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O Piano Complementar na formação acadêmica: concepções pedagógicas e perspectivas de interdisciplinaridade

Secondary Piano in the academic formation: educational ideas and perspectives of interdisciplinary

Resumos

Estudo sobre fundamentos para que a abordagem interdisciplinar do Piano Complementar possa promover a integração entre domínios diversos da formação acadêmica, no bacharelado e na licenciatura. São discutidas as vantagens da articulação pedagógica entre a apreciação, a performance e a criação, com a contextualização de aspectos inerentes ao ensino e ao desenvolvimento musical. As particularidades dos diversos perfis dos alunos da graduação, bem como suas necessidades e semelhanças, são subsídios para observações sobre a interface entre as disciplinas, a compreensão musical e conexões entre a prática no instrumento e a percepção da música. As concepções de alguns pianistas e professores são também tratadas e diretamente correlacionadas com a prática e a reflexão sobre a música e o ensino musical.

piano complementar; abordagem interdisciplinar em música; apreciação; performance e criação; formação acadêmica; proposta pedagógica em música


Study about fundaments for an interdisciplinary approach of the Piano as a Second Instrument class that could promote integration between different fields of the academic formation at the undergraduate level in Brazil. It discusses the advantages of a pedagogical coordination between appreciation, performance and composition, with the contextualization of issues related to music teaching and musical development. Characteristics of specific profiles of undergraduate students as well as their needs and similarities are taken under consideration in order to understand the interfaces between the disciplines, musical understanding and connections between the instrumental practice and the perception of music. Some ideas of recognized pianists and teachers are considered and related to the practice of music and music teaching.

secondary piano; interdisciplinary approach in music; appreciation, performance and composition


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ARTIGOS CIENTÍFICOS

O Piano Complementar na formação acadêmica: concepções pedagógicas e perspectivas de interdisciplinaridade

Secondary Piano in the academic formation: educational ideas and perspectives of interdisciplinary

Maria Inêz Lucas Machado

UFMG, Belo Horizonte, marinez@musica.ufmg.br

RESUMO

Estudo sobre fundamentos para que a abordagem interdisciplinar do Piano Complementar possa promover a integração entre domínios diversos da formação acadêmica, no bacharelado e na licenciatura. São discutidas as vantagens da articulação pedagógica entre a apreciação, a performance e a criação, com a contextualização de aspectos inerentes ao ensino e ao desenvolvimento musical. As particularidades dos diversos perfis dos alunos da graduação, bem como suas necessidades e semelhanças, são subsídios para observações sobre a interface entre as disciplinas, a compreensão musical e conexões entre a prática no instrumento e a percepção da música. As concepções de alguns pianistas e professores são também tratadas e diretamente correlacionadas com a prática e a reflexão sobre a música e o ensino musical.

Palavras-Chave: piano complementar; abordagem interdisciplinar em música; apreciação, performance e criação; formação acadêmica; proposta pedagógica em música.

ABSTRACT

Study about fundaments for an interdisciplinary approach of the Piano as a Second Instrument class that could promote integration between different fields of the academic formation at the undergraduate level in Brazil. It discusses the advantages of a pedagogical coordination between appreciation, performance and composition, with the contextualization of issues related to music teaching and musical development. Characteristics of specific profiles of undergraduate students as well as their needs and similarities are taken under consideration in order to understand the interfaces between the disciplines, musical understanding and connections between the instrumental practice and the perception of music. Some ideas of recognized pianists and teachers are considered and related to the practice of music and music teaching.

Keywords: secondary piano; interdisciplinary approach in music; appreciation, performance and composition; academic formation; pedagogical approach in music.

1. Introdução

Os temas discutidos foram selecionados pelas suas interseções musicais e pedagógicas, com a perspectiva de uma formação acadêmica para o bacharelado e a licenciatura que integre a performance, a apreciação e a criação, através do piano complementar. Na literatura sobre o ensino da música de uma forma geral e, mais especificamente, com relação ao ensino do piano, encontramos concepções e fundamentos construídos na diversidade das vivências de alguns músicos professores. Os textos abordados como referências datam de meados do século XX até o início do século atual e seus autores -alguns com expressiva projeção como músicos e também como pedagogos -tratam de inúmeros assuntos em suas publicações. A revisão literária e a nossa experiência são subsídios para as considerações apresentadas, que focalizam, dentre outros temas, necessidades da formação musical e pianística, preceitos para o estudo eficiente, integração de disciplinas ou áreas no ensino musical e instrumental, problemas comuns encontrados pelos alunos em diferentes estágios e a conexão necessária entre distintas capacidades musicais.

2. Reflexões sobre compreensão e memória musicais e o estudo do piano

A compreensão e a memória musicais ocupam lugares importantes, dentre os tópicos tratados por pianistas professores, quando expõem suas concepções sobre o ensino do instrumento. No conjunto de processos que integram a formação de um músico, nós também consideramos relevante a ampliação de capacidades integradas para compreender e memorizar. Com o foco específico na disciplina Piano Complementar, podemos aferir oportunidades para a aquisição de habilidades nessas áreas do desempenho musical. De modo geral, os alunos da licenciatura e do bacharelado podem obter recursos para aprimorar outro tipo de escuta musical - a audição crítica -, ao mesmo tempo em que alargam suas possibilidades nos campos da percepção e da memorização. Desenvolver e integrar capacidades distintas são metas importantes, portanto, aprender a estudar ouvindo e compreender para saber estudar são habilidades indispensáveis ao músico. No tocante à memória, é importante o desenvolvimento da capacidade de registrar texturas diferentes, de maior ou menor complexidade, além das linhas melódicas. Memorizar peças ou trechos escritos para seu instrumento principal -com uma só linha melódica -pode ser uma tarefa gradativamente mais fácil para o graduando, após as experiências com seu repertório de piano, inclusive, através dos próprios trabalhos de criação para este instrumento. Quando o aluno consegue ouvir, compreender e ainda aumentar a confiança na sua capacidade de memorizar, - realizando um repertório adequado às suas possibilidades -acontecem manifestações espontâneas de satisfação pessoal. Em autoavaliações, alguns estudantes discorrem sobre suas conquistas e progressos musicais demonstrados em determinadas situações durante as aulas. Além de depoimentos em classe, temos dados a este respeito registrados em estudo realizado através de entrevistas e questionários, respondidos por alunos em 2007 e 20081 1 Resultados em Um Estudo sobre a Comunidade Acadêmica - opiniões e informações, capítulo VI da nossa Dissertação de Mestrado: O Piano complementar e a Interdisciplinaridade: performance, apreciação e criação integradas na formação acadêmica do bacharelado e da licenciatura ; www.bu.ufmg.br .

Vários pianistas professores discorreram sobre a memória musical,enfatizando a importância do seu desenvolvimento, conjugado às necessidades e particularidades da performance. Encontramos referências a este assunto em literatura específica, produzida em largo espaço de tempo, com diferentes graus de sistematização. Mencionaremos algumas delas: Karl Leimer e Walter Giesiking2 2 Entre 1912 e 1917, Walter Gieseking foi aluno de Karl Leimer e, mais tarde, o deu-lhe incentivo para que o livro fosse publicado. (1949), Andor Foldes (1949), Eduardo Hazan (1984), José Alberto Kaplan (1987), Márcia Kasue Kodama (2000). No método de ensino apresentado por LEIMER-GIESEKING (1949)], o treinamento do ouvido e a capacidade de "auto-audição são fatores importantes para o desenvolvimento da memória. Ouvir a própria execução com crítica minuciosa é uma capacidade a ser desenvolvida com "extrema concentração" e, portanto, condição preliminar para a boa performance. Para LEIMER, o professor deve insistir incansavelmente com o aluno, para que nada lhe escape ao ouvido. O desenvolvimento deste tipo de escuta requer o"conhecimento correto do quadro musical", tratado como um requisito indispensável. Este conhecimento sustenta a memória e decorre da reflexão sistemática e lógica, praticada amplamente no estudo da peça a ser interpretada. O próprio GIESEKING estudava as obras difíceis lendo-as atentamente e compreendendo-as, inicialmente sem o uso do instrumento, método de estudo que, para LEIMER, conferiu ao seu ex-aluno uma capacidade de memória fenomenal (1949, p.10-11 e 46). Conhecer a construção de uma obra musical e saber onde estão seus pontos de apoio são requisitos para uma leitura reflexiva e o exercício sistemático da memória. O autor aponta alguns fatores favoráveis -apoios naturais para um bom processo de estudo - tais como o domínio necessário da análise e da teoria musicais e a capacidade para a organização do material a ser estudado (1949, p.15-17).

Andor FOLDES (1949) reforça o papel determinante da memória no aprendizado musical, entendendo-a como habilidade vinculada à disciplina e ao desenvolvimento de cada músico. Se o cérebro retém mais facilmente aquilo que compreende, haverá maior prontidão para memorizar a música que foi compreendida. Por este motivo, dificuldades de retenção estarão em evidência nas peças cuja demanda técnica e capacidade de compreensão estejam acima das possibilidades do intérprete. Além disto, para FOLDES, o interesse pelo objeto de estudo é um dos fundamentos para o bom desempenho da memória. Quando se aliam o interesse pelo objeto -a obra musical -e a capacidade de compreensão do músico, há uma situação sinalizadora de que "metade da batalha está ganha" (1949, p.71-73). FOLDES descreve três tipos de memória:

• A Memória Auditiva - A modalidade que fixa os tons, as alturas e timbres;

• A Memória Visual - A capacidade de reter imagens da partitura, localização de trechos, viradas de páginas;

• A Memória dos dedos -O registro de reações mecânicas dos movimentos coordenados, dos dedilhados

A combinação entre estes três tipos de memória, desenvolvidos equilibradamente e com ligeira predominância da mais importante, a Auditiva, seria a situação ideal, segundo FOLDES. Na sua concepção, o trabalho de memorizar pode ser ensinado e amadurecido, seguindo-se fundamentos importantes como a aprendizagem lenta, a base propiciada pela compreensão musical, um número de repetições suficientes por um largo espaço de tempo e o criterioso e consciente emprego das três modalidades de memórias (p.73-80).

