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Associações de mães e familiares afetados pela síndrome congênita de Zika vírus: perfil e principais discussões relacionadas

Resumo

No Brasil, o impacto de emergências sanitárias consecutivas nos últimos cinco anos, como a epidemia de zika (2015) e a pandemia de Covid-19 (2020), atingiu de forma aguda as famílias de crianças com síndrome congênita do zika (SCZ). Este artigo explora processos epidêmicos que replicam as intersecções de deficiência, cuidado, gênero, classe e raça, e propõe a construção de um perfil das associações civis de mães e familiares de crianças com SCZ, bem como suas mobilizações, sobretudo da União Mães de Anjos (UMA). A partir da literatura sobre o tema, realização de entrevistas e oficinas com as mães de crianças com SCZ ligadas às associações em diferentes partes do Brasil, observou-se que as epidemias produzem impactos desiguais em relação a idade, raça, classe, gênero, localidade e deficiência. Embora os impactos das emergências de saúde possam ser contínuos para as pessoas que vivem na intersecção de múltiplas opressões, destacamos a resistência na forma de capacidade organizacional para navegar no acesso a direitos e reconfigurar dinâmicas de poder.

Palavras-Chave:
Síndrome congênita de Zika vírus; Covid-19; Associações de mães; Brasil

Abstract

No Brasil, o impacto de emergências sanitárias consecutivas nos últimos cinco anos, como a epidemia de zika (2015) e a pandemia de COVID-19 (2020), atingiu de forma aguda as famílias de crianças com síndrome congênita do zika (SCZ). Este artigo explora processos epidêmicos que replicam as intersecções de deficiência, cuidado, gênero, classe e raça, e propõe a construção de um perfil das associações civis de mães e familiares de crianças com SCZ, bem como suas mobilizações, sobretudo da União Mães de Anjos (UMA). A partir da literatura sobre o tema, realização de entrevistas e oficinas com as mães de crianças com SCZ ligadas às associações em diferentes partes do Brasil, observou-se que as epidemias produzem impactos desiguais em relação a idade, raça, classe, gênero, localidade e deficiência. Embora os impactos das emergências de saúde possam ser contínuos para as pessoas que vivem na intersecção de múltiplas opressões, destacamos a resistência na forma de capacidade organizacional para navegar no acesso a direitos e reconfigurar dinâmicas de poder.Abstract: In Brazil, the impact of consecutive health emergencies in the last five years, such as the Zika epidemic (2015) and the COVID-19 pandemic (2020), acutely affected families of children with congenital Zika syndrome (CZS). This article explores epidemic processes that replicate the intersections of disability, care, gender, class and race, and proposes the construction of a profile of civil associations of mothers and families of children with CZS, as well as their mobilizations, especially the União Mães de Anjos (UMA). Based on the literature on the topic, interviews and workshops with mothers of children with CZS linked to associations in different parts of Brazil, it was observed that epidemics produce unequal impacts in relation to age, race, class, gender, location and disability. While the impacts of health emergencies can be ongoing for people living at the intersection of multiple oppressions, we highlight resistance in the form of organizational capacity to navigate access to rights and reconfigure power dynamics.

Keywords:
Congenital Zika virus syndrome; COVID-19; Mothers' associations; Brazil

Introdução

Interessa-nos, neste artigo, a composição dos perfis e agendas, bem como a problematização das estratégias internas de sobrevivência e as redes de solidariedade estabelecidas pelas associações de mães e familiares afetados pela síndrome congênita do Zika vírus (SCZV). Observa-se uma geografia política e social de tais associações, suas interdependências sanitárias e territoriais, compreendendo que, nas epidemias, a atuação de diferentes personagens e instituições elucida jogos de poder, fragilidades políticas e econômicas. As mulheres e familiares das associações tornam suas condições de precariedade, situações que estimulam a ação. Seus corpos juntos nas associações, mídias e espaços públicos mobilizam olhares, exercem o direito plural e performativo de aparecer suas necessidades, como parte de uma luta democrática (Butler, 2018BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.).

Nessa perspectiva, tensionamos dois contextos. O primeiro, relacionado à epidemia de zika entre os anos 2015 e 2017, no qual foram criadas as primeiras associações de mães e familiares no Brasil. O segundo, com pandemia de Covid-19, entre os anos 2020 e 2021, que trouxe novos desafios para as associações. Construímos um panorama geral das associações estaduais de mães e familiares afetados pela SCZV, destacando a atuação da União Mães de Anjos (UMA) de Pernambuco e da Frente Nacional, organização que se destacou por reunir as presidentas das associações estaduais em prol de pautas federais como a pensão indenizatória (Matos et al., 2019).

Um mapeamento e a análise sistemática dessas associações, suas dinâmicas, pautas, semelhanças e diferenças merecem maior aprofundamento. Pensando em reduzir essa lacuna, é nosso objetivo apresentar o perfil das associações, bem como das mulheres e familiares que as compõem. Para isso, como metodologia, partimos do levantamento, discussão bibliográfica e levantamento sistemático de informações publicadas nas redes sociais das associações, criando um banco de dados com informações básicas sobre as associações, localização, principais agendas, eventos, lideranças e outras variáveis. Além disso, para a cobertura do primeiro recorte temporal, ligado a epidemia de zika (2015-2017), utilizamos entrevistas e anotações de cadernos de campo produzidos em encontros com as mulheres/mães das associações em oficinas, rodas de conversa e grupos focais, parte do material de pesquisa coletados no escopo do projeto “Movimentos Sociais Femininos e a resposta à síndrome de Zika no Brasil”1 1 Projeto “Movimentos sociais e a resposta à síndrome de Zika no Brasil”, financiada pelo Fundo Newton. , desenvolvido pela equipe entre 2017 e 2019, aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa do Instituto René Rachou (número do parecer 2.400.856).

No segundo recorte temporal, durante a pandemia de Covid-19, atualizamos o levantamento de dados das associações e identificamos a abertura de novas associações. Utilizamos dados e informações produzidos pelas associações em suas redes sociais e por conversas informais via WhatsApp. Tais conversas foram mediadas dentro do escopo de ações de pesquisadores envolvidos em trabalhos sobre a SCZV, que foram acionados pelas lideranças das associações para orientações em relações às políticas públicas aventadas naquele período e que atingia fortemente a vida dos seus filhos e, por consequência, toda a dinâmica familiar, sobretudo das mães. Como atravessamentos desse diálogo, manejamos as legislações relacionadas à SCZ, a saber: Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e os processos de formulação de Projetos de Leis sobre pensão indenizatória.

Ressaltamos o protagonismo feminino na composição de agenda e os diálogos com o poder público, ressignificando conceitos e formas de agir sobre a epidemia de Zika vírus. O protagonismo assumido pelas mães revela o desejo de se tornarem visíveis e com isso ganham notoriedade, confiança, tornando-se importantes atores políticos que desejam quebrar a transitoriedade das reivindicações em representações políticas institucionalizadas.

Epidemias e as associações de mães e familiares afetados pela SCZV

As doenças epidêmicas atuam como uma lente de aumento que realça os temores, prejuízos, normas e estereótipos sobre as pessoas doentes, o corpo humano, o gênero, os grupos étnicos e as classes sociais. A variedade de percepção, práticas e testemunhos que surgem nas epidemias evidenciam que a enfermidade não é apenas um fator biológico de responsabilidade exclusiva dos médicos (Cueto, 1997CUETO, M. El regreso de las epidemias. Salud y sociedad en el Perú del siglo XX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1997.). A sociedade se coloca no debate e exige respostas e vários atores se mobilizam para construí-las.

Como um dos atores mobilizados, os meios de comunicação e as mídias materializam e intermediam esse diálogo. É o que Vilella e Natal (2014) nomeiam como jogos de poder e representações. Há, nesse sentido, uma dramaturgia da epidemia que mobiliza diferentes atores, que atuam sobre o evento de maneiras distintas, criam-se metáforas e enquadramentos (Sontag, 1989SONTAG, S. Aids & suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.; Rosenberg, 1977ROSENBERG, C. E.; GOLDEN, J. (eds). Framing disease. Studies in cultural history. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1997.; Wald, 2008WALD, P. Contagious cultures, carriers, and the outbreak narrative. Duke University Press, 2008.). Nesses “dramas epidêmicos”, há disputas de poder, produção de conhecimento e debates públicos. E, na atualidade, a grande arena tem sido os meios de comunicação e as mídias sociais. A população afetada muitas vezes é estigmatizada, silenciada e tomada como “objeto de estudo”. Tais grupos reagem, organizando-se em movimentos e associações, criando agendas específicas para dialogar com as instâncias públicas.

