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Sobre as ciências sociais na Saúde Coletiva - com especial referência à Antropologia

The social sciences in Collective Health - with special reference to Anthropology

Resumos

Este artigo busca refletir sobre o papel das ciências sociais, especialmente da Antropologia, na estruturação do campo da Saúde Coletiva no Brasil, através da revisão de um conjunto de trabalhos publicados recentemente a respeito do tema. Abordamos a Saúde Coletiva como lócus do campo científico, onde se disputam e se negociam, de um lado, a própria definição do que pode e deve ser pesquisado - com quais métodos e com que finalidade -, e de outro, quem tem autoridade para falar em nome da Saúde Coletiva e definir seus contornos. Através da história da estruturação da Saúde Coletiva no Brasil, discutimos a posição ocupada pelas três áreas que hoje a constituem - Epidemiologia; Ciências Humanas e Sociais; Política, Planejamento e Gestão -, procurando explorar a lógica subjacente à hierarquia que se estabelece entre elas. A partir de uma análise das transformações teórico-metodológicas e temáticas observadas no campo no decorrer dos anos 90 e no início deste século, buscamos mostrar como a tradicional hierarquia entre as ciências sociais e a área da saúde foi de certo modo subvertida, podendo levar a uma nova maneira de pensar a estruturação do campo da Saúde Coletiva como um todo.

Saúde Coletiva; ciências sociais; campo científico


This essay discusses the role of the social sciences, especially Anthropology, in structuring the field of Colective Health in Brazil by reviewing a number of recently published studies on the subject. We approach Colective Health as part of the scientific field, in which there is competition and negotiations regarding, on the one hand, the definition of what can and should be investigated - using which methods and for what purpose - and, on the other, who has the authority to speak on behalf of Collective Health and define its limits. We discuss how Collective Health was structured in Brazil, showing how the position occupied by its traditional sub-fields - Epidemiology; Humanities and Social Sciences; Policy, Planning and Management - implies an underlying herarchy that evolved through time. Analysing the theoretical, methodological and thematic transformations that ocurred in the field over the last decades, we argue that the traditional hierarchy between social sciences and health sciences has somewhat been subverted in such a manner that may lead to a new way of thinking about the the Colective Health field as a whole.

Colective Health; Social Sciences; scientific field


Introdução

Neste artigo, refletimos sobre o papel das ciências sociais, especialmente da Antropologia, na estruturação do campo da Saúde Coletiva entre nós. Para tanto, procedemos à revisão de um conjunto de trabalhos publicados recentemente a respeito do tema. Abordamos a Saúde Coletiva como lócus específico do campo científico,1 1 Para Bourdieu, o campo científico se organiza em torno de uma luta concorrencial e "o que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado" (BOURDIEU, 1983, p. 122-3). onde se disputam e se negociam, de um lado, a própria definição do que pode e deve ser pesquisado - com quais métodos e com que finalidade -, e, de outro, quem tem autoridade para falar em nome da Saúde Coletiva e definir seus contornos.

Após apresentar uma breve história da estruturação da Saúde Coletiva no Brasil, buscaremos discutir a posição ocupada pelas três áreas que hoje a constituem - Epidemiologia; Ciências Humanas e Sociais; Política, Planejamento e Gestão -, procurando explorar a lógica subjacente à hierarquia que se estabelece entre elas. Entre as ciências sociais, abordaremos, sobretudo, a situação da Antropologia, cuja especificidade será discutida. O argumento se desenvolve a partir da análise das transformações teórico-metodológicas e temáticas observadas no campo no decorrer dos anos 90 e, em especial, no início deste século. Discutiremos como tais transformações subvertem de certo modo a tradicional hierarquia entre as ciências sociais e a área da saúde, podendo levar a uma nova maneira de pensar a estruturação do campo da Saúde Coletiva como um todo.

A Saúde Coletiva: um campo multifacetado

SC2 2 Iremos nos referir à Saúde Coletiva através da sigla SC. é uma área acadêmica multifacetada que, ao contrário da Antropologia, não se caracteriza por ser disciplinar. Ou seja, não é propriamente uma disciplina científica, mas um conjunto híbrido de saberes e práticas, dentre as quais se inclui a prática acadêmico-científica.3 3 Segundo Nunes (2005, p. 14) "[e]mbora cada um deles constitua um subcampo com características próprias, em nosso entendimento a Saúde Coletiva vem-se organizando na interface do que denominamos as dimensões do pensamento, da teoria e do movimento, que se traduzem em uma forma de entender a saúde, pesquisá-la teoricamente e institucionalizá-la acadêmica, política e pedagogicamente". Para instituir-se, apoiou-se em disciplinas já consagradas, em especial, as Ciências Sociais. Isso faz com que as disputas e negociações pela definição do que é legítimo pesquisar ou ensinar (em termos de objetos, objetivos e métodos) e de quem detém a autoridade propriamente científica no campo sejam mais complexas e agudas do que nas disciplinas já constituídas.4 4 Evidentemente, nessas disciplinas também há lutas concorrenciais em torno da legitimidade e da autoridade científicas, mas tais lutas partem de certo consenso acerca de um conjunto de fundamentos conceituais e metodológicos.

O caráter multifacetado da SC faz, inclusive, com que esteja sob constante ameaça de fragmentação. A Epidemiologia, por exemplo, tem oscilado entre constituir-se como uma disciplina com regras próprias de legitimidade e autoridade e ser parte do campo da SC. Do mesmo modo, disciplinas que fazem parte das ciências sociais, como a Antropologia, mantêm um estatuto ambíguo, estando, ao mesmo tempo, dentro, como polo dominado e, portanto, submetida às regras e lógicas ditadas pelo campo da SC; e fora, como disciplina que tem suas próprias regras e lógicas de produção e reconhecimento de autoridade. Um complicador adicional nos processos de atribuição de legitimidade e autoridade no campo reside na relação também complexa e tensa entre a prática propriamente científica, voltada para a pesquisa, e práticas consideradas "políticas", desenvolvidas junto a agências governamentais, organismos internacionais etc. Embora também presente nas ciências sociais de modo geral, essa tensão entre prática "puramente" científica5 5 Reconhecemos a dificuldade que a ideia de uma prática "puramente" científica encerra. Dada a limitação do escopo deste trabalho, não discutiremos tal aporia. e intervenção na arena social é constitutiva do conjunto de saberes/práticas que se debruçam sobre temas ligados à saúde.