Eduardo HAZAN (1984, p.23-24) escreve sobre como o aluno deve estudar de maneira consciente e produtiva. Ele inicia o tema citando uma frase dita por Franz Liszt aos seus alunos: "Mais importante que o estudo da técnica é a técnica do estudo". O autor considera o minucioso planejamento de estudo como um ponto crucial para obtenção de bons resultados e, além de apresentar exemplos de roteiros a seguir e de alertar para os problemas frequentes, faz menções à memória musical. Como os músicos precedentes, HAZAN julga imprescindíveis a análise e a compreensão estrutural da obra. Se as seções de uma peça são, de fato, conhecidas, é possível estudar tocando-as em ordens diferentes, combinando várias possibilidades de percurso. Portanto, é de importância vital saber conectar as seções que compõem a obra estudada. Para o autor, a Memória Motora corresponde ao resultado do hábito ou do reflexo condicionado e deve apoiar-se, necessariamente, nas capacidades de analisar e compreender. Assim, reencontramos as premissas de LEIMER-GIESEKING e FOLDES, sobre a necessidade da compreensão musical e da auto-audição no estudo pianístico, como suportes para a memória racional ou analítica, nas denominações de KAPLAN (1987) e KODAMA (2000), que analisaremos mais adiante. Segundo HAZAN, quando a Memória Motora atua sozinha, pode facilmente falhar aos "primeiros sinais de nervosismo", comuns na performance, e "é este o caso em que a primeira batalha foi ganha, mas a guerra perdida" (neste sentido, o autor aborda um dos problemas relacionados à ansiedade na performance). Sem nomear a outra modalidade de memória discutida, HAZAN aconselha o aluno a estudar tocando uma frase (A) e imaginando auditivamente a seguinte (B), e assim continuar alternadamente, ou seja, após tocar a terceira (C), apenas imaginar a quarta frase D)3 3 Com esta exemplificação o autor se refere, naturalmente, às estruturas de um repertório tradicional, porém, entendemos que o princípio pedagógico da proposta pode ser transferido para o estudo de peças com outras formas de organização do discurso musical. . Quando HAZAN se refere à 'imaginação' de uma frase, subentende-se a capacidade musical de ouvir internamente um trecho, sem que este seja tocado. Percebemos a explícita correlação entre esta capacidade, que requer treinamento e concentração, e o desenvolvimento da memória auditiva.

J. A. KAPLAN (1987, p.69) e M. KODAMA (2000, p.33) descrevem quatro tipos de memórias utilizadas pelos músicos, que podem ser desenvolvidas:

1. Memória Visual -Ambos se referem à fixação da imagem da partitura. Parece-nos caber ainda a este tipo de memória o registro da localização de trechos musicais nas páginas (especialmente onde há as viradas), as anotações pessoais feitas em determinadas passagens e até um complexo de informações visuais que inclui o teclado em si e o ambiente de estudo, por exemplo.

2. Memória Auditiva - Considerada por KODAMA como a mais importante para o músico, por permitir decorar "o resultado sonoro da música" e, para KAPLAN, como sendo a gravação de sucessões sonoras.

3. Memória Digital ou Cinestésica -Digital (para KODAMA), como a capacidade de memorizar e automatizar sequências de movimentos das mãos; Cinestésica, (para KAPLAN), obtida pelo treinamento que, "através da repetição dos movimentos, os automatiza". Parece haver uma complexa combinação de movimentos nesta automatização, envolvendo dedos, mãos, braços, pés, gestos, ângulos com que o olhar busca a partitura e, por isto, consideramos a denominação de KAPLAN mais apropriada. Alguns professores a chamam também de Memória Mecânica, ou Motora, como E. HAZAN.

4. Memória Analítica ou Racional -Analítica (para KODAMA), desenvolvida através da análise das peças; Racional (para KAPLAN), atua para firmar o significado e a estrutura da peça musical. Esta capacidade de compreensão, sustentada pelos estudos musicais, é condição básica, igualmente mencionada por LEIMER-GIESEKING, FOLDES e HAZAN.

KAPLAN (1987, p.70) apresenta três etapas para o processo de memorizar: a) a aquisição (requer atenção e interesse, ou motivação); b) a fixação ou retenção (pressupõe compreensão e organização do material, além da repetição ou exercitação prática); c) a evocação (traz à lembrança o resultado da combinação entre os tipos de memória atuantes no estudo musical). KAPLAN confirma os princípios dos outros pianistas trazidos a esta discussão, com relação à ineficiência, ou fragilidade da memória cinestésica (automatização de complexos movimentos combinados), quando isolada de uma compreensão analítica e estrutural. Conforme KODAMA, a associação entre os vários tipos de memória é fundamental para o músico e a mais eficaz seria a combinação entre a Auditiva e a Digital (ou cinestésica, motora). A autora defende a ideia de que "quanto maior for o número de formas maior será a qualidade da memorização".4 4 Sobre as conexões entre formas de memória, acrescentaremos resultados de estudos recentes, no subtítulo 04. KODAMA comenta sobre potencialidades presentes na integração dos tipos de memória musical, ao descrever o desempenho de um professor (e, nós acrescentaríamos, de qualquer músico experiente) diante da partitura:

[o professor]... consegue tocar obedecendo todas as indicações de uma forma fácil e rápida, pois durante anos repetiu as informações a respeito de leitura de notas, das figuras musicais, dos dedilhados e todas essas ligações (circuitos) neurais referentes a essas informações ficaram facilitadas. Deste modo, o seu cérebro desenvolveu um repertório de padrões de atividades motoras. Com a simples visualização da partitura, a sua mente é capaz de ativar automaticamente os movimentos de dedos adequados para tocar as notas e o ritmo de acordo com o que está escrito, numa sequência ordenada (2000, p.26).

Na análise sobre a memória e a compreensão musicais, a partir das concepções desse grupo de pianistas, evidenciam-se convergências quanto às necessidades de planejamento do estudo, sob a orientação individualizada do professor. A experiência, o conhecimento específico e o interesse pela obra a ser abordada são requisitos intimamente ligados às condições, percepções e emoções individuais do músico. Avaliamos que a abrangência e a pertinência destes temas e das observações analisadas, naturalmente, não se restringem aos aspectos particulares da memória a ser desenvolvida, pois são fundamentos aplicáveis ao ensino musical, com domínios específicos e metas a alcançar. É desejável que o aluno de Piano Complementar aprenda a estudar a partir da análise e da utilização eficiente dos recursos pessoais disponíveis. Há vantagens na transferência da capacidade de concentração e do conjunto de habilidades desenvolvidas neste aprendizado para as demais necessidades da prática musical, em outras áreas da formação acadêmica. Como os demais músicos incluídos na revisão acima apresentada, KODAMA enfatiza a importância de se aprender a estudar corretamente, descobrindo, raciocinando e entendendo. Tais possibilidades geram grande satisfação, portanto, o estudo eficiente pode levar ao que ela chama de "prazer intelectual" (2000, p.36). Quanto à nossa experiência, ponderamos que são comuns as alusões de alunos de Piano Complementar à satisfação presente neste aprendizado e ao aprimoramento musical dele decorrente. A capacidade de perceber novas possibilidades e sutilezas musicais -elemento de motivação - é vista como um progresso importante, tanto na própria performance, individual ou em grupo, quanto na performance de outras pessoas.

3. O estudo do piano e a integração de conteúdos

Arnaldo ESTRELLA (1941) avalia como longo e árduo caminho a ser trilhado pelo estudante de piano. Ele ressalta como imprescindível neste empreendimento a participação dos professores de outras áreas, como teoria e solfejo: "Nunca será demais sublinhar a importância deste estudo" (p.41). Conforme ESTRELLA, a pretensão de ser pianista (acrescentaríamos: ou de almejar uma formação musical consistente) sem o conhecimento da teoria elementar é como tentar abraçar a literatura ignorando as letras do alfabeto. Às necessidades básicas da teoria e do solfejo, vencidas na etapa inicial, devem agregar-se outros conhecimentos pertencentes à bagagem mínima de um pianista, como história da música e o estudo das formas musicais. Não basta confiar exclusivamente nos dotes pessoais, na intuição e na sensibilidade, é preciso possuir requisitos fundamentais para o acesso "à construção sólida, à lógica concatenação de motivos, à soberba imaginação criadora". Este acesso é resultado da atividade cerebral: "Só a inteligência e o conhecimento levam à compreensão" (p.42). Quanto à realização musical, ESTRELLA afirma: "Para transmitir não basta sentir. Só se transmite evidentemente aquilo que os dedos produzem"; se o estudo e a técnica estiverem deficientes, a mera intenção é conhecida apenas pelo executante, tornando-se "misteriosa e insuspeita para o ouvinte". O autor -em concordância com os demais trazidos a esta discussão - considera indispensável saber ouvir a si próprio, discernindo o que soa realmente do que o está apenas delineado na sua intenção. Há o risco de que o pianista se iluda e ouça o que está na sua imaginação, supondo ouvir o que está efetivamente tocando5 5 Nelson Freire discorre sobre a importância de um estudo bem feito: "É fundamental saber estudar com inteligência. Ouvir-se. Ser seu maior crítico. Este é um dos maiores problemas dos instrumentistas: não se ouvem. É primordial se colocar no lugar do outro [o ouvinte]. " (entrevista ao jornal Estado de Minas; 08/11/2009). . ESTRELLA reconhece dificuldades neste processo e aponta duas razões iniciais: 1) a audição de perto é menos nítida; 2) preocupações de ordem técnica absorvem parte da atenção. Tanto como LEIMER-GIESEKING e similarmente aos outros pianistas, recomenda como excelente: "o hábito de estudar uma obra fora do piano, repassando-a mentalmente, sem entraves e preocupações de execução, buscando a expressão justa, a exteriorização exata da sua concepção" (p.43). O pianista prevê em sua tese que a evolução da indústria de gravação pode facilitar e tornar possível a sua utilização para o estudo e para atividades didáticas. Porém, reafirma que o recurso da gravação não substituirá a necessidade de saber se ouvir, como exigência constante nas horas de estudo do instrumento (ESTRELLA, 1941, p.41-43).

Na convicção de Edgar WILLEMS (1966), para a educação musical abrangente o professor deve estar apto a observar não só o que é melhor fazer em cada situação, mas também as reações dos seus alunos. Sobre a validade das abordagens pedagógicas, encontramos em seu Guia Didático a concepção de que o solfejo, a harmonia, o canto e os instrumentos vinculam-se organicamente (p.15). O solfejo deve estar incluído "de forma racional e vivente no conjunto das disciplinas musicais, servindo de sustentação para a prática instrumental, para o estudo e a pratica da harmonia, da improvisação e da composição".6 6 A nosso ver, esta perspectiva permanece atual, visto que as transformações constantes da linguagem - com a expansão de recursos idiomáticos e de fontes sonoras utilizadas - não restringem as possibilidades da criação musical. (p.43).Conforme o autor, a interligação é amplamente favorável à homogeneidade entre as áreas do ensino musical, que padecem frequentemente de uma prática isolada de disciplinas (p.43). Ele esclarece que "o solfejo está longe de ser um simples balbuciar de exercícios ou de melodias acompanhadas pelo professor". (p.42). Parece-nos uma visão bastante lúcida a respeito desta atividade, por não padronizar procedimentos e nem restringir o potencial e a amplitude dos seus benefícios. Como o próprio WILLEMS alerta, o professor terá liberdade de ação se possuir princípios básicos e, ao variar ao infinito os exercícios, conduzirá os alunos num trabalho prazeroso e eficaz (p.42).