Em um contexto global, os riscos epidêmicos são assumidos por instituições, nacionais ou internacionais, os chamados gestores transnacionais do risco, tornando-se forças políticas que transformam o mundo. Diante do risco, as soluções são construídas em uma combinação de sistemas de vigilância, planos de enfrentamento e compartilhamento de informação através de redes para conter os riscos emergentes. A partir daí, é generalizado um senso de urgência sociopolítica que ocasiona uma multiplicidade de respostas (Beck, 2008BECK, U. Momento cosmopolita da sociedade de risco. ComCiência, n. 104, 2008. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8& edicao=41&id=501. Acesso em: 20 set. 2014.
http://www.comciencia.br/comciencia/hand...
).

Como é sabido, em novembro de 2015, o Ministério da Saúde (MS) decretou a epidemia do Zika vírus associada ao surto de microcefalia como uma emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN). No entanto, essa história começa em meados de agosto de 2015, quando obstetras e neonatologistas, especialmente no Nordeste, observam o aumento de ocorrências de crianças com má formação. Os médicos alertam à Secretaria de Saúde Pública e, posteriormente, em outubro, o MS. Em novembro de 2015, pela primeira vez desde a criação desse mecanismo jurídico, foi declarado estado de emergência no país. O Zika vírus apresentava-se como ameaça à segurança e um evento de risco (Nunes; Pimenta, 2016NUNES, J.; PIMENTA, D. N. A epidemia de Zika e os limites da saúde global. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, v. 98, p. 21-46, 2016.).

Em fevereiro de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência internacional. Esse cenário de emergência é permeado por eventos políticos, destaca-se o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e a realização das Olimpíadas. Um quadro de grande repercussão midiática, acompanhada de um pânico social. No ano de 2017, os casos de SCZV diminuíram de forma significativa. A OMS e o governo brasileiro declaram o fim da emergência (Diniz, 2016DINIZ, D. Zika, do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). A epidemia de zika e a microcefalia aos poucos desapareceram das manchetes de jornais, em parte pela crise política que o Brasil atravessava e pelo sentimento de segurança que a diminuição dos casos de Zika traziam (Carvalho, 2016CARVALHO, M. S. Zika em Cadernos de Saúde Pública: novamente? Editorial. Cad. Saúde Pública, v.32, n.5, 2016.).

Com a declaração do fim da emergência, os financiamentos voltados para SCZV desaparecem, mas as demandas das crianças, mães e familiares permanecem e se transformam na medida em que as crianças crescem. São as associações que permanecem e criam alternativas para manter vivas as políticas de assistência e lutam bravamente para serem ouvidas pelo Estado. Mas afinal, quem são as mulheres-mãe que se articulam nas associações?

Perfil socioeconômico das mulheres/mães atingidas pela epidemia de Zika vírus

Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2015_2016.pdf.
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),2 2 Essa foi a última estatística produzida pelo Ministério da Saúde, o que revela a negligência com as pessoas atingidas pela epidemia de Zika vírus e o entendimento por parte do governo do fim da epidemia. o perfil socioeconômico das pessoas atingidas pela epidemia de zika é: 71,4% mães entre 15 e 29 anos; 70,6% mães com escolaridade superior a oito anos de estudo; 84,3% mães com cor de pele parda ou preta e 49,4% mães solteiras, separadas ou viúvas. Tal perfil é corroborado em estudos (FreitasFREITAS, P. de S. S. et al. Síndrome congênita do vírus Zika: perfil sociodemográfico das mães. Rev Panam Salud Publica, v. 43, p. e24, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.24
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et al., 2019; Souza et al., 2018SOUZA, W. V. et al. Microcephaly epidemic related to the Zika virus and living conditions in Recife, Northeast Brazil. BMC Public Health, v. 18, n. 1, p. 130, 2018.; Diniz, 2017DINIZ, D. Zika: from the Brazilian backlands to global threat. London: Zek Books, 2017.) que indicam que as mulheres atingidas pela SCZ são pertencentes às classes sociais menos desfavorecidas, identificam-se em sua maioria como mulheres não brancas, com baixa escolaridade e baixa renda per capita, moram em periferias, em moradias em condições precárias, enfrentando problemas com saneamento e tiveram que sair dos seus empregos para cuidar de seus filhos, os quais precisam de uma rotina diária e intensa de trabalhos.

Assim, podemos afirmar que as mulheres, jovens, pobres, negras e chefes de família foram as mais atingidas pelo vírus. Tal perfil gerou, por parte da mídia, estereótipos sobre as mulheres e de alguma forma foram responsabilizadas pelo surto epidêmico. Lima (2016LIMA, M. P. As boas mães do Zika vírus: um estudo da cobertura jornalística sobre o papel da mulher em meio à epidemia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Universidade de Brasília. Brasília, 2016.) mostra que a cobertura jornalística da epidemia tem a mulher-mãe como foco e pode ser pensada conforme as seguintes categorias:

1) Orientação: às mães e suas variações do termo foram acionadas para serem orientadas pela matéria - elas receberam dicas para se proteger do vírus ou receberam informações que explicavam a importância da participação delas nesse processo de combate à microcefalia;

2) Estatística: as mães e suas variações do termo aparecem como números, em contabilizações de grávidas com zika, em análises do aumento do número de casos de microcefalia em grávidas, em avaliação da idade média da mãe que contrai o vírus;

3) Objeto de pesquisa: as mães e suas variações do termo apareceram como pessoas sendo pesquisadas e mapeadas geneticamente - elas serviram como fontes biológicas de informação e foram analisadas psicologicamente por observações de outros;

4) Fonte de informação: as mães e suas variações do termo foram acionadas como fonte de informação, ou seja, suas falas e suas experiências auxiliaram na construção da matéria (Lima, 2016LIMA, M. P. As boas mães do Zika vírus: um estudo da cobertura jornalística sobre o papel da mulher em meio à epidemia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Universidade de Brasília. Brasília, 2016., p. 47-48).

Essa categorização aponta que, apesar de as mulheres serem tomadas como protagonistas na trama jornalística, não foram acionadas para falar. As fontes utilizadas foram geralmente cedidas pelos cientistas e/ou por instâncias governamentais. A imprensa legitimou discursos patriarcais, tipos ideais de maternidade, tomou as mulheres como objetos de pesquisa e contribuiu para a disseminação dos sentimentos de culpa e medo (Lima, 2016LIMA, M. P. As boas mães do Zika vírus: um estudo da cobertura jornalística sobre o papel da mulher em meio à epidemia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Universidade de Brasília. Brasília, 2016.). Nesse universo de incertezas associadas à indefinição de políticas públicas, as mulheres-mães criam grupos para auxílio mútuo, trocas de experiências e informações. Formam uma importante rede e estabelecem uma ponte de interlocução entre sociedade, ciência e poder público (Lima, 2016LIMA, M. P. As boas mães do Zika vírus: um estudo da cobertura jornalística sobre o papel da mulher em meio à epidemia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Universidade de Brasília. Brasília, 2016.).

Contexto de criação das associações, características e impasses identitários

No intuito de traçar o perfil das associações, foi criado um mapa, por uma das autoras, como uma interpretação visual de um banco de dados sobre as associações de mães e familiares da SCZV ativas até 2019. O banco de dados foi criado pela mesma autora por meio de pesquisa documental nas mídias sociais ativas e páginas da web de associações de zika. A partir do mapa, observa-se que desde o início do surto epidêmico até o primeiro semestre de 2020, foram criadas 21 associações civis. A maior parte delas emergiu entre 2016 e 2017, durante a epidemia e o período imediatamente após. Observa-se uma nova onda de associações no final de 2018 e nos anos de 2019 e 2020. As novas ondas marcam a criação de associações além do eixo nordeste.