A primeira das grandes clivagens que definem o campo da SC, e que deve desde logo ser ressaltada, é, portanto, a que opõe uma vertente mais acadêmica, organizada em torno de cursos de pós-graduação, de publicações científicas e das avaliações da CAPES; e uma vertente mais "política", que se estrutura em torno do poder de influir na formulação de políticas públicas na área da saúde, tanto em nível nacional quanto internacional, e como decorrência, do poder de ocupar cargos em diferentes órgãos da burocracia nacional e internacional (secretarias, ministérios, agências de cooperação etc.).

Essa dupla face da SC motiva acusações seja de excessivo distanciamento da "prática", seja de insuficiente dedicação à "verdadeira ciência". Em um prestigioso programa de pós-graduação em SC,6 6 Instituto de Medicina Social da UERJ. por exemplo, eram comuns há alguns anos queixas acerca do baixo "protagonismo político" da instituição, que, na busca de excelência acadêmica, dizia-se, estaria abdicando de se posicionar frentes às graves questões políticas que envolvem a saúde pública no Brasil.7 7 É importante assinalar que o modo como os diferentes tipos de legitimidade (acadêmica e política) convivem, se apoiam mutuamente ou se repelem varia com o tempo e as circunstâncias. Apesar dos potenciais conflitos, essas duas vertentes também se apoiam mutuamente. Embora as regras sejam diversas, a legitimidade política dos que são chamados a atuar nos órgãos governamentais e supragovernamentais não deixa de acrescentar, na forma de recursos materiais e simbólicos, legitimidade acadêmica aos pesquisadores que permanecem na universidade. Ao mesmo tempo, a legitimidade científica de suas instituições de origem aumenta a autoridade dos que atuam na formulação e implementação de políticas públicas.8 8 Ressaltamos que a oposição entre "política" e "ciência" é aqui utilizada, sobretudo, por organizar uma série de conflitos do campo da Saúde Coletiva para aqueles que nele atuam. Analiticamente, talvez os quadros "políticos" do campo da SC deveriam ser designados mais propriamente como tecnopolíticos, pois, ao menos do ponto de vista formal, inserem-se na burocracia estatal não apenas por seu alinhamento a certas posições políticas, mas também por sua competência técnica. Essa posição híbrida dos quadros comumente designados como "técnicos" explicaria em parte sua especial "vulnerabilidade" à legitimidade acadêmica e ao prestígio que advém das instituições em que se formaram.

Lugar de encontro de diferentes disciplinas, originalmente posicionadas na esfera das ciências da saúde ou na esfera das ciências humanas e sociais, e tensionada pelo duplo imperativo de produzir conhecimento científico e intervir nas políticas públicas de saúde, a SC torna-se assim arena privilegiada para pensarmos a complexidade dos processos de construção de autoridade e legitimidade científicas.

Origens e estruturação do campo

O que hoje chamamos de SC tem origem em antigas cadeiras de Higiene, a partir das quais se estruturaram cadeiras de Medicina Preventiva, Saúde Pública e Medicina Social em algumas faculdades de Medicina (Cf. NUNES, 2005______. Pós-graduação em Saúde Coletiva no Brasil: histórico e perspectivas. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 13-38, 2005.). Até hoje, na área de SC da CAPES, encontramos cursos de pós-graduação em Medicina Preventiva e o nome de algumas instituições do campo, como o Instituto de Medicina Social, que abriga uma pós-graduação em SC na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é herdeiro desses primórdios.

A transformação da Saúde Pública, Medicina Social ou Preventiva em Saúde Coletiva ocorre no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 80, sendo concomitante à luta política levada adiante pelos movimentos de oposição à ditadura militar brasileira, em prol da constituição de um sistema público de saúde de cobertura universal. O que hoje conhecemos como SC se estrutura, assim, em torno de uma espécie de plataforma política (Cf. NUNES, 2005______. Pós-graduação em Saúde Coletiva no Brasil: histórico e perspectivas. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 13-38, 2005., p. 23-24). Se a antiga Higiene já havia se tornado Saúde Pública ou Medicina Social, agora a ideia de Saúde Coletiva apontava para uma concepção mais democrática, no âmbito de um movimento social em prol de uma política de saúde cujas ações deviam se enraizar na coletividade. Nesse momento, a esfera acadêmica se subordinava mais fortemente aos imperativos da ação política. Isso se refletia nas próprias disciplinas que vinham compor os primeiros cursos de pós-graduação e fundamentar as primeiras teses e publicações: Sociologia Política, Ciência Política e Economia (Cf. MARSIGLIA et al, 2003MARSIGLIA, R. M. G. et al. Das ciências sociais para as ciências sociais em saúde: a produção científica de pós-graduação em ciências sociais. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 275-285, 2003. , p. 276-277). Se o referencial marxista da sociologia brasileira de então era onipresente,9 9 Cf. Nunes (2005, p. 14 e 25); Alves e Rabelo (1998, p. 16); entrevista com Maria Andrea Loyola e Maurício Barreto, em Hortale et al. (2010, p. 15); Carvalho (1997, p. 60). o campo se definia muito claramente como parte integrante da área médica, tendo as ciências sociais caráter coadjuvante. Os primeiros grandes nomes da SC são médicos sanitaristas, comprometidos com a redemocratização do país e com a melhoria da saúde pública no interior desse processo. Além disso, os cursos de pós-graduação em Medicina Social ou Saúde Pública estavam reservados aos diplomados pelos cursos de Medicina.

Com a consolidação dos programas de pós-graduação, ou seja, de sua esfera acadêmica, o campo da SC vai se estruturar em três áreas - Política e Planejamento, Epidemiologia e Ciências Sociais e Saúde,10 10 Em 2000, a Comissão de Ciências Sociais da Abrasco passou a se denominar Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CANESQUI, 2008, p. 235). Neste artigo, vamos manter a designação original, na medida em que o objetivo é focalizar as Ciências Sociais no âmbito da SC. sendo que, em termos históricos, a área que hoje denominamos Política e Planejamento constituía uma espécie de "área mãe" de onde as duas outras, mais acadêmicas, se desgarraram. Qual é a história desse desgarramento, dessa separação?