Em Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Márcia HIGUCHI faz um histórico das próprias dificuldades pessoais nos primeiros anos de estudos pianísticos, comparando-as, mais adiante, aos problemas demonstrados pelos seus alunos de piano (2003, p.08-09). Reaparecem correlações evidentes entre a sua análise e os temas tratados por ESTRELLA, WILLEMS e outros autores precedentes nesta revisão. HIGUCHI descreve as fragilidades pessoais que foram um incômodo no seu período inicial de estudos:

1. Leitura -solfejo lento, visão deficiente do teclado, dificuldades na marcação do tempo, na coordenação de movimentos e na decodificação dos sinais da escrita musical, associados à execução pianística;

2. Ritmo -imprecisão, irregularidade nas durações e dificuldade na manutenção do pulso;

3. Articulação -realização musical sem o devido cuidado com as articulações determinadas na partitura;

4. Dedilhado -escolhas sem a pesquisa eficiente, emprego de variações que dificultavam o estabelecimento de padrões;

5. Falhas de memória -associação principal somente entre as memórias digital e auditiva, sem a adequada compreensão das estruturas musicais, ocasionando uma performance vulnerável a qualquer empecilho ou interrupção na sequência dos movimentos;

6. Técnica pianística -imprecisão do toque, pouca clareza e falta de definição sonora.

Ao discorrer sobre as suas dificuldades, HIGUCHI enfatiza a preocupação intensa vivida à época, o que a fazia estudar mais de dez horas por dia . Entretanto, pela inadequação do esforço, os resultados obtidos ficavam aquém das suas expectativas e geravam novas frustrações. Anos mais tarde, ao iniciar as atividades pedagógicas, reencontrou nos alunos problemas semelhantes aos que havia vivenciado: as carências acima enumeradas e maus hábitos de estudo. Não estudar devagar e em partes, como uma das ferramentas para aperfeiçoamento técnico, a falta de concentração, o mau aproveitamento do tempo, o estudo feito de forma mecânica, sem consciência das estruturas e das relações sonoras são alguns problemas detectados. Diante deste quadro, HIGUCHI (2003, p.10-11) procurou embasamento na Psicologia e encontrou explicações importantes sobre a concentração e a memória, tais como: a) as informações obtidas pela consciência são mais facilmente lembradas; o monitoramento consciente e intencional leva ao estágio de automatização, depois que a habilidade é suficientemente ensaiada; b) há otimização do desempenho quando se exerce apenas uma atividade consciente de cada vez; quando várias são desenvolvidas simultaneamente, reduz-se a capacidade de atenção e as tarefas influenciam-se mutuamente. Esses conceitos ajudaram-na a entender os benefícios existentes na orientação recebida de seus antigos professores: estudo lento e consciente, compasso por compasso, de mãos separadas, solfejando e analisando. Reencontramos alguns aspectos negativos destacados por HIGUCHI -que tornaram os dez anos iniciais de seu estudo "profundamente árduos e difíceis" -ao observarmos a média de desempenho dos alunos de Piano Complementar. Esses problemas parecem estar interligados, repercutindo não só na performance ao piano, mas também no processo geral da formação musical de cada um.

A nosso ver, diante desse conjunto de situações, o aluno deve ser reorientado para a minimização de impactos negativos, incidentes não só no desempenho ao piano, mas, numa visão global e integradora, em seu percurso individual de formação acadêmica. O professor pode auxiliá-lo para a aquisição de bons hábitos e planejamento de estudo e conscientizá-lo a respeito de pré-condições determinantes para a sua prática, como boa leitura, percepção apurada, auto-audição e conhecimentos específicos sobre fundamentos da linguagem musical. Acreditamos que estas premissas, não circunscritas à pedagogia do instrumento, como as demais apresentadas ESTRELLA, WILLEMS e HIGUCHI, sustentam-se também nas aulas de Percepção Musical e Treinamento Auditivo. Portanto, as atividades que favoreçam a interdisciplinaridade devem ser escolhidas caso a caso pelo professor. Aprender a estudar com independência -em situações diversas e com objetivos bem definidos - é um ganho que o aluno transfere para outros campos da sua prática musical.

Moema CAMPOS (2000) defende a importância pedagógica da participação ativa do aluno, em sentido mais completo, no estudo do piano. O ideal é resguardar, em qualquer aula, as correlações entre a teoria, o solfejo, a história da música, a percepção, a interpretação, a escrita, a leitura e a criação. O aluno deve ter oportunidades para vivenciar a música de maneira integrada, "sem a inadequada compartimentalização tão comum na educação musical tradicional". (p.51). Para CAMPOS, o piano pode adquirir a dimensão daquilo que é realmente: um instrumento para a expressão daquele que o executa. A convivência confortável entre o indivíduo e o instrumento constrói uma relação de intimidade, promove a aproximação do ser humano da linguagem da música. A autora completa sua ideia afirmando: "Certamente, ao usar a criatividade na exploração do instrumento, associada à aprendizagem tradicional, teremos uma realização musical mais satisfatória, expressiva e prazerosa" (2000, p.76-77).

É perceptível a sintonia entre CAMPOS e outros educadores musicais nos seus questionamentos sobre a aplicabilidade de métodos rígidos e de receitas básicas para o ensino de instrumento. A limitação criticada nestes processos é, a nosso ver, a fixação de padrões pouco produtivos diante das inúmeras variáveis pessoais e musicais, naturalmente envolvidas na relação entre o professor e o aluno, desenvolvida em instituições, modalidades e níveis distintos de ensino. De fato, o ato de transmitir conhecimentos não pode ser um fim em si mesmo, a construção da autonomia e o desenvolvimento da criatividade requerem uma ligação profunda com a música, nas suas dimensões sensorial, afetiva e intelectual. Há pertinência e profundidade nas palavras de WILLEMS, quando aborda a questão da escolha de métodos - "procedimentos metodológicos quando partem da vida, são de uma ilimitada riqueza" - e ao preconizar que o professor necessita "concentrar-se no essencial, recordando que a vida precede a consciência e deve ter primazia sobre as formas" (1966, p.9). Parece-nos haver semelhanças entre este pensamento e a conjectura de CAMPOS sobre a realização musical do aluno: "mais que um ato de exteriorização, é antes de tudo conexão com sua própria essência interior" (2000, p.73). Acreditamos que essa conexão se estabelece quando a precedência e a primazia da vida já foram reconhecidas, portanto, uma das qualidades necessárias a quem ensina é saber como ajudar o aluno para que ele acesse o seu mundo interior. A cada passo nesse aprendizado, crescem as chances de realização pessoal, de expressão da individualidade e construção da própria personalidade musical.7 7 Esse crescimento está atrelado à expansão das inteligências musical e intra-pessoal, segundo concepções de H. GARDNER ( Estruturas da Mente - A Teoria das Inteligências Múltiplas; Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 1994; cap. 06 e 10).

4. O estudo do piano e algumas correlações com a percepção da música

Os alunos manifestam-se sobre assuntos bastante diversificados, relativos à prática musical. As semelhanças entre sensações ou experiências individuais, a partir de situações similares, despertam interesses e perguntas. Um dado frequente que chama a atenção no relato de alguns estudantes de piano são as suas associações entre aquilo que ouvem e o impacto deste estímulo sonoro na memória visual. Durante atividades de apreciação, análise auditiva, exercícios direcionados à identificação de tríades, ou até a partir de um fragmento musical ouvido não intencionalmente, eles contam ser possível 'enxergar' num teclado imaginário aquilo que está soando. Por exemplo, ao escutar o acorde perfeito menor Dó, Mib, Sol, o aluno que tem alguma intimidade com o piano e bom discernimento auditivo vê ativada em sua mente a imagem desta configuração. Esta associação, evidentemente, é facilitada quando o acorde é gerado por este instrumento, mas, mesmo que a fonte sonora seja outra, há uma espécie de conferência, ou comparação, com o resultado que seria obtido se o grupo de notas fosse produzido por um piano. Acreditamos ser mais relevante para o treinamento musical a capacidade de discernir o tipo da tríade ouvida - a relação intervalar existente entre as notas e o resultado da sua simultaneidade -ou a sintaxe estabelecida entre tríades. Marie Claude ARBARETAZ (1979, p.03) cita alguns pedagogos, para reforçar sua própria concepção de que é a natureza de um encadeamento de sons que cria a música e não uma sucessão de sons isolados, razão pela qual o seu trabalho pretende ser uma alternativa para desenvolvimento deste tipo de escuta musical. Também na sua perspectiva, o ouvido absoluto não é uma condição sine qua non para determinar a musicalidade de alguém, ou caracterizar a sua personalidade musical. Sendo o ouvido relativo um critério mais seguro para avaliar a capacidade musical, a autora entende que a sua abordagem pedagógica requer a atenção dos professores, desde o início dos estudos musicais. Artur SCHNABEL (1998, p.127), pianista que desde criança possuía ouvido absoluto, considera o ouvido relativo como o mais importante. Em sua opinião, o ouvido absoluto pode ser uma vantagem musical, mas, de forma alguma é a marca de um bom musicista.

A precisão com relação à altura está relacionada a fatores como os casos de ouvido absoluto, o tempo de estudo e a intimidade com o timbre. Para o aluno que toca piano, se este for o instrumento gerador, é mais fácil identificar a altura exata, a não ser que o acorde esteja soando em regiões extremas. No entanto, observamos que se o mesmo acorde for realizado por um trio vocal e facilmente reconhecido como um perfeito menor, a mudança de timbre pode dificultar a percepção precisa da altura, tarefa que demanda mais tempo e concentração do aluno, com auxílio do diapasão. É comum no processo de conferência, que o estímulo sonoro e a memória visual desencadeiem, como um reflexo condicionado, a 'realização' tátil do acorde com uma das mãos, simulando sobre uma superfície plana qualquer o toque pianístico da tríade em questão8 8 Alunos de violão costumam experimentar o toque correspondente das notas no próprio braço, como se este fosse o do seu instrumento. . O fenômeno inverso é perceptível, quando escutamos internamente o resultado sonoro do que lemos numa partitura, ou de uma configuração (por ex., o acorde acima mencionado) que apenas visualizamos num piano. Tais ocorrências, que também fazem parte da nossa experiência pessoal, demonstram a ativação de uma complexa conexão entre os tipos diversos de memória e habilidades, empregados pelos músicos em suas formas de processamento musical.

