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Perguntas e respostas: o uso da plataforma Yahoo! Clever como ferramenta de ensino de alemão como língua estrangeira

Questions and answers: the use of the platform Yahoo! Clever as a teaching tool of German as a foreign language

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar experiências envolvendo a postagem de perguntas e respostas na plataforma Yahoo! Clever no ensino de alemão como língua estrangeira, focando nos aspectos da autenticidade de situações e do desenvolvimento da autonomia e motivação dos aprendizes. Para isso, foi apresentado o planejamento e a realização de uma sequência didática em um curso livre para público universitário do nível A2 (QECR). Além da descrição da sequência, foram analisados os resultados das atividades na forma de postagens no website, além de excertos de entrevistas com alguns aprendizes. A partir da análise desses dados, foi possível perceber que atividades envolvendo a plataforma podem criar situações autênticas, engajando os aprendizes a interagir com a comunidade do site de forma significativa, mas também podem ser encaradas pelos aprendizes de forma inautêntica, o que leva a postagens artificiais que podem acarretar respostas negativas por parte da comunidade. Por fim, discute-se o papel do professor em levar os aprendizes a refletirem sobre a interação em ambientes não controlados.

Palavras-chave:
aprendizagem com internet; autonomia; autenticidade; ensino de línguas estrangeiras

Abstract

This article aims to present and analyze experiences involving posting questions and answers on the platform Yahoo! Clever in the teaching of German as a foreign language, focusing on aspects of the authenticity of situations and the development of learners' autonomy and motivation. To this end, the planning and carrying out of a didactic sequence in a free course for university students at level A2 (CEFR) was presented. In addition to the description of the sequence, the results of the activities, in the form of posts on the website, were analyzed, as well as excerpts from interviews with some apprentices. From the analysis of this data, it was possible to conclude that activities involving the platform can create authentic situations, engaging learners to interact with the community of the website in a meaningful way, but they can also be seen by learners as inauthentic, which leads to posts that can result in negative responses from the community. Finally, the role of the teacher in leading learners to reflect on interaction in uncontrolled environments is discussed.

Keywords:
learning with internet; autonomy; authenticity; foreign language teaching

Introdução

A utilização da internet na aprendizagem de línguas não é novidade, e suas possibilidades de uso são praticamente ilimitadas. Possibilidades de comunicação virtual via Tandem (Vassalo & Telles, 201613 VASSALO Maria Luisa, TELLES João A. Aprendizagem de Línguas Estrangeiras In-Tandem: Princípios Teóricos e Perspectivas de Pesquisa. The Especialist, São Paulo, v. 27, n. 1, 2016, p.83-118.), aplicativos e sites com os mais diversos exercícios de fixação de vocabulário e gramática (Paiva 201710 PAIVA Vera Lúcia Menezes de Oliveira e. Aplicativos móveis para aprendizagem de língua inglesa. Polifonia, Cuiabá, v. 24, n. 35/1, p.10-31, Jan/Jun, 2017.) e ferramentas de tradução (Costa 20125 COSTA Thais B. A influência da ferramenta digital "Google Tradutor" no processo de aprendizagem de língua inglesa. Domínios de Linguagem, Uberlândia, v. 6, n. 2, p.72-93, 2º Semestre, 2012.) estão entre os usos mais comuns. Porém, a internet pode ir (e vai) muito além dessas ferramentas. Ela proporcionou uma transformação nas possibilidades de acesso e produção de conteúdo, que antes eram restritas a grandes meios, como editoras, emissoras de rádio e TV etc., democratizando-as, o que permitiu a disseminação de conteúdos alternativos e a criação de grupos de interesses variados:

Digital media again offer us an opportunity for equality, for letting everyone be producers as well as consumers. With digital media people can often bypass official institutions and oversight to produce their own media, knowledge, products, services, and texts. They can make ads, movies, and video games to compete with the “professionals” or to critique “mainstream” sources. Through the internet, even people considered “marginal” or not “mainstream” can find many others like themselves across the globe and group together. People without official credentials can debate those who do have them and compete with them to produce knowledge and ideas. (Gee & Hayes 2011: 127 GEE James Paul , HAYES Elisabeth. Language and Learning in the Digital Age. Londres: Taylor & Francis, 2011.)

Esses recursos disponíveis na internet, que envolvem insumos não diretamente voltados para o ensino de línguas, podem ser bastante aproveitados pelos aprendizes quando estimulados em sala de aula, tendo impacto no seu interesse e no seu tempo de contato com a língua. Uma das ferramentas que podem ser utilizadas na aprendizagem de Alemão como Língua Estrangeira, mesmo em níveis iniciais são os sites ou aplicativos de perguntas e respostas como o Yahoo! Clever, a versão alemã do site Yahoo! Respostas. Por envolver textos curtos sobre temas cotidianos, ele pode ser facilmente combinado com os temas tratados nos livros didáticos. Tendo isso em vista, exploraremos nesse artigo alguns potenciais desse website em um curso livre de alemão como língua estrangeira para universitários de nível A2 (QECR), mais precisamente em relação à autenticidade de situações, ao estímulo da motivação dos aprendizes e ao desenvolvimento de sua autonomia.

1 Autenticidade de materiais e da situação

Um aspecto que caracteriza o uso de ferramentas como o website Yahoo! Clever em relação a outros materiais de ensino de línguas disponíveis na internet é a questão da autenticidade. Ao utilizar uma plataforma como essa, estamos lidando com material autêntico, aqui entendido como “texto criado para um contexto de comunicação entre falantes externo ao ensino” (Andrade e Silva 2017: 243 ANDRADE E SILVA Mariana K. Autenticidade de materiais e ensino de línguas estrangeiras. In: Pandaemonium Germanicum, v.20, n. 31, 2017, p. 1-29.). Por não serem diretamente voltados para o ensino de línguas, os textos contidos no website possuem uma complexidade maior do que a dos textos comumente encontrados em livros didáticos, não somente em termos de vocabulário e estruturas, mas também pela presença de marcas de oralidade, gírias e expressões, que podem trazer referências a outros textos e discursos. Desta forma, eles representam um desafio para os aprendizes, mas também para o professor, que terá que lidar com novos questionamentos dos aprendizes.

Por outro lado, esses materiais podem contribuir para propiciar situações autênticas de aprendizagem, ou seja, situações em que os aprendizes podem expressar seus desejos, interesses e opiniões:

Authentizität bedeutet aber auch, dass „authentische Situationen“ der Sprachverwendung im Unterricht integriert sein sollten und, dass die Lernenden als authentische Personen im Unterricht vorkommen, mit all ihren Wünschen und ihren Bedürfnissen, ihren Interessen und ihrem Wissen (FRITZ & FAISTAUER 20086 FRITZ Thomas, FAISTAUER Renate. Prinzipien eines Sprachunterrichts. In: BOGENREITER-FEIGL, Elisabeth. (Org.): Paradigmenwechsel? Sprachenlernen im 21. Jahrhundert. Viena: VÖV Edition Sprachen 2, 2008, p. 125-133.: 126, aspas no original).

Os autores se baseiam em Van Lier (199612 VAN LIER Leo. Interaction in the Language Curriculum: Awareness, Autonomy & Authenticity. Harlow: Pearson, 1996.), para o qual a autenticidade (ou a autenticação, para o autor) é “basically a personal process of engagement” (Van Lier, 1996: 12812 VAN LIER Leo. Interaction in the Language Curriculum: Awareness, Autonomy & Authenticity. Harlow: Pearson, 1996.) que ocorre quando o aprendiz se relaciona verdadeiramente com os materiais ou a atividade proposta pelo professor. Uma situação não-autêntica, por sua vez, seria aquela em que os aprendizes a realizam “because everyone else is doing them, they ‘ought’ to be done, or in general they are motivated by external factors” (Van Lier 1996: 1312 VAN LIER Leo. Interaction in the Language Curriculum: Awareness, Autonomy & Authenticity. Harlow: Pearson, 1996., ênfases no original). Esse potencial das situações autênticas pode ser levado ainda mais adiante com o uso de sites como o Yahoo! Clever, pois o aprendiz pode se expressar em um contexto em que ele não é visto como aprendiz e a língua não é o foco da sua produção.