Anos 90: a inflexão acadêmica

Os sanitaristas que imprimiram uma face política ao campo emergente da SC tiveram sua formação na antiga Medicina Preventiva, Social ou mesmo Saúde Pública, em diálogo com cientistas políticos, sociólogos e economistas. Ou seja, de algum modo compunham um campo já razoavelmente multifacetado que, apesar de estar ancorado na área médica, já dialogava com, ou lançava mão de outros campos de saber.11 11 Ver, por exemplo, a tese de doutorado de Sergio Arouca - O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva - defendida em julho de 1976 no auditório da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Nela, Arouca criticava duramente o preventivismo tradicional mesclando marxismo (althusseriano) e arqueologia do saber (foucaultiana). A defesa da tese de Arouca foi, ao mesmo tempo, um acontecimento acadêmico e político. Nos anos 1990, passaram a ocupar diferentes postos de gestão governamental em seus vários níveis - federal, estadual e municipal (Cf. LOYOLA, 2008LOYOLA, M. A. R. A saga das Ciências Sociais na área da Saúde Coletiva: elementos para a reflexão. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 251-275, 2008. , p. 253). Nesse período, começa a se acentuar a separação entre dois tipos de legitimidade até então entrelaçadas - a política e a acadêmica -, com novos atores passando a ocupar lugar proeminente nos cursos de pós-graduação. Dentre esses novos atores, destacaram-se os epidemiologistas.

Em sua fase de implantação, também firmemente ancorada na Medicina, a Epidemiologia afirmava sua autonomia relativa através de professores e pesquisadores que, em geral, haviam se formado no exterior, em Epidemiologia stricto sensu.12 12 Ver entrevista de Mauricio Barreto em Hortale et al. (2010, p. 16). Isto porque, desde pelo menos os anos 1950, a Epidemiologia se constituía fora do Brasil como uma disciplina já estruturada, passando, nos anos 70 e 80, por intensa sofisticação metodológica, com a incorporação de novos métodos estatísticos. A partir dessa virada metodológica, a Epidemiologia se constituiu como uma disciplina razoavelmente autônoma, com regras próprias de avaliação e legitimidade acadêmica. Por isso, pode se considerar a Epidemiologia como a primeira área disciplinar a se desgarrar da antiga área de Política e Planejamento.

Todos os textos que tratam da história do campo apontam, então, os anos 90 como o momento de sua consolidação acadêmica, o que coincide, a nosso ver, com certa cisão entre a atuação política stricto sensu e a lógica acadêmica. Mas não foi apenas a Epidemiologia que se apresentou nesse momento como alternativa para disputar a proeminência acadêmica. Também a área que vai se autodenominar Ciências Sociais e Saúde despontou como ator relevante do campo. A sua história é diferente da história da Epidemiologia, na medida em que é mais externa à área da saúde, sendo composta por um conjunto de disciplinas, entre as quais se destacam a Sociologia e, em menor grau, a Antropologia. Além delas, congrega também historiadores, economistas, cientistas políticos e outros profissionais das ciências humanas, formados em Psicologia Social, Psicanálise e Filosofia. De caráter multifacetado e muitas vezes fragmentário, as ciências sociais e saúde vão congregar disciplinas que têm suas próprias arenas de atuação, com suas lógicas específicas de produção e consagração acadêmicas. Essa é uma diferença significativa em relação à Epidemiologia, que, no Brasil, se forja enquanto disciplina no interior do campo da SC.

É importante assinalar uma importante transformação ocorrida num período imediatamente posterior (final dos anos 90 e início deste século) no âmbito da avaliação da pós-graduação brasileira, que, antes calcada no prestígio dos grandes professores, burocratizou-se, passando a privilegiar aspectos quantitativos do trabalho acadêmico (especialmente o número de artigos publicados em determinadas revistas científicas), em um processo mais afim a estilos de produção de alguns dos subcampos científicos (como as ciências exatas, biomédicas etc.). É neste contexto que os modos de produção e divulgação do trabalho científico da Epidemiologia tendem a se impor como a lógica dominante do campo da SC. As ciências sociais em saúde terão, assim, um duplo problema para afirmar sua legitimidade acadêmica nesse campo: de um lado, do ponto de vista da composição interna do campo, competem com a lógica e o modo de produção acadêmico da Epidemiologia;13 13 Para uma discussão sobre as diferentes lógicas de produção, das Ciências Sociais e da Epidemiologia, ver Sevalho e Castiel (1998). de outro, do ponto de vista da delimitação externa do campo, devem se equilibrar entre dialogar com profissionais situados no campo disciplinar de onde provêm e inserir-se plenamente na área da saúde, evitando o papel de ciência meramente auxiliar.

Novos temas, novas abordagens

Criada em 1979, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) promoveu em 1982 a I Reunião Nacional sobre Ensino, Pesquisa de Ciências Sociais na área de Saúde Coletiva. Os assuntos selecionados para o ensino das ciências sociais nos cursos de residência e especialização foram: os determinantes sociais do processo saúde/doença; condições de saúde da população; relações entre saúde e sociedade; organização social da prática médica (CANESQUI, 2008CANESQUI, A. M. As Ciências Sociais e Humanas em Saúde na Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 215-250, 2008.). Em 1983, foi realizado um curso de atualização dos docentes e pesquisadores da área de Ciências Sociais e Saúde. Segundo a antropóloga Ana Maria Canesqui,

[o]s conteúdos desse curso deixaram nítida a tendência de articular teorias sociológicas ao exame dos determinantes do processo saúde/doença, sob o materialismo histórico; diagnosticar e analisar as condições de saúde da população; desenvolver a Epidemiologia Social e analisar a organização social da prática medica e de setores específicos, como a saúde do trabalhador e os movimentos sociais em saúde. (CANESQUI, 2008, p. 221-2).

Percebe-se aí que ainda não havia fronteiras muito claras entre as três áreas (aí incluída a Epidemiologia) e que, entre as ciências sociais, a preeminência clara era da Sociologia e da Ciência Política.