Há uma tensão interna nas associações sobre restringir-se ao atendimento de casos de microcefalia, ou ampliar para as doenças raras. Essa tensão impacta nos processos identitários dos grupos e na configuração das redes de sociabilidade. Um dos cernes da tensão está no fato de o acesso às políticas assistenciais das crianças com a SCZV estar associado ao diagnóstico de microcefalia. Além disso, algumas mulheres ressaltam as especificidades da doença. Scott et al. (2017SCOTT, R. P. et al. A epidemia de zika e as articulações das mães num campo tensionado entre feminismo, deficiência e cuidados. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, n. 2, p. 73-92, 2017. http://dx.doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22013) mostram que essas linhas tensoras perduram por todo cotidiano das famílias e nos sistemas de atendimento (Scott et al., 2017SCOTT, R. P. et al. A epidemia de zika e as articulações das mães num campo tensionado entre feminismo, deficiência e cuidados. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, n. 2, p. 73-92, 2017. http://dx.doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22013; Lira, 2017LIRA, L. C.; MEIRA, F.; CAMPOS, R. B. Tensões e (re)elaborações sobre gênero e deficiência no debate sobre aborto: reflexões etnográficas no contexto da síndrome congênita do Zika vírus. Trabalho apresentado na 31a Reunião Brasileira de Antropologia. Brasília, DF. 2018.). Destaca-se também, o surgimento da Frente Nacional da Síndrome Congênita de Zika Vírus, em 2017, com o intuito de discutir nacionalmente os rumos das políticas de saúde e assistência voltadas para essas famílias, a exemplo da Medida Provisória nº 894/2019, que discutiu a concessão de pensão especial destinada às crianças com SCZV e que se transformou na Lei nº 13.985, de 7 de abril de 2020.

Como podemos ver na figura a seguir, mais de 76% das associações estão concentradas no nordeste e norte do país, revelando a prevalência em territórios marcados pela ausência de serviços básicos, como saúde e saneamento. Nas presidências das associações, destacam-se as lideranças femininas, o que em parte se explica porque há uma tendência de as mulheres, particularmente mães e avós, serem responsabilizadas pelo cuidado das crianças. Nem todas as organizações são regulamentadas por um construto legal. No entanto, cumprem papel importante no auxílio e orientação de seus associados.

Figura 1.
Mapa das associações de mães e familiares da SCZV ativas até 2019

A dimensão da religiosidade nas associações

A questão religiosa é muito presente nas associações, fato que pode ser observado em seus nomes, que fazem menção a Deus, “anjos”, “bençãos”, “fé” etc. Geralmente, as crianças com SCZV são apresentadas como uma dádiva divina. Além disso, num cenário de abandono, as mães encontram consolo e assistência nas igrejas. Ou seja, na ausência ou demora de resposta da ciência e do poder público, a religião atual como instituição produtora de respostas, acolhimento e assistência.

A religiosidade dos grupos implica diretamente discussões ligadas aos direitos reprodutivos das mulheres e a questão do aborto (Carvalho, 2018CARVALHO, M. C. F. Zika, substantivo feminino. A produção de sentidos sobre as desigualdades de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos da mulher no telejornalismo nacional. (Mestrado em Informação e Comunicação em Saúde) - Instituto de Comunicação e Informação em Saúde. Rio de Janeiro, 2018.). Observa-se, na maioria das associações, uma mobilização pró-vida. Ou seja, trata-se também de um posicionamento político, um dilema moral que é usado como base para as políticas públicas e pesquisas da área. Segundo Scott et al. (2017SCOTT, R. P. et al. A epidemia de zika e as articulações das mães num campo tensionado entre feminismo, deficiência e cuidados. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, n. 2, p. 73-92, 2017. http://dx.doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22013), o não alinhamento da agenda do aborto com os grupos feministas pode afastar ideologicamente instituições financiadoras com pautas feministas.

Outras nuances, entretanto, podem ser percebidas na relação entre SCZV e aborto, como observaram Luciana LiraLIRA, L. C.; SCOTT, R. P.; MEIRA, F. Cuidando de corpos: trocas, gênero, assimetrias e alinhamento na experiência etnográfica com mães e crianças com síndrome congênita do Zika. Anthropológicas, v. 28, n. 2, p. 206-237, 2017. et al. (2018), pois são inúmeros os relatos das mulheres que em seu pré-natal foram formalmente aconselhadas a realizar o aborto sob o argumento que seus filhos “não viveriam”, “não passariam do primeiro ano de vida” ou seriam como “vegetais”. Elas afirmam que a noção de direito à vida está relacionada à busca da valorização do direito à vida das crianças com SCZV, a quem por vezes é negada a condição de pessoa. Os relatos informam que, para essas mulheres, o debate deve girar em torno da ampliação dos direitos de seus filhos, ou seja, é preciso “cuidar dos vivos” (Lira; Meira; Campos, 2018). As autoras concluem que:

[...] a retórica dos diversos grupos e dos movimentos feministas encontram pouca ressonância no tocante aos direitos sexuais e reprodutivos nos grupos de mães de micro quando incluem como carro chefe a defesa dos direitos das mulheres cuidadoras ao aborto, já que estão a falar sobre uma realidade que já lhes é dada, e falar em aborto nessas circunstâncias soa como negar aos filhos/filhas dessas mulheres o direito à vida e a própria condição de pessoa, o que concomitantemente, negaria a essas mulheres os projetos identitários que construíram em torno da condição de mães de micro, mães especiais ou mães raras. Nega-se, de acordo com essa interpretação, a condição de pessoa das crianças com SCZ e de suas mães-cuidadoras, conforme a noção de identidade extensiva diversas vezes acionado no contexto etnográfico da pesquisa (Lira; Meira; Campos, 2018, p. 11).

A chegada de uma criança com a SCZV as inseriu não somente nas discussões políticas sobre pessoas com deficiência, mas as fizeram refletir sobre gênero, machismo, raça e feminização do cuidado. Germana Soares (UMA), em entrevista publicada em 2018, no periódico Revista Anthropológicas, informou que o nascimento de seu filho Guilherme, que tem a SCZV, foi um divisor de águas que a possibilitou conhecer várias lutas a ponto de atualmente se declarar como feminista (Matos; Lira; Meira, 2018MATOS, S. S.de; LIRA, C. de; MEIRA, F. Deficiência, Ativismo, Gênero e Cuidado na Síndrome Congênita do Zika Vírus. Entrevista com Germana Soares. Anthropológicas, v. 29, n. 2, p. 142-153, 2018.). A partir dessa nova identidade, Germana Soares trabalha de forma crítica com outras mães questões como racismo institucional, capacitismo, responsabilização exclusiva da mulher na educação e sustento dos filhos e abandono paterno.

Desse modo, utilizar a interseccionalidade no ativismo de base das associações pode fornecer informações sobre as forças motrizes, direção e sobreposição entre os movimentos sociais brasileiros no contexto de emergências de saúde. De acordo com Perry (2016PERRY, K. K. Y. Geographies of power: black women mobilizing intersectionality in Brazil. Meridians, v. 14, n. 1, p. 94-120, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.2979/meridians.14.1.08.
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, p. 94), “o ativismo das mulheres negras ilustra as maneiras pelas quais o movimento de base avançou nossa compreensão da formação de identidade interseccional em relação aos interesses materiais das comunidades marginalizadas no Brasil”.

Esses interesses materiais estão presentes no ativismo dos membros das associações por meio da intersecção entre deficiência e cuidado. Elas afirmam que um dos objetivos da luta é também destacar os direitos de outras gerações de pessoas com deficiência (Scott et al., 2017SCOTT, R. P. et al. A epidemia de zika e as articulações das mães num campo tensionado entre feminismo, deficiência e cuidados. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, n. 2, p. 73-92, 2017. http://dx.doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22013). Ativismo parental não é novidade, é claro. No entanto, movimentos anteriores de pais de crianças com deficiência no Brasil foram liderados por pais brancos de classe média (Block; Cavalcante, 2014BLOCK, P.; CAVALCANTE, F. G. Historical perceptions of autism in Brazil: professional treatment, family advocacy and autistic pride, 1943-2010. In: BURCH, S.; REMBIS, M. (Eds.). Disability Histories. Illinois: University of Illinois Press, 2014. p. 77-97.). O fato de serem mulheres negras, pobres e jovens é a grande “novidade” dessas associações que ampliam as discussões em torno de seus direitos e ressignificam seus lugares na sociedade.