Porém, vale ressaltar que essa possibilidade de criação de situações autênticas não é algo a ser tomado como dado apenas pelo uso da plataforma em sala de aula, mas sim algo que dever ser construído e incentivado pelo professor, como será discutido com exemplos mais adiante.

2 Princípio da Autonomia

Um aspecto que permeia as atividades propostas com o website Yahoo! Clever é a busca pelo desenvolvimento da autonomia e da motivação por parte dos alunos. Para que se fale destes conceitos, porém, é importante pontuar como eles são entendidos por nós no contexto desta pesquisa.

A professora e pesquisadora Ingrid Wisniewska define a autonomia do aprendiz como “the ability to take control of one’s own learning in order to maximize its full potential” (Wisniewska 1998: 24). No contexto dessa pesquisa, a autonomia pode ser entendida como a busca dos aprendizes por realizar as atividades de produção apresentadas da melhor maneira possível, com variedade de estruturas e vocabulário, além do seu engajamento no contato com a língua-alvo através da plataforma.

Outro aspecto abordado por Wisniewska é a autonomia do professor, que ocorre, dentre outras formas, quando este se propõe a desenvolver seu próprio material (1998). Esse aspecto é relevante porque ele pode impactar o desenvolvimento da autonomia dos alunos em seu próprio processo de aprendizagem, já que, conforme define Little, a autonomia do professor é a pré-condição para a autonomia do aluno (Little 1995, apud Wisniewska 1998: 24). A sequência didática proposta na presente pesquisa apresenta atividades paralelas ao livro didático que os alunos costumavam seguir, utilizando a internet para complementar os temas abordados pelo material. Tal proposta caracteriza, também, autonomia por parte da professora, que mostra estar buscando novas maneiras de incentivar os aprendizes a estabelecerem contato e interação autêntica com comunidades de falantes da língua-alvo.

Desta forma, as atividades propostas com o uso do Website Yahoo! Clever podem ser uma forma de realizar a autonomia do professor, ao mesmo tempo em que visam estimular a autonomia e o engajamento por parte dos aprendizes, os quais podem maximizar seu potencial de aprendizagem ao buscar recursos no seu repertório linguístico e utilizar diferentes estratégias para a elaboração das perguntas e respostas no site.

Relacionada à autonomia está também a motivação. Entendemos motivação aqui não como aquela que antecede a aprendizagem, que pode ser intrínseca ou extrínseca (cf. Pereira 201911 PEREIRA Rogéria Costa. Motivação para aprendizado de alemão em contexto extensionista. In: UPHOFF, Dörthe et al (org.). Alemão em contexto universitário: ensino, pesquisa e extensão. São Paulo: FFLCH, 2019, p. 193-216.), mas no sentido do princípio Motivierung abordado por Werner Wiater na sua obra Unterrichtsprinzipien (200116 WIATER Werner. Unterrichtsprinzipien. Donauwörth: Auer, 2001.). Para o autor:

Motivierung umfasst alle Maßnahmen, die jemand ergreift, um bei einem anderen Motivation herbeizuführen, also Interesse, Aufmerksamkeit und Lernen wollen zu wecken (WIATER 200116 WIATER Werner. Unterrichtsprinzipien. Donauwörth: Auer, 2001.: 49, grifo do autor).

Assim, segundo o autor, o princípio da Motivierung está ligado à possibilidade de despertar o interesse do aluno na língua-alvo e na própria aprendizagem. No contexto apresentado, pretendemos explorar como as atividades utilizando o site aumentaram ou não a motivação dos aprendizes para interagir com a comunidade e se expressar na língua-alvo.

Deste ponto de vista, a motivação e a autonomia estão diretamente ligadas, por se relacionarem às possibilidades de engajamento dos aprendizes nas atividades propostas e ao seu interesse e reflexão sobre as interações na plataforma utilizada, Yahoo! Clever. A partir da análise da realização da sequência e da produção dos aprendizes, pretendemos refletir se as atividades conseguiram de fato atender a esses princípios.

3 Aprendizagem utilizando a internet

Por se tratar de um website conectado pelo world wide web, a plataforma Yahoo! Clever nos leva também a reflexões sobre a aprendizagem utilizando a internet. Este tema possui muitos elementos a serem considerados, mas focar-nos-emos no que mais interessa ao presente texto: as possibilidades de interação além da sala de aula.

Pesquisadores da área de ensino de línguas já reconhecem há mais de uma década o potencial inerente à internet de conectar aprendizes com comunidades de falantes da língua-alvo e possibilitar interações interessantes a eles, com menos artificialidade que aquelas simuladas em sala de aula. O pesquisador Andreas Müller-Hartmann, por exemplo, fala sobre este tema em 2003:

Computergestütze Lernumgebungen können die Forderungen nach möglichst intensiver Interaktion und Aushandlung von Bedeutung in der Fremdsprache mit authentischen Sprechern einlösen. [...] In der Kommunikation mit native speakers oder anderen Sprachlernern steht die Interaktion im Zentrum (Müller-Hartmann 2003: 2709 MÜLLER-HARTMANN Andreas, et al (org.). Lernen mit E-Mail und Internet: Spracherwerb und Potential vernetzter Lernumgebungen. In: KRUMM, Hans-Jürgen et al (org.). Handbuch Fremdsprachenunterricht.4. ed. Tübingen e Basel: A. Francke, 2003, p. 270-271., grifo no original).

Como argumenta o autor, as interações entre aprendizes propostas em sala de aula, ainda que cumpram sua função, são frequentemente encaradas como artificiais. A internet, por sua vez, ao oferecer oportunidades de interação fora do contexto de aprendizagem, pode ultrapassar barreiras existentes nas situações de interação propostas em sala de aula e colocar a interação em lugar central, acima da prática de estruturas ou vocabulário. Ainda sobre a artificialidade que permeia as interações no ensino de línguas, mais especificamente sobre as situações criadas no ensino com base na abordagem comunicativa, o professor e pesquisador Markus Johannes Weininger utiliza a metáfora do aquário para elucidar o cenário em que se encontra o aprendiz:

Ela [a abordagem comunicativa] continua tratando a língua-alvo como um objeto externo que ela tenta controlar, colocando-a dentro de um aquário. Este aquário é enfeitado com elementos reais ou ao menos com simulacros verossímeis. [...] Quando ocasionalmente [os participantes] se jogam para dentro da água […] não há nenhuma necessidade de se defender de fato nesta língua nova, inclusive porque a “chefia” do aquário tratou de não permitir a presença de concorrentes, predadores, correntezas […]. A abordagem comunicativa tenta importar pedaços de realidade para dentro da sala de aula de forma controlada e pratica com eles. O caminho diametralmente oposto de “exportar” o aluno para dentro do oceano sem cortar totalmente o cordão umbilical, pode ser uma opção para sair do impasse (Weininger 2001: 52-5315 WEININGER Markus J. Do aquário em direção ao mar aberto: mudanças no papel do professor e do aluno. In: LEFFA, V. (Org.). O professor de línguas estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas: EDUCAT, 2001, p. 41-68., aspas no original).

Tomando a alegoria do aquário como base, podemos perceber na internet uma possível maneira de “exportar” o aluno, a fim de colocá-lo em situações menos controladas e, até mesmo, menos confortáveis. Ao longo da análise das perguntas e respostas publicadas pelos aprendizes, vemos que eles se deparam com situações diversas, pouco previsíveis e, muitas vezes, desafiadoras. A autenticidade das interações, presente em certos momentos nas atividades propostas pela professora com o auxílio da plataforma Yahoo! Clever, pode levar os aprendizes a ter maior sensação de contato com a cultura-alvo, mesmo com as frustrações que podem enfrentar ao estarem inseridos em um ambiente não-controlado, com reações, muitas vezes, negativas por parte de interlocutores. Desta forma, há também a possibilidade de fomentar a motivação dos aprendizes, tendo em vista que os desafios podem se tornar maiores e mais complexos, ao passo que se tornam, também, mais interessantes, pela possibilidade de saírem do aquário metafórico. Este será um aspecto central no que se refere às análises conseguintes no presente texto.