A estruturação da área da Epidemiologia dentro da Abrasco ocorreu de forma mais rápida e consistente. De fato, o primeiro congresso nacional de Epidemiologia foi promovido pela Abrasco em 1990, ao passo que somente em 1993 foi realizado o I Encontro Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde. O primeiro Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde ocorreria apenas em 1995 (CANESQUI, 2008CANESQUI, A. M. As Ciências Sociais e Humanas em Saúde na Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 215-250, 2008., p. 227-8). Em 1999, quando a Epidemiologia já realizava seu quarto congresso, organizou-se o II Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde. Este foi também o ano de lançamento, pela Abrasco, da Revista Brasileira de Epidemiologia.

A ascensão da Epidemiologia como área dominante em termos científicos e acadêmicos no campo da SC se consolidou na virada dos anos 2000, com as mudanças implementadas pela CAPES no que tange à avaliação dos cursos de pós-graduação e das publicações científicas (instituindo o chamado "Qualis periódicos"). Nesse momento, passou-se a cobrar dos professores e pesquisadores vinculados aos programas de pós-graduação não apenas um maior volume de produção científica, mas também, o que para nosso caso é mais relevante, uma avaliação qualitativa dessa produção baseada em critérios que deveriam ser acordados pelos comitês das áreas em que os diferentes programas se situavam. No âmbito da SC, situada, juntamente com a Medicina, a Odontologia, a Farmácia etc. na Grande Área das Ciências da Saúde, a Epidemiologia parecia mais estrategicamente bem posicionada para influir na definição de tais critérios. As outras áreas - Política e Planejamento e Ciências Sociais e Saúde - consistiam em agregados de diferentes saberes, com seus modos próprios de avaliação e reconhecimento de autoridade científica, cujas matrizes disciplinares, é importante ressaltar, estavam mais distantes da Grande Área das Ciências da Saúde.

Critérios de excelência que contemplavam mais facilmente o estilo de produção em Epidemiologia passaram (com negociações e adaptações, é verdade) a ditar a norma na área. Os números nesse sentido são eloquentes. Dentre os pesquisadores 1 do CNPq no campo da SC a maioria absoluta é de epidemiologistas (BARATA; GOLDBAUM, 2003BARATA, R. B.; GOLDBAUM, M. Perfil dos pesquisadores com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq da área de saúde coletiva. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 19, n. 6, p. 1863-1876, nov./dez., 2003., p. 1875). Do mesmo modo, o conselho editorial das duas revistas classificadas como Qualis A no Brasil é composto em sua maioria por epidemiologistas, o que torna consideravelmente mais difícil para pesquisadores das outras duas áreas publicar nessas revistas. As revistas que, no campo, privilegiam as produções que advêm das áreas das Ciências Sociais e Saúde e Política e Planejamento (como a Physis) mantêm-se menos prestigiosas, alcançando como pontuação máxima Qualis B1.14 14 Loyola realizou levantamento das publicações nas mais importantes revistas da área da SC, constatando a predominância de artigos de Epidemiologia nas revistas mais bem qualificadas (LOYOLA, 2008, p. 265-270).

Surgimento de novos temas: a antropologia entra em cena

Segundo Canesqui, a realização do terceiro congresso de Ciências Sociais e Saúde, previsto para 2004, "foi prejudicada pelos obstáculos financeiros da associação e ocupação da agenda da diretoria com outros eventos significativos na conjuntura favorável à política de saúde." (CANESQUI, 2008CANESQUI, A. M. As Ciências Sociais e Humanas em Saúde na Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 215-250, 2008., p. 231). No seu lugar, foi programado o II Encontro de Ciências Sociais e Saúde (realizado na fase pré-congresso do VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva),15 15 Um breve comentário sobre o modo de nomear os congressos: os Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva são chamados de "Abrascão", e os congressos de Ciências Sociais e Saúde (hoje Ciências Humanas e Sociais em Saúde) são conhecidos como "Abrasquinho". Só recentemente surgiu um Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Até então, Política e Planejamento era a área dominante do Abrascão, estando também presente no Abrasquinho. Mas não nos congressos da Epidemiologia. A especificidade absoluta da Epidemiologia, que se mistura pouco com as Ciências Sociais, fica aí evidente; a mistura que caracteriza as duas outras áreas também. Do mesmo modo, vemos que o englobamento das demais áreas por Política e Planejamento (expressa nos modos de nomeação) é menos acentuado no caso da Epidemiologia. quando novos temas surgiram, correspondendo a um certo distanciamento da abordagem mais claramente sociológica e política que foi a marca da área em seus primórdios.16 16 Em seu artigo sobre a trajetória das Ciências Sociais em Saúde na América Latina, Everardo Nunes já apontava o aparecimento de uma temática diferenciada no VI Congresso Latino-Americano de Ciências Sociais em Saúde, realizado em 2001 (NUNES, 2006, p. 71).

A pauta elaborada para o encontro contou com temas diversificados. Alguns mais vinculados à tradição da área de Planejamento e Política, tais como avaliação de políticas e programas de promoção da saúde ou instituições e políticas de saúde e bioética. Outros traziam novos objetos de estudos e novas abordagens, como racionalidades e práticas em medicina e saúde; estudos sociais da ciência e da técnica; gênero e saúde; subjetividade e cultura; comunicação e redes de informação; violência e saúde; construção social da saúde e da doença.17 17 Cf. Canesqui (2008, p. 232). Ver também o resultado do levantamento realizado em 2005 por Nunes et al. sobre a distribuição de pesquisadores em Ciências Sociais em Saúde segundo áreas temáticas (NUNES, 2006, p. 69).