A União Mães de Anjo: mais que uma associação, um MOVIMENTO

A União Mães de Anjo (UMA) foi criada em dezembro de 2015 por duas mulheres do Recife, Germana Soares e Gleyse Kelly, mães de crianças com microcefalia. Elas se conheceram na fila do Hospital Oswaldo Cruz e, durante a espera, compartilharam suas dúvidas, desejos e necessidades. Desse encontro, decidiram reunir mulheres-mães que passavam pela mesma situação e criaram um fórum de discussão no WhatsApp, importante espaço de sociabilidade e troca de informações (Scott et al., 2017SCOTT, R. P. et al. A epidemia de zika e as articulações das mães num campo tensionado entre feminismo, deficiência e cuidados. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, n. 2, p. 73-92, 2017. http://dx.doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22013; Diniz, 2016DINIZ, D. Zika, do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.; Silva; Jorente, 2018SILVA, R. A.; JORENTE, M. J. V. Protagonismo digitais para o reconhecimento das necessidades informacionais relacionadas à microcefalia por Zika vírus. In: V Seminário Internacional de Informação para a saúde. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, 2018. Disponível em: http://www.sinforgeds.ufc.br/public/Anais%20V%20Sinforgeds%20Final.pdf#page=233 Acesso em: 28 out. 2020.
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).

Do grupo de WhatsApp nasceu a UMA, com o objetivo de reunir mães ligadas ao surto de microcefalia, com CNPJ oficializado em maio de 2016. A UMA desenvolve destacado papel nas reivindicações de políticas públicas para as crianças afetadas e arrecada alimentos, fraldas, materiais de higiene, cestas básicas e outras necessidades. É recorrente na fala da presidenta da associação que o objetivo da UMA é politizar as mães para a conquista de políticas públicas. Atualmente, a UMA conta com aproximadamente 400 filiados em Pernambuco e nos grupos de WhatsApp tem a participação de mães de outros estados brasileiros. Apesar de a sede localizar-se em Recife, a UMA possui uma rede com 14 pontos de apoio em todas as regiões de Pernambuco, distribuídas geograficamente em três áreas: Litoral (Recife, Ipojuca), Agreste (Limoeiro, Cortês, Caruaru, Belo Jardim e Arcoverde) e no Sertão (Serra Talhada e Salgueiro).

Na página do Facebook, contam com aproximadamente 15.000 seguidores. Dispõem ainda de contas no Instagram e Twitter, site próprio e canal no Youtube, mas o Facebook é a rede mais movimentada do grupo. Lá se encontram centenas de vídeos, levantamento de pautas, eventos, campanhas eleitorais, doações, notícias sobre pesquisas, informações sobre direitos. Encontram-se também fotografias e propagandas ligadas à indústria farmacêutica e outras instituições privadas que evidenciam a ligação das associações com a academia e a indústria farmacêutica, delineando os diferentes interesses em torno da doença, as dimensões políticas e financeiras. Essas relações são definidoras para o perfil e atuação da associação. No caso da UMA, há uma simbiose entre uma associação com um modelo empresarial e outro centrado na ajuda mútua (Barbosa, 2015BARBOSA, R. L. Por uma nova perspectiva sobre o campo das doenças raras: a motivação das associações civis em debate. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, v. 9, n.2, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.18569/tempus.v9i2.1578
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).

Segundo Barbosa (2015BARBOSA, R. L. Por uma nova perspectiva sobre o campo das doenças raras: a motivação das associações civis em debate. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, v. 9, n.2, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.18569/tempus.v9i2.1578
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), grande parte das pessoas que se engajam nos desafios da biomedicina são brancos de classe média, escolarizados e com grande capacidade de mobilização nas redes sociais, seja pessoalmente ou na internet. A UMA foge a essa regra e é composta por mulheres pobres, negras e com pouca escolaridade. Esse grupo de mulheres pode ser analisado dentro do movimento feminista negro, constituído no contexto de sociedades multirraciais, pluriculturais e racistas como são as sociedades latino-americanas, e tem como principal eixo articulador o racismo e seu impacto sobre as relações de gênero, uma vez que ele dita a própria hierarquia de gênero na sociedade (Carneiro, 2011).

A UMA apresenta intersecção adicional entre raça, deficiência e gênero, que vincula o movimento pelos direitos da deficiência e o movimento feminista negro. Nesse sentido, demarcam e instituem um novo lugar político, cultural, comunicacional e epistemológico dentro do próprio movimento feminista brasileiro. As mulheres negras como sujeitos identitários e políticos são resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental eurocêntrica ao longo dos três séculos de escravidão, expropriação colonial e da modernidade racializada e racista em que vivemos (Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saude soc., v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.). É possível visibilizar, no interior dessas articulações, as diferentes possibilidades a que as mulheres negras recorreram, os diferentes repertórios ou pressupostos de (auto)identificação ou de identidade e de organização política. Tais possibilidades partem do reconhecimento de que estamos diante de diferentes agentes históricas e políticas – as mulheres negras – intensas como toda diversidade (Werneck, 2016WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saude soc., v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016.).

Para além dessa agenda, salienta-se a luta desse grupo, na figura da presidenta, para a participação nos eventos científicos que apresentam os resultados das pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre a SCZ. Quando presentes em seminários e congressos acadêmicos e científicos, as mulheres afirmam que a doença alterou completamente suas vidas e que são tratadas por cientistas e jornalistas como objetos de pesquisa, e não como seres humanos. Por isso, reivindicam o direito de participar de todos os processos de construção de respostas à doença, pois são elas as maiores conhecedoras dos efeitos do vírus em suas crianças.

Um exemplo disso é a fala da UMA em setembro de 2018, durante a realização do 54º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), no Recife-PE. Germana, presidenta da UMA, encaminhou carta pública à SBMT. A carta foi acolhida e proferida pela própria presidenta durante o Congresso; a leitura da carta no evento foi registrada e publicada no Facebook da associação.3 3 Ver o vídeo de leitura da carta ao Medtrop por Germana, presidente da UMA: https://fb.watch/lSnXZEzRZD/ Na carta, Germana se define como mãe de filho com deficiência, mulher, negra, pobre, divorciada, chefe de família, fonte de inspiração e material de pesquisa. Germana reivindica o direito de participar da produção do conhecimento sobre a doença e de saber dos resultados das pesquisas apresentadas nos congressos, pois são resultados obtidos a partir dos corpos de seus filhos. Ela sugere o uso de outras linguagens, que não a científica, para melhor entendimento, e aponta questões éticas, muitas vezes desrespeitadas nos estudos sobre a doença.

Em resposta, a SBMT publicou nota oficial em seu site4 4 Sobre o evento narrado ver: https://sbmt.org.br/nota-da-sociedade-brasileira-de-medicina-tropical-sobre-manifestacao-da-uniao-de-maes-de-anjos-uma-no-seu-54o-congresso-medtrop2018/ . Nesta, julga agressivo o tom da carta, afirmando que ao longo de sessenta anos a SBMT desenvolve estudos, congressos, reuniões e pesquisas em doenças endêmicas na busca de soluções e redução de danos para as populações negligenciadas. Reconhece a falha de não ter aberto previamente o planejamento da programação científica para que a UMA pudesse estar presente, interagindo com o grupo. E ressalta a importância dos movimentos sociais nas conquistas da saúde pública. Finalmente, compromete-se com os encaminhamentos das questões levantadas pela UMA e garante sua participação no Fórum Social Brasileiro para o enfrentamento de doenças infecciosas e negligenciadas, realizado em Belo Horizonte em 2019. No entanto, a UMA vai além, não quer participar de um fórum ou evento pré-congresso, mas quer estar “dentro” do congresso em si. Como fazê-lo de forma mais sistemática quando só a inscrição é aproximadamente R$500? Tal fato coloca em pauta os espaços de divulgação dos resultados da ciência.

