de compreensão, e de talento, que vai guiá-los ao cadafalso.

Na primeira parte do livro, Christoph reúne um grupo de pessoas que estão dispostas a participar de seu filme e organiza encontros regularmente nos fundos de um bar. Cada um dos membros recebe uma função diferente, de cinegrafista a atores. Ironicamente, essas funções não são discutidas em nenhum momento da preparação - sequer são discutidas mais tarde, durante a produção do filme. As reuniões se resumem a sessões, nas quais cada um deve narrar seu maior medo. O diretor afirma que deseja tratar do “problema fundamental de nossa sociedade: o medo” (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 36), e justifica a escolha do gênero do filme com as seguintes palavras:

É uma documentação. Quando fazemos um filme de terror hoje em dia, produzimos um testemunho de nosso tempo. Não faremos um drama, nem uma comédia, porque não acreditamos mais que nossa situação se deixe traduzir numa ação como essa. [...] No final, não se dançará, a não ser que seja sobre os restos em brasa de nossas cidades, com os pés enfiados até o tornozelo nas entranhas de seus habitantes, nos cacos que nos são deixados. (ibidem: 37)

Ao mesmo tempo em que é evidente que Christoph cativou os membros de sua equipe com sua retórica, convencendo-os de que fazem parte de algo significativo, também é impossível não notar que essa retórica é marcada principalmente por um apelo patético ao sentimentalismo. Os dizeres sobre a dança no final dos tempos falam ao pathos dos participantes, mas são, em verdade, vazios de sentido e não trazem qualquer inovação, mesmo enquanto palavras iniciais do projeto, como esboço de um manifesto. Assim, o discurso de Christoph se afasta do conceito de manifesto artístico e se aproxima muito mais do kitsch. Segundo Dietrich Mathy, o kitsch não é o “lixo” da arte. Ele não é definido pela inépcia técnica - embora este recorrentemente vá ser o caso na produção retratada no romance -, mas principalmente por uma “falsificação estética da realidade” (Mathy 200311 MATHY, Dietrich. Kitsch. In: HÜGEL, Hans-Otto. Handbuch Populäre Kultur. Stuttgart, Weimar: Verlag J.B. Metzler, 2003, 281-287.: 281-282). Essa falsificação é a base das falas de Christoph, que almeja um discurso grandiloquente, mas cujas palavras não apresentam qualquer relação com a realidade, de forma que ele apenas atinge o vazio.

Christoph não apenas não dispõe de qualquer talento, mas também está perdido na busca de um equilíbrio entre o arquivo cultural estabelecido - que inclui desde obras cinematográficas canônicas, até o arquivo “cult” do gênero - e a busca pela grande inovação que seria capaz de apresentá-lo como distinto diretor de sua geração. Enquanto a busca pela originalidade se dá na primeira etapa dos encontros, quando cada participante deve fazer relatos sobre seus maiores medos, momento no qual estariam fazendo uma espécie de estudo sobre a questão na atualidade, ao final das reuniões, eles assistem a um filme de terror clássico. As obras selecionadas vão desde filmes consagrados a obras trash, de Fassbinder a Lucio Fulci, ou seja, o aspecto atual e pessoal do medo seria então fundido com a exposição ao amplo arquivo cultural do terror, do alto ao baixo, tudo deve ser consumido.

As preparações que Christoph oferece para o seu projeto parecem, inicialmente, bem planejadas e de acordo com o entendimento de arte pós-moderna. Tome-se a questão da apresentação a obras de arte que pertencem tanto ao escopo entendido como erudito quanto ao trash. Uma das principais características do pós-modernismo é uma troca maior entre as culturas ditas “alta” e “baixa”. Há teóricos que discutem se o pós-modernismo deveria mesmo ser entendido como uma nova fase, tendo-se em vista que muitas de suas características definidoras foram desenvolvidas na modernidade (como o efeito de estranhamento, mencionado no início do artigo), e o diferencial seria apenas sua aplicação de forma mais sistemática do que antes. Assim, a manutenção do nome “modernismo” serviria para indicar não uma ruptura, mas sim a continuidade de um processo iniciado anteriormente (Huyssen 19868 HUYSSEN, Andreas. After the Great Divide. Modernism, Mass Culture, Postmodernism. Bloomington, Indianopolis: Indiana University Press, 1986.: x). Em seu estudo, After the Great Divide, Andreas Huyssen, um dos teóricos que defende que o pós-modernismo é apenas a continuidade daquilo que foi iniciado anteriormente, discute como questões sobre a divisão da arte erudita e da arte de massas, ou popular, presentes no campo artístico desde o final do século XIX, são um dos traços definidores do que se concebeu chamar pós-moderno. Ele apresenta oscilações no tratamento da arte, revelando momentos onde a cisão entre “alta” e “baixa” foi mais rígida, como no final do XIX, ou menos rígida e mais experimentadora, como na arte de vanguarda do início do século que fez largo uso da arte popular (ibidem: viii). Em seguida, no modernismo, a teoria de Adorno (19851 ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. In: ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.) sobre a indústria cultural teria servido à propagação de uma divisão muito mais severa entre a arte erudita, ou aquilo que aqui é definido como alto modernismo, e a indústria de massas. Isso teria criado, sobretudo na Alemanha, o que pode ser entendido como ansiedade de contaminação, criando em muitos artistas de renome (mesmo que não em sua totalidade) a necessidade de manter um certo distanciamento de tudo o que pudesse ser compreendido como cultura de massas. Embora o pós-modernismo - como será argumentado adiante - se apresente como um momento de ruptura com esse pensamento, o fato é que traços dele persistem até hoje, como se pode ver não apenas no pensamento de muito acadêmicos tão críticos à cultura pop, mas também naquilo que se concebeu chamar de cultura hipster, onde não é incomum a crença de que apenas aquilo que não caiu no gosto popular seria uma forma de arte elevada e digna (ou como conhecemos do linguajar popular: “Gostava antes de ser modinha”, frase que precede o abandono de interesse pelo artista em questão). Seguindo esse pensamento, não bastaria apenas não ser produzido de uma forma esquemática e industrial, mas seria igualmente importante que apenas uma limitada elite cultural fosse capaz de apreciar a obra em questão para que ela fosse entendida como valorosa. A atitude do narrador, Moritz, evidentemente reflete esse posicionamento de distanciamento das massas, mais aproximado do fenômeno hipster, onde a distinção não diz respeito às diferenciações entre arte “alta” e “baixa”, mas apenas a um suposto olhar mais aguçado sobre as obras de arte pouco compreendidas pelo grande público - razão pela qual ele parece se afeiçoar a produtos de gosto duvidoso.