Explicações sobre particularidades da percepção musical são tratadas por N. WEINBERGER (2004), em suas considerações a respeito de pesquisas realizadas em diversos centros e universidades, com voluntários músicos e não-músicos. Em uma parceria realizada em 1999, entre a Universidade Bucknell e o Instituto Neurológico de Montreal, verificou-se que a capacidade cerebral dos músicos diferencia-se na revisão de suas conexões e é auxiliada pelo desenvolvimento de atividades musicais. Ou seja, o treinamento aumenta a quantidade de células que respondem aos sons e, mais ainda, um aprendizado musical prolongado possibilita respostas e mudanças físicas mais evidentes. A reação dos músicos é diferente das reações dos leigos e, além disto, eles exibem um superdesenvolvimento em determinadas áreas do cérebro. Concluiu-se que muitas áreas nos lobos temporais envolvidas na audição de melodias também eram ativadas, mesmo quando estas eram apenas imaginadas pelos não-músicos (p.81). Outro estudo apresentado por WEINBERGER aconteceu na Universidade de Münster, na Alemanha, em 1998. Dentre algumas conclusões desta pesquisa, mencionamos: a) quando músicos ouvem um piano, as regiões auditivas do seu hemisfério esquerdo apresentam nível de resposta 25% maior do que os leigos e este efeito é uma especificidade observada no processamento de sons musicais; b) a expansão da área de reação é tanto maior quanto mais cedo tiver ocorrido o início do estudo musical. Com relação à expansão de áreas, em 2002, pesquisadores da Universidade de Heidelberg na Alemanha relataram que o córtex auditivo dos músicos pode ser até 130% maior, comparado ao dos não-músicos. As percentagens estão ligadas aos níveis de treinamento, o que sugere que aprender música proporciona o aumento do número de ligações entre os neurônios que a processam. No mesmo artigo, WEINBERGER traz as observações de um estudo na Universidade de Konstanz, na Alemanha: as regiões do cérebro que recebem informações sensoriais da mão esquerda -entre os dedos indicador e mínimo -eram significativamente maiores em violinistas, ou seja, tinham correlação com os dedos utilizados para movimentos próprios da mão esquerda, rápidos e complexos. Porém, não foi observado aumento nas áreas do córtex relativas à mão direita, que é responsável pelo controle do arco. Por sua vez, nãomúsicos diante do mesmo estímulo não exibiram essas diferenças entre as mãos. Em 2001, o Instituto de Pesquisa Rotman de Toronto fez um estudo com trompetistas e verificou que as suas reações cerebrais são extremamente extensas quando escutam o som de seu instrumento, o que não acontece quando o som é produzido por outros instrumentos. Conforme a análise geral de WEINBERGER sobre os diversos estudos é possível que haja um substrato anatômico a partir do aumento da coordenação entre as regiões motoras e os dois hemisférios cerebrais. As pesquisas sugerem que as expansões estão condicionadas ao tempo de preparação instrumental e que o tamanho do córtex motor e do cerebelo (região cerebral envolvida na coordenação motora) é maior nos músicos. De acordo com as descobertas feitas até o momento, segundo o autor, "a música tem base biológica e o cérebro tem organização funcional para ela". Várias regiões cerebrais são ativadas para o processamento específico da música, seja na sua percepção ou nas reações emocionais provocadas e, e além disso, há especializações observáveis nas estruturas cerebrais, inclusive um superdesenvolvimento (2004, p.82-83).

E. ALTENMÜLLER (2004, p.28-29), menciona os estudos do Instituto de Pesquisa Rotman e acrescenta outras informações obtidas, destacando a capacidade dos maestros, geralmente mais desenvolvida do que a dos outros músicos, de localizar a origem dos sons e direcionar atenção específica a integrantes posicionados nas extremidades dos grandes grupos musicais. A 'cooperação entre o ouvido e mão', apontada pelo autor, foi constatada através de respostas dos estudantes às perguntas feitas pelos pesquisadores, após testes auditivos com acordes9 9 Iniciamos o subtítulo 04 com referências a essa espécie de 'cooperação', frequentemente constatada nas conversas entre músicos. : a) ao ouvir os acordes, vários participantes do estudo disseram que também os haviam visualizado mentalmente num teclado; b) quase todos já os tinham exercitado num piano. Possivelmente, as lições práticas no instrumento levaram a representação mental do teclado -armazenada no córtex -para o primeiro plano. Em testes práticos melódicos com músicos amadores, observou-se que alguns 'escutavam' uma melodia ao tocá-la num teclado sem o som. Os participantes também passaram a reproduzir no piano melodias a eles apresentadas em sequência, com o aumento gradativo de sua complexidade. Os resultados apontaram para mudanças dos padrões de atividade nas regiões táteis e auditivas, que foram testadas após vinte minutos de exercícios e ficaram ainda mais evidentes na avaliação feita após três semanas de prática. Ao ouvir música, as áreas do sistema motor sensorial das pessoas se ativavam, mesmo que não estivessem movendo as mãos. Uma conclusão instigante foi obtida um ano após a realização deste estudo, quando a equipe de pesquisadores constatou que uma participante ainda mantinha presentes as alterações nos padrões cerebrais, embora não tivesse voltado a tocar piano durante todo este período.

São importantes outros dados levantados por ALTENMULLER em sua análise destas pesquisas: a) percebemos a música mais do que como simples sons; b) durante um concerto, vemos os músicos usando sua própria percepção visual e sentimos estímulos táteis, oriundos das vibrações causadas pelas passagens mais fortes; c) tocar um instrumento envolve atividade motora / sensorial, percebida como uma série de movimentos; d) estudar na partitura envolve o processamento de informação abstrata; e) estudos de imagem mostram a representação de uma mesma música de múltiplas maneiras no cérebro de um músico profissional, como som, movimento, símbolo. Conforme conclui ALTENMULLER, não há regras universais no processamento cerebral da música, pois ela é absorvida de formas diferentes pelas pessoas. Portanto, cada indivíduo é um 'centro de processamento musical' único e, em cada um de nós, as estruturas deste centro podem se adaptar rapidamente a novas circunstâncias.

Os estudos acima descritos, a nosso ver, parecem confirmar as vantagens da integração entre as práticas musicais, resultantes em capacidades correlacionadas e em transferências de habilidades. Com esta perspectiva, acreditamos na exploração de possibilidades pedagógicas ao piano, abordado como um instrumento complementar. As vantagens são particularmente significativas para os alunos que tenham pouca intimidade, ou nenhuma experiência anterior com um instrumento harmônico. Nos resultados das pesquisas mencionadas por WEINBERGER e ALTENMULLER, há explicações que confirmam características de desempenho, relacionadas às conexões existentes entre as experiências auditivas, táteis e visuais relatadas pelos pianistas, quando descrevem suas modalidades de percepção e de apreciação musical, de forma geral. A evolução dos métodos de estudo e de imageamento do cérebro e as constatações científicas sobre as formas de recepção e processamento da música pelo ser humano fornecem meios para que se possa compreender melhor as diferenças e similaridades entre os músicos. WEINBERGER (p.78) faz um resumo importante sobre este tema: imagens feitas tanto em pacientes com danos cerebrais quanto em indivíduos normais revelaram não haver um centro especializado para a música, mas sim a ativação de muitas áreas, inclusive as que estão envolvidas em outros tipos de cognição. A ativação dessas áreas cerebrais varia de acordo com as experiências individuais e com o treinamento musical de cada pessoa. Entendemos que informações importantes tais como estas devem ser consideradas para a construção de alternativas que alimentem o percurso curricular de um aluno do bacharelado ou da licenciatura. Julgamos procedente concluir -conforme nossas observações e de acordo com resultados dessas pesquisas -que existem vários benefícios na prática da disciplina Piano Complementar. De maneira especial, ressaltamos a autonomia em domínios específicos da formação acadêmica e o desenvolvimento das capacidades de percepção harmônica e melódica, em suas associações naturais com as memórias, auditiva, visual, tátil e motora. Isto significa dizer que a experiência diversificada e individualizada com o piano pode envolver diferentes estratégias pedagógicas, francamente favoráveis ao desenvolvimento de novas conexões e associações, ativadas no processamento individual da música.

5. Observações sobre particularidades de alunos da Graduação

A atuação paralela10 10 Experiência na Escola de Música (EM) da UFMG: Bacharelado (com 21 habilitações, a partir da implantação do REUNI, em 2009), Licenciatura e cursos permanentes de Extensão. em classes de Percepção Musical, Treinamento Auditivo e Piano Complementar nos abriu um campo para observações e experiências pedagógicas articuladas. As diferenças delineadas no corpo discente influem nas trajetórias acadêmicas individuais e nas escolhas de alternativas pedagógicas por parte dos professores. As particularidades ocasionadas por experiências pessoais que antecederam a Graduação mostram-se também na variedade inerente aos perfis dos alunos, de acordo com a modalidade no seu curso de música. A nossa experiência em salas de aula e as questões pedagógicas suscitadas conjugam-se, naturalmente, às manifestações dos alunos em suas avaliações e opiniões sobre os próprios percursos, o currículo e as oportunidades de aprendizado disponíveis na EMUFMG. Suas perguntas, expectativas e inquietações agregam-se às nossas, auxiliando-nos na elaboração de diagnósticos e de propostas. De fato, questões institucionais e pessoais têm influência marcante no processo de ensino e aprendizagem, situações peculiares repetem-se em dualidade com o constante movimento docente, que visa ao ensino de boa qualidade através de avaliações, adaptações e mudanças pedagógicas e administrativas.

Quando comparamos determinados grupos de alunos, percebemos semelhanças entre dificuldades e facilidades de desempenho detectadas. É possível um levantamento de situações comuns nas aulas coletivas das disciplinas Percepção Musical (04 períodos obrigatórios para todas as habilitações do bacharelado e para a licenciatura) e Treinamento Auditivo (disciplina optativa) e também nas aulas individuais ou em pequenos grupos de Piano Complementar (02 períodos obrigatórios para a habilitação em Regência e disciplina optativa para os demais graduandos e licenciandos). Por exemplo, no conjunto dos alunos de instrumentos melódicos e de canto (notadamente nos primeiros períodos do curso) há uma considerável incidência de defasagens, em graus diferentes, nas percepções harmônica e estrutural. Não raramente, em sua performance de música em conjunto realizada nas aulas, este tipo de aluno demonstra limitações para ouvir e integrar à sua linha musical as demais partes, instrumentais ou vocais. Por vezes, o fato é relatado espontaneamente pelos alunos, conscientes de que lacunas na sua percepção limitam a compreensão da obra musical, nos detalhes ou na sua integralidade. Nessas condições, ficam relegados a segundo plano aspectos fundamentais como nuances de textura, colorido harmônico, contrastes de dinâmica, agógica, articulações; há prejuízos para o diálogo e a interação entre os músicos, derivações naturais de uma construção conjunta da interpretação musical.

Os alunos da Percussão apresentam uma vantagem no tocante à rítmica, à regularidade no pulso, às combinações e sobreposições de grande complexidade métrica. É perceptível o entrosamento técnico e interpretativo na realização musical, seja em duetos, seja em pequenos ou grandes grupos instrumentais percussivos. Por outro lado, com referência à percepção melódica e harmônica e à consciência destes eventos na própria performance aos teclados, observa-se uma incidência de defasagens. Há casos em que os próprios estudantes apontam o problema, durante a prática musical nas aulas, inclusive de Piano Complementar. Percussionistas graduados pela EM já nos apresentaram opiniões e avaliações informais sobre estas fragilidades, que parecem diretamente ligadas ao tipo de bagagem musical trazida para o curso de música, pelos candidatos à habilitação em Percussão.

Observamos não ser incomum a carência de condições básicas para se realizar ao teclado, no mínimo, as funções principais (Tônica, Dominante e Subdominante), importantes na prática do idioma tonal. A dificuldade do aluno para tocar e ouvir as tríades afeta a qualidade da sua experimentação e identificação dos climas harmônicos, também nos idiomas modal ou não tonal. Esta condição não é verificada apenas nas turmas de Treinamento Auditivo e Percepção Musical, que têm a heterogeneidade no desempenho e na maturidade musicais como uma das suas principais características. Muitos iniciantes que se matriculam na disciplina Piano Complementar sem experiência sistemática anterior, ou mesmo com algum tipo de contato informal com o instrumento, também apresentam certas limitações, detectadas não só nas questões técnicas de realização instrumental (o que é previsível e razoável), mas também com relação a aspectos teóricos e práticos do aprendizado musical. As limitações podem atingir níveis indesejáveis, no que concerne ao domínio de conteúdos básicos da linguagem, à compreensão e à capacidade de análise auditiva.