A paulatina constituição e estruturação da área das Ciências Sociais e Saúde, portanto, vai coincidir com o surgimento de novas temáticas que, acredita-se, devem ser tratadas também com uma metodologia diversa - questões que não podem ser trabalhadas por meio dos métodos "objetivos". Temos, de um lado, "novos" objetos de pesquisa - a experiência (dos sujeitos), concepções populares ou leigas, modos de organização de grupos sociais. Além disso, há o surgimento de questões mais propriamente teóricas, que exigem uma formulação conceitual, como: subjetividade e cultura, construção social da saúde e da doença, medicalização. Esses três níveis - do método, do objeto e da teoria - estão entrelaçados. A abordagem qualitativa surge como a que permite ter acesso a crenças, valores, a todo um universo simbólico dos sujeitos / grupos sociais, que os métodos quantitativos não seriam capazes de captar. E o acesso a esse universo é imprescindível para se discutir conceitualmente a relação entre subjetividade, corpo e cultura, por exemplo, ou a construção social da saúde e da doença.18 18 Sobre o perigo do uso superficial e meramente descritivo do método qualitativo, ver Minayo (1998) e Sarti (2010).

Surge aí outra leitura política acerca do par saúde/doença, diferente da politização que marca os anos 70/80, em que a luta política girava em torno dos "determinantes sociais da doença", ou seja, das características sociodemográficas da população, condições sanitárias do meio, etc. Essa segunda politização, correspondendo aos novos objetos dos anos 1990 e 2000, tem a ver justamente com a perspectiva de "dar voz" aos sujeitos, de perceber, para além dos discursos eruditos da medicina e de outras especialidades, o modo como os clientes potenciais (ou atuais) dos serviços de saúde organizam e dão sentido ao seu mundo. Articula-se aí uma forte crítica tanto ao poder médico/sanitário (daí o tema da "medicalização") quanto ao próprio poder normativo da ciência (daí o tema da "construção social").19 19 Carrara (1994) se refere a "relações um tanto belicosas" entre Ciências Sociais e Biológicas.

Podemos então dizer que as ciências sociais têm duas entradas no campo da SC. Em um primeiro momento, através de uma sociologia de corte marxista e da ciência política, em que o sanitarismo predomina. Em um segundo momento, através de uma perspectiva sócio-antropológica, que traz consigo uma nova leitura política e representa uma vertente crítica da própria prática médica e sanitária. Este segundo momento corresponderia, então, à separação efetiva e à estruturação de uma nova área de concentração em diferentes programas de pós-graduação.

Entretanto, a presença da perspectiva antropológica no campo da SC não necessariamente coincide com a presença de antropólogos. De fato, há poucos professores/pesquisadores na SC com pós-graduação em Antropologia. Realizamos um levantamento preliminar e não sistemático a partir das informações contidas no artigo de Ana Maria Canesqui (2008CANESQUI, A. M. As Ciências Sociais e Humanas em Saúde na Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 215-250, 2008.) acerca dos 36 participantes da comissão de Ciências Sociais e Saúde da Abrasco, de 1990 até 2007. Dessas 36 pessoas, não conseguimos informação sobre a pós-graduação de 11. Na trajetória dos 25 restantes, a Antropologia aparece apenas duas vezes (um mestrado e um doutorado). As demais pós-graduações são em Sociologia, Ciência Política, História, além de Saúde Pública e Saúde Coletiva.20 20 Em artigo de 1993, Canesqui confirma essa observação. Um levantamento da época feito pela Abrasco, sobre os cientistas sociais dedicados à área da saúde, identificou, entre 110 profissionais, apenas seis que mencionavam Antropologia e Saúde como sua área de interesse (CANESQUI, 1993, p. 17). Ver também Marsiglia et al. (2003, p. 278).

Algumas características da Antropologia como disciplina poderiam explicar essa ausência. A Antropologia, pelo seu método de trabalho e de produção acadêmica, articula-se mal às "ciências aplicadas", com áreas acadêmicas estreitamente vinculadas a uma ação prática ou política, como é o caso da saúde.21 21 Ver, sobre isso, Minayo (1998). Maria Alice Carvalho, em seu texto sobre a institucionalização das Ciências Sociais brasileiras, afirma que estas surgem dentro de um projeto inteiramente voltado para a vida acadêmica, ao contrário da Saúde Coletiva, desde o início comprometida com projetos de reforma social (CARVALHO, 1997). Como uma espécie de rito de passagem, o trabalho de campo subsidia escritos extremamente autorais/individuais, tornando o percurso do antropólogo pouco adaptável às pesquisas coletivas, multicêntricas e "objetivas" que tendem a predominar no campo da SC. A pesquisa do antropólogo tende a ser mais artesanal, mais demorada nos seus resultados. Os resultados não parecem muito conclusivos. Isso tudo se adapta pouco à área da saúde de um modo geral e às suas urgências.22 22 Parece-nos, ao contrário, que a Sociologia e a Ciência Política têm uma afinidade maior com a necessidade de objetividade e de resultados da SC, mas não poderemos desenvolver aqui essa ideia.

O antropólogo, quando se debruça sobre a prática médica ou sobre a medicina (ou os sistemas de saúde ou as práticas de saúde ou corporais dos sujeitos comuns), pode construir uma crítica que muitas vezes vai ser vista como excessivamente "desconstrutiva". O exercício de estranhamento da própria cultura leva os antropólogos a verem na medicina e suas práticas um produto cultural como outro qualquer, o que pode ser interpretado como um ataque à legitimidade científica e social da medicina.23 23 Ver a interessante discussão de Sarti (2010, p. 80). Isso subverte a hierarquia de um campo que, como vimos, surge no interior mesmo das faculdades de Medicina e mantém-se, com outras ciências biomédicas, subordinado à Grande Área das Ciências da Saúde nas próprias instancias de avaliação acadêmica, como a Capes e o CNPq.