4 Objetivos

O objetivo principal da inserção dessas ferramentas no ensino era promover um maior contato dos aprendizes com textos autênticos (Andrade e Silva 20173 ANDRADE E SILVA Mariana K. Autenticidade de materiais e ensino de línguas estrangeiras. In: Pandaemonium Germanicum, v.20, n. 31, 2017, p. 1-29.), além de possibilitar a interação dos aprendizes com comunidades da língua-alvo em situações autênticas (Fritz & Faistauer 20086 FRITZ Thomas, FAISTAUER Renate. Prinzipien eines Sprachunterrichts. In: BOGENREITER-FEIGL, Elisabeth. (Org.): Paradigmenwechsel? Sprachenlernen im 21. Jahrhundert. Viena: VÖV Edition Sprachen 2, 2008, p. 125-133.). A partir desse propósito inicial, surgiu a pergunta mais ampla de pesquisa: como plataformas como o Yahoo! Clever podem auxiliar na aprendizagem de Alemão como Língua estrangeira?

Alguns desdobramentos dessa pergunta a serem analisados foram:

  • Como integrar atividades envolvendo a plataforma Yahoo! Clever ao uso do livro didático?

  • Como se dá a coconstrução de sentidos dos aprendizes no contato com os textos que circulam no website?

  • Como o incentivo ao uso destas plataformas impacta a motivação (Wiater 200116 WIATER Werner. Unterrichtsprinzipien. Donauwörth: Auer, 2001.) e a autonomia (Wisniewska 199814 WISNIEWSKA Ingrid. Designing materials for teacher autonomy. English Teaching Forum, California, v. 36, n. 2, p.24-26, abr. 1998.) desses aprendizes?

5 Metodologia

Este trabalho é resultado de parte de uma pesquisa de doutorado (Andrade e Silva, no prelo2 ANDRADE E SILVA Mariana K. Participação enquanto princípio metodológico no ensino de alemão como língua estrangeira: aproximando aprendizes das comunidades da língua-alvo. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. (no prelo).), de caráter qualitativo, etnográfico e de cunho exploratório. Os autores do artigo atuaram enquanto professora-pesquisadora e pesquisador-observador. No presente artigo, realizaremos um estudo de caso com base em uma das atividades desenvolvidas durante a pesquisa.

Assim, será apresentada análise de uma sequência didática utilizando a plataforma Yahoo Clever e, com base em anotações dos diários de pesquisa de ambos os pesquisadores e das produções dos aprendizes, serão discutidos os resultados de sua concretização. Os diários de pesquisa consistem em anotações feitas pelo pesquisador-observador durante a realização das atividades, e apontamentos registrados pela professora-pesquisadora após o término de cada aula.

Além destes dados, serão analisados também excertos de entrevistas com os aprendizes, para observar seu ponto de vista sobre a atividade realizada. As entrevistas foram realizadas de forma semiestruturada (conferir Anexo 1 para exemplo de roteiro), e sua transcrição foi feita com foco no conteúdo (Mayring 20158 MAYRING Phillip A. Qualitative Inhaltsanalyse: Grundlagen und Techniken. Frankfurt: Beltz, 2015.), excluindo-se marcas de oralidade e desvios da norma padrão. Desta forma, utilizaremos a triangulação de dados como forma de validar a análise e oferecer múltiplas perspectivas para embasar a interpretação (Aguado 20141 AGUADO Karin. Triangulation. In: SETTINIERI, Julia et al. (Orgs.). Empirische Forschungsmethoden für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache: Eine Einführung. Paderborn: Ferdinand Schöningh, 2014, p. 47-56.).

5.1 Descrição do site Yahoo! Clever

A plataforma de perguntas e respostas Yahoo! Clever, utilizada ao longo das atividades propostas, só é disponível por website, acessado por um navegador. Isso significa que é uma plataforma mais adequada para o uso no computador do que em aparelhos celulares, devido a algumas incompatibilidades que websites apresentam em relação a estes. Ainda assim, é possível acessá-la também na maioria dos celulares.

Para usuários mais frequentes das redes sociais e fóruns online, a plataforma é bem familiar. Isto se dá, também, pelo fato de o correspondente brasileiro - Yahoo! Respostas - ser uma página muito acessada no Brasil e conhecida entre os usuários da internet. Trata-se de uma plataforma na qual são submetidas perguntas, para as quais serão postadas respostas pela comunidade que acessa o site. As respostas são avaliadas pelo autor da pergunta e pelos membros da comunidade, que podem aprová-las ou reprová-las, indicando com um sinal de positivo ou negativo no site. Abaixo, a captura de tela ilustra uma pergunta submetida e sua resposta mais antiga:

Figura 1:
Captura de tela do website Yahoo! Clever

Percebe-se que o registro é informal, tanto na pergunta quanto na resposta, o que é possível de se notar em grande parte de outras perguntas e respostas presentes na plataforma. Não há controle por parte de moderadores, portanto cabe à própria comunidade reportar linguagem imprópria para a plataforma e outros tipos de ofensa.

Para participar da comunidade e interagir com ela, é preciso que se crie um endereço de e-mail hospedado pelo servidor Yahoo, o que torna o processo um pouco longo. Quando respostas são recebidas, as notificações chegam ao e-mail cadastrado. O perfil criado no site garante total anonimato para quem pergunta e responde.

5.2 Descrição do curso/grupo

Os dados analisados neste artigo foram coletados ao longo do primeiro semestre de 2019 em um curso livre de Alemão como Língua Estrangeira para público universitário oferecido no Campus da Universidade de São Paulo. A pesquisa foi realizada na turma de nível 5 (correspondente ao final do nível A2 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas4 CONSELHO DA EUROPA. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Ed. Asa, 2001.). Durante o curso, foi utilizado o livro didático Themen Aktuell 2 (Aufderstrasse et al. 2003) como principal material, norteador dos temas e conteúdos gramaticais abordados em sala de aula, mas outros materiais também foram integrados, entre os quais o uso do site tratado neste artigo.

As turmas nesse nível são bastante pequenas. No primeiro semestre, o grupo era composto de cinco alunos, que ao longo do semestre, por motivos variados como conciliação com o trabalho e sobrecarga da faculdade, se tornaram apenas quatro, e no final, apenas três. Os aprendizes pesquisados tinham idades entre 18 e 25 anos, estudantes de graduação ou pós-graduação em sua na área de Ciências Humanas, e utilizam a internet em sua aprendizagem de alemão principalmente na procura de palavras no dicionário e de explicações e exercícios gramaticais. Os aprendizes tinham familiaridade com sites de perguntas e respostas (como o Yahoo! Respostas), mas nenhum deles havia utilizado algum site como este em língua alemã anteriormente.

Por conta do tamanho reduzido do grupo-alvo, os dados coletados são de natureza qualitativa - entrevistas, atividades, postagens. A partir da análise destes dados, não se pretende obter uma resposta objetiva, mas sim observar algumas possiblidades de uso da plataforma e algumas consequências deste uso para os aprendizes.

5.3 Planejamento da sequência didática

Com o objetivo de integrar o uso de sites de perguntas e respostas ao curso, foi elaborada a seguinte sequência didática, composta de cinco etapas:

Quadro 1
Descrição da sequência didática

Por ser parte de uma pesquisa maior, a última fase não foi realizada como prevista, mas sim como uma reflexão geral ao final do curso, na qual foram feitas entrevistas com os aprendizes sobre diferentes ferramentas utilizadas para a aprendizagem, cujos excertos relativos ao Yahoo! Clever serão utilizados na análise. Além dessas entrevistas mais gerais, uma entrevista logo ao final da sequência foi realizada com um dos aprendizes (a aprendiz Doris*), cujo roteiro encontra-se anexo e da qual alguns excertos também serão analisados.