6. O piano como recurso pedagógico: aplicabilidade e perspectivas

A experiência na disciplina Piano Complementar -com perspectivas de integração da prática pianística com outros domínios no aprendizado musical - nos permite observar benefícios desta atividade musical peculiar. É considerável o campo para exploração e estabelecimento de estratégias que resultam em progressos para os graduandos. O piano é chamado algumas vezes de instrumento 'audiovisual': a organização visual das teclas favorece a exploração sonora, com grande amplitude de alturas. Suas características físicas facilitam a experimentação de uma gama variada de alturas, estruturas, texturas, dinâmicas e coloridos timbrísticos. Dar acesso a esta aventura criativa com estratégias adequadas é, a nosso ver, um importante recurso pedagógico para a formação de qualquer aluno. Para o graduando em Canto, por exemplo, a habilidade ao teclado permite o acompanhamento de vocalises e a realização, mesmo que simplificada, da estrutura harmônica de peças que esteja estudando. O domínio básico do instrumento parece ser de grande valia para a construção da sua desenvoltura e autonomia na leitura e na performance. É um recurso auxiliar no estudo de repertório, favorece a compreensão musical, prepara para atividades profissionais à frente de um grupo coral e para a orientação de seus futuros alunos de canto e técnica vocal11 11 A história da habilitação em Canto da EMUFMG registra que já houve consenso com relação à necessidade de um nível básico no domínio do instrumento. Durante muito tempo, este consenso refletiu-se nos critérios de seleção para ingresso no curso: os candidatos ao Bacharelado em Canto realizavam provas de piano, interpretando, obviamente, peças de menor complexidade do que as exigidas no repertório para os interessados na habilitação em Piano. .Diantedoconjunto de informações e capacidades, recursos pedagógicos e habilidades específicas de um professor de música, parece-nos imprescindível a experiência com o piano, na formação de um aluno da Licenciatura. A desenvoltura na percepção harmônica é um suporte fundamental para a qualidade do trabalho de um musicalizador, seja na escola especializada, ou da rede regular de ensino, seja em aulas particulares. O potencial expressivo do futuro educador musical pode ser explorado -e valorizado -através do tratamento consciente de possibilidades dinâmicas e timbrísticas do piano (ou teclado com sensibilidade ao toque). Deste profissional são esperadas, dentre outras, as capacidades de fazer harmonizações, pequenos arranjos, transposições, improvisações. Presumimos ser interessante a habilidade específica no piano porque, mesmo não sendo um instrumento comumente disponível nas escolas regulares, há como se utilizar um teclado nas aulas, com vantagens de um instrumento harmônico que permite aos alunos a visualização e a experimentação da organização das alturas e de pequenas estruturas musicais.

Reiteramos como aspectos positivos, que permitem uma constante renovação de propostas, algumas características e possibilidades pedagógicas do Piano Complementar: o instrumento pode viabilizar o modelo de educação musical preconizado por diversos educadores, que visa à integração entre a performance, a criação e a apreciação musicais. De maneiras semelhantes, músicos e professores indicam a necessidade de equilíbrio no tratamento destas atividades, independentemente da faixa etária dos alunos. A avaliação do trabalho musical e da aprendizagem a partir de uma única atividade mostra-se insuficiente, porque os níveis de compreensão podem ser demonstrados diferentemente entre as três áreas. O educador inglês Keith SWANWICK avalia:

(...) poderia ser pouco inteligente basear um nível de currículo unicamente na performance, seja por meio de ensino instrumental individual ou em grupo. (...) os estudantes deveriam ter acesso a um âmbito maior de possibilidades musicais, inclusive composição e apreciação. Somente assim teremos certeza de que eles são capazes de mostrar e desenvolver todo o potencial de sua compreensão musical

(2004, p.97).

SWANWICK (1979) apresenta um mnemônico para esta modalidade integradora do ensino musical -C (L)A (S) P -, no qual, além da criação, da apreciação e da performance (C, A e P), estão contemplados e inter-articulados o indispensável desenvolvimento de habilidades específicas (S = skills) e os estudos de literatura da música e sobre a música (L). Esta visão educacional, em sua abrangência e aplicabilidade, adapta-se a distintos níveis e perspectivas de ensino.

6. 1. Uma visão sobre especificidades do Piano Complementar

Para contemplar premissas de integração entre os diversos domínios da formação e articular conteúdos fundamentais no ensino musical, utilizamos um conjunto de possibilidades na abordagem da disciplina Piano Complementar. As estratégias adotadas adaptam-se à diversidade dos perfis individuais e são desenvolvidas de forma interarticulada. A prática musical na disciplina inclui o estudo e performance do repertório individual escolhido, a leitura à primeira vista (individual, ou a quatro mãos nas aulas coletivas) e atividades de análise, transposição, improvisação (também vocal/ instrumental), criação. Através das atividades, buscamos propiciar aos alunos benefícios como:

• Revisão e aprofundamento nos conteúdos da teoria elementar;

• Recursos para experimentação e desenvolvimento da escuta;

• Treinamento para o desenvolvimento da capacidade de memorização;

• Contato com outras formas de notação e de utilização da linguagem musical, desvinculadas de centros tonais ou modais;

• Estímulo e recursos para criação musical;

• Fundamentação no tratamento da escrita pianística, através da criação (especialmente importante para elaboração de arranjos e trabalhos de composição para o instrumento);

• Consciência da verticalidade e da horizontalidade nas texturas: independência rítmica e melódica entre as vozes, estabelecimento de planos diferentes, apuro da escuta musical destes eventos;

• Aprofundamento em questões estruturais e refinamento no uso da linguagem;

• Conquista gradativa da segurança nas decisões técnicas e expressivas;

• Oportunidades para a performance e apreciação da performance de colegas em aulas coletivas, nas quais são também apresentados os trabalhos de criação para piano;

• Desenvolvimento do interesse pela significativa literatura do instrumento.

6. 2. Considerações sobre as aulas coletivas

Experiências musicais importantes podem acontecer nas aulas coletivas, com grupos confortáveis de cinco alunos. Realizamos regularmente este tipo de encontro12 12 Atividade extracurricular voluntária, não prevista para a disciplina Piano Complementar. e a adesão dos alunos proporciona resultados animadores. São estimuladas e compartilhadas a apreciação musical e audição crítica a partir do repertório do grupo, que inclui trabalhos de criação nos idiomas modal, tonal ou não-tonal. É possível comparar as variações sobre um mesmo tema nas composições individuais, com a discussão acerca de aspectos musicais. A aula coletiva propicia um bom nível de integração através da performance comentada e da troca de experiências, ainda que não ocorra com a regularidade ideal para alunos do Piano Complementar. Obviamente, o número de alunos deve se adequar à duração prevista para a aula, pois a distribuição do tempo estará submetida a este contingente. O planejamento está sujeito às disponibilidades de espaço físico e de horários dos participantes, mas a viabilização do encontro é tarefa mais simples do que equilibrar necessidades e potenciais individuais diluídos no grupo, dentro do tempo estipulado para a aula. Este equilíbrio visa à qualidade do trabalho musical e à avaliação sobre o mesmo, ao término de cada sessão. Partindo deste princípio norteador, apontamos alguns pressupostos que, no nosso entendimento, podem resguardar experiências coletivas interessantes e enriquecedoras:

1. A música deve ser o enfoque principal; ao conduzir os trabalhos, o professor deve ter o cuidado de não trazer para si importância maior do que a do próprio processo13 13 Como se fosse um ator em um monólogo, ou um ilusionista que demonstra habilidades inacessíveis aos não-iniciados. ;

2. O processo é mais proveitoso quando o aluno (intérprete/apreciador) julga-se apto para a troca com os colegas e vê no professor a capacidade de contribuir, através de sugestões e opiniões musicais;

3. O professor responsável pela orientação cotidiana deve preparar o aluno para tocar em público, conhecer concepções diferentes e confiar no seu próprio potencial expressivo;

4. São importantes o respeito às individualidades e potenciais diferenciados e a busca da qualidade na performance, independentemente da complexidade (técnica e musical) da obra interpretada.

Em alguns encontros convidamos os alunos de Piano Complementar para reflexões e elaboração de possíveis analogias a partir de trechos, textos ou poemas selecionados para a leitura em classe. No material discutido estão incluídos temas relacionados à arte, à música e seus intérpretes, à compreensão, à sensibilidade, ao ensino de uma forma geral e ao ensino específico da música.14 14 Alguns participantes elaboram textos como exercícios de auto-reflexão, crítica e estabelecimento de analogias, tanto entre os diversos temas tratados, quanto entre estes e as próprias experiências musicais. Apresentações musicais comentadas, leituras e discussões são estratégias para alcançarmos os objetivos implícitos na nossa proposta pedagógica. Apesar das dificuldades operacionais, insistimos nas aulas coletivas extracurriculares porque são oportunidades para entrosamento, enriquecidas por situações inesperadas. Encontramos conformidade entre esta perspectiva e a do educador SWANWICK (2004), em cuja opinião há benefícios na inclusão de atividades semelhantes a estas nos programas educacionais. Segundo o autor, neste tipo de participação há espaço para a performance comentada e para que os alunos apresentem suas ideias e conversem sobre a música:

Em um amplo programa de educação musical, os estudantes devem amiúde encontrar a si mesmos em posição de fazer julgamentos musicais verdadeiros, de transformar e desenvolver suas próprias idéias musicais e partilhar seus valores musicais próprios. Pois os indivíduos fazem suas próprias conexões musicais, que os capacitam a moverem-se criativamente entre as camadas da música. Os estudantes podem então avaliar seu próprio trabalho e o trabalho dos outros. Tornar-se um 'membro', ser parte de uma 'conversação' é, afinal, do que trata a educação. Só isso torna uma avaliação significativa, incluindo a 'auto-avaliação' do estudante (SWANWICK , 2004, p.97).

15 15 As camadas da música às quais o autor se refere são a consciência e o controle dos materiais sonoros, do caráter expressivo e da forma musical, além da consciência do valor pessoal e cultural da música (2004, p.91).

6.3. Ler e escolher o repertório, combinar ações e improvisar

A leitura à primeira vista depende de habilidades construídas a partir do conhecimento musical e da técnica específica do instrumento. Como recurso pedagógico, conduz o aluno às descobertas e experiências de concepção musical, realimentadas no seu autoconhecimento. O intenso trabalho do ouvido repercute no movimento das mãos à procura do melhor resultado, ao mesmo tempo em que o olhar avança na partitura, para leitura e antecipação de informações básicas para o processamento musical. A preparação dos movimentos em sequência apoia-se nessas informações, pois, para cada etapa da decodificação da partitura há uma ação física correspondente. O desempenho pode ser favorecido quando uma breve análise da partitura, antes da leitura à primeira vista no instrumento, possibilita a discriminação de aspectos musicais relevantes que forneçam um panorama geral da peça.