Frente a isso, observam-se por vezes tentativas de "transferência de legitimidade". Ou seja, em face da crescente hegemonia da Epidemiologia e sua lógica de produção acadêmica, os cientistas sociais foram (e vão) buscar legitimidade em suas áreas de origem. Nos anos 80, houve pelo menos duas tentativas de cientistas sociais da SC de proporem um grupo de trabalho sobre saúde à reunião anual da Anpocs.24 24 A Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) mantém uma reunião anual, que é certamente o mais prestigioso encontro científico das Ciências Sociais brasileiras. A resposta foi negativa, pois a diretoria da Anpocs considerou que esse era um tema para a Abrasco, isto é, "próprio" da área da SC (Cf. LANGDON, 2012, p. 13LANGDON, E. J.; FOLLÉR, M-L. Anthropology of health in Brazil: a Border Discourse. Medical Anthropology: cross-cultural studies in health and illness, v. 31, p. 4-28. Disponível em: <http://www.tandfonline.com>. Acesso em: 9 fev. 2012.
http://www.tandfonline.com...
; MINAYO, 1998MINAYO, M. C. S. Construção da identidade da antropologia na área da saúde: o caso brasileiro. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. p. 29-46., p. 34). Na década seguinte, outro grupo de trabalho proposto por dois antropólogos, Luiz Fernando Dias Duarte (do Museu Nacional da UFRJ) e Ondina Fachel Leal (da UFRGS), intitulado Pessoa, corpo e doença, foi aceito, e acabou tendo uma vida longuíssima nas reuniões da Anpocs, com variações em torno desse título. Constituiu-se enquanto um GT eminentemente antropológico. Ou seja, as temáticas mais sociológicas/políticas em torno da saúde pública eram marginais, voltando-se de fato para a Abrasco.

É importante lembrar a realização em Salvador, no ano de 1993, do I Encontro Nacional de Antropologia Médica, que congregou antropólogos e não antropólogos que trabalhavam na área da SC e também vários que não trabalhavam nessa área. Esse encontro resultou numa coletânea, mas não teve continuidade. Não houve um segundo encontro, e de fato a antropologia médica, uma área disciplinar bastante relevante e produtiva nos EUA, não se consolidou na antropologia brasileira.25 25 A crítica dos antropólogos brasileiros (ecoando os representantes da Antropologia da Saúde francesa) é que o próprio qualificativo "médica" para a Antropologia expressaria a subordinação à medicina e a seus objetivos. Ver a discussão de Duarte (1993). Isso se deve em parte a certa característica da antropologia brasileira, que tende a valorizar os autores clássicos, e em que domina uma visão mais "holista" da cultura e da sociedade. Dentro dessa visão, a doença, o corpo, as práticas curativas tenderão a ser vistos como parte de um universo mais amplo de valores e práticas. Ou seja, a Antropologia tende a se polarizar em torno de desacordos teóricos e metodológicos e menos em torno de subdivisões disciplinares.

Mesmo que a antropologia médica de corte norte-americano não tenha vingado entre nós, nas reuniões da ABA (Associação Brasileira de Antropologia) assistimos a uma proliferação de GTs voltados para discussão de temáticas relativas ao corpo e à saúde. Na reunião da ABA de 2012, havia, por exemplo, três GTs que tinham a saúde como tema: Antropologia e Saúde Pública no Brasil (47 participantes,26 26 Por "participantes", referimo-nos aos apresentadores de trabalho. 11 dos quais atuando na SC); Por uma Antropologia Política da Saúde Indígena (8 participantes); Religiões e percursos de saúde no Brasil hoje: as "curas espirituais" (28 participantes, sendo apenas um atuando na SC). E mais três grupos, organizados em torno de temáticas afins: Cuidados terapêuticos, crenças e emoções (28 participantes, sendo 3 da SC); Etnografias de biodefinições (21 participantes, sendo 2 da SC); Identidades, Biossocialidades e Espaços Sociais (18 participantes, sendo 3 da SC).

Participaram, portanto, apresentando trabalhos nesses GTs da ABA, um total de 20 pesquisadores ou pós-graduandos do campo da SC. Ou seja, a Antropologia acolhe as discussões sobre corpo, saúde, doença, medicina, práticas de cura etc., mas isso não é necessariamente valorizado pela SC, assim como são menos valorizadas publicações em periódicos específicos das Ciências Sociais. Neste sentido, o entrecruzamento dos campos (Antropologia e SC) se dá no espaço próprio da Antropologia, e menos no da SC, a legitimidade científica de tais estudos sendo sustentada pela Antropologia enquanto campo disciplinar. Desse modo, o antropólogo, como outros cientistas sociais que trabalham no campo da SC, parece estar submetido a duas forças que vão atuar no mesmo sentido. Uma centrífuga, interna ao próprio campo da SC, que, mantendo as disciplinas de ciências sociais em posição subordinada, vai empurrar os profissionais dessas ciências para fora, em busca de legitimação e prestígio; e uma força centrípeta do campo das ciências sociais e, em especial da Antropologia, que vai puxar para seu interior o que é produzido em seu nome.27 27 Parece-nos que a Antropologia, por conta das exigências do próprio trabalho de campo, do aprendizado na prática (e não na teoria), apresenta certa tendência à transmissão iniciática do saber. Há uma tendência do campo da Antropologia a puxar e manter para si os que se chamam "antropólogos". Ou seja, uma tendência a ser antropologia somente o que se faz em nome da antropologia e nada mais. E quem faz antropologia fora da antropologia tende a se sentir periférico ou marginal.

Considerações finais: sobre subordinação e hierarquia

Antes de voltarmos, nestas considerações finais, à tensão constitutiva do campo e às hierarquias que o estruturam, gostaríamos de enfatizar que este trabalho não pretende se constituir como espécie de "queixa" ou "acusação" de cientistas sociais, dirigida as outras áreas do campo da SC. Nosso objetivo é, sobretudo, refletir sobre o modo de constituição do campo, com a consequente construção de certa lógica de produção acadêmica ou científica, e as disputas e negociações que a sustentam e transformam. Nesse sentido, na história da constituição do campo da SC, verifica-se, em um primeiro momento, a hegemonia do que poderíamos chamar um "pensamento sanitarista"; e em um segundo, de uma lógica científica mais adequada a disciplinas como a Epidemiologia. No primeiro caso, as ciências sociais aparecem como "ciências auxiliares" e, no segundo, como "ciências problemáticas", porque pouco afeitas a certa lógica de produção acadêmica.28 28 Para uma caracterização do que distancia o método epidemiológico da Antropologia, e vice-versa, ver Sevalho e Castiel (1998, p. 62-63). Nos dois casos, trata-se de modos diferentes de subordinação.