A execução da sequência didática foi registrada também em dois diários de pesquisa dos autores desse artigo, um da professora-pesquisadora, e outro do pesquisador-observador. Os apontamentos contidos nesses diários servirão de base para o relato da realização da sequência didática, a seguir.

6 Análise dos dados

6.1 Sequência didática Parte I - Elaboração de resposta a uma pergunta deixada no site

A turma contava com quatro alunos quando do decorrer da sequência didática: Amanda*, Dóris*, Otávio* e Sandro*. Em relação à realização da sequência didática, a primeira coisa a se mencionar é que ela demandou um tempo considerável da aula. Para as três etapas iniciais, foi utilizada uma aula de 1h15 min, e mais metade de duas outras aulas. As duas primeiras etapas - o primeiro contato com o website na língua estrangeira e a criação da conta pessoal, respectivamente - correram relativamente rápido: para as duas etapas, foi utilizado aproximadamente metade de uma aula. Com esse tempo, a análise da plataforma foi superficial, apenas lemos uma pergunta e resposta, não nos aprofundamos na análise da linguagem, por exemplo. Ainda assim, foi suficiente para os alunos ativarem seus conhecimentos prévios sobre esse tipo de site e atentarem para algumas questões relacionadas ao gênero e ao local de publicação.

No momento de criar uma conta no site, uma queixa dos aprendizes foi a necessidade de criar também uma conta de e-mail no site Yahoo, já que nenhum deles utilizava esse provedor, pois isso demandou um tempo a mais e gerou alguns problemas, como o redirecionamento para a página brasileira do site. Esses problemas, porém, foram solucionados rapidamente durante a aula. Um ponto positivo, por outro lado, é que houve muita colaboração entre os aprendizes, que utilizaram a língua alemã para ensinarem uns aos outros onde clicar e o que fazer em cada momento, o que ilustra um exercício de autonomia pelos aprendizes (Wisniewska 199814 WISNIEWSKA Ingrid. Designing materials for teacher autonomy. English Teaching Forum, California, v. 36, n. 2, p.24-26, abr. 1998.). Outro ponto positivo foi a aquisição de vocabulário a partir do contexto e do gênero textual: embora os aprendizes não conhecessem muitas das palavras presentes no site, eles rapidamente conseguiram entender palavras como “anmelden” (se inscrever), “Benutzername” (nome de usuário) ou “bestätigen” (confirmar), e quando um dos aprendizes não entendia uma das palavras, os outros prontamente auxiliavam. Excetuando-se a questão da criação do e-mail, não pareceu haver desconforto por parte dos alunos em criar um perfil pessoal para ser utilizado em sala de aula, ou em utilizar o celular desta maneira.

É interessante ressaltar que a maioria dos alunos criou um perfil com o próprio nome ou um apelido derivado do próprio nome (o primeiro nome, não o sobrenome). Isso pode ter sido influenciado pelo perfil observado no site durante aula, em que a pessoa utilizava de fato apenas um primeiro nome (não sabemos se é seu nome real ou não). A escolha de um nome fictício, embora usual nesse tipo de website, no contexto da sala de aula poderia também indicar um distanciamento do aprendiz com a atividade proposta. Isso, porém, não ocorreu. Eles optaram por autenticar a situação da atividade ao escolherem um nome de perfil derivado de seus nomes reais. Essa escolha, assim, demonstra certo engajamento dos aprendizes na atividade, o que evidencia também um possível alto grau de motivação. Eles não tiveram interesse em adicionar fotos ou outras informações (até porque os perfis analisados também não continham outras informações além do nome e, no máximo, uma ilustração no local da foto), mas também não optaram pela criação de uma personagem ou por um nome composto por um conjunto de letras sem significado.

Como mencionado, a terceira etapa, em que os alunos deveriam escolher uma pergunta para elaborarem uma resposta em duplas, demandou mais tempo. Isso não é algo necessariamente negativo, pois foi uma atividade que eles aparentemente fizeram com prazer, se divertindo ao ver as perguntas e as respostas deixadas no site. No papel de professora, sugeri as opções de busca como “morar/trabalhar/estudar no Brasil”, mas os aprendizes preferiram fazer buscas mais genéricas, utilizando somente a palavra “Brasilien”, por exemplo. Eles também encontraram dificuldade em encontrar uma pergunta que fosse atual (pedido nosso) ou que ainda não tivesse sido respondida. Foi argumentado em relação a isso que “atual” era uma questão relativa, pois a depender da pergunta a pessoa ainda poderia ter interesse na resposta, ou outros poderiam ler. Em relação à pergunta já ter sido respondida por outros, a professora-pesquisadora argumentou que uma segunda resposta semelhante muitas vezes ajuda a reforçar uma primeira resposta e, portanto, não é algo necessariamente redundante ou ruim.

Encontramos algumas perguntas, mas eram “fechadas”, ou seja, não permitiam mais respostas, talvez por serem antigas, ou porque o autor já estivesse satisfeito com as respostas. Isto também levou a uma maior demora para encontrar uma pergunta. Por fim, uma das duplas optou pela pergunta “Was halten Sie von Brasilien?” [O que você pensa do Brasil?], que tratava dos pontos positivos e negativos do país, mas não tiveram tempo de elaborar uma resposta, enquanto a segunda dupla não conseguiu encontrar uma pergunta satisfatória até o final da aula. Com isso, foi necessário utilizar mais uma parte da aula seguinte (cerca de meia hora) para a continuação da sequência. Devido a essa dificuldade da segunda dupla de encontrar uma pergunta que fosse do seu agrado para responder, optei enquanto professora em ampliar ainda mais as opções de busca, indo além de “Brasilien”, também para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Por fim, a segunda dupla optou por responder à pergunta “Was unterscheidet São Paulo von anderen Megacities?” [O que diferencia São Paulo de outras megacidades?], que perguntava sobre diferenças entre São Paulo e Nova Iorque.

Durante a fase de elaboração das respostas, orientei-os a primeiro fazer um rascunho dessa resposta, pensarem bem o que queriam escrever, revisarem, para só depois publicar. Buscando antecipar situações de frustração devido a situações de preconceito linguístico, comentei que uma resposta com muitos erros poderia ser mal interpretada e levar a respostas ‘agressivas’, e também comentei sobre a possibilidade de eles se identificarem no texto, se colocarem como aprendizes, ou como brasileiros, para amenizar esse tipo de resposta. Os grupos não tiveram tempo suficiente de terminar a elaboração de suas respostas, então solicitei que os aprendizes elaborassem as respostas em casa, utilizando o aplicativo Whatsapp (que já era utilizado pelos alunos para compartilhamento dos conteúdos e lições para alunos ausentes) para se comunicarem, e posteriormente enviar a pergunta para mim antes de postar definitivamente no site, para que eu auxiliasse na correção gramatical. A seguir, serão analisados os produtos desta primeira etapa, ou seja, as perguntas escolhidas e suas respectivas respostas.