Após essa fase demarcada pelo forte distanciamento entre “alto” e “baixo”, vem o pós-modernismo, que, como apresentado por Huyssen (19868 HUYSSEN, Andreas. After the Great Divide. Modernism, Mass Culture, Postmodernism. Bloomington, Indianopolis: Indiana University Press, 1986.: 168s.), envolve uma retomada dos movimentos de vanguarda europeus que visavam desestabilizar a elitista “instituição da arte”. Se movimentos como o Dadaísmo não foram capazes de desestruturar essa instituição, a arte pop dos anos 60 e os desenvolvimentos artísticos posteriores são vistos por Huyssen como uma espécie de “jogo final” da vanguarda, quando a cultura trivial e de massas passa a ser aceita dentro dos círculos artísticos (ibidem: 170) - afirmação que ele faz citando o icônico ensaio de Leslie Fiedler sobre o pós-modernismo, “Cross the border, close the gap”. O pós-modernismo é o momento no qual essas fronteiras se fazem muito mais flexíveis, com maior permeabilidade de ambos os lados, sendo que o uso de aspectos e traços das artes de massas, ou populares, passam a ser não apenas aceitos, mas característicos das obras criadas nessa época. Assim, a seleção de obras a serem expostas nas reuniões de Christoph está de acordo com esse entendimento, uma vez que, apesar de almejar a produção de um filme de alto valor, ele não limita o acervo a ser compartilhado por sua equipe ao erudito, mas o expande ao cult e ao trash. Uma divisão entre o “alto” e o “baixo” não se aplica e não deve definir o modo de trabalho do grupo, tudo deve ser consumido.

Contudo, Christoph não chega a se permitir uma inspiração maior dessas fontes, chegando a afirmar: “Nós não queremos citar nada aqui, disse ele, precisamos de espaço para o novo; mas não irá nos prejudicar sentir algumas possibilidades com nossos olhos e nossa pele.” (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 64) Se Christoph parece reconhecer que as referências desses artistas são importantes e servem como credenciais, ao mesmo tempo ele não tem ideia de como devam ser trabalhadas. Assim, ele não apenas proíbe a citação dessas obras em sua produção, mas também os filmes jamais chegam a ser discutidos nas reuniões, indicando, assim, que ele não sabe fazer uso dessas influências, da mesma maneira que também não consegue transmitir conhecimento sobre essas obras a terceiros. Tudo aponta para o fato de que sua compreensão de arte é limitada.

Não é difícil entender que a apresentação desses filmes clássicos deveria ter um impacto positivo no desenvolvimento do projeto de Christoph, para isso, basta tomar por exemplo as afirmações de Gadamer sobre a compreensão da arte. Para o teórico, a arte contemporânea só pode ser compreendida através da arte passada, e esse entendimento da arte como um todo é visto por ele como um processo de alfabetização (Gadamer 20125 GADAMER, Hans-Georg. Die Aktualität des Schönen. Stuttgart: Reclam, [1977] 2012.: 78). O personagem Christoph compreende, de alguma maneira, que se faz necessário “alfabetizar” seus colaboradores. Eles devem ser expostos aos mesmos filmes e compartilhar da mesma base. Mas essa é uma alfabetização deficitária desde o princípio. Não há uma ordem clara para as exposições, nem alguma explicação sobre os critérios de seleção. Os filmes são expostos, mas nunca são discutidos. Para quem está de fora, ou seja, o leitor, o conhecimento de Christoph se assemelha a uma espécie de name dropping: ele sabe mencionar diretores e títulos, mas é incapaz de reconhecer o que, exatamente, faz deles tão especiais.

Ao mesmo tempo que a estratégia de Christoph serve para maquiar o seu desconhecimento, ela também serve para que ele se apresente de forma mais convincente como integrante da mais elevada elite cultural. Como Bourdieu (20172 BOURDIEU, Pierre. A distinção. Trad. Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira. 2 ed. rev. Porto Alegre: Zouk, 2017.: 9-10) explicita em seu estudo A distinção, a arte somente pode ser compreendida por aqueles que tiverem conhecimento de seu código específico, e permanece um campo fechado para grandes massas. Esse código é adquirido pela instrução dita “erudita”. Mas, salienta o autor, mais elevado do que ter acesso à instrução considerada “escolar” é ter a instrução de berço, gozar da arte como forma de deleite hedonista (idem). A abordagem de Bourdieu certamente reproduz a “grande divisão” mencionada por Huyssen - aquela que deveria ter sido deixada para trás com o advento do pós-modernismo -, mas não deixa de ser uma abordagem adequada para se pensar as ações do grupo, uma vez que, como visto anteriormente, o fato de abraçarem obras eruditas e trash não impede que os protagonistas Christoph e Moritz reproduzam uma atitude elitista, procurando distinção através de sua relação com a arte. Christoph e Moritz, assim como todo o romance, podem ser lidos como uma sátira ao hipster - figura que nunca foi vista sem crítica, razão pela qual seus representantes sempre negam o termo. O hipster abraça conceitos do pós-moderno, como uma suposta rejeição ao puramente estético, e consume todo o tipo de produção artística, do trash/pop ao erudito. Mas ele não rompe com a ideia de distinção apresentada por Bourdieu (Hill 20177 HILL, Wes. Art after the Hipster. Cham: Palgrave, 2017.: 60), ou com o conceito de uma arte (ou ao menos a percepção dela) mais nobre como foi vaticinado no modernismo. A arte pop, por exemplo, não é consumida simplesmente pelo prazer que propicia, sem qualquer diferenciação da arte erudita, mas sempre acompanhada de uma ironia explícita, de forma que o consumo do pop não ponha em xeque o profundo conhecimento que o hipster tem das artes, seu gosto seleto. Se a arte pós-moderna parece ter se soltado de antigas amarras de valor estético e artístico, o hipster - que se dedica ao pós-moderno -, também retoma, indiretamente, todas essas questões, porque ele necessita delas para provar o seu valor individual. Essas contradições na percepção da arte são de pouca importância, uma vez que o hipster está, acima de tudo, ocupado de uma representação de sua própria singularidade, típico narcisista, como descreve Žižek (apud 2017: 28).