Há preceitos básicos que nos parecem consensuais entre os professores e diferenciam esse tipo de leitura do estudo de repertório16 16 E. Widmer (1967, p.03) e E. Hazan (1984, p 28), por exemplo, destacam suas orientações para a leitura à 1º vista, tais como examinar a partitura antes de tocar, manter o olhar sempre adiante do trecho que está sendo tocado, olhar raramente para as mãos, tentar ler as frases para encontrar o sentido da música, tocar lentamente, não parar para correções no percurso. Para Hazan, são igualmente importantes o automatismo para tocar arpejos, escalas e acordes nas diversas tonalidades, o senso rítmico bem desenvolvido, noções básicas de esquemas harmônicos e formais, o conhecimento a respeito da linguagem do compositor. . Para ler à primeira vista, é importante captar a visão global e manter a regularidade do pulso, sem interromper o processo, mesmo diante de alguma falha. Treinar para tocar sem olhar para o teclado, ou apenas baixando muito rapidamente os olhos, é um requisito importante, que depende do desenvolvimento do senso espacial e da junção entre as memórias tátil, auditiva e visual. O conhecimento musical torna perceptíveis as estruturas do discurso e permite que se saiba como omitir ou substituir um ou outro elemento, sem comprometimento ou deturpação do seu fluxo. A compreensão e a vivência musicais facilitam a expressividade na realização da dinâmica e da agógica, mesmo que de uma forma incipiente. Por outro lado, ao estudar o repertório o aluno deve concentrar-se na correção de erros, a cada passo, com as devidas interrupções para análise da situação e experimentações, sempre que houver necessidade. Ele deve procurar soluções para os problemas imediatamente, ao invés de passar várias vezes pelo mesmo trecho -repetindo e fixando os erros em sua memória motora -, à espera de uma solução espontânea e repentina, com explicação desconhecida. A escolha do dedilhado, por exemplo, não é uma tarefa que possa ser negligenciada e nem sempre é fácil, há situações em que a decisão não é simples. Estudar por partes e lentamente, escutar, estar atento aos detalhes técnicos e musicais são condições essenciais. A observação das mãos possibilita a análise dos movimentos envolvidos a cada momento, com o objetivo de ajustá-los à produção da sonoridade desejada.

Um aspecto crucial é a escolha do repertório, tanto para a leitura à primeira vista, quanto para a performance. O passo é delicado e importante, afinal, as escolhas que fazemos são assunto de grande e natural interesse, sejam elas afetivas ou relacionadas às atividades profissionais. A orientação do professor e o autoconhecimento do aluno são fundamentais para o exercício da escolha, para a utilização de métodos de estudo apropriados e para uma leitura consciente. Por isto, entendemos que a seleção de repertório para cada estudante deve respeitar critérios, tais como: interesses e motivação para a atividade; estágio de desenvolvimento técnico e musical; necessidades individuais para crescimento e independência; adequação entre desafios e possibilidades; diversificação do material e sua compatibilidade com tempo previsto para a atividade, no caso da leitura à primeira vista17 17 Utilizamos regularmente para a leitura à 1º vista o nosso livro didático Percepção Musical - Idiomas e Timbres: 25 pequenos exercícios e peças a duas e mais vozes (2000, não publicado). Este material foi elaborado para atender às práticas e necessidades específicas das aulas de Percepção Musical eTreinamento Auditivo - análises auditivas, leituras vocais, ditados, etc. - e passamos a empregá-lo também na disciplina Piano Complementar. As peças e exercícios são acompanhados de uma sucinta análise musical e, além da diversificação dos timbres, o material contempla os idiomas modal, tonal e atonal, com as dificuldades musicais apresentadas de forma gradativa. Predomina a escrita pianística e algumas das peças a três e quatro vozes, destinadas a diferentes formações instrumentais, podem ser lidas por dois alunos, ou através de redução da partitura ao piano. ; ampliação do conhecimento a respeito de compositores, gêneros, idiomas e notações diferentes. 18 18 Entendemos que a formação acadêmica deve resguardar para o graduando uma visão mais ampla que ultrapasse a sua preferência, ou futura especialização em um único estilo de linguagem musical. 19 WAGNER, Jeffrey, (1998). 20 De acordo com o atual currículo da habilitação em Regência na EM UFMG, o graduando deve estar apto para os dois períodos obrigatórios da disciplina Leitura de Partitura ao Piano.

O pianista Michel BLOCK19 19 WAGNER, Jeffrey, (1998). , em uma entrevista, defende fortemente o processo lento de ver, ler e praticar, por seus benefícios musicais e psicológicos. Em sua opinião, esta é uma atividade mais difícil, devido à capacidade geral de atenção que ele percebe nas pessoas, mesmo naquelas que acreditam desejar fazer música. BLOCK compara o processo de ler e estudar devagar e atentamente com o recurso visual da câmara lenta, que, utilizado numa transmissão esportiva, revela a sincronia de movimentos imperceptíveis e complexos, comentados em seguida por especialistas da área, treinados para vê-los numa velocidade normal. Com a câmara lenta, os movimentos combinados das piruetas de um ginasta ou do mergulho de um nadador ficam visíveis para o leigo e também para quem pretenda analisá-los. BLOCK faz a analogia entre a arte e a técnica da leitura à primeira vista e da prática musical em movimento lento com o mesmo princípio do esporte, alertando que, na música, o ouvido é o instrumento que deve ser verdadeiramente sensibilizado, desenvolvido e ensinado. É como se nossos olhos 'ouvissem' (ao invés de ver) a música e nossa audição 'tocasse' através de nossas mãos. Neste processo devem ser evitados os efeitos nocivos da fragmentação, do movimento desarticulado e antimusical, ou de uma contagem marcial e robotizada dos tempos em andamento lento. O conceito da prática recomendada por BLOCK implica que a atenção deve estar inteiramente voltada para o trabalho do movimento lento: mental, emocional e físico. Parece-nos essencial que o aluno seja orientado a respeito destas três dimensões destacadas pelo pianista, para saber integrá-las conscientemente, seja numa leitura ou na performance do seu repertório, na criação e na apreciação musicais.

A nosso ver, a combinação de ações distintas visa ao desenvolvimento de capacidades de dissociação e independência, além de dar suporte para a expressão individual. Esta independência tem reflexos nas decisões técnicas e musicais, de acordo com a concepção que está sendo construída. Há uma grande variedade de exercícios práticos para utilização em disciplinas coletivas ou individuais. As ações simultâneas podem acontecer diversificadamente, por exemplo, através de duas linhas melódicas (cantar e tocar), duas ou mais linhas rítmicas (percutir as mãos, pés e palmas, pés e voz, palmas e voz, combinar três destas ações, etc.), entre uma linha rítmica e outra melódica, (cantar e percutir), ou uma base harmônica e uma linha melódica (tocar e cantar). O aluno de Piano Complementar pode realizar atividades a partir do seu próprio repertório, com a alternância entre as linhas da peça, cantando uma delas e tocando outra, ou, ao tocar duas ou mais vozes, escolher uma destas para ser cantada ao mesmo tempo. Notamos que afloram algumas dificuldades neste processo e, na medida em que elas são vencidas, a performance tende a melhorar, sob vários aspectos. A capacidade de ler verticalmente e a coordenação motora também são objetivos buscados através da prática de tocar uma voz e percutir o ritmo de outra ou apenas percutir a linha rítmica de duas vozes com as mãos. Os exercícios conferem ao praticante maior segurança nas questões que envolvem a realização consciente e independente das texturas. Há aspectos da performance que merecem uma maior atenção por parte do aluno e, identificados com o auxílio do seu professor, evidenciam-se paulatinamente. É possível investigar o conjunto de necessidades individuais, escolher adequadamente os recursos e direcioná-los aos patamares desejados e ao tratamento de diferentes conteúdos.

A improvisação pode ser estimulada a partir de propostas que apresentem o aumento gradativo do grau de complexidade musical. É sempre um desafio para o aluno improvisar uma linha melódica vocal sobre um encadeamento tocado ao piano. Mesmo que esteja restrito às funções harmônicas principais, o material deve atender a diferentes patamares das percepções melódica e harmônica. Se a sequência de acordes for transposta, com o cuidado de preservar o conforto da região vocal a ser utilizada, outras vantagens estarão incluídas. Dentre estas, a conquista de prontidão no raciocínio que envolve o trânsito entre tonalidades ou modos diferentes, considerando-se as suas dimensões teóricas e práticas. Quando a linha melódica é improvisada ao piano ocorre, inicialmente, uma natural diminuição na sua complexidade melódica e rítmica, porque ao pensamento musical estarão acopladas necessidades técnicas referentes à sua concretização no teclado. A escolha do dedilhado mais confortável ou um rápido ajuste quando a primeira opção não for apropriada são exemplos de habilidades que envolvem treinamento específico e experiência musical. Também por razões técnicas, a expressão musical em dois planos dinâmicos na homofonia pode ser um desafio mais complexo, principalmente para os iniciantes no instrumento.

Leitura, ação combinada e improvisação podem ser, de forma alternada ou conjugada, trabalhadas com um mesmo material, desde que haja versatilidade e criatividade na sua utilização, com possibilidades variáveis em aulas de Percepção Musical, Treinamento Auditivo e Piano Complementar. São atribuições do professor a escolha, a adaptação e as formas de utilização do material musical - seja ele popular, folclórico, erudito - conforme as habilitações e os perfis discentes. Quanto ao material didático, há uma grande variedade de publicações que trazem compilações temáticas com inúmeros exemplos extraídos da literatura, de vários períodos e gêneros, além dos exercícios elaborados com objetivos e conteúdos específicos. Os que empregam a diversificação de claves, por exemplo, preparam alunos de regência para a leitura (ou redução) ao piano de peças escritas com outras formações instrumentais, um requisito importante para a sua futura prática profissional. Tendo em vista que muitos desses alunos não têm um domínio satisfatório do instrumento ao ingressar na Graduação, tal habilidade deve merecer atenção diferenciada, por parte do seu professor de Piano Complementar. 20 20 De acordo com o atual currículo da habilitação em Regência na EM UFMG, o graduando deve estar apto para os dois períodos obrigatórios da disciplina Leitura de Partitura ao Piano.

Um tema a ser destacado é a pertinência da prática musical que equilibra a diversificação e o enfoque nos idiomas modal, tonal e atonal. Não é pequeno o percentual de alunos com experiência insuficiente fora do âmbito tonal, o que ocasiona restrições ou limitações indesejáveis na sua formação. Se não é sempre possível incluir esta diversidade no repertório individual de cada semestre, é muito fácil trabalhar idiomas em outras atividades, de forma produtiva e interessante. Mencionaremos três exemplos de publicações didáticas que podem ser adaptados a propostas diferentes (leitura à primeira vista, transposições e improvisações) e que contemplam idiomas distintos. Ermelinda PAZ (1989 e 1994) realizou um trabalho de pesquisa sobre o modalismo na canção brasileira que resultou em um conjunto organizado e expressivo de canções folclóricas, colhidas em várias regiões do país. As canções estão registradas com suas letras e em algumas delas há sugestões de harmonização. É um material interessante para solfejo, análise auditiva, ditado melódico e identificação ou realização das harmonizações características do modalismo (com registro em cifras ou graus). A intimidade com o clima harmônico de cada modo pode ser construída, gradativamente, pela experimentação de possibilidades diferentes no acompanhamento de uma melodia. Após as atividades de identificação melódica e harmônica, há como trabalhar as canções brasileiras em pequenos arranjos vocais, nas classes. De forma similar, a leitura, a harmonização e os arranjos destas canções são possibilidades práticas para o aluno de piano, que ainda pode exercitar transposições e improvisações, ampliando sua vivência do âmbito harmônico específico de cada modo.