6.1.1 Análise das postagens dos alunos - respostas

A primeira dupla, Dóris* e Sandro*, escolheu a pergunta que tratava da opinião das pessoas sobre o Brasil. A imagem a seguir apresenta a pergunta escolhida e a resposta dos aprendizes, inserida dentro de um dos comentários pois o campo de resposta estava bloqueado. O nome de usuário foi coberto para preservar seu anonimato:

Figura 2:
postagem de Dóris* e Sandro* no site Yahoo! Clever

A primeira coisa que chama atenção na imagem é a pergunta escolhida pelos aprendizes. Diferentemente da pergunta escolhida inicialmente, “Was halten Sie von Brasilien?”, os aprendizes postaram sua resposta à pergunta “Was denken Sie über die Brasilien?”. Essa nova pergunta apresenta alguns desvios gramaticais (como o uso do artigo feminino “die” antes do país “Brasilien”), além de uma formulação incompleta na descrição da pergunta. Esses detalhes indicam que esta pergunta pode ter sido feita por um aprendiz de alemão como língua estrangeira, possivelmente brasileiro também. Os aprendizes, porém, não atentaram a esses elementos e, por conseguinte, não conseguiram perceber essas informações sobre o autor da postagem: eles pareceram ter esquecido qual a pergunta que haviam selecionado originalmente, e não notaram que haviam respondido a uma pergunta diferente da anterior. Isso demonstra uma falta de domínio linguístico dos aprendizes (de não conseguir reconhecer os desvios gramaticais), e também uma falta de reflexão sobre o contexto: quem poderia ser o autor da postagem ou quem seria o público-alvo.

Em relação à resposta dos alunos, podemos observar um uso variado de vocabulário, incluindo a dedução de palavras desconhecidas, como “Gesundheitssystem”, que foi deduzida pelos aprendizes durante a aula, sem necessitar de dicionário. Em relação à gramática, vale notar o uso espontâneo dos adjetivos declinados, além do uso do advérbio “außerdem”. Não houve nenhum direcionamento da professora em relação a estruturas obrigatórias ou a como os aprendizes deveriam escrever, os aprendizes recorreram a vocabulário e estruturas que julgaram relevantes para a construção do que queriam expressar, ou seja, tomaram o controle sobre sua aprendizagem, exercendo sua autonomia (Wisniewska 199814 WISNIEWSKA Ingrid. Designing materials for teacher autonomy. English Teaching Forum, California, v. 36, n. 2, p.24-26, abr. 1998.).

Em relação ao conteúdo da resposta, percebemos uma recorrência de estereótipos típicos do Brasil, como as belas praias e a feijoada. Questionados em sala de aula sobre a opção por trazer esses estereótipos, os aprendizes insistiram na escolha dessas imagens, afirmando que elas representavam a sua opinião também. Esse ponto também foi comentado por Dóris* em uma das entrevistas, como mostra o excerto a seguir:

Professora: E o que você achou da atividade de elaborar uma resposta para uma pergunta? Dóris*: Eu gostei [...] acho que a única coisa ruim, que não tem quase nada a ver com a atividade, é que as pessoas falam muitas coisas ruins sobre o Brasil, então a gente teve que pensar bastante em coisas boas e tal, acho que talvez essa tenha sido a única dificuldade, fora a língua, óbvio. [Excerto extraído de entrevista com Dóris*]

Este comentário esclarece um pouco aspectos que permeiam a motivação de Dóris quanto à elaboração da resposta à pergunta escolhida. Conforme o excerto, ela se sentiu incomodada quando se deparou com diversas opiniões negativas sobre seu próprio país, o que a motivou a buscar contrapontos, elementos positivos que não reduzam a imagem de todo o país a aspectos negativos. É notável pela forma que ela narra - “[...] a gente teve que pensar bastante em coisas boas [...]” - que houve engajamento por parte dos aprendizes em dar uma resposta à altura das outras respostas encontradas. Desta forma, a dupla não se propôs a fazer apenas aquilo que é pedido pela professora, mas esforçaram-se por um desejo genuíno de responder ao interlocutor no site. Isso mostra que a atividade promoveu uma interação autêntica dos aprendizes com o site (Van Lier 199612 VAN LIER Leo. Interaction in the Language Curriculum: Awareness, Autonomy & Authenticity. Harlow: Pearson, 1996.; Fritz & Faistauer 20086 FRITZ Thomas, FAISTAUER Renate. Prinzipien eines Sprachunterrichts. In: BOGENREITER-FEIGL, Elisabeth. (Org.): Paradigmenwechsel? Sprachenlernen im 21. Jahrhundert. Viena: VÖV Edition Sprachen 2, 2008, p. 125-133.), além do desenvolvimento da motivação (Wiater 200116 WIATER Werner. Unterrichtsprinzipien. Donauwörth: Auer, 2001.) e da autonomia (Wisniewska 199814 WISNIEWSKA Ingrid. Designing materials for teacher autonomy. English Teaching Forum, California, v. 36, n. 2, p.24-26, abr. 1998.) dos aprendizes. O mesmo não ocorreu com a atividade de elaboração de uma pergunta, como será elaborado um pouco mais adiante.

Como mencionado na seção anterior, a segunda dupla formada por Amanda* e Otávio* não encontrou uma pergunta que lhes interessasse e que contivesse a palavra-chave “Brasilien”. Por isso, após uma ampliação das opções de busca, a dupla optou pela pergunta a seguir:

Figura 3:
postagem de Amanda* e Otávio* no site Yahoo! Clever

A pergunta acima, diferentemente da escolhida pela dupla anterior, é mais direcionada e objetiva. Ela apresenta uma comparação entre a cidade de São Paulo e outras cidades, e em sua descrição questiona a diferença entre as classes sociais na cidade brasileira. Assim, o autor busca saber não apenas a opinião ou a preferência da comunidade, mas obter respostas embasadas em informações e conhecimento. Com isso, pode-se dizer que é uma pergunta mais complexa, cuja resposta demanda maior vocabulário e estruturas de argumentação. Para os aprendizes, a resposta também pareceu mais difícil do que a da dupla anterior: eles necessitaram mais do dicionário e demandaram mais da professora enquanto escreviam. Porém, para eles, isso não foi encarado como um problema, mas sim como algo estimulante, talvez pelos aprendizes poderem expressar opiniões em questões complexas, assim como fazem em português: podemos ver na resposta elaborada pela dupla o uso de orações subordinadas, advérbios de coesão textual, palavras complexas como “Arbeitslosenquote” e “Unterentwicklung”, além da apropriação de vocábulos da própria descrição da pergunta, como “die Kluft” Assim, pode-se dizer que, também para essa dupla, a situação apresentada pela atividade foi autêntica (Fritz & Faistauer 20086 FRITZ Thomas, FAISTAUER Renate. Prinzipien eines Sprachunterrichts. In: BOGENREITER-FEIGL, Elisabeth. (Org.): Paradigmenwechsel? Sprachenlernen im 21. Jahrhundert. Viena: VÖV Edition Sprachen 2, 2008, p. 125-133.), pois levou a um grande engajamento dos aprendizes e fomentou a sua e autonomia em relação ao uso de recursos para realizar a atividade, bem como sua motivação na criação de uma resposta bem elaborada a uma pergunta que lhes despertou interesse.

Um ponto negativo, porém, ocorreu no momento da postagem: como mencionado anteriormente, após escrever o comentário, os aprendizes perceberam que a pergunta que haviam escolhido estava “fechada”, ou seja, não permitia mais respostas. Como solução, a resposta foi postada na forma de comentários, como é possível perceber nas figuras acima. Porém, essa solução não foi plenamente satisfatória para os aprendizes, como é possível perceber no seguinte excerto da entrevista feita com Otávio* após o término do curso:

Professora: Relembre um momento ou atividade que você não gostou. Por que você escolheu essa lembrança? Otávio*: Um momento de que não gostei foi quando percebi que não havia muitas questões sobre o Brasil para respondermos no Yahoo Clever, pois o que parecia uma atividade muito interessante naquele momento pareceu um tanto artificial. Excerto de entrevista com Otávio*

O excerto evidencia que o aprendiz estava motivado em responder uma pergunta feita pela comunidade, mas se decepcionou ao perceber que havia poucas perguntas sobre o tema sugerido em sala de aula pela professora, ligado à temática do livro didático. Isso que o levou a postar sua resposta em uma pergunta fechada para cumprir a atividade. Com isso, a atividade que inicialmente foi considerada autêntica pelos aprendizes, perdeu seu caráter autêntico no momento da postagem, levando a um desapontamento do aprendiz. Consequentemente, é possível inferir que a participação dos aprendizes na escolha dos temas de pesquisa também pode incentivar um maior engajamento destes na atividade, aumentando sua motivação e evitando frustrações.