O hipster deseja se destacar por um conhecimento profundo, não apenas da arte, mas também de seus códigos. Contudo, o conhecimento “escolar”, engessado, certamente não seria o que é entendido como “cool” por esse seguimento. Ideal é a aproximação hedonista, aparentemente despretensiosa. Seguindo esse princípio, Christoph deseja apresentar esse conhecimento de uma forma mais elitista, oferecendo apenas o acesso às obras, deixando o aspecto “escolar” de lado, como se os integrantes do grupo fossem capazes de, instintivamente, perceber o que faz daqueles filmes grandes obras. Como se fossem capazes de simplesmente sorver a inspiração maior dessas obras cinematográficas. Entretanto, é mais do que evidente que, ao optar por não discutir os filmes, ele maquia sua própria ignorância sobre o tema e falha em oferecer uma chave de decodificação das obras, de maneira que o grupo permanece sem conseguir perceber o verdadeiro significado daquilo que está consumindo.

Aqui se faz necessário notar as diferentes camadas da narrativa. Se a enumeração de aclamados diretores não apresenta qualquer efeito no projeto de Christoph - como pode ser observado pelo leitor na execução do projeto ao decorrer do livro, por outro lado, sua pretendida produção não é a única obra de arte à qual o leitor está sendo exposto. Mesmo que se trate definitivamente de uma sátira, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens, também joga com o gênero do terror. Assim, as referências também podem ser lidas pelo espectro da metanarrativa, por meio do qual se entende que os diretores e títulos citados podem não servir efetivamente ao diretor ficcional Christoph, mas, definitivamente, foram explorados na composição do romance pelo autor Roman Ehrlich, este, sim, detentor de maior conhecimento sobre o assunto.

A maestria do autor Ehrlich com o tema não se reflete, entretanto, de nenhuma maneira, na descrição que se obtém da atuação do personagem Christoph. Retomando a ideia de alfabetização artística defendida por Gadamer, é possível afirmar que Christoph é uma espécie de “analfabeto funcional”: ele conhece as letras, pode ler e escrever algumas palavras, mas é incapaz de compreender o sentido de um texto. Ao contrário dos teóricos citados anteriormente, Huyssen e Bordieu, Gadamer não se ocupa de distinções qualitativas, tais como “alta” e “baixa”, erudita e de massas. Para ele, a questão principal é uma espécie de reciclagem da arte. Gadamer (20125 GADAMER, Hans-Georg. Die Aktualität des Schönen. Stuttgart: Reclam, [1977] 2012.: 79) não apenas crê que a arte deve ser observada e compreendida como um todo, de seu princípio até os dias de hoje, mas também crê que a arte contemporânea é responsável pela manutenção da arte do passado, são as releituras que a modernidade faz que mantêm viva a arte de outras épocas. Ou seja, trata-se de um sistema codependente que só pode ser mantido e apreciado através de diálogo entre ambas as partes. A arte presente só pode ser entendida através do passado, e vice-versa. Assim, quando Christoph afirma que eles não deverão citar nada em seu projeto, ele não o está enriquecendo, como ele parece crer, mas sim o esvaziando.

Ao mesmo tempo que Christoph se mune de um aparato aparentemente pós-moderno, ele parece crer no antiquado mito romântico do gênio, sendo ele próprio essa figura que carregaria uma capacidade inata de criar uma arte superior e inovadora. Fica claro por meio de qualquer estudo de história ou do significado da arte que a arte 100% inovadora é uma falácia, mas também quando o foco é a própria inovação, vide a teoria sobre o novo desenvolvida por Boris Groys.

Como Groys (19926 GROYS, Boris. Über das Neue. München: Carl Hansen Verlag, 1992.: 10) aponta, há uma expectativa de que pensadores, escritores e literatos não apenas sigam uma respeitada tradição definida por seus antepassados, mas também que criem o “novo”, aquilo que vai substituir velhos e ultrapassados padrões. Esse desejo pelo novo seria algo típico de culturas providas de arquivos, como bibliotecas e museus, entre outros, de forma que o trabalho não tenha de se concentrar na transmissão da cultura local e possa se orientar em função da inovação (ibidem: 23). Para Groys, a principal estratégia de inovação se constitui de ultrapassar as fronteiras de valor impostas entre o arquivo cultural pré-estabelecido e aquilo que ele define como “espaço profano”. (Antes de se passar ao profano, pontue-se que, para se ultrapassar fronteiras de valor estabelecido, mais do que um talento inato, do que uma força criadora primitiva, é necessário conhecer bem quais são essas fronteiras e do que o território da arte é composto.) O profano é tudo aquilo que não está incluído no arquivo cultural, tudo aquilo que é considerado sem valor, passageiro ou irrelevante. Ao mesmo tempo, esse espaço é o “reservatório de potenciais novos valores culturais, pois ele é o ‘outro’ em relação aos valorizados objetos de arquivo da cultura” (ibidem: 56). Do Naturalismo passando pelo Dadaísmo e chegando ao Pop, o profano já foi explorado das mais diversas maneiras.

Em sua definição sobre o que seria arte, Groys afirma que ela é algo simples e fácil de ser produzido, mas grande parte do que é produzido não apresenta inovações que justifiquem seu arquivamento ou exposição em museus e eventos, e pode ser simplesmente definido como kitsch (ibidem: 76), ou seja, produções artísticas isentas de profundidade e valor. Assim, a inovação, ou a releitura inovadora de objetos profanos, se faz necessária para que a arte seja lida como digna de fazer parte do arquivo cultural, digna do cânone.