Germana, como representante de uma associação civil ligada aos movimentos sociais, se reconhece e assume determinado locus social e cria ferramentas para enfrentar silêncios institucionais. Mostra que falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de existir. Ela representa um grupo específico de mulheres que tradicionalmente estão à margem da sociedade e reivindica o direito à cidadania. O corpo-ação de Germana pode ser lido como um indivíduo que toma sua condição precária como sua função estimulante. Existe uma força indexical do seu corpo que chega com outros corpos a uma zona visível para a cobertura da mídia (Butler, 2018BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.). Ela exerce, junto com seu coletivo de mulheres, “um direito plural e performático de aparecer, um direito que afirma e instaura o corpo no meio do campo político” (Butler, 2018BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 17).

Trata-se de um coletivo de mulheres marcado por interseccionalidades, como vimos, de mulheres não brancas, pobres e jovens que reconhecem essa identidade como uma posição política que envolve solidariedade e a organização de agendas de reivindicação junto ao poder público. A interseccionalidade que atravessa essas mulheres revela o acesso diferenciado que recebem de atenção do Estado, bem como realça as relações de poder dentro da nossa sociedade que produz a exclusão de determinados grupos sociais.

Outro evento importante no debate sobre maior participação, na conformação de pesquisas e em processos decisórios na formatação de políticas públicas, foi a criação, em agosto de 2018, da Frente Nacional por Direitos da Pessoa com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (FNDPSCZV).

A Frente Nacional por Direitos da Pessoa com a Síndrome Congênita do Zika Vírus

No momento da sua criação, a Frente contava com a liderança de Germana Soares (UMA), Ingrid Graciliano, Valdinei Santos da (APAB-BA), Ricardo Moraes (AMACRIM), Rochelle dos Santos (AMIZ), Tamires Sarfesil (Lótus), Alessandra Hora (AFAEL), promovendo uma interessante articulação nacional. Como dito anteriormente, algumas associações assistem além da microcefalia, crianças com outras doenças raras. A partir de 2017, o termo “síndrome congênita do Zika vírus” começou a ganhar mais espaço nos discursos das presidentas das associações. Como a identidade advinda da deficiência (doença rara e/ou microcefalia) e as experiências geradas por ela não eram específicas (Matos, 2018MATOS, S. S. de. Nada sobre nós sem nós: associativismo e deficiência na síndrome congênita do Zika vírus. Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, Brasília, DF, 2018.), as associações passaram a utilizar esse termo em alguns espaços e documentos, sobretudo aqueles ligados às políticas públicas.

Embora as famílias continuem a usar o termo “microcefalia”, nota-se, com a criação da FNDPSCZV, o dispositivo de cambiar os termos, ora microcefalia no dia a dia, por SCZV em espaços de disputa política. Essa nomeação é política e faz parte do processo que visa distinguir a microcefalia em decorrência da genética e do STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes simplex), já que a FNDPSCZV entende que a SCZV é uma condição resultante da negligência do Brasil em controlar o Aedes aegypti, promover saneamento básico e fornecimento de água potável e, em decorrência disso, carece de políticas públicas específicas. Nesse sentido, tornou-se importante para essas famílias destacar que até a chegada da SCZV, a deficiência nunca havia sido uma equação possível, sendo necessário levar em conta a excepcionalidade desta situação na formatação de políticas públicas de saúde e assistência social (Matos; Quadros; Silva, 2019).

A FNDPSCZV surgiu em meio a críticas das associações ao formato do evento “Feira de Soluções para a Saúde – Zika”, em Salvador, no ano de 2017. A crítica residia na busca de uma participação mais efetiva das famílias atingidas pela SCZV na configuração do evento, na escolha da programação e na construção e/ou validação das soluções apresentadas na Feira (Silva; Matos; Quadros, 2017SILVA, A. C. R.; MATOS, S. S.; QUADROS, M. T. Economia política do zika: realçando relações entre Estado e cidadão. Anthropológicas, v. 28, n. 1, p. 223-246, 2017.).

O intuito principal da Frente é:

[...] conjugar a força e expertise de seus membros, construindo um quadro nacional de demandas com foco em políticas nacionais de saúde, assistência, educação, mobilidade, habitação e etc., na busca de diálogo com o legislativo federal, ministérios e executivo nacional. A Frente Nacional não tem sede própria e os debates são realizados virtualmente através do aplicativo de mensagens WhatsApp. Este grupo de WhatsApp, para além de servir como um fórum de discussão sobre demandas nacionais, serve ainda para a troca de informações sobre tratamentos, terapias e especificidades de cada Estado e associação, sendo ainda importante plataforma de sociabilidade onde as famílias conversam sobre o cotidiano, ganhos e evoluções de seus filhos e se confortam em casos de internações e óbitos das crianças (Matos, 2018MATOS, S. S. de. Nada sobre nós sem nós: associativismo e deficiência na síndrome congênita do Zika vírus. Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, Brasília, DF, 2018., p. 5).

Outras pautas bastante discutidas na Frente tratam de políticas públicas para as cuidadoras de pessoas com a SCZV, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, a formulação de Projetos de Leis sobre pensão indenizatória, as discussões sobre ética em pesquisa, gênero, aborto e reconfigurações familiares em decorrência da epidemia etc. (Matos; Silva, 2020bMATOS, S. S. de; SILVA, A. C. R. Quando duas epidemias se encontram: a vida das mulheres que têm filhos com a síndrome congênita do Zika vírus na pandemia da Covid-19. Cadernos de Campo. São Paulo, v. 29, p. 329-340, 2020a.).

Desde o seu início, a Frente priorizou as discussões sobre as contradições do BPC, alegando que por mais que a Portaria nº 58, de 3 de junho de 2016, tenha concedido prioridade às crianças com SCZV para o acesso ao BPC, ela não modificou contradições históricas para sua concessão, como o fato de que a renda familiar não pode ultrapassar 1/4 do salário-mínimo por pessoa. O resultado é que inúmeras pessoas com deficiência se tornam inelegíveis em decorrência desse teto. Outras contradições persistiram após a publicação dessa portaria e vedam o acúmulo do BPC com outros benefícios (Matos; Quadros; Silva, 2019).

Em decorrência de o BPC ser excludente e não responder às demandas mínimas das famílias, a Frente iniciou sua participação política buscando torná-lo mais inclusivo. Em 28 de março de 2018, a Frente se reuniu com o então Ministro do Desenvolvimento Social (MDS), Osmar Terra, e com seu Secretário Executivo, Alberto Beltrame, em Brasília, para debater as incongruências do BPC. O ministro apontou as dificuldades em modificar os critérios do BPC, tendo em vista que precisaria ser discutido através de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) e mostrou-se mais aberto à proposta da Frente de incluir as crianças com a SCZV no regime de pensão indenizatória vitalícia da União, nos moldes das que foram concedidas aos atingidos pelo acidente nuclear com o césio 137 em Goiânia (GO), pelo remédio talidomida, pela hemodiálise em Caruaru (PE) e pelas pessoas que tinham hanseníase e foram submetidas a isolamento e internação compulsórios entre os anos de 1930 e 1962.

Após esta primeira rodada de discussões com o Executivo nacional, a Frente iniciou o debate com o Legislativo federal e se reuniu, em 09/05/2018, em Brasília, com o Senador Lindbergh Farias e a relatora do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 452,5 5 O Projeto de Lei do Senado n° 452/2017, de autoria do Senador Lindbergh Farias (PT/RJ): “Cria pensão especial aos acometidos por microcefalia causada pelo vírus da zica cujo vetor de transmissão seja o mosquito Aedes aegypti.” Consultar: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131664 Acesso em: 31 jul. 2020. a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), para debater pontos a serem melhorados no PLS. Em linhas gerais, a FNDPSCZV conseguiu diversas alterações no PLS nº 45. Contudo, após a Nota Técnica nº 29/2018, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi adotado “posicionamento contrário, por entender que não corresponde às soluções que a situação exige e avalia o impacto financeiro da pensão especial com potencial alto”6 6 Consultar: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7873979&ts=1593909218700&disposition=inline Acesso em: 31 jul. 2020. e o PLS foi arquivado ao final da legislatura, como preconiza o Regimento Interno.