6.2 Sequência didática Parte II - Elaboração de uma pergunta à comunidade

Algumas aulas após a postagem das respostas e após concluir a lição do livro didático, prosseguimos para a próxima etapa da sequência. Para a continuação dessa atividade, estava prevista a postagem de uma pergunta, para que eles não apenas respondessem a algo, como também perguntassem e pudessem ter possíveis respostas da comunidade da língua-alvo. Inicialmente, eu havia planejado que eles criassem uma pergunta sobre o tema “imigração” ou “morar/trabalhar na Alemanha”, que eram temas da lição, mas após o feedback dos alunos sobre a atividade e a ausência de perguntas sobre o tema anterior, optei por mudar o planejamento e abrir um pouco a possibilidade de questões. Para isso, antes de trazer à tona novamente o uso do Yahoo! Clever, eu retomei com eles os temas tratados nesta lição (viagem, migração, moradia, diferenças culturais), e perguntei a eles qual dos temas tinha interessado a cada um deles pessoalmente.

Cada aluno deu uma resposta diferente: Otávio* mencionou o tema do planejamento de viagem porque viajaria em poucos dias para Alemanha, Dóris* escolheu o tema “morar na Alemanha” porque gostaria de morar lá por um tempo no futuro, e Sandro* optou pelo tema das diferenças culturais por achar interessante. Perguntei então a eles se havia algo que gostariam de saber em relação a esses temas que não tínhamos trabalhado em aula, então pedi a eles para pensarem em questões que gostariam de fazer, sem mencionar ainda o website. Por fim, no final da aula, pedi a eles que pegassem os celulares e se direcionassem novamente à plataforma, dessa vez para postar uma pergunta individual referente a um dos temas que lhes interessavam. Não houve problemas em utilizar novamente o site ou o perfil que criaram, e os alunos também encontraram rapidamente como e onde postar a pergunta. Todos elaboraram a pergunta direto no site, ninguém elaborou em um papel inicialmente, e todos também pediram que eu lesse e corrigisse a pergunta antes de postarem. Tentei fazer uma correção mais rápida e menos minuciosa, focando em temas que eles já tinham visto, sem alterar muito a formulação sugerida por eles.

As perguntas que surgiram foram bem interessantes: Otávio* perguntou sobre recomendação de restaurantes em Berlin; Dóris*, qual o melhor bairro de Berlin para um estudante morar; e a pergunta do Matheus, que tem menos interesse imediato em morar ou viajar para o exterior, foi sobre quais as diferenças culturais entre as diferentes regiões da Alemanha. Esta última pergunta tem relação com a lição atual, pois no início da aula tratamos dos Estados da Alemanha, e eu achei interessante a forma como ele ligou um tema de seu interesse a um tema tratado atualmente.

Novamente, a atividade pareceu ter sido prazerosa para os alunos, nenhum deles demonstrou algum descontentamento, e Dóris* chegou a mencionar nesta aula que gostou de trabalhar com o site Yahoo. A última fase, de reflexão sobre a atividade, não foi realizada como planejado, mas sim, apenas ao final do curso como um todo, que envolveu também outras ferramentas que não cabem mencionar nesse artigo. As reflexões e feedback dos alunos também foram recebidos durante as entrevistas, realizadas logo após a atividade e ao final do curso, cujos excertos estão sendo analisados juntamente com as postagens. A seguir, analisaremos o resultado da postagem das perguntas de Dóris*, e Otávio*.

6.2.2 Análise das postagens dos alunos - perguntas

Embora a formulação de uma pergunta seja em princípio mais rápida do que uma resposta, por ser mais curta (e de fato, o tempo utilizado em sala foi menor), para esta ser efetiva e recebida adequadamente na comunidade, ela envolve atenção ao estilo, ao gênero, além de uma escolha de temas e conteúdos adequados à plataforma. Por ser aberta, a plataforma causa a impressão de que qualquer pergunta seria aceita ou pertinente, o que não é necessariamente o caso, como pode-se abordar no caso da pergunta de Dóris*:

Figura 4:
Postagem de pergunta no site Yahoo! Clever feita por Dóris*

A pergunta elaborada pela aprendiz - “qual o melhor lugar para estudantes morarem em Berlim?” - busca uma informação bem específica: a recomendação de um bairro ou de uma região. Esta é uma pergunta direcionada a um grupo específico de pessoas (moradores de Berlim ou pessoas que conhecem bem a cidade), o que restringe o público-alvo da resposta. Além disso, ela busca uma opinião sobre moradia, porém sem contextualizar o seu interlocutor com mais informações: onde e quando ela irá a Berlim estudar? Que tipo de moradia (república, moradia estudantil, apartamento) ela pretende procurar? Qual o orçamento que ela pode gastar? Quais as preferências em termos de localização (central, silencioso, com restaurantes, museus etc.)? Assim, percebe-se que embora esta seja uma pergunta possível, ela não é coerente. A falta dessas informações se traduziu em algumas das respostas recebidas, como é possível perceber nos excertos a seguir:

Figura 5:
Postagem de respostas à pergunta de Dóris* no site Yahoo Clever

As respostas acima ilustram algumas dessas lacunas: a primeira é bastante genérica, “no oeste da cidade ou na vizinha Brandemburgo”, enquanto a segunda tenta supor (talvez de forma irônica) a falta de informações sobre custos colocando um valor de aluguel de quinhentos Euros, pouco provável para um estudante. As respostas seguintes, porém, foram ainda mais irônicas e agressivas, apelando para o fato de a interlocutora se identificar como mulher e brasileira:

Figura 6:
Postagem de respostas à pergunta de Dóris* no site Yahoo Clever

Percebemos uma ironia do interlocutor, que “recomenda um apartamento”, ou “uma barraca”, obviamente fugindo do cerne da questão. Essa ironia se deve possivelmente ao uso incorreto da palavra “Platz” pela aprendiz nesse contexto, quando a mais usual para se indicar um endereço como um bairro seria “Ort” ou mesmo “Viertel”. A resposta seguinte, do interlocutor de apelido Karl K., faz um convite irônico à aprendiz a morar com ele “a apenas 550km de Berlin”, ironizando o fato de a autora ser mulher (e possivelmente também por ser brasileira). Com isso, vemos que, diferentemente do “aquário da sala de aula” (Weininger 200115 WEININGER Markus J. Do aquário em direção ao mar aberto: mudanças no papel do professor e do aluno. In: LEFFA, V. (Org.). O professor de línguas estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas: EDUCAT, 2001, p. 41-68.), onde o insumo é controlado e não são permitidos comentários ofensivos ou depreciativos, no website, a inadequação da formulação da pergunta, juntamente com a falta de fluência na língua da aprendiz são punidas com agressividade por alguns membros da comunidade. Essas respostas depreciativas, porém, não foram percebidas pela aprendiz, que considerou as respostas recebidas como “atenciosas”, como é possível perceber pela entrevista, nos excertos a seguir:

Professora: Agora vamos às perguntas em relação ao segundo uso do site Yahoo Clever, no qual vocês tiveram que fazer uma pergunta. O que você achou desta outra atividade em termos gerais? Dóris*: No começo eu achei legal interagir no site, mas eu confesso que eu não imaginei que alguém iria responder de fato a minha pergunta. (...) Eu pensei: “ah, legal postar a pergunta, mas dificilmente alguém vai responder”. E aí quando eu vi tinham mais de seis respostas, então eu achei muito legal. Eu perguntei qual o melhor lugar para morar em Berlim sendo estudante, e aí eles perguntaram vários detalhes, de quanto dinheiro eu teria, foram atenciosos, era uma coisa que eu não esperava, e eu achei muito legal. Professora: Você teve dificuldade em entender as respostas? Dóris*: Só aquelas que falavam de locais ou informações muito específicos, porque teve respostas que foram nesse sentido. Agora, a linguagem em si, foi tranquilo, uma palavra ou outra só, mas a temática deu para entender. Professora: E se você pudesse voltar atrás, teria feito uma pergunta diferente, mudado alguma coisa na sua pergunta? Dóris*: Ah, acho que eu faria alguma pergunta mais generalizada. Por exemplo, eu nunca fui para a Alemanha, muito menos para Berlim, então eles responderam coisas específicas que eu não consigo visualizar na minha cabeça. Talvez eu perguntasse alguma coisa mais geral, talvez até sobre um filme, sobre alguma coisa que eu tenha acesso e possa dar uma resposta no sentido de ‘concordo com você’ ou ‘discordo de você’. Excertos de entrevista com Dóris*

No primeiro excerto, Dóris* relata que não esperava receber respostas à sua pergunta. Isso mostra que a situação de postagem de uma pergunta, para ela, não foi suficientemente autêntica (Van Lier, 199612 VAN LIER Leo. Interaction in the Language Curriculum: Awareness, Autonomy & Authenticity. Harlow: Pearson, 1996.; Fritz & Faistauer, 20086 FRITZ Thomas, FAISTAUER Renate. Prinzipien eines Sprachunterrichts. In: BOGENREITER-FEIGL, Elisabeth. (Org.): Paradigmenwechsel? Sprachenlernen im 21. Jahrhundert. Viena: VÖV Edition Sprachen 2, 2008, p. 125-133.) - por não ter um plano concreto de ida à Alemanha, a pergunta era vazia, não tinha significado real para a aprendiz, e as respostas não interessavam a ela verdadeiramente. Ela não está em Berlim e não conhece a cidade para saber como são, de fato, os lugares que algumas pessoas recomendaram, tampouco estava planejando um intercâmbio ou algo semelhante, que a envolvesse com a capital alemã de alguma forma. Deste modo, pode-se concluir que, embora tenha sido veiculada em uma comunidade de usuários da língua, a pergunta foi postada como uma atividade de ensino, voltada para o exercício formal da língua, e não com o objetivo de interagir com a comunidade. Isso se reflete na ausência de informações mais concretas, e talvez até mesmo na forma como ela interpretou as respostas, sem notar a ironia ou o tom depreciativo de algumas delas, e reproduzindo uma imagem positiva da cultura-alvo. Vale ressaltar que segundo a própria aprendiz, no segundo excerto, não foram questões de vocabulário que atrapalharam a compreensão.

O comportamento da aprendiz parece refletir uma baixa motivação em relação à atividade, evidenciada pela falta de reflexão na elaboração da pergunta e na interpretação das respostas enviadas pela comunidade. Diferentemente da atividade que solicitava uma resposta e tinha como tema algo ligado à realidade da aluna, esta segunda atividade não tinha um objetivo tão concreto, e talvez por isso tenha sido encarada pela aprendiz como pouco interessante.

Em outro momento, ao refletir sobre a atividade e o que poderia ter sido feito diferente, a aprendiz percebe que sua pergunta não permitiu a realmente interagir com a comunidade, já que ela não tinha nenhuma base para, por exemplo, discordar de alguma recomendação. Ela poderia, no máximo, pedir mais informações, porém como vimos, ela não tinha interesse real nas respostas recebidas. Conforme podemos verificar no excerto acima, a aluna sentiu falta dessa possibilidade de argumentação, que possibilitaria uma interação mais autêntica, que trouxesse também a oportunidade de expressar seus pensamentos e opiniões na língua estrangeira.

Dóris* comenta, ainda, possíveis tópicos que poderiam ter sido abordados a fim de gerar melhor discussão - “[...] talvez eu perguntasse alguma coisa mais geral, talvez até sobre um filme, sobre alguma coisa que eu tenha acesso[...]” - e cita, como exemplo, um filme. Portanto percebemos que, apesar de sua pergunta não ter sido adequada à plataforma, ela pôde perceber posteriormente a irregularidade do conteúdo e como a postagem poderia ter sido mais relevante para ela. Se no futuro, por motivação própria, a aluna decidir tentar novamente uma interação por meio da plataforma Yahoo! Clever, ou até mesmo outra plataforma de premissas similares, é provável que ela elabore uma pergunta mais adequada ao contexto, e que traga melhores contribuições da comunidade e respostas significativas a ela.

Outra situação interessante, ocorrida no contexto desta mesma pergunta feita por Dóris*, foi o recebimento de comentários irônicos relativos ao seu nome, que a aprendiz utilizou como apelido no site. Uma das respostas indagava sobre a veracidade da postagem, visto que o nome da autora, segundo o autor do comentário, não parecia ser brasileiro. Essa resposta gerou um pequeno debate na postagem, com alguns comentários ironizando o comentarista, outros afirmando que o nome poderia ser inventado.

Desta forma, o comentário postado dava a entender que seu autor interpretou as lacunas mencionadas na pergunta como uma suspeita de que não apenas a situação retratada na pergunta, como até mesmo a própria identidade da autora fosse inventada. A aprendiz, porém, não parece ter tido esta percepção da resposta recebida, conforme se nota no excerto a seguir, da mesma entrevista feita com ela:

Professora: Você comentou comigo, no nosso grupo de whatsapp da sala, que você recebeu uma resposta em relação ao seu nome, Dóris*, que era estranho para uma brasileira. Qual foi a sua reação ao ler esse comentário? Dóris*: Eu achei legal, porque mostra que a pessoa interagiu de forma mais completa, ela olhou meu nome, meu perfil, e não apenas respondeu a pergunta. Professora: Entendo. Mas de certa forma, aquela pergunta meio que duvidava que você poderia existir né... Dóris*: Sim, exatamente. Professora: Você teve alguma sensação em relação a isso, em relação a ele duvidar que você ou a sua pergunta fossem reais? Dóris*: Eu fiquei pensando primeiramente que fosse uma piada ou coisa desse tipo, porque eu já vi o meu nome em algumas coisas em alemão. Mas achei engraçado, até para um alemão, fazer piada com uma pessoa que ele não conhece. Talvez tenha sido nesse sentido mesmo, de achar que não era verdade. Professora: Você não teve nenhuma sensação ruim em relação a isso, achou apenas engraçado então. Dóris*: É, só achei engraçado. Excertos de entrevista com Dóris*

Dóris* menciona ter achado engraçado que um alemão fizesse piadas com alguém que não conhecesse. Este estranhamento nos explicita dois pressupostos que a aluna tomou: de que o usuário que com ela interagiu é alemão, e que alemães, ainda que em uma plataforma que garante anonimato e só permite interações entre desconhecidos, não usariam humor ou sarcasmo em suas interações. Este segundo pressuposto reforça a hipótese de que a aprendiz tenha uma visão estereotípica e positiva da cultura-alvo, já que ela não encarou a piada de forma depreciativa. Além deste, outros fatores também podem ter influenciado sua interpretação otimista da resposta, como uma possível pouca atenção dada a questões relativas à pragmática em aulas de língua estrangeira, além da falta de autenticidade da situação para a aprendiz, que pode ter feito com que ela não se importasse tanto assim com a resposta e não a analisasse com a devida atenção.

Enquanto Dóris* formulou uma pergunta pouco relacionada ao seu contexto atual, Otávio* utilizou a atividade como oportunidade de pedir uma dica relacionada a turismo, já que ele iria fazer uma viagem a Berlim em algumas semanas. A diferença na formulação das perguntas e nas respostas pode ser vista na reprodução de sua postagem, a seguir:

Figura 7:
Postagem de respostas à pergunta de Otávio* no site Yahoo Clever

Analisando a postagem acima, é possível notar o uso do registro formal (como o uso do pronome “Sie”), não muito comum no website, e alguns desvios gramaticais, como o uso de “wo” ao invés de “wohin”, marcas que podem indicar aos interlocutores que se trata de um falante não-fluente ou um aprendiz. Em relação ao conteúdo, assim como a pergunta de Dóris*, a pergunta postada por Otávio* também busca uma recomendação de local, no caso, de um restaurante. Porém, enquanto a postagem de Dóris* é vaga, nesta última, o aprendiz especifica a data da viagem, o seu orçamento e suas preferências culinárias, contextualizando o interlocutor, que pode então oferecer uma recomendação adequada. Desta forma, a primeira resposta é justamente uma recomendação de restaurante que poderia se adequar à descrição do autor da postagem, mostrando que a interação foi bem-sucedida.