Um dos objetos profanos que tem sido altamente explorado pelo pós-modernismo é a literatura ou cinema de gênero, ou seja, obras de arte que seguem um padrão pré-estabelecido como romances policiais, ficção científica ou fantasia. Assim, modelos de narrativa esquemáticos têm sido reformulados e retrabalhados para escrever obras que não respeitam os preceitos elementares do gênero, como se vê em O nome da rosa (1980), de Umberto Eco, Piada Infinita (1996), de David Foster Wallace, ou O perfume (1985), de Patrick Süskind. Algumas dessas obras se inserem completamente no gênero explorado, outras procuram manter um certo distanciamento de forma a garantir o seu status, sinalizando, de alguma maneira, que, apesar de estarem afiliadas ao gênero, se diferenciam qualitativamente dele. O filão profano escolhido pelo diretor Christoph (assim como pelo autor Ehrlich) é o terror.

Curiosamente, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Graues foi lançado poucas semanas antes de uma célebre resenha crítica publicada no The Guardian, na qual o crítico Steve Rose defende que já é possível se falar de um novo gênero de filmes: o pós-terror. Toda a crítica de Rose vai na direção dessa releitura do terror comercial, como fonte do “novo” em filmes atuais. No artigo, Rose se refere a filmes como Ao cair da noite (2017) - que é o objeto da crítica -, Babadook (2014) e A bruxa (2015), que teriam utilizado o gênero para produzir mais do que sustos, já que estariam focados especialmente na questão humana. Ao romper com o esquema típico do gênero, apostando em profundidade, ou seja, em personagens que não são planos e em um foco em questões psicológicas, o pós-terror poderia ser visto como “inovador” e, assim, como arte digna de pertencer ao cânone. O artigo teve grande repercussão por tematizar uma vertente do terror muito presente nos lançamentos atuais, tanto que é possível continuar oferecendo exemplos de filmes que se encaixam em sua descrição lançados após a publicação do artigo, como Um lugar tranquilo (2018) ou Hereditário (2018). Contudo, a recepção do artigo foi claramente dividida: uma parte do público leitor ficou satisfeita com a confecção de mais uma subcategoria, outra parte - em especial fãs de carteirinha do terror - se sentiu ofendida pela criação de mais uma categoria que não serviria para nada, além de reforçar o preconceito que há contra o gênero, uma vez que filmes mais profundos passariam a ser excluídos da classificação original.

Há, de fato, uma revitalização do terror na atualidade que se dá através de um enfoque mais social e psicológico, mas o questionamento dos fãs sobre a necessidade de se renomear o gênero não deixa de ser justificada. De forma semelhante ao termo “pós-moderno”, o “pós-terror” também não serve para designar ruptura - ainda estamos falando de terror, e os traços mencionados por Rose já podiam ser identificados em outras obras de terror muito mais antigas como O Iluminado (1980) ou O bebê de Rosemary (1968). Mas, também é verdade, como acusa um dos fãs do gênero, Waylon Jordan (20179 JORDAN, Waylon. Rebutting “Post Horror” as the Nonsense it is. 2017. Disponível em:https://www.ihorror.com/rebutting-post-horror-as-the-nonsense-it-is/(13/01/2020).
https://www.ihorror.com/rebutting-post-h...
), que a definição oferecida por Rose revela mais sobre o desejo do enunciador de destacar seu gosto seleto, uma vez que o terror que ele consome teria traços artísticos e se diferenciaria de uma produção feita para as massas.

Em seu artigo, Rose, de fato, argumenta sobre um gênero “superior”, como se vê no seguinte trecho: “There’s a market for horrors with low budgets and mass appeal. Which basically means variations on well-established themes: supernatural possession, haunted houses, psychos, zombies. This is the market post-horror is reacting against.” (Rose 201713 ROSE, Steve. How post-horror movies are taking over cinema. The Guardian. 2017. Disponível em:https://www.theguardian.com/film/2017/jul/06/post-horror-films-scary-movies-ghost-story-it-comes-at-night (13/01/2020).
https://www.theguardian.com/film/2017/ju...
) Essa afirmação, contudo, é controversa, em especial quando se tem em vista que o suposto subgênero emergente não necessariamente deseja se distanciar do terror e dos temas pré-estabelecidos, mas muitas vezes busca apenas por variações possíveis do gênero, de forma que a definição como “pós” passa a ser questionável.

O interesse da crítica/artigo de Rose para a compreensão de Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens é amplo. Por exemplo, ele demonstra que o romance reflete um fenômeno do cinema de sua época: a busca do rompimento de limites entre alto e baixo no gênero do terror. Além disso, é evidente que o diretor de Das schreckliche Grauen claramente ambiciona produzir algo como aquilo que é descrito por Rose, um filme de terror de calibre artístico que revele algo mais profundo sobre o ser humano e o tempo no qual ele está inserido. Algo que possa ser apontado como “novo” por um crítico de um renomado jornal como o The Guardian, mesmo que muitas vozes se insurjam contra essa constatação - o que poderia até mesmo aumentar o hype de sua obra.

Se, por um lado, o que o livro nos apresenta é um diretor com pretensões que correspondem às principais correntes de seu tempo, por outro, o que se observa em suas ações é que ele luta contra informações conflitantes que ele tem sobre como a arte “superior” deveria funcionar: ela trabalha com referências, mas deve se apresentar como algo totalmente novo; ela é “pós-moderna”, portanto transita entre o alto e o baixo - e se torna especial justamente por esse trânsito -, mas Christoph dá sinais de sequer compreender do que essas fronteiras são realmente compostas. Assim, Christoph pode ter muitos dos supostos ingredientes necessários em mãos, mas isso está longe de ser suficiente, especialmente diante do desafio de ter que encontrar um caminho inovador.