Após um período sem respostas do MDS, em setembro de 2019, na gestão de Jair Messias Bolsonaro, foi homologada, sem discussão aprofundada com a Frente, a Medida Provisória 894/2019 que concedia pensão vitalícia às crianças com SCZV. A princípio, a FNDPSCZV achou que a MP nº 894/2019 traria benefícios às famílias, mas após leitura atenta, perceberam as falhas estruturais na MP que trazia a nomenclatura microcefalia ao invés de SCZV, atrelava recebimento da pensão a concessão anterior do BPC, e restringia a pensão somente às crianças nascidas entre 01/01/2015 a 31/12/2018 (Matos; Silva, 2020bMATOS, S. S. de; SILVA, A. C. R. Quando duas epidemias se encontram: a vida das mulheres que têm filhos com a síndrome congênita do Zika vírus na pandemia da Covid-19. Cadernos de Campo. São Paulo, v. 29, p. 329-340, 2020a.). Em decorrência, a Frente, no dia 07 de setembro de 2019, publicou nota oficial informando que a MP era “[...] restritiva e injusta, pois não assegurava a universalidade do acesso das crianças acometidas pela SCZV”.7 7 Consultar Nota Oficial da FNDPSCZV em: https://www.facebook.com/517099921973951/posts/940784989605440/ Acesso em: 02 jun. 2020.

Após grande mobilização com pesquisadores e advogados, a Frente, juntamente com alguns parlamentares, construiu novas emendas para Medida Provisória nº 894/2019, com o intuito de torná-la mais abrangente. Após a instalação da MP nº 894/2019, mais de 144 emendas foram propostas por deputados e senadores dos mais variados partidos, e em outubro de 2019 começaram as audiências públicas. Em 07 de abril de 2020, a MP foi sancionada e transformou-se na Lei nº 13.985. Embora a discussão e mobilização política tenha sido bastante ativa, poucas alterações foram realizadas. Entre elas estão a inserção do salário e licença-maternidade às mães de crianças nascidas até 31 de dezembro de 2019, a inclusão das crianças nascidas em 2019 com a SCZV na pensão e a mudança na nomenclatura de microcefalia para SCZV (Matos; Silva, 2020bMATOS, S. S. de; SILVA, A. C. R. Quando duas epidemias se encontram: a vida das mulheres que têm filhos com a síndrome congênita do Zika vírus na pandemia da Covid-19. Cadernos de Campo. São Paulo, v. 29, p. 329-340, 2020a.).

Com a promulgação da Lei nº 13.985, diversas famílias migraram do BPC para a pensão, embora tantas outras, que nunca conseguiram ingressar no BPC em detrimento do corte de 1/4 do salário mínimo, continuam desassistidas. Isso demonstra que a pensão fere o princípio constitucional da isonomia quando atrela a concessão da pensão aos nascidos até 2019 e somente as crianças que já são beneficiárias do BPC.

Sancionada a lei, houve um esvaziamento do grupo da Frente Nacional, por divergências de interesses. Por um breve período, as tomadas de decisões estavam sendo feitas localmente. Mas em 2023, com a mudança no governo federal, as presidentas das associações estaduais criaram uma nova frente nacional. Agora denominada UniZika, esse grupo mantém o propósito do anterior, que é mobilizar discussões e iniciativas federais diversas, destacando-se a discussão sobre reformulação e ampliação dos beneficiários(as) da Lei nº 13.985, de 7 de abril de 2020, que concedeu pensão indenizatória às crianças com a SCZV.

As associações de SCZV e Covid-19: novos desafios

Em novembro de 2016, a OMS declarou o fim da ESPII em zika, e com a redução das notificações de SCZV, em julho de 2017, o MS do Brasil declarou o fim da ESPIN e a desativação do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COES), com base no Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Greene e Vargha (2020GREENE, J. A; VARGHA, D. How Epidemics End. Boston Review, 2020. Disponível em: http://bostonreview.net/science-nature/jeremy-greene-dora-vargha-how-epidemics-end. Acesso em: 28 out 2020.
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) argumentam que a história dos desfechos epidêmicos assumiu muitas formas e em apenas alguns casos resultou na eliminação da doença. Este é o exemplo da SCZV, que apesar da diminuição dos casos, crianças com a SCZV continuaram a nascer após o fim da emergência.8 8 Segundo o Informe Técnico – n° 01/2020, da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Estado de Pernambuco duas crianças com a SCZV nasceram em 2018 e três em 2019. Consultar: em https://12ad4c92-89c7-4218-9e11-0ee136fa4b92.filesusr.com/ugd/3293a8_596ce18c953340b68ad8011efdbdd401.pdf Acesso: 25 out. 2020. Há, entretanto, uma diferença de percepção entre alguns técnicos, pesquisadores e famílias atingidas pela SCZV.

Para alguns técnicos e pesquisadores, o fim da emergência em zika respondeu aos requisitos de encerramento do RSI.9 9 Regulamento Sanitário Internacional considera os seguintes aspectos para o fim de emergência: (i) o impacto do evento sobre a saúde pública; (ii) se o evento é incomum ou inesperado; (iii) se há risco significativo de propagação internacional; e (iv) se há risco significativo de restrições ao comércio ou viagens internacionais. Consultar: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7179json-file-1 Acesso em: 25 out. 2020. Para as famílias atingidas e em especial para as mulheres/cuidadoras, tudo ainda é emergencial. Seus filhos(as) e elas ainda precisam das mesmas coisas que eram necessárias à época da emergência, só que agora sem a chancela jurídico/administrativa de um evento extraordinário como uma ESPII e ESPIN. Greene e Vargha (2020GREENE, J. A; VARGHA, D. How Epidemics End. Boston Review, 2020. Disponível em: http://bostonreview.net/science-nature/jeremy-greene-dora-vargha-how-epidemics-end. Acesso em: 28 out 2020.
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) argumentam que, em grande parte dos casos, o fim de epidemias se transforma num apagamento coletivo, permanecendo apenas como problema de outra pessoa, ou seja, das crianças e famílias atingidas. Nesse sentido, apesar de a emergência de zika ter saído da pauta, essas mulheres e crianças vivenciam no cotidiano uma eterna emergência aprofundada pela pandemia da Covid-19 (Matos; Silva, 2020aMATOS, S. S. de; SILVA, A. R. “Nada sobre nós sem nós”: associativismo, deficiência e pesquisa científica na síndrome congênita do Zika vírus. Revista Ilha, v. 22, n. 2, p. 132-167, 2020b.)

Essas mulheres, que já possuíam um histórico de vulnerabilidade, foram impactadas em 2016 pela ESPIN da zika e em menos de cinco anos se veem, juntamente com seus filhos(as), tendo que sobreviver a mais uma emergência, a Covid-19, demonstrando que a narrativa que “estamos todos unidos pelo contágio” não se sustenta quando observamos que epidemias globais são vivenciadas a partir de contextos locais, materialidades e práticas situadas (Segata, 2020SEGATA, J. Covid-19: escalas da pandemia e escalas da antropologia. Boletim n. 2. Cientistas sociais e o coronavírus. 2020. Disponível em: http://anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2307-boletim-n-1-cientistas-sociais-o-o-coronavirus-2 Acesso em: 30 maio 2020.
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).

Tais questões reforçam a noção de que o neoliberalismo vulnerabiliza globalmente ante a choques epidêmicos (Nunes, 2020NUNES, J. A pandemia de Covid-19: securitização, crise neoliberal e a vulnerabilização global. Cad. Saúde Pública, v. 36, n. 4, p. 1-4, 2020.), trazendo à tona as incapacidades deste em promover o básico as camadas mais vulneráveis (Davis, 2020DAVIS, A. Construindo movimentos: uma conversa em tempos de pandemia. São Paulo: Boitempo, 2020.) e que a pandemia da Covid-19 intensifica precariedades existentes (Butler, 2020BUTLER, J. El capitalismo tiene sus limites. In AMADEO, P. (Org.) Sopa de Wuhan. ASPO. P. 59-66, 2020.), espalhando-sr, adoecendo e matando de maneira desigual ao longo das linhas de idade, classe, raça, gênero e geografia (Biehl; Günay, 2020BIEHL, J.; GÜNAY, O. How to teach anthropology in a pandemic? Somatosphere - Series: Dispatches from the pandemic, 2020. Disponível em: http://somatosphere.net/2020/how-to-teach-anthropology-in-a-pandemic.html/ Acesso em: 20 set. 2014.
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).