O segundo comentário, porém, traz apenas um “Ja”, que pode ser uma resposta ao comentário acima, mas também pode ser uma postagem ironizando o conteúdo da pergunta ou a forma, indicando um preconceito linguístico. Ainda assim, vale notar que este comentário foi mal avaliado pela comunidade (recebendo oito menções de “não gostei”), o que indica que a pergunta em geral foi bem aceita. O fato de não ter mais respostas pode ser pela restrição do público-alvo e dos critérios (como a busca de um restaurante de “cozinha alemã moderna” que ao mesmo tempo seja barato), que pode ter desencorajado outras pessoas a comentarem.

Desta forma, observando ambas as postagens, pode-se dizer que quanto maior o interesse do aprendiz na atividade, melhor será a sua interação com a comunidade, e menores as chances de receber comentários negativos ou depreciativos. Ainda assim, é válido lembrar que o site não possui uma forte moderação, e isso deve ser pensado pelo professor ao avaliar o contexto da sua sala de aula, mas pode ser também um momento de levar à reflexão dos aprendizes e de quebrar estereótipos positivos sobre a língua e a cultura-alvo.

7 Considerações finais

Este artigo teve como objetivo explorar algumas potencialidades do website Yahoo! Clever para o ensino de Alemão como Língua Estrangeira, em especial na criação de situações autênticas que possam contribuir para o fomento da autonomia e da motivação dos aprendizes. Para isso, apresentamos os resultados da realização de uma sequência didática com aprendizes universitários de nível iniciante (A2 do Quadro Europeu Comum de Referência4 CONSELHO DA EUROPA. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Ed. Asa, 2001.), na qual algumas atividades envolvendo a plataforma foram incorporadas ao tema “Deutsche im Ausland/ Ausländer in Deutschland” tratado no livro didático.

Durante a realização da sequência, percebemos enquanto professores-pesquisadores a dificuldade de realizar atividades envolvendo materiais autênticos e o uso da internet, pois estas demandaram uma grande quantidade de tempo, como pode ser percebido repetidamente ao longo do artigo, mais do que atividades envolvendo materiais didáticos convencionais. Por isso, a realização de atividades como essas pode ser um desafio para muitos professores em instituições que possuem cronogramas curriculares muito restritos. Vemos que o tempo utilizado influencia diretamente o resultado das atividades: os aprendizes necessitam de espaço para reflexão e descoberta das possibilidades do site, espaço importante para o desenvolvimento de sua autonomia.

Após a observação dos resultados, foi possível perceber que atividades envolvendo a plataforma podem ser motivadoras para os alunos: ao responder perguntas contidas no site, os aprendizes se sentem engajados a expressarem suas opiniões, seus conhecimentos e exercitarem sua argumentação para um público externo à sala de aula, utilizando a língua fora do “aquário”. Para isso, eles recorrem ao seu repertório linguístico e empregam estratégias de dedução de vocabulário, o que contribui também para o desenvolvimento da autonomia. Porém, a imposição da temática pelo professor (ou pelo livro didático) pode acarretar uma restrição das possibilidades dos aprendizes, que podem então encarar a situação como inautêntica e não suficientemente motivadora.

A postagem de perguntas, por sua vez, parecia em princípio mais simples e fácil de engajar os aprendizes, por ser uma atividade mais aberta, na qual os aprendizes poderiam perguntar o que quisessem dentro de uma gama de temas, além de exigir menor elaboração em termos linguísticos. Porém, como se evidenciou nos exemplos, a formulação das perguntas exige uma grande atenção aos estilos de perguntas postadas no site, ao gênero textual, ao contexto, ao grau de formalidade e à gramática, pois esses elementos se sobressaem no site, revelando marcas da identidade dos aprendizes, das quais nem sempre eles estão cientes. Além disso, é importante levar os aprendizes à reflexão sobre as possibilidades de interação com a comunidade, para que a atividade não seja realizada de forma inautêntica, apenas para mostrar para o professor, o que percebemos ter impactado negativamente a motivação dos aprendizes, como percebemos em alguns momentos ao longo da análise da sequência didática. Ainda, dada a ausência de moderação nas respostas, pode haver o recebimento de comentários irônicos, negativos ou depreciativos, os quais podem levar à frustração dos aprendizes se não houver uma reflexão sobre isso em sala de aula. Porém, vale mencionar que, por seu caráter autêntico, perguntas significativas para os aprendizes tendem a ser mais bem recebidas pela comunidade.

Portanto, a plataforma por si só não é capaz de promover situações autênticas ou estimular a autonomia e motivação dos aprendizes - é necessário um trabalho refletido do professor com os aprendizes em sala de aula, dando atenção para a observação das interações já existentes no site e permitindo aos aprendizes ter liberdade de postar sobre os temas que lhes interessarem.

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  • 15
    WEININGER Markus J. Do aquário em direção ao mar aberto: mudanças no papel do professor e do aluno. In: LEFFA, V. (Org.). O professor de línguas estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas: EDUCAT, 2001, p. 41-68.
  • 16
    WIATER Werner. Unterrichtsprinzipien. Donauwörth: Auer, 2001.

Anexo: Roteiro da entrevista com Doris*

  1. Você já conhecia o Yahoo respostas?

  2. Você já tinha usado a versão em português realmente? Para fazer alguma pergunta, responder a alguma pergunta, procurar comentários...?

  3. E você também nunca havia feito nenhuma pergunta no site, certo?

  4. E a versão em alemão, você já tinha visto, já tinha usado?

  5. E o que você achou da atividade de elaborar uma resposta para uma pergunta? Se você pudesse colocar em termos de pontos positivos e negativos, o que você diria?

  6. Como foi encontrar a pergunta? Teve dificuldade? O que achou do trabalho, do tempo?

  7. O que você achou de fazer uma conta no site, uma conta pessoal?

  8. E o que você achou de usar o celular em sala de aula?

  9. E como foi a elaboração da resposta? Teve alguma dificuldade, por exemplo, ao trabalhar em grupo...?

  10. Agora vamos às perguntas em relação ao segundo uso do site Yahoo Clever, no qual vocês tiveram que fazer uma pergunta. O que você achou desta outra atividade em termos gerais?

  11. Algum ponto negativo?

  12. A sua questão recebeu respostas?

  13. E o que você achou das respostas?

  14. Você teve dificuldade em entender as respostas?

  15. Você comentou comigo, no nosso grupo de Whatsapp da sala, que você recebeu uma resposta em relação ao seu nome, Doris*, que era estranho para uma brasileira. Qual foi a sua reação ao ler esse comentário?

  16. E você respondeu a este ou a outro comentário, avaliou alguma resposta?

  17. Houve alguma interação no site, alguma mensagem privada ou coisa assim?

  18. Se você pudesse voltar atrás, teria feito uma pergunta diferente, mudado alguma coisa na sua pergunta?

  19. Você teve vontade de entrar no site após o uso em sala de aula?

  20. Você postou mais alguma pergunta, resposta ou comentário também?

  21. E em termos gerais, como você avalia o uso dessa ferramenta para a sua aprendizagem de alemão?

  • 3
    .Informação coletada através de questionário respondido no início do curso.
  • 4
    .Nomes fictícios, os nomes reais dos aprendizes foram omitidos para preservar seu anonimato.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2020
  • Aceito
    07 Jul 2020
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br