Que seu projeto esteja destinado ao fracasso se deve em grande parte à sua incapacidade de analisar e reaproveitar o arquivo cultural, mas também à sua inabilidade de reconhecer qualquer coisa que sirva genuinamente à criação de arte. Um dos elementos centrais da composição narrativa do romance em sua primeira parte são os relatos dos participantes do projeto sobre seus medos. Esses relatos, de diferentes durações e temáticas, são a alma das primeiras 300 páginas do livro e claramente dialogam com a tradição do gótico, na qual a apresentação de diferentes narrativas inseridas no romance é comum desde Os mistérios Udolfo, de Ann Radcliffe. Em Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens, os relatos enriquecem a narrativa e apresentam, por vezes, de forma divertida e descontraída, em outras, de maneira mais íntima e psicológica, medos comuns à nossa atualidade - aquilo que Christoph afirma desejar explorar. Ehrlich reconhece o potencial kitsch do terror, de forma que as narrativas apocalípticas que povoam o imaginário atual também se fazem presentes, mas nunca ocupam mais do que algumas linhas e são tratadas com estofo de menor importância. Seu foco principal está no aspecto humano e, para conferir uma representação mais realista dos medos, muitos relatos são banais e, ocasionalmente, até engraçados.

Banalidade e humor não são, de forma alguma, algo estranho ao terror. Uma história que facilmente poderia fazer parte de um livro de Stephen King é a de Jonas, um belo homem que era gordo na puberdade. Enquanto o desenvolvimento de um menino gordo para um adolescente magro e bem constituído não é algo incomum, a narrativa de Jonas inclui o momento em que, frustrado, enunciou em voz alta que daria a alma em troca de um corpo belo. Embora nenhuma entidade de chifres e rabo tenha se materializado diante dele, o fato de essa enunciação ter ocorrido pouco antes do seu desenvolvimento físico fez com que ele, até a idade adulta, carregasse consigo o temor de realmente ter selado um pacto. Já outros relatos, longos e bem desenvolvidos, praticamente podem ser destacados como narrativas independentes, cheias de vida própria e muito diferentes do que se esperaria de um conto de terror, chegando a flanar por outros gêneros, como será visto abaixo.

Os relatos são reproduzidos pelo narrador Moritz, que menciona estar fazendo “importantes” anotações de todo o desenvolvimento do projeto, pois acredita que pode ser de grande auxílio para Christoph no futuro. A narração dos relatos é apresentada no livro em primeira pessoa, dando a impressão de ser uma reprodução direta do que foi falado na noite, mas também é entrecortada por comentários de Moritz sobre suas impressões pessoais ou sobre como os outros ouvintes se comportaram na situação.

Os dois relatos de maior destaque são os dos personagens Ann-Sophie, que ocupa vinte páginas, e do suíço Beat, com mais de trinta páginas. Entre as narrativas, há algumas semelhanças. A primeira semelhança evidente é o fôlego. Para se sustentarem por tantas páginas, e de forma efetiva para a composição do livro, nenhuma delas vai direto ao ponto desde o início. Elas se desenrolam de forma lenta, apresentando personagens que se desenvolvem no decorrer da trama. Não são simples abordagens de medos abstratos, mas de passagens importantes das vidas dessas pessoas, cujo significado só pode ser compreendido dentro de um contexto mais amplo - que é apresentado por seus narradores de forma eficaz. Além disso, mesmo que se desenvolvam de maneiras muito distintas, as histórias de Ann-Sophie e de Beat têm um mesmo ponto de partida: uma paixão homossexual. Ann-Sophie fala sobre o sentimento arrebatador que nutria por uma amiga muito próxima, Lena, à qual nunca se declarou. Beat narra sobre uma viagem de aventuras com um rapaz, da Suíça até Berlim.

Enquanto o relato de Ann-Sophie vai do amor frustrado a um thriller, quando passa a ser perseguida por um rapaz com distúrbios mentais que faz parte da família estendida de Lena, a história de Beat nunca chega a um momento de suspense acentuado. Apesar de algumas pequenas aventuras, como serem expulsos pela polícia de um hotel ou ofensas devido à sua orientação sexual, sua história se apresenta como um longo relato intimista de um breve envolvimento que deixou profundas marcas. Além disso, a narrativa de Beat também se destaca por não poder ser reconhecida como texto oral. Ela apresenta claros traços de um relato escrito, como se vê no trecho a seguir:

Viajamos juntos de São Galo, passando por Zurique, à Basileia e lá embarcamos em um trem noturno alemão que já aguardava na plataforma quando chegamos. Parecia ser um trem antigo, eu nunca havia viajado de trem noturno anteriormente, mas essa atmosfera sonolenta, curiosamente deslocada de seu tempo, me agradou muito. [...] Os outros passageiros em nossa cabine se enrolaram imediatamente em suas roupas de cama e dormiam, ou cochilavam, ou brincavam com os seus smartphones. Nico e eu ainda passamos um tempo encostados no corredor e conduzíamos uma conversa curiosamente fragmentada que, volta e meia, se rompia e atravessava minutos de silêncio antes que um de nós dois dissesse algo novamente, às vezes apenas uma frase ou uma história breve que talvez não tivesse nada a ver com aquilo sobre o que havíamos falado antes. (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 154-155)

Como é possível se observar no texto original em alemão, além de uma descrição detalhada da situação, o estilo textual é facilmente reconhecido como escrito devido ao largo uso do tempo pretérito, em vez do perfeito, que é o tempo de uso oral em língua alemã. A narrativa também faz uso de sentenças longas, como a última desse trecho, e do estilo nominal, como se pode ver em “diese seltsam aus der Zeit gefallene, schläfrige Stimmung”. A escolha do estilo de narrativa escrito atende a mais de uma função. A primeira delas é enfatizar que o relato de Beat tem um estilo narrativo especial, diferente da média. Ele é altamente apreciado pelo narrador do romance, Moritz, que ouve entusiasmado, mas é desprezado por vários outros que vão embora ainda durante a sua fala e, especialmente por Christoph, que demonstra irritação constante. Embora também não saiba dizer o que define seu valor, Moritz está altamente interessado no estilo de narrativa e no aspecto sensível daquilo que está sendo narrado.