A exemplo das mulheres que têm filhos com SCZV, a pandemia da Covid-19 aprofundou desigualdades, trazendo efeitos não mensuráveis. Com o isolamento social, toda uma rede de itinerários terapêuticos foi quebrada. A partir de relatos e conversas via WhatsApp, Silvana Matos construiu um panorama sobre as situações vivenciadas por essas mulheres na pandemia da Covid-19 que informa sobre:

(1) a insatisfação da pessoa com deficiência não ter sido incluída como grupo de risco; (2) medo da contaminação das crianças e suas cuidadoras; (3) exaustão e sobrecarga materna como consequência do aumento das tarefas de cuidado das crianças e da vida doméstica, uma vez que os demais filhos não estão indo à escola, e as avós ou as mulheres mais velhas não poderem incrementar no cuidado por fazerem parte do grupo de risco ; (4) terapias de reabilitação interrompidas e mães tendo que realizar manobras complexas de fisioterapia respiratória nas crianças; (5) consultas e cirurgias interrompidas; (6) dificuldade de acesso a medicamentos (crises convulsivas constantes das crianças); (7) violência doméstica ; (8) tentativas de suicídio consultas com psiquiatras e psicólogos suspensas; (9) rede de doações de cestas básicas e fraldas suspensas; (10) assédio moral para que continuem a trabalhar ou queda de (Matos, 2020MATOS, S. S. de. “Unidos pelo contágio?” Novas precarizações das famílias que têm filhos com a síndrome congênita do Zika vírus em tempos de pandemia da Covid-19. Boletim Cientistas sociais e o coronavírus, n. 53, 2020.).

É reconhecido que a deficiência está associada a taxas mais elevadas de pobreza multidimensional (Mitra; Posarac; Vick, 2013MITRA, S.; POSARAC, A.; VICK, B. Disability and poverty in developing countries: a multidimensional study. World Development, v. 41, n. 1, p. 1-18, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2012.05.024.
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), que se estende a famílias inteiras e tem impacto particular nas mães (UNICEF, 2007; 2013UNICEF. Children and young people with disabilities fact sheet, 2013. Disponível em: http://www.paulderrick.net Acesso em: 28 out 2020.
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). Embora os impactos ainda não tenham sido medidos, as ameaças da Covid-19, além daquelas já existentes às famílias com membros com deficiências, agravaram a precariedade e as desigualdades de gênero.

Apesar de as pessoas com deficiência terem sido reconhecidas como um dos grupos mais atingidos pela Covid-19 (UNDESA, 2020UNDESA. COVID-19 Outbreak and Persons with Disabilities. United Nations Enable. Disponível em https://www.un.org/development/desa/disabilities/covid-19.html Acesso em: 7 ago. 2020.
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; OMS, 2020), o governo brasileiro pouco fez para a proteção e assistência das crianças e das famílias nesse período. Somente em 6 de julho de 2020, o Governo Federal lançou um plano voltado para a pessoa com deficiência e covid – plano este que não trazia nada de novo e que os ativistas já estavam colocando em prática sem ajuda federal.10 10 Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencer-limites/governo-lanca-plano-para-pessoas-com-deficiencia-na-pandemia/?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link Uma revisão das respostas nacionais à Covid-19 em termos de inclusão da deficiência na América Latina estabelece um vínculo entre a história do neoliberalismo da região e as abordagens adotadas pelos governos. Eles ressaltam que a abordagem do governo brasileiro para a proteção das pessoas com deficiência é baseada na responsabilidade individual, sem reconhecimento de custos adicionais associados à deficiência na aquisição de equipamentos de segurança e dificuldades de acesso a suporte usual (Skellariou; Malfitano; Rotarou, 2020).

A abordagem de responsabilidade individual do governo brasileiro em relação à proteção das pessoas com deficiência está em conflito com a abordagem de direitos humanos adotada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada em 2008. Os artigos 11 e 25 da convenção, respectivamente, sublinham a obrigação dos Estados Partes de fornecer proteção e segurança durante emergências e garantir “o mais alto padrão de saúde possível”11 11 Segundo o artigo 11 da CDPD: “Os Estados Partes devem adotar, de acordo com suas obrigações decorrentes do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos, todas as medidas necessárias para garantir a proteção e a segurança das pessoas com deficiência em situações de risco (...)”. Já o artigo 25 sobre Saúde: "Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm direito ao gozo do mais alto padrão de saúde possível, sem discriminação com base na deficiência." . Em contraste, a abordagem de “responsabilidade individual” por parte do governo significa que o cuidado da proteção das crianças com SCZV recai sobre suas famílias e, principalmente, sobre as mães.

O reposicionamento das associações procura mitigar o peso da "responsabilidade individual" por meio de ações coletivas. Isso foi ilustrado pela resposta das associações durante a pandemia, na organização da coleta e distribuição de "ajuda mútua", e pelo fornecimento de cestas básicas e itens como desinfetante e máscaras, preenchendo a lacuna deixada pela inação do governo. Curiosamente, essa abordagem de “responsabilidade individual” à proteção e aos cuidados também foi vista durante a epidemia de zika nas respostas do governo e do Ministério da Saúde, o que levou a um ônus desproporcional para as mulheres (Matta; Nogueira; Nascimento, 2019MATTA, G. C.; NOGUEIRA, C. de O.; NASCIMENTO, L. da S. A literary history of Zika Following Brazilian state responses through documents of emergency. In: BARDOSH, K. (Ed.). Locating zika. Oxon: Routledge, 2019. p. 55-77.; Porto; Costa, 2017PORTO, R. M.; COSTA, P. R. S. M. O corpo marcado: a construção do discurso midiático sobre Zika vírus e microcefalia. Cadernos de Gênero e Diversidade, n.3, v.2, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.9771/cgd.v3i2.22125.
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).

Tal cenário destaca a relação entre o fracasso do governo em assumir a responsabilidade pela proteção e cuidados durante a epidemia de zika e a pandemia de Covid-19, que contribuiu para um duplo impacto nas famílias, por meio do qual as interseções negativas e complexas de deficiência, cuidado, gênero, classe social e etnia são agravadas.

Considerações finais

As epidemias evidenciam a importância do Estado e das políticas públicas para produzir respostas à população. Realçam a ação importante dos meios de comunicação, dos movimentos sociais e mídias. No caso da epidemia de Zika vírus, o que salta aos olhos é a capacidade de organização, solidariedade e ativismo das mães que se constituem em associações civis. E ainda, a participação na criação de políticas públicas que visavam à promoção da saúde e ao bem-estar social de seus filhos. Ao longo do tempo, essas agendas se ampliaram para as discussões de desigualdades de classe, raça, deficiência e gênero. Destaca-se a capacidade de dialogar com as diferentes instâncias de poder e produção do conhecimento, bem como o uso das redes sociais para comunicar com a sociedade e colocar suas necessidades em evidência, sinalizando que a epidemia não acabou, tampouco seus efeitos. Na pandemia da Covid-19, a importância das associações é (re)evidenciada. Vemos que foi fundamental a atuação das associações durante a pandemia na busca por direitos.

Ressaltamos o engajamento dessas mulheres pela representatividade nas esferas políticas. Ao colocarem seus corpos e vozes dentro das associações, nas mídias sociais, nos espaços científicos e políticos, saem de uma condição de invisibilidade e se colocam como força política que representa um coletivo de vozes e necessidades esquecidas. Nesse movimento, são catapultadas para a disputa parlamentar, almejam a ocupação de cargos legislativos municipais, como parte da luta.