Uma das maiores fontes de subordinação está na localização da SC no âmbito das ciências biomédicas.29 29 Ver o texto já citado de Sarti (2010). A SC, como vimos, nasce nas faculdades de Medicina, a partir da necessidade de pensar, não apenas a constituição de uma saúde pública, mas também a dimensão coletiva das práticas médicas e de saúde. Neste sentido, sua localização, como no caso da grande árvore do conhecimento proposta pela CAPES, dentro do "Colégio de Ciências da Vida" e não no "Colégio de Humanidades" será sempre uma fonte de tensões. Acreditamos, porém, que o problema é mais espinhoso para a área de Ciências Sociais. É evidente que epidemiologistas e pesquisadores da área de Política e Planejamento podem ter (e frequentemente é este o caso) uma visão crítica dos reducionismos biomédicos de um modo geral. Do mesmo modo, o fato de ser cientista social não impede que um pesquisador mantenha uma visão naturalizada ou biomedicalizada do corpo e da saúde. Entretanto, acreditamos que a exterioridade das ciências sociais têm um efeito importante sobre as hierarquias do campo. É pensando nesse efeito que propomos, à guisa de conclusão, a reflexão abaixo. Para tal, lançamos mão de mais um trabalho de Ana Maria Canesqui, autora cuja contribuição para a história da constituição da SC é particularmente iluminadora.

Segundo Canesqui (2003______. Os estudos de antropologia da saúde/doença no Brasil na década de 1990. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 109-124, 2003. , p. 111), as novas temáticas que surgiram no campo da SC nos anos 1990 foram responsáveis por importante expansão bibliográfica na área de Ciências Sociais e Saúde. Os novos objetos que então se apresentaram, como gênero e sexualidade, por exemplo, referiam-se a mudanças ou permanências nas visões de mundo e valores de nossa sociedade. Podemos acrescentar a importância, para a emergência desses "novos objetos", da ação de diferentes movimentos sociais, o que fica muito patente no caso da epidemia da Aids, com o movimento LGBT, da saúde reprodutiva, como o feminismo, e da saúde mental, com o movimento pela reforma psiquiátrica e antimanicomial.

Acreditamos que o que está em jogo aí não é apenas a relação das ciências sociais (e, entre elas, da Antropologia) com a área da saúde, mas, mais do que isso, a relação entre medicina e sociedade. O que se assiste, com o surgimento e consolidação do segundo feminismo, do movimento LGBT e do movimento pela reforma psiquiátrica, é uma espécie de "socialização" de questões médicas. Trazer para a esfera social e política questões, fenômenos e temas considerados circunscritos à medicina (ou à sua lógica). Essa questão é fundamental para pensarmos o papel atual das ciências sociais, e da Antropologia em particular, no campo da Saúde Coletiva. Disciplinas limítrofes, que constroem um conjunto híbrido de objetos de reflexão, talvez caiba às ciências sociais, particularmente à Antropologia, dar ao qualificativo "coletiva", presente na expressão Saúde Coletiva, seu sentido mais radical, apontando o enraizamento social e cultural da prática biomédica e seus objetos (corpo, saúde e doença).

Parece pouco, mas não é, porque se trata aí de inverter uma certa equação que mantém as hierarquias entre os diferentes campos científicos: normalmente se pensam o social e o cultural como aquilo que é variável e passível de mudança, e o que é natural/biológico, ao contrário, como o que é invariável, porque ancorado na realidade material. Os novos objetos e abordagens que surgem no campo apontam para a possibilidade de trabalharmos com a ideia de uma natureza/biologia mutáveis e transformáveis em articulação com a esfera cultural/social. A transformação cultural/social, neste sentido, produziria transformações no nível material/biológico, como diversos estudos têm discutido. Ao mesmo tempo, a cultura só poderia ser pensada de forma incorporada, ou seja, existindo através do corpo, da materialidade biológica.

Ao reconfigurar as dualidades tradicionais - corpo e mente, natureza e cultura -, essas novas abordagens, por tabela, também acabam por reconfigurar a hierarquia entre, de um lado, ciências médicas e/ou biológicas - que lidariam com a realidade material do corpo e das doenças - e de outro, ciências sociais - que lidariam tão somente com representações e valores sobre o corpo e as doenças. A pergunta que fazemos, então, é: até que ponto essa subversão mais ampla de uma hierarquia de saberes reverbera sobre a hierarquia própria do campo da Saúde Coletiva? Indo um pouco mais além: até que ponto a compreensão da posição subalterna da Antropologia (e das ciências sociais como um todo) no campo mais amplo da SC se esgota na história sociopolítica do campo e até que ponto devemos levar em conta uma questão de outra ordem que, sendo conceitual e epistemológica, é também política?30 30 J. A. Russo realizou seleção, leitura, discussão dos textos e revisão do artigo. S. L. Carrara realizou seleção, leitura, discussão dos textos e revisão do artigo.

Referências

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  • ______. Os estudos de antropologia da saúde/doença no Brasil na década de 1990. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 109-124, 2003.
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  • SEVALHO, G.; CASTIEL, L. D. Epidemiologia e antropologia médica: a in(ter)disciplinaridade possível. In: ALVES, P. C.; RABELO, M. C (Org.). Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. p. 47-69.