O relato de Beat parece representar uma pausa significativa no desenrolar da narrativa sobre o projeto e é um elemento importante para se pensar a questão da produção de arte narrativa contemporânea - que é uma das principais temáticas de Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Beat, estudante de cinema, tem a intenção de vivenciar a criação de arte mais de perto. É isso que ele deseja do projeto. Mas, na prática, o que vemos é a apresentação de um escritor iniciante. Ele narra uma história sensível de um romance que se desenvolve em uma viagem, lembrando estruturas como a do filme Antes do amanhecer (1995), o que também não deixa de ser uma menção a uma temática narrativa recorrente em debuts de jovens escritores: o flanar em Berlim, que é onde a história encontra seu ápice. Assim, é possível reconhecer que a narrativa inserida em Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens é uma espécie de pastiche do que se pode reconhecer como a escrita da geração de autores iniciantes à qual pertence Roman Ehrlich (nascido em 1983), cautelosa, mas não necessariamente original. O que é inegável é que Beat tem mais talento e sentimento do que o diretor Christoph - ou qualquer outra pessoa envolvida no projeto.

A rejeição que Beat sofre por Christoph pode envolver desde a sua nacionalidade suíça até uma leve homofobia - sendo que a história feminina correlata à sua teria sido mais bem tolerada provavelmente por ser entendida como “sensual” por um público masculino heterossexual -, mas, mais do que isso, o que parece estar claro é que Christoph não deseja concorrência. De qualquer tipo. Já no início fica claro que os participantes procuram naquele grupo mais do que a execução de uma obra de arte. Com os frequentes encontros e a exposição de assuntos tão íntimos, logo fica evidente que também há a busca por um efeito de catarse e pela compreensão dos outros integrantes do grupo, o que é reiteradamente rejeitado por Christoph. Sua reação a aplausos e demonstração de empatia logo no início da jornada é de irritação: “Que vocês não me entendam errado. Eu não sou o terapeuta de vocês. Nós coletamos [histórias] aqui com um objetivo claro.” (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 74). Com essa fala ele não apenas demarca a sua função, mas também impede que os participantes do projeto desenvolvam laços entre si. Por fim, ele acaba gerando a completa inibição do elemento sensível, como fica claro na fala de Beat ao se despedir:

Eu havia entendido que esse filme de terror não trataria exatamente do terror, sobre o qual já há milhares de filmes. Mas do terror que a normalidade ou a vida nos causa, as cicatrizes e as dores que vêm disso. Talvez eu tenha compreendido errado, então me desculpem. (ibidem: 170)

Aqui não está marcado apenas o desentendimento, mas, mais uma vez, o desgoverno de Christoph. A ideia de um filme de terror que aborde mais do que o terror, que aborde principalmente a questão emocional, “cicatrizes” da vida, é justamente o que Rose defende em seu ensaio sobre pós-terror, e é o que se espera de Christoph a partir da maneira como ele apresenta o seu projeto. E, como se nota na própria execução do romance, os relatos têm muita força e potencial. Mas, entre tantos conceitos sobre o impulso criador da “verdadeira” arte, com um grupo de pessoas a conduzir, o pretenso diretor acaba se perdendo na ideia do gênio e preferindo alimentar o próprio ego a ouvir o que os outros têm a contribuir. Que a fala de Beat pode ter sido entendida como uma concorrência direta por Christoph fica evidente, pois após dispensá-lo, o diretor decide que é chegado o momento de fazer seu próprio relato e iniciar uma nova fase do projeto.

A atitude de Christoph indica não apenas que ele aposta no ideal do gênio, com habilidades inatas e que cria o “novo” sem dever algo à tradição, mas ele também parece acreditar que o talento artístico deve ser reconhecido pela forma como o artista se apresenta e se porta. Se Christoph apresenta um engajamento sincero na condução desse projeto, ele se dá na autoencenação enquanto artista e gênio, e não na execução do filme. Moritz fala, por exemplo, sobre como Christoph “armava uma postura poderosa” (Ehrlich 20174 EHRLICH, Roman. Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 2017.: 174). Essa preocupação excessiva do diretor consigo mesmo o impede de absorver o que está sendo exposto, de tal forma que nada será reaproveitado durante a execução do filme. Ademais, a posição de poder conferida por essa fé, dele e do grupo, de que a arte vanguarda deve nascer de uma figura excêntrica e de ideias pouco convencionais, aliada à busca dos integrantes por alguém que os ajude a tratar de traumas da esfera pessoal, vai se provar ser uma combinação perigosa.

O relato de Christoph é precedido pela seguinte descrição de Moritz: “Christoph sorriu ironicamente. Mas não como um ser humano sorri para demonstrar que é inofensivo, mas como um animal sorriria antes de atacar alguém, se animais fizessem tal coisa.” (ibidem: 175). Logo fica claro que a percepção de Moritz sobre as intenções de Christoph não é equivocada. Christoph narra, de forma um tanto pretenciosa e com tons de palestra motivacional, como sofreu bullying de um colega da escola dois anos mais velho. O diretor confessa seu antigo desejo de vingança e fala sobre a frustração que teve ao saber, em idade adulta, que seu o antigo colega e ex-bully levava agora uma “vida comum”, com um emprego estável e família. Como conclusão, Christoph discursa reafirmando sua própria superioridade por não ser uma pessoa que vê o mundo como algo dado, uma vez que não conduz uma vida padrão - tal como seu antigo opressor. Como se os maus tratos que recebeu tivessem feito dele uma pessoa mais aberta para aceitar e compreender o novo.