Buscando implementar o lema “Nada sobre nós sem nós”,12 12 Como exemplifica Pedro Lopes (2019, p. 5), “o ativismo sul-africano pelos direitos das pessoas com deficiência firmou-se por meio da luta contra o apartheid e sua violência constitutiva”. Neste sentido, o lema “nada sobre nós sem nós” tem seu boom com a luta das pessoas com deficiência na África do Sul” (Rowland, 2004; Sassaki, 2007; Lopes, 2019). Em 1984 é fundada, na África do Sul, a organização DPSA (Disabled People South Africa), que passa a adotar este lema em 1986. Segundo Romeu Sassaki (2007), este é o registro mais antigo do lema “Nada sobre nós sem nós”. Em 1998, esse lema ganha nova força com a publicação do livro Nothing about us without us: Disability oppression and empowerment, de James Charlton (1998) e em 2004 é publicado o livro de Willian Rowland (2004), denominado Nothing about us without us: inside the disability rights movement of South Africa. Somadas a essas iniciativas, em outubro de 2018, o Comitê da ONU sobre a Pessoa com Deficiência publicou nova orientação legal, informado a importância do lema "Nada sobre nós sem nós" para esta comunidade, e em seu comentário geral lembrou que quando as pessoas com deficiência são consultadas, isso leva a leis, políticas e programas que contribuem para sociedades e ambientes mais inclusivos. Neste sentido, o Committee on the Rights of Persons with Disabilities da ONU informa que as pessoas com deficiência e suas organizações representativas devem participar nos processos de tomada de decisões sobre seus próprios direitos humanos (CRPD, 2018) (Matos; Silva, 2020b, p. 135). algumas mulheres que têm filhos com a SCZV lançaram-se candidatas a vereadoras nas eleições de 2020. Em Pernambuco, Germana Soares, que fundou a União de Mães de Anjos (UMA), disputou as eleições municipais em Recife na primeira chapa coletiva de mulheres candidatas a vereadoras no Recife-PE. Denominada “Inclusivas Vereadoras”, a chapa é composta por quatro mulheres: Carol Aleixo, fundadora do Grupo Super Mães, que luta pelos direitos da pessoa com autismo em Pernambuco; Cibele Albuquerque, pessoa com deficiência; e Terezinha Nunes, que criou a Frente Parlamentar das Pessoas com Deficiência em Pernambuco. Em Mato Grosso, Fernanda Silva, fundadora da associação Mães Unidas pelo Amor, foi candidata a vereadora em Cuiabá com o lema “lute como uma mãe”. Já em Minas Gerais (MG), Vanessa Aguiar, que faz parte da associação Anjos de Minas, candidatou-se a vereadora na cidade de Lagoa Santa (MG) e Cássia Araújo, mãe de uma criança com a SCZV da Bahia, em Salvador com o lema “Mulher, Negra, Mãe atípica e da Periferia”.

Apesar da bela campanha desenvolvida por elas, nenhuma foi eleita. Para Germana, em vídeo disponibilizado no perfil oficial da chapa “Inclusivas”, esse resultado não representa uma derrota; ao contrário, reforça a importância da continuidade da luta pelos direitos das pessoas com deficiência e da construção de um novo futuro mais justo, humano e igualitário.

  • 1
    Projeto “Movimentos sociais e a resposta à síndrome de Zika no Brasil”, financiada pelo Fundo Newton.
  • 2
    Essa foi a última estatística produzida pelo Ministério da Saúde, o que revela a negligência com as pessoas atingidas pela epidemia de Zika vírus e o entendimento por parte do governo do fim da epidemia.
  • 3
    Ver o vídeo de leitura da carta ao Medtrop por Germana, presidente da UMA: https://fb.watch/lSnXZEzRZD/
  • 4
    Sobre o evento narrado ver: https://sbmt.org.br/nota-da-sociedade-brasileira-de-medicina-tropical-sobre-manifestacao-da-uniao-de-maes-de-anjos-uma-no-seu-54o-congresso-medtrop2018/
  • 5
    O Projeto de Lei do Senado n° 452/2017, de autoria do Senador Lindbergh Farias (PT/RJ): “Cria pensão especial aos acometidos por microcefalia causada pelo vírus da zica cujo vetor de transmissão seja o mosquito Aedes aegypti.” Consultar: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131664 Acesso em: 31 jul. 2020.
  • 6
    Consultar: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7873979&ts=1593909218700&disposition=inline Acesso em: 31 jul. 2020.
  • 7
    Consultar Nota Oficial da FNDPSCZV em: https://www.facebook.com/517099921973951/posts/940784989605440/ Acesso em: 02 jun. 2020.
  • 8
    Segundo o Informe Técnico – n° 01/2020, da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Estado de Pernambuco duas crianças com a SCZV nasceram em 2018 e três em 2019. Consultar: em https://12ad4c92-89c7-4218-9e11-0ee136fa4b92.filesusr.com/ugd/3293a8_596ce18c953340b68ad8011efdbdd401.pdf Acesso: 25 out. 2020.
  • 9
    Regulamento Sanitário Internacional considera os seguintes aspectos para o fim de emergência: (i) o impacto do evento sobre a saúde pública; (ii) se o evento é incomum ou inesperado; (iii) se há risco significativo de propagação internacional; e (iv) se há risco significativo de restrições ao comércio ou viagens internacionais. Consultar: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7179json-file-1 Acesso em: 25 out. 2020.
  • 10
    Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencer-limites/governo-lanca-plano-para-pessoas-com-deficiencia-na-pandemia/?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link
  • 11
    Segundo o artigo 11 da CDPD: “Os Estados Partes devem adotar, de acordo com suas obrigações decorrentes do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos, todas as medidas necessárias para garantir a proteção e a segurança das pessoas com deficiência em situações de risco (...)”. Já o artigo 25 sobre Saúde: "Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm direito ao gozo do mais alto padrão de saúde possível, sem discriminação com base na deficiência."
  • 12
    Como exemplifica Pedro Lopes (2019, p. 5)LOPES, P. Deficiência como categoria do Sul Global: primeiras aproximações com a África do Sul. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 27, n. 3, p. e66923, 2019., “o ativismo sul-africano pelos direitos das pessoas com deficiência firmou-se por meio da luta contra o apartheid e sua violência constitutiva”. Neste sentido, o lema “nada sobre nós sem nós” tem seu boom com a luta das pessoas com deficiência na África do Sul” (Rowland, 2004ROWLAND, W. Nothing about us without us: inside the disability rights movement of South Africa. University of South Africa, Printer: ABC Press, Cape Town, 2004.; Sassaki, 2007; Lopes, 2019SASSAKI, R.K. “Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão - Parte 2”. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 58, p. 20-30, set.-out., 2007b.). Em 1984 é fundada, na África do Sul, a organização DPSA (Disabled People South Africa), que passa a adotar este lema em 1986. Segundo Romeu Sassaki (2007), este é o registro mais antigo do lema “Nada sobre nós sem nós”. Em 1998, esse lema ganha nova força com a publicação do livro Nothing about us without us: Disability oppression and empowerment, de James Charlton (1998)CHARLTON, J. Nothing about us without us: disability, oppression and empowerment. Berkeley, CA: University of California Press, 1998. e em 2004 é publicado o livro de Willian Rowland (2004), denominado Nothing about us without us: inside the disability rights movement of South Africa. Somadas a essas iniciativas, em outubro de 2018, o Comitê da ONU sobre a Pessoa com Deficiência publicou nova orientação legal, informado a importância do lema "Nada sobre nós sem nós" para esta comunidade, e em seu comentário geral lembrou que quando as pessoas com deficiência são consultadas, isso leva a leis, políticas e programas que contribuem para sociedades e ambientes mais inclusivos. Neste sentido, o Committee on the Rights of Persons with Disabilities da ONU informa que as pessoas com deficiência e suas organizações representativas devem participar nos processos de tomada de decisões sobre seus próprios direitos humanos (CRPD, 2018) (Matos; Silva, 2020b, p. 135MATOS, S. S. de; QUADROS, M. T. de; SILVA, A. C. R. da. A negociação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada por crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus em Pernambuco. Anuário Antropológico, v. 44, n. 2, p. 229-260, 2019.).

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Editora responsável: Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2023
  • Aceito
    05 Out 2023
  • Revisado
    20 Jul 2023
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