Notas

  • 1
    Para Bourdieu, o campo científico se organiza em torno de uma luta concorrencial e "o que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado" (BOURDIEU, 1983, p. 122-3).
  • 2
    Iremos nos referir à Saúde Coletiva através da sigla SC.
  • 3
    Segundo Nunes (2005, p. 14) "[e]mbora cada um deles constitua um subcampo com características próprias, em nosso entendimento a Saúde Coletiva vem-se organizando na interface do que denominamos as dimensões do pensamento, da teoria e do movimento, que se traduzem em uma forma de entender a saúde, pesquisá-la teoricamente e institucionalizá-la acadêmica, política e pedagogicamente".
  • 4
    Evidentemente, nessas disciplinas também há lutas concorrenciais em torno da legitimidade e da autoridade científicas, mas tais lutas partem de certo consenso acerca de um conjunto de fundamentos conceituais e metodológicos.
  • 5
    Reconhecemos a dificuldade que a ideia de uma prática "puramente" científica encerra. Dada a limitação do escopo deste trabalho, não discutiremos tal aporia.
  • 6
    Instituto de Medicina Social da UERJ.
  • 7
    É importante assinalar que o modo como os diferentes tipos de legitimidade (acadêmica e política) convivem, se apoiam mutuamente ou se repelem varia com o tempo e as circunstâncias.
  • 8
    Ressaltamos que a oposição entre "política" e "ciência" é aqui utilizada, sobretudo, por organizar uma série de conflitos do campo da Saúde Coletiva para aqueles que nele atuam. Analiticamente, talvez os quadros "políticos" do campo da SC deveriam ser designados mais propriamente como tecnopolíticos, pois, ao menos do ponto de vista formal, inserem-se na burocracia estatal não apenas por seu alinhamento a certas posições políticas, mas também por sua competência técnica. Essa posição híbrida dos quadros comumente designados como "técnicos" explicaria em parte sua especial "vulnerabilidade" à legitimidade acadêmica e ao prestígio que advém das instituições em que se formaram.
  • 9
    Cf. Nunes (2005, p. 14 e 25); Alves e Rabelo (1998, p. 16); entrevista com Maria Andrea Loyola e Maurício Barreto, em Hortale et al. (2010, p. 15); Carvalho (1997, p. 60).
  • 10
    Em 2000, a Comissão de Ciências Sociais da Abrasco passou a se denominar Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CANESQUI, 2008, p. 235). Neste artigo, vamos manter a designação original, na medida em que o objetivo é focalizar as Ciências Sociais no âmbito da SC.
  • 11
    Ver, por exemplo, a tese de doutorado de Sergio Arouca - O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva - defendida em julho de 1976 no auditório da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Nela, Arouca criticava duramente o preventivismo tradicional mesclando marxismo (althusseriano) e arqueologia do saber (foucaultiana). A defesa da tese de Arouca foi, ao mesmo tempo, um acontecimento acadêmico e político.
  • 12
    Ver entrevista de Mauricio Barreto em Hortale et al. (2010, p. 16).
  • 13
    Para uma discussão sobre as diferentes lógicas de produção, das Ciências Sociais e da Epidemiologia, ver Sevalho e Castiel (1998).
  • 14
    Loyola realizou levantamento das publicações nas mais importantes revistas da área da SC, constatando a predominância de artigos de Epidemiologia nas revistas mais bem qualificadas (LOYOLA, 2008, p. 265-270).
  • 15
    Um breve comentário sobre o modo de nomear os congressos: os Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva são chamados de "Abrascão", e os congressos de Ciências Sociais e Saúde (hoje Ciências Humanas e Sociais em Saúde) são conhecidos como "Abrasquinho". Só recentemente surgiu um Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Até então, Política e Planejamento era a área dominante do Abrascão, estando também presente no Abrasquinho. Mas não nos congressos da Epidemiologia. A especificidade absoluta da Epidemiologia, que se mistura pouco com as Ciências Sociais, fica aí evidente; a mistura que caracteriza as duas outras áreas também. Do mesmo modo, vemos que o englobamento das demais áreas por Política e Planejamento (expressa nos modos de nomeação) é menos acentuado no caso da Epidemiologia.
  • 16
    Em seu artigo sobre a trajetória das Ciências Sociais em Saúde na América Latina, Everardo Nunes já apontava o aparecimento de uma temática diferenciada no VI Congresso Latino-Americano de Ciências Sociais em Saúde, realizado em 2001 (NUNES, 2006, p. 71).
  • 17
    Cf. Canesqui (2008, p. 232). Ver também o resultado do levantamento realizado em 2005 por Nunes et al. sobre a distribuição de pesquisadores em Ciências Sociais em Saúde segundo áreas temáticas (NUNES, 2006, p. 69).
  • 18
    Sobre o perigo do uso superficial e meramente descritivo do método qualitativo, ver Minayo (1998) e Sarti (2010).
  • 19
    Carrara (1994) se refere a "relações um tanto belicosas" entre Ciências Sociais e Biológicas.
  • 20
    Em artigo de 1993, Canesqui confirma essa observação. Um levantamento da época feito pela Abrasco, sobre os cientistas sociais dedicados à área da saúde, identificou, entre 110 profissionais, apenas seis que mencionavam Antropologia e Saúde como sua área de interesse (CANESQUI, 1993, p. 17). Ver também Marsiglia et al. (2003, p. 278).
  • 21
    Ver, sobre isso, Minayo (1998). Maria Alice Carvalho, em seu texto sobre a institucionalização das Ciências Sociais brasileiras, afirma que estas surgem dentro de um projeto inteiramente voltado para a vida acadêmica, ao contrário da Saúde Coletiva, desde o início comprometida com projetos de reforma social (CARVALHO, 1997).
  • 22
    Parece-nos, ao contrário, que a Sociologia e a Ciência Política têm uma afinidade maior com a necessidade de objetividade e de resultados da SC, mas não poderemos desenvolver aqui essa ideia.
  • 23
    Ver a interessante discussão de Sarti (2010, p. 80).
  • 24
    A Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) mantém uma reunião anual, que é certamente o mais prestigioso encontro científico das Ciências Sociais brasileiras.
  • 25
    A crítica dos antropólogos brasileiros (ecoando os representantes da Antropologia da Saúde francesa) é que o próprio qualificativo "médica" para a Antropologia expressaria a subordinação à medicina e a seus objetivos. Ver a discussão de Duarte (1993).
  • 26
    Por "participantes", referimo-nos aos apresentadores de trabalho.
  • 27
    Parece-nos que a Antropologia, por conta das exigências do próprio trabalho de campo, do aprendizado na prática (e não na teoria), apresenta certa tendência à transmissão iniciática do saber. Há uma tendência do campo da Antropologia a puxar e manter para si os que se chamam "antropólogos". Ou seja, uma tendência a ser antropologia somente o que se faz em nome da antropologia e nada mais. E quem faz antropologia fora da antropologia tende a se sentir periférico ou marginal.
  • 28
    Para uma caracterização do que distancia o método epidemiológico da Antropologia, e vice-versa, ver Sevalho e Castiel (1998, p. 62-63).
  • 29
    Ver o texto já citado de Sarti (2010).
  • 30
    J. A. Russo realizou seleção, leitura, discussão dos textos e revisão do artigo. S. L. Carrara realizou seleção, leitura, discussão dos textos e revisão do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    14 Abr 2015
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