Em Lire la Musique par la Connaissance des Intervalles, vol I e II, ARBARETAZ (1979) inclui grupos de exercícios a duas vozes, realizados pela mesma pessoa: Jouer et Chanter (tocar e cantar). Conforme a concepção da autora, os exercícios visam a habituar instrumentistas e cantores a escutar a sua parte integrada a outra parte e a obter independência entre leitura e escuta. As peças estão cuidadosamente organizadas em dificuldade gradativa, com indicações de andamento, mas a autora não escreve a dinâmica, delegando as escolhas para o executante. Os exercícios focalizam intervalos de forma específica e, como o objetivo não está na questão rítmica, não há complexidade no tratamento das durações. Alunos de piano podem tocar e cantar o material contrapontístico alternando as vozes, pois ele foi composto de acordo com a tessitura vocal média das vozes humanas, tornando a opção de alternância das ações perfeitamente factível. O idioma não-tonal empregado por ARBARETAZ é, para a maioria dos estudantes, um novo ingrediente e um desafio21 21 Janet SCHMALFELDT discorre em entrevista sobre a acessibilidade à música produzida desde o século passado em idioma atonal. Concordamos com sua opinião de que as melhores condições para a compreensão da música de Shoenberg e Babbit, por exemplo, dependem de uma preparação específica. Na sua avaliação: " No entanto, [esta preparação] não irá acontecer, a menos que façamos algum trabalho para treinar os nossos ouvidos e os de nossos alunos para ouvir relações atonais. Em algumas das melhores escolas de música existe algo como treinamento auditivo atonal" (CAVAZOTTI, A. e GANDELMAN, 2002, p.64). . Detectamos entre eles pouca ou nenhuma experiência anterior com estas atividades, especialmente, cantar intervalos constitutivos de linhas melódicas estruturadas sem a referência de um centro de atração. Sem este apoio, a manutenção da afinação é mais difícil, principalmente nas dissonâncias resultantes da simultaneidade entre o piano e a voz. Além de cantar e tocar as linhas melódicas sobrepostas, sem a previsibilidade dos idiomas tonal ou modal, nosso aluno é alertado para que a expressividade musical não fique em segundo plano. Quando dificuldades de entonação e compreensão são obstáculos vencidos, incentivamos o aluno para que experimente com liberdade a própria dinâmica, de acordo com sua análise e sua intuição.

Encontramos em BERKOWITZ, FONTRIER e KRAFT (1976, cap. IV p.256-317) exercícios, em dificuldade gradativa, distribuídos em quatro seções: Play and Sing, I a IV22 22 No capítulo III, Duets- duas vozes iguais ou mistas (p.208-255) -, o material musical pode ser empregado ao piano, para leitura à 1º vista e para tocar e cantar, com a comodidade vocal assegurada em ambas as partes. . Inicialmente, há apenas a linha do baixo e uma melodia a ser cantada, com predominância de graus conjuntos e notas pertencentes aos acordes das funções principais. A seguir, acordes que acompanham a melodia, tocados pela mão esquerda, ou pelas duas mãos (posição aberta); há variações das texturas, como a homofônica ao piano e o acréscimo da linha exclusivamente vocal, ou com tratamento polifônico, onde partes escritas para o instrumento são sobrepostas por uma linha vocal. Pouco a pouco, crescem as dificuldades técnicas e musicais e a complexidade nas dimensões harmônica, melódica e rítmica. Há o emprego de modulações (tons vizinhos e afastados), da instabilidade tonal, do atonalismo livre e do modalismo. Existem inúmeras possibilidades de leitura, de inversões entre linha cantada e tocada e de transposições, exploradas de acordo com a desenvoltura musical e pianística de cada aluno. No Capítulo V, Improvisation Studies (p.319-334), os encadeamentos harmônicos são tocados como base para uma improvisação vocal, para a qual estão escritas diferentes linhas apenas rítmicas, ficando a cargo do executante o acréscimo de notas ao trajeto rítmico estipulado, para dar corpo à melodia. Podem ser experimentadas novas melodias, com o mesmo ritmo, em desafios que refinam a coerência, a atenção e a criatividade. Este capítulo está organizado em quatro seções nas quais a ênfase na complexidade das linhas rítmicas é agregada paulatinamente.

6.4. Experiências criativas

"Les mauvais musiciens n'entendent pas ce qu'ils jouent.

Les medíocres pourraient entendre mais ils n'écoutent pas.

Les musiciens moyens entendent ce qu'ils ont joué.

Seuls les bons musiciens entendent ce qu'ils vont jouer."

EdgardWillems23 23 Marie Claude Arbaretaz (1979) inclui como epígrafe, nos dois volumes do seu trabalho, a citação de Edgar Willems, encontrada no seu livro L'oreille Musical, Tome II. Em outra publicação (1970, p.97) o autor reedita esta afirmação e acrescenta que os "músicos artistas ouvem como irão tocar ou cantar aquilo que eles ouvem interiormente". Tal premissa nos reporta à concepção de Fernando Pessoa (GALHOZ, 1960, p.31) sobre a arte entendida como uma representação simultânea - ou interseção - de um estado de alma, paisagem interior (neste caso, sonora), com o mundo, ou seja, com a paisagem exterior captada pela nossa percepção.

As palavras de E. Willems expõem sua visão sobre condições individuais do intérprete e, segundo deduções naturais, parecem ter conexão direta com diferentes níveis da performance. Conforme o autor, "os maus músicos não podem ouvir o que eles tocam. Os medíocres podem ouvir, mas não escutam. Os músicos medianos ouvem o que eles tocaram. Apenas os bons músicos ouvem o que irão tocar". E. Willems aponta para a diferença determinante entre a audição fisiológica, até involuntária, e a escuta ativa que revela compreensão e intenção musicais. Entendemos que fatores como o tipo de aprendizado, a dedicação e o interesse do intérprete e as capacidades individuais de discernimento e concentração são componentes com preponderante influência na atividade musical.

Para conseguir 'ouvir antes de tocar', o músico deve ter em mente uma paisagem sonora construída durante o trabalho de preparação da peça. Essa paisagem, moldada lentamente pela percepção dos eventos e pela concepção da obra, precede cada gesto, mantém a vitalidade da intenção musical e norteia a sua interpretação durante a performance.

Partindo da premissa de que ao lidarmos com um objeto do nosso interesse, em qualquer atividade, o nosso envolvimento tende a ser maior, incluímos em nossa metodologia os trabalhos de criação, como uma estratégia para o desenvolvimento musical, que leve o aluno intérprete a buscar 'ouvir antes de tocar'. Visamos a um maior comprometimento com a sua performance, através da atividade criativa, com oportunidades para agregar a exploração consciente do seu potencial expressivo e a aquisição de conhecimentos musicais, nos aspectos práticos, teóricos e conceituais. O aluno escreve pequenas peças ou variações, a partir de temas escolhidos no repertório que esteja estudando, na medida das suas possibilidades. Procuramos orientá-lo para que os trabalhos estejam adequados à proposta inicial e, principalmente, para que saiba resguardar o equilíbrio entre as demandas técnicas e expressivas da peça e as suas condições pessoais para realizá-las no instrumento. Como exemplo deste procedimento, diante de peças que utilizam apenas as cinco notas do pentacorde, correspondentes aos cinco dedos no piano, deverão ser explorados novos elementos estruturadores, tais como: inclusão de saltos (se no tema original só há graus conjuntos), inversões na direcionalidade e outras modificações melódicas, dimensionamento harmônico, mudanças de texturas (contraponto, homofonia), novas articulações, enriquecimento da linha rítmica e outras configurações métricas, expansão dos registros, modificações de andamento e caráter, implementação da dinâmica, emprego de modos diferentes, reorganização da forma. A cada variação criada, o foco deve estar no processo de enriquecimento gradativo dos resultados, com a incorporação de elementos que tornam evidentes as transformações, a partir da dialética com o material original24 24 O 1º volume do Microkosmos (B. Bartók) e o 1º caderno dos Ludus Brasiliensis (Ernst Widmer), têm sido nossos principais pontos de partida para que os alunos criem suas variações. .

Observamos que o aluno demonstra interesse pela proposta e um genuíno envolvimento com o processo de criação, quando reconhece o ensejo de poder expressarse musicalmente, descobrindo recursos musicais e pianísticos. A cada aula, em conversas e experimentações de alternativas, buscamos a integração entre o aprendizado e o prazer obtido pelos resultados musicais. O reconhecimento de elementos estruturadores da linguagem e as experimentações e discussões sobre vários aspectos técnicos e musicais têm repercussão positiva na formação do aluno. Dentre estes, citamos o tratamento da dinâmica e da agógica, as nuances das articulações, as texturas, a escolha do andamento e do caráter, a descoberta de recursos expressivos, o refinamento da escuta e o aperfeiçoamento do toque pianístico, para que deste resulte a sonoridade desejada. Acreditamos que o processo e os resultados da análise de uma peça em construção descortinam novas possibilidades para fruição. No pensamento de WISNIK (2001, p.29-30), a música consegue "(...) expandir e suspender, condensar e deslocar aqueles acentos que acompanham todas as percepções. Existe nela uma gesticulação fantasmática, que está como que modelando objetos interiores". Para Charles ROSEN, "a força expressiva da música faz com que imaginemos como real o que, de fato, está apenas implícito" (2000, p.27)25 25 Em A Geração Romântica, o autor aborda o pensamento musical, as singularidades e procedimentos composicionais nas obras para piano de compositores do romantismo. Nas suas análises, focaliza aspectos importantes como o conhecimento acerca de características e potencialidades do instrumento, revelado na criação musical de vários compositores. . Entendemos que na investigação do tratamento da linguagem através da criação é possível desenhar também um cenário importante para a apreciação. Surgem fundamentações para a performance, é possível ouvir o que 'está apenas implícito', há a revelação de diferentes 'objetos interiores' e 'gesticulações'. Ao desejar expressar o próprio pensamento, o aluno conscientiza-se sobre a necessidade de desenvolver recursos técnicos específicos, que envolvem capacidades como a de combinar movimentos de maior ou menor complexidade, mais rápidos ou mais lentos, sem que haja o comprometimento da precisão e da flexibilidade. Se a própria criação musical é o foco das atenções e campo de possibilidades musicais a ser explorado, a motivação e o envolvimento tendem a crescer. Parece-nos evidente a repercussão positiva deste processo nos campos específicos da prática musical de cada graduando, seja aluno de instrumentos, canto, composição, regência, ou da licenciatura. Essas experiências com a criação através do piano podem ser proporcionadas a alunos de música, em quaisquer estruturas ou modalidades de ensino musica.

