Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: trajetória e desafios em 30 anos do SUS

Silva, Gisléa Kândida Ferreira da; Sousa, Islândia Maria Carvalho de; Cabral, Maria Eduarda Guerra da Silva; Bezerra, Adriana Falangola Benjamin; Guimarães, Maria Beatriz Lisboa

doi:10.1590/S0103-73312020300110

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Physis: Revista de Saúde Coletiva

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Sumário

TEMA LIVRE • Physis 30 (01) • 2020 • https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300110 copiar

Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: trajetória e desafios em 30 anos do SUS

National Policy on Integrative and Complementary Practices: trajectory and challenges in 30 years of SUS

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo

Este artigo analisa a construção e desenvolvimento da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS e seus antecedentes. O estudo envolveu revisão de literatura, análise documental e entrevistas com atores-chave no processo de construção e implementação da política. Apoiou-se no modelo de múltiplos fluxos proposto por Kingdon no que tange à formulação da agenda política. Os resultados apontam momentos importantes na trajetória da política: influência de parâmetros internacionais; papel das conferências nacionais de saúde na construção da demanda social; experiências iniciais de oferta na rede pública; protagonismo no âmbito do ensino e pesquisa; entrada na agenda política; condução federal e desafios para a institucionalização. A formulação da PNPIC ocorre pela pressão de atores estratégicos que empreenderam ações em condições institucionais favoráveis no âmbito do Ministério da Saúde após mudança política na esfera do Governo Federal em 2003, criando uma janela de oportunidade política. Tal processo foi marcado por resistências oriundas da racionalidade biomédica e disputas de interesses. Apesar do avanço relativo à disseminação e visibilidade da oferta de serviços, as ações no âmbito da condução federal não foram acompanhadas por mudanças significativas na formação dos profissionais e nas práticas hegemônicas de saúde.

Palavras-chave:
medicina tradicional; terapias complementares; políticas públicas; política de saúde brasileira

Conferência	Ano	Tema	Proposições acerca da integração das PICS
8ª Conferência Nacional de Saúde	1986	1. Saúde como direito; 2. Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; e 3. Financiamento setorial	“...introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços de saúde, possibilitando ao usuário o acesso democrático de escolher a terapêutica preferida” (CNS, 1987, p. 10).
10ª Conferência Nacional de Saúde	1996	1. Saúde, cidadania e políticas públicas; 2. Gestão e organização dos serviços de saúde; 3. Controle social na saúde; 4. Financiamento da saúde; 5. Recursos humanos para a saúde; e 6 Atenção integral à saúde.	Aparecem pela primeira vez entre as proposições aprovadas três das racionalidades e práticas terapêuticas que posteriormente seriam incorporadas à PNPIC: fitoterapia, acupuntura e homeopatia, denominadas como terapias alternativas e práticas populares, e a necessidade de sua incorporação no SUS (CNS, 1998, p. 73).
11ª Conferência Nacional de Saúde	2000	Efetivando o SUS - Acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social.	Trouxe críticas aos modelos de atenção vigentes como insuficientes para responder às necessidades da população pela ênfase curativista e médico-centrada que os caracterizam. As PICS aparecem no documento final desta Conferência como “práticas não hegemônicas”, sendo representadas como alternativas assistenciais mais baratas, eficazes, de potencial preventivo e curativo, mas com pouco estímulo no país (CNS, 2001).
1ª Conferência Nacional de Vigilância Sanitária	2001	Efetivar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: proteger e promover a saúde, construindo cidadania.	Deliberações acerca da regulação de medicamentos fitoterápicos e o estímulo a pesquisas com plantas nacionais, com vistas à oferta segura e eficaz à população, ampliando o acesso principalmente no âmbito da Atenção Básica (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 2001).
12ª Conferência Nacional de Saúde	2003	Saúde: direito de todos e dever do Estado; o SUS que temos e o SUS que queremos.	A efetiva implementação de práticas alternativas de saúde nos serviços do SUS (fitoterapia, reflexologia, homeopatia, acupuntura e massoterapia) é apontada como uma diretriz geral do sistema de saúde, destacando a importância da oferta de opções de cuidado para além da racionalidade biomédica. O texto recomenda ainda o incentivo a estudos sobre práticas de cuidado à saúde consideradas alternativas, holísticas, complementares e naturais, a normatização e reconhecimento das atividades dos facilitadores das “Práticas Integrativas em Saúde” (PIS) (CNS, 2004, p. 124) e a inserção da homeopatia, acupuntura e práticas integrativas em saúde como conteúdo de educação permanente para os profissionais de todas as categorias de saúde em todos os níveis de formação.
I Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica	2003	Efetivando o acesso, a qualidade e a humanização na assistência farmacêutica, com controle social	Em todos os eixos temáticos que estiveram em debate foram apresentadas propostas envolvendo medicamentos homeopáticos e fitoterápicos, abordando desde a educação em saúde, ações de financiamento, ampliação da oferta, fomento a pesquisas, normatização de serviços, bem como a necessidade de elaboração de uma política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos (CNMAF, 2005).
II Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde	2004	Produzir e aplicar conhecimento na busca da universalidade e equidade, com qualidade da assistência para a saúde da população.	Inclui tanto os medicamentos fitoterápicos quanto os homeopáticos em várias deliberações do conjunto de prioridades em temas como: desenvolvimento de medicamentos para doenças não transmissíveis relevantes para a saúde pública; desenvolvimento de pesquisas clínicas e estudos sobre atenção em saúde (CNCTIS, 2005).