Desde então eu nunca mais percebi o mundo e eu mesmo como algo perene. Mas, e isso é provavelmente o mais importante, eu aprendi que eu e o mundo, que nós somos algo que deve ser constantemente desbravado, reconhecido, questionando e inventado novamente. [...] Eu pertenço àqueles que estão em movimento, aos que nunca chegaram, aos incertos [...] (ibidem: 180)

Como Rautenberg (201812 RAUTENBERG, Hanno. Wie frei ist die Kunst? Berlin: Suhrkamp, 2018.: 101) aponta, na arte contemporânea o bom é o oprimido - mas essa opressão muitas vezes é fingida pelos artistas em suas obras. Christoph, que claramente desejava vingança, assim como estar no topo da escala, vai usar essa perspectiva para agregar valor à sua arte e à sua biografia pessoal. Os métodos, assim como o discurso, são, desde o princípio, questionáveis. Embora ele afirme que crê que todos do grupo também passaram por experiências transformadoras como a dele, Christoph não se dá por satisfeito. Uma vez que é evidente que ele não consegue realmente ouvir o que está sendo apresentado e, ao mesmo tempo, deseja se apresentar no alto de uma posição de hierarquia, introduz agora a nova fase do seu projeto: instrumentos de tortura. A sessão passa a incluir a escolha de um objeto pelos participantes, definindo como serão torturados por Christoph. O diretor afirma que isso serviria para que todos compartilhassem essa incerteza sobre o mundo, de forma que se tornariam aptos a perceber o novo. É evidente que ele está apenas reproduzindo seu trauma, utilizando um papel de suposto mentor para poder aplicar em terceiros, submissos, os maus tratos que recebeu na adolescência. De oprimido a opressor, Christoph crê ser a verdadeira encarnação do gênio, um verdadeiro artista de vanguarda capaz de trazer a compreensão de algo mais profundo com suas próprias mãos. Contudo, sua retórica vazia se assemelha mais aos atuais discursos de autoajuda para empreendedores do que arte propriamente dita, da mesma maneira, ele também não é eficaz em revelar uma verdade superior sobre a vida. Como mencionado anteriormente, seu discurso repetidamente resulta em kitsch.

Com a visível submissão de todos os participantes, Christoph está pronto para iniciar os trabalhos de filmagem - onde absolutamente nada do que foi apresentado e vivenciado na primeira metade do livro é reaproveitado. Se é verdade que os relatos iniciais são efetivos para criar uma intrincada malha narrativa, isso só ocorre no nível da metanarratividade. No que diz respeito ao projeto do diretor, os relatos não são, em nenhum momento, realmente percebidos por ele, assim como não voltarão a ser mencionados ou aplicados durante a fase de (tentativa de) produção do filme.

Na segunda metade do romance, o grupo parte em uma viagem, cruzando a Alemanha. Durante essa viagem, na qual a maioria segue a pé e pernoita em acampamentos, deve ser feita a gravação do filme. Não há roteiro e não há qualquer sinal do mínimo planejamento, tanto no que diz respeito ao filme quanto à subsistência do grupo. Se, em um primeiro momento, havia indícios de que o filme teria algum tipo de base no arquivo cultural ou nas vivências pessoais do grupo, mesmo que o resultado deixasse a desejar, neste segundo momento o projeto perde qualquer rumo. Não se trata mais de uma busca de equilíbrio entre a inspiração do cânone e da vivência humana, mas de uma busca desenfreada por algo absolutamente inovador. Mas o que seria inovador considerando o atual estado da arte? O que seria provocativo o suficiente para deixar a sua marca?

A aposta de Christoph parece estar agora na arte performática. Contudo, as ações do grupo são infantis e desconexas. Exemplos são: colocar carne crua na caixa de correio de casas das cidades pelas quais passam, flash mobs com pessoas fantasiadas de zumbi e gravações de cenas soltas de qualquer contexto. Não há nenhum fio narrativo que conduza o trabalho do grupo. Além disso, mais uma vez, parece faltar a compreensão exata de como funciona a arte performática. Sem um pensamento claro sobre o que está sendo proposto e sem um programa sobre como essa ideia vai ser exposta é impossível que ela funcione. As ações não são discutidas ou fundamentadas, e muitas delas sequer serão divulgadas algum dia. Deve-se considerar que muitas performances só adquirem força pela discussão pública das ações, enquanto isso, as ações do grupo, como as com a caixa de correio, sequer são registradas ou assinadas, sendo impossível distingui-las de uma traquinagem qualquer. Sem um rumo claro a seguir, a única solução é radicalização das ações do grupo.

Quando se lê sobre o sentido da arte, é frequente que se encontre a resposta de que ela deve oferecer a possibilidade de se adquirir experiências sem precisar estar exposto aos efeitos e consequências da experiência real (Mar; Oatley 200810 MAR, Raymond A.; OATLEY, Keith. The function of fiction is the abstraction and simulation of social experience. Perspectives of Psychological Science, n. 3, 173-192, 2008.). O próprio narrador afirma ter se envolvido no projeto porque desejava poder experimentar, com distanciamento, como seria o término da própria vida. Mas a busca por efeitos mais extremos, associada à falta de responsabilidade do diretor do filme, leva o grupo a ações arriscadas ou criminosas. Se do aspecto da produção concreta tudo indica um retumbante fracasso, além de serem ideias que rapidamente podem ser descartadas como ridículas, por outro lado, a vivência real do grupo começa, em determinados momentos, a se aproximar mais daquilo que deveria ser apenas fantasia. Alguns exemplos são: a prisão de um dos integrantes durante uma das ações do grupo; o incêndio de um galpão provocado pelo narrador, sendo que fica claro que o local foi aleatoriamente escolhido por Christoph, e o momento em que um dos membros recebe ordens de escalar uma torre de uma fábrica abandonada, sem qualquer segurança - ação esta que é interrompida quando, no topo da torre, ele nota o risco e não consegue mais se mover em pânico pela própria vida.

Apesar dessa tensão crescente, no que diz respeito a situações de adrenalina e perigo, Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens permanece sendo, acima de tudo, uma obra que satiriza o terror e, no máximo, expõe o egoísmo dos personagens que nunca auxiliam uns aos outros. Desta forma, mesmo que seja recorrente que as ações dos personagens pareçam indicar consequências mais sérias ou, até mesmo, um final trágico, isso nunca chega a se concretizar e o livro se apresenta, principalmente, como comédia de erros. Toda a tensão se mantém no plano da expectativa, sem que haja qualquer consequência real, havendo, além disso, momentos que beiram à comédia pastelão atenuando qualquer tensão. Um exemplo é uma cena da segunda parte do livro que descreve uma noite chuvosa, na qual Moritz encontra o carro de Christoph destrancado. Uma vez que não trouxe uma barraca própria, Moritz decide passar a noite no carro do ex-colega, que pernoita em um trailer, demonstrando distanciamento e superioridade hierárquica do grupo. Sem encontrar posição confortável e se debatendo em insônia, Moritz acorda em um carro, cujas janelas e estofado estão absolutamente cobertos pela lama de seus calçados. Por um lado, a cena é cômica, por outro, causa a expectativa por uma reação mais severa de Christoph, que finalmente romperia com o ex-colega por quem ele, apesar do convite para o filme, claramente não demonstra nenhum apreço especial. Mas isso nunca ocorre. Sequer testemunhamos o momento no qual o proprietário retorna ao carro.