A criação associada à prática do idioma modal é um dos caminhos escolhidos, por reconhecermos as lacunas comuns neste domínio. Pelo mesmo motivo, algumas experiências no idioma atonal servem como pontos de partida para a criação de pequenas peças. A prática no instrumento complementa e sistematiza o aprendizado musical, acrescentando recursos inviáveis nas aulas coletivas de Percepção Musical, cujas turmas, atualmente, podem abrigar até 30 alunos. Para ampliar as experiências com o idioma modal, partimos de exercícios práticos ao piano, para avaliar, individualmente, a bagagem de informações e o nível de compreensão. Em alguns casos de iniciantes, a simples tarefa de tocar escalas Maiores e menores - nas formas antiga (modo eólio), harmônica, e melódica - em apenas uma oitava, envolve dificuldades não apenas técnicas, mas, principalmente, as decorrentes da não-sistematização de conhecimentos teóricos e da pouca desenvoltura auditiva. A possibilidade de lidar com estruturas modais (através de diferentes atividades) configura-se com uma motivação a mais. Tocar e cantar escalas modais, comparando-as com os dois modos do sistema tonal, pode ser um exercício que demanda tempo e disponibilidade do aluno e do professor. Em um curso de Pedagogia da Educação Musical realizado na EM UFMG, no início dos anos 1980, a pedagoga Violeta H. Gainza26 26 Para Violeta Gainza (1976, Introdução- Guia Didactica) o aluno deve viver e compreender a música através da sua prática ao piano; partir do que lhe é próximo e familiar para o conhecimento sistematizado (reconhecer e manejar estruturas básicas) e para a expressão pessoal. Se o aluno compreende o que toca, o faz com extraordinária facilidade, portanto, é também desejável incluir no seu repertório os próprios trabalhos de criação musical. A criação surge naturalmente como produto de um saudável metabolismo, quando há a clareza a respeito das estruturas musicais e instrumentais. Gainza considera a prática de repertório a quatro mãos como recurso importante para o ajuste e equilíbrio dinâmico entre as partes e valoriza as atividades como transposição, leitura, improvisação, imitação consciente (reprodução do que o professor fez, apelando para a memória visual e auditiva), ditado ao piano, tocar de ouvido. apresentou-nos em classe um Quadro Comparativo dos Modos Litúrgicos, no qual destaca em uma tabela as diferenças entre as estruturas escalares dos modos litúrgicos, quando comparadas com as escalas Maior e menor do sistema tonal. Este quadro, transcrito a seguir (Ex.1 ), sintetiza informações de forma simples e direta, razão pela qual nós o temos utilizado em aulas coletivas e individuais e em disciplinas diferentes.

Gradativamente, induzimos o aluno a descobrir o encadeamento característico de cada modo. Ao tocar e cantar o acorde do I grau (com exceção do modo de Si - Lócrio), pode classificá-lo como Maior ou menor e, tocando a escala, experimenta a lógica da denominação adotada por Gainza: M+ ou M-, m+ ou m-, respectivamente para os modos Lídio, Mixolídio, Dórico e Frígio. Se aluno procura outros graus como o IV e V, determinantes no tonalismo, surgem as primeiras diferenças; quando toca as tríades do II e do VII graus, o ambiente harmônico revela novas surpresas. Concluir que o encadeamento do acorde do I grau com apenas mais um outro diferente pode definir o modo é motivo de surpresa. Fizemos um quadro para a comparação entre os climas harmônicos e para a definição, caso a caso, dos acordes característicos, abaixo apresentado no Ex.2 .

A cada semestre, uma ou mais variações ou pequenas peças são criadas pelos alunos. A produção musical de cada um é incluída no seu repertório e apresentada na a Audição Final da disciplina27 27 A audição ao término do semestre está prevista na metodologia de avaliação da disciplina. Participam todos os alunos e o grupo de professores da área compõe a banca examinadora. , o que, no nosso ponto de vista, constitui-se em uma meta importante para o aluno. O estímulo à criação e o seu resultado concreto são também possibilidades para a obtenção de satisfação pessoal e autoconfiança. Além destes aspectos positivos, é pertinente registrar a existência de casos em que, conforme a avaliação discente, a atividade descortinou novos horizontes. Alguns alunos já declararam que a sua primeira pequena peça para o piano foi também a primeira experiência com a criação instrumental, ou, pelo menos, a primeira construída conscientemente e com preocupações com a coerência e a exequibilidade.

7. Conclusões

"O que importa em uma educação digna de tal nome é

a vida. Sobre esta vida virá a inserir-se a consciência."

Edgard WILLEMS (1966, p.34)

A nosso ver, há um campo extenso para experimentar e ajustar estratégias destinadas à formação musical através do piano, tanto em aulas particulares, como em projetos variáveis de musicalização das escolas de ensino regular, em escolas música de formação livre, ou em escolas inseridas na universidade, que visa à formação acadêmica. Naturalmente, a escolha de um caminho é decorrente da sua adequação às metas específicas do ensino -nos diversos ambientes e instituições -e as opções dos professores devem se apoiar na sondagem de possibilidades e objetivos próprios de suas distintas clientelas. Tendo em vista a prática pedagógica na Graduação e com relação às potencialidades da disciplina Piano Complementar, acreditamos em particularidades positivas de atividades articuláveis entre si e adaptáveis às perspectivas dos alunos, em suas múltiplas trajetórias. O conteúdo programático e a abordagem pedagógica da disciplina podem resguardar alguns princípios fundamentais de integração entre áreas do conhecimento musical. Como um destes princípios básicos, entendemos que o processo de aprender também significa adquirir capacidades próprias para construir relações e analogias. Nesta concepção de ensino/aprendizagem o aluno não se encontra apto somente a dar respostas padronizadas e previsíveis a estímulos A experiência docente na disciplina Piano Complementar permite diagnósticos, propicia a implementação de propostas sintonizadas com as potencialidades individuais e uma participação assertiva no percurso acadêmico de cada aluno. O contato individual estabelecido nas aulas é interativo, dinâmica que auxilia o professor a conhecer nas individualidades os interesses, perspectivas e habilidades já alcançadas, assim, sua participação no processo de desenvolvimento musical dos alunos pode ajustar-se a diferentes enfoques e estágios. Por sua vez, o aluno da licenciatura ou do bacharelado (que não curse a habilitação em Piano) pode experimentar possibilidades novas de performance musical. Essas oportunidades conjugadas ampliam fronteiras e abrem caminhos para as suas capacidades de apreciação e criação. Experiências criativas expandem a compreensão e o universo musical do instrumentista, cantor ou regente, através da combinação de habilidades entre um domínio e o outro -a criação ea performance.

Notas

Recebido em: 10/11/2011

Aprovado em: 13/04/2012

Maria Inêz Lucas Machado concluiu a Graduação em Piano, a Especialização em Educação Musical e o Mestrado em Estudos das Práticas Musicais na Escola de Música da UFMG. É professora da instituição, na qual exerceu o cargo de Vice-Diretora por dois mandatos consecutivos, entre 2002 e 2010, e, por um semestre, o cargo de Diretora. Acumula experiências pedagógicas e administrativas, inclusive em projetos e cursos diversos de Extensão. Atua em disciplinas do núcleo da formação geral - percepção musical, treinamento auditivo, piano complementar - com ênfases em performance e educação musical. Constituem suas áreas de interesse (estudos e trabalhos publicados) temas tais como as dinâmicas da formação básica, intermediária e acadêmica em música, a Extensão e a Graduação em Música na Universidade Pública.

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  • WISNIK, J. M. O Som e o Sentido - Uma outra história das músicas. São Paulo: Editora Schwarcz, 2001.
  • 1
    Resultados em
    Um Estudo sobre a Comunidade Acadêmica - opiniões e informações, capítulo VI da nossa Dissertação de Mestrado:
    O Piano complementar e a Interdisciplinaridade: performance, apreciação e criação integradas na formação acadêmica do bacharelado e da licenciatura ;
  • 2
    Entre 1912 e 1917, Walter Gieseking foi aluno de Karl Leimer e, mais tarde, o deu-lhe incentivo para que o livro fosse publicado.
  • 3
    Com esta exemplificação o autor se refere, naturalmente, às estruturas de um repertório tradicional, porém, entendemos que o princípio pedagógico da proposta pode ser transferido para o estudo de peças com outras formas de organização do discurso musical.
  • 4
    Sobre as conexões entre formas de memória, acrescentaremos resultados de estudos recentes, no subtítulo 04.
  • 5
    Nelson Freire discorre sobre a importância de um estudo bem feito:
    "É fundamental saber estudar com inteligência. Ouvir-se. Ser seu maior crítico. Este é um dos maiores problemas dos instrumentistas: não se ouvem. É primordial se colocar no lugar do outro [o ouvinte].
    " (entrevista ao jornal Estado de Minas; 08/11/2009).
  • 6
    A nosso ver, esta perspectiva permanece atual, visto que as transformações constantes da linguagem - com a expansão de recursos idiomáticos e de fontes sonoras utilizadas - não restringem as possibilidades da criação musical.
  • 7
    Esse crescimento está atrelado à expansão das inteligências musical e intra-pessoal, segundo concepções de H. GARDNER (
    Estruturas da Mente - A Teoria das Inteligências Múltiplas; Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 1994; cap. 06 e 10).
  • 8
    Alunos de violão costumam experimentar o toque correspondente das notas no próprio braço, como se este fosse o do seu instrumento.
  • 9
    Iniciamos o subtítulo 04 com referências a essa espécie de 'cooperação', frequentemente constatada nas conversas entre músicos.
  • 10
    Experiência na Escola de Música (EM) da UFMG: Bacharelado (com 21 habilitações, a partir da implantação do REUNI, em 2009), Licenciatura e cursos permanentes de Extensão.
  • 11
    A história da habilitação em Canto da EMUFMG registra que já houve consenso com relação à necessidade de um nível básico no domínio do instrumento. Durante muito tempo, este consenso refletiu-se nos critérios de seleção para ingresso no curso: os candidatos ao Bacharelado em Canto realizavam provas de piano, interpretando, obviamente, peças de menor complexidade do que as exigidas no repertório para os interessados na habilitação em Piano.
  • 12
    Atividade extracurricular voluntária, não prevista para a disciplina
    Piano Complementar.
  • 13
    Como se fosse um ator em um monólogo, ou um ilusionista que demonstra habilidades inacessíveis aos não-iniciados.
  • 14
    Alguns participantes elaboram textos como exercícios de auto-reflexão, crítica e estabelecimento de analogias, tanto entre os diversos temas tratados, quanto entre estes e as próprias experiências musicais.
  • 15
    As camadas da música às quais o autor se refere são a consciência e o controle dos materiais sonoros, do caráter expressivo e da forma musical, além da consciência do valor pessoal e cultural da música (2004, p.91).
  • 16
    E. Widmer (1967, p.03) e E. Hazan (1984, p 28), por exemplo, destacam suas orientações para a leitura à 1º vista, tais como examinar a partitura antes de tocar, manter o olhar sempre adiante do trecho que está sendo tocado, olhar raramente para as mãos, tentar ler as frases para encontrar o sentido da música, tocar lentamente, não parar para correções no percurso. Para Hazan, são igualmente importantes o automatismo para tocar arpejos, escalas e acordes nas diversas tonalidades, o senso rítmico bem desenvolvido, noções básicas de esquemas harmônicos e formais, o conhecimento a respeito da linguagem do compositor.
  • 17
    