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G. K. F. da Silva realizou a concepção e delineamento da pesquisa, coleta, análise e interpretação dos dados e redação original do artigo. I. M. C. de Sousa participou da concepção da pesquisa, delineamento metodológico, discussão e revisão crítica do conteúdo. M. E. G. da S. Cabral e M. B. L. Guimarães foram responsáveis pela revisão crítica do conteúdo e revisão textual do artigo. A. F. B. Bezerra realizou participou da discussão e revisão do artigo.

Ano	Natureza da ação	Título	Resumo
2006	Portaria nº 853/GM/MS	Inclui na Tabela de Serviços/classificações do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - SCNES/SUS - as seguintes classificações: 001 - Acupuntura; 002 - Fitoterapia; 003 - Outras Técnicas em Medicina Tradicional Chinesa; 004 - Práticas Corporais/Atividade Física; 005 - Homeopatia; 006 - Termalismo/Crenoterapia; 007 - Medicina Antroposófica.	Possibilitou o registro de profissionais, serviços e produção relativas às PICS, o que até então só era possível em relação às consultas em homeopatia e acupuntura.
2008	Portaria nº 154/GM/MS	Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF.	Inclusão do médico acupunturista e do médico homeopata no rol de profissionais que podem atuar no NASF. Representa um estímulo à transversalidade das PICS em outras estratégias e políticas.
2009	Caderno de Atenção Básica nº 27	Diretrizes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família	Primeiro Caderno de Atenção Básica (CAB) com um capítulo dedicado às PICS.
2009	Portaria nº 84	Adequa o serviço especializado 134 - Serviço de práticas integrativas e sua classificação 001 - Acupuntura	Adequou o serviço de acupuntura à inclusão das ocupações enfermeiro, biomédico, fisioterapeuta acupunturista, psicólogo clínico-psicólogo, acupunturista e farmacêutico na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
2010	Portaria nº 4.217/GM/MS	Inclui os medicamentos homeopáticos da Farmacopeia Homeopática Brasileira e alguns fitoterápicos no Elenco de Referência da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica	Aprovação de normas de financiamento e a execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica com vistas a ampliar o acesso a medicamentos fitoterápicos no SUS, todos passíveis de financiamento com recursos tripartite.
2012	Relação Nacional de Ações e Serviços do SUS (RENASES)	Incluiu ações de PICS no rol das ações e serviços da Atenção Primária	Reconhecimento das PICS como estratégia de ampliação do escopo da Atenção Básica
2012	Caderno de Atenção Básica nº 31	Plantas medicinais e fitoterápicos na Atenção Básica	Primeiro CAB dedicado integralmente a uma das PICS elencadas na PNPIC
2015	Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)	Foram inseridos 12 fitoterápicos, além de toda a farmacopeia homeopática brasileira	Possibilidade de os municípios brasileiros utilizarem recursos do componente da Assistência Farmacêutica Básica para aquisição de medicamentos fitoterápicos, mediante pactuação entre gestores estaduais e municipais
2017	Portaria Nº 145	Altera procedimentos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS para atendimento na Atenção Básica.	Inclusão de oito práticas integrativas na tabela de procedimentos do SUS
2017	Portaria Nº 849	Inclui a Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e Yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares.	Ampliação das práticas integrativas e complementares contempladas na PNPIC.
2018	Portaria nº 702	Inclui aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, medicina antroposófica/antroposofia aplicada à saúde, ozonioterapia, terapia de florais à PNPIC.	Ampliação das práticas integrativas e complementares contempladas na PNPIC.
2018	Publicação do Ministério da Saúde	Guia de implantação de serviços de práticas integrativas e complementares no SUS.	Orientações sobre implantação e cadastramento de serviços de PICS no SUS no SCNES.