Através das diversas camadas narrativas, dos discursos pretensiosos sobre a produção da arte, da comédia de erros e dos relatos dos diferentes personagens sobre seus medos, Ehrlich apresenta uma metanarrativa sobre produções artísticas com a profundidade que seu personagem Christoph aparenta desejar para o seu filme. Este romance está longe de ser, ele próprio, uma obra de terror. O aspecto humano dessas personagens não é explorado através do trágico, mas especialmente através de suas inseguranças e suas falhas. O que lhes traz profundidade é, entre outros, justamente a impossibilidade de encarnarem a seriedade e a tragicidade por eles próprios almejadas. Seus dramas são pequenos, por vezes risíveis tornando-se, assim, muitas vezes, fáceis de se relacionar. As tentativas de agir como grandes pessoas, seguras de si, conhecedoras do mundo (e das artes) para, no final, apenas se descobrirem protagonistas de atuações levemente ridículas, são apresentadas como um estudo da tentativa e do erro, um estudo das frustrações humanas quando, em um processo de amadurecimento, se descobre que o mundo não corresponde às expectativas, e os papéis grandiosos que se pretende preencher não passam de fantasias. O aspecto trágico do livro se deve principalmente ao fato de o narrador não conseguir avançar nesse processo de amadurecimento e autoconhecimento, reconhecendo suas próprias limitações. Quanto ao verdadeiro terror, ele ainda fica em suspenso ao final do livro, quando a narrativa é interrompida após vários fracassos que fazem com que os membros do grupo, e o próprio diretor, desistam do projeto. Moritz, contudo, está decidido a continuar. Que o filme não será concluído é certo. Resta a dúvida sobre se a radicalização do projeto levará Moritz à experimentação da própria morte, como inicialmente desejado. E se essa experiência ocorrerá com a segurança do distanciamento ficcional, e sem as consequências da vida real.

Referências bibliográficas

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  • 2
    “…rückgratlos, unbrauchbar, degeneriert, unmündig, egomanisch, ignorant, aufgesetzt mädchenhaft, ungebildet, uninteressiert, ahnungslos, verkorkst und verblödet, feige, blind und taub für das Hohe und Große, allgemein und insgesamt eine riesige Enttäuschung, gemessen an den Vorstellungen und den Hoffnungen, die wir uns gemacht hatten, bevor wir an der Universität angetreten waren.”
  • 3
    “... das fundamentale Problem unserer Gesellschaft: die Angst.”
  • 4
    “Es ist eine Dokumentation. Wenn wir heute einen Horrorfilm drehen, legen wir ein Zeugnis unserer Zeit ab. Wir machen kein Drama und keine Komödie, weil wir nicht mehr daran glauben, dass unser Zustand sich in eine solche Handlung übersetzen lässt. [...] Am Ende wird nicht getanzt, es sei denn auf den glühenden Resten unserer Städte, knöcheltief in den Eingeweiden ihrer Bewohner, in den Scherben, die man uns lässt.”
  • 5
    “Wir wollen hier nichts zitieren, sagte er, wir brauchen Raum für das Neue, aber es wird nicht schaden, einige Möglichkeiten aufzunehmen, mit unseren Augen und unserer Haut.”
  • 6
    “Wir fuhren gemeinsam von Sankt Gallen über Zürich nach Basel und stiegen dort in einen deutschen Nachtzug der schon am Gleis wartete, als wir ankamen. Es schien ein sehr alter Zug zu sein, ich war noch nie vorher mit einem Nachtzug gefahren, aber mir hat diese seltsam aus der Zeit gefallene, schläfrige Stimmung darin sofort sehr gut gefallen. [...] Die anderen Fahrgäste in unserem Abteil wickelten sich sofort in ihre Bettwäsche und schliefen oder dösten oder spielten auf ihren Smartphones herum. Nico und ich lehnten noch eine Weile im Flur und führten ein seltsam fragmentiertes Gespräch, das immer wieder abriss und in minutenlanges Schweigen überging, bevor einer von uns wieder etwas sagte, manchmal nur einen Satz oder eine kurze Geschichte, die vielleicht auch gar nichts mit dem zu tun hatte, worüber wir davor noch gesprochen hatten.”
  • 7
    “Dass wir uns hier nicht falsch verstehen. Ich bin nicht euer Therapeut. Wir sammeln hier mit einem klaren Ziel.”
  • 8
    “Ich hatte das so verstanden mit diesem Horrorfilm, dass es eben gerade nicht um den Horror geht, über den es schon tausend Filme gibt. Sondern um den, den uns die Normalität oder das Leben zufügt, die Narben und die Schmerzen, die daher kommen. Vielleicht habe ich das falsch verstanden, dann tut es mir leid.”
  • 9
    “eine machtvolle Haltung aufbaute”
  • 10
    “Christoph grinste. Aber nicht wie ein Mensch grinst, um seine eigene Gefahrlosigkeit zu signalisieren, sondern wie ein Tier grinsen würde, bevor es einen anfällt, wenn Tiere so etwas machen würden.”
  • 11
    “Ich habe mich und die Welt seither nie wieder als etwas wahrgenommen, was Bestand hat. Aber, und das ist vielleicht das Wichtigste, ich habe gelernt, dass ich und die Welt, dass wir etwas sind, was in einem unablässigen kreativen Prozess ständig neu erschlossen, erkannt, befragt und erfunden werden muss. […] Ich gehöre zu den Bewegten, den nie Angekommenen, den Ungewissen […]”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2020
  • Aceito
    29 Jul 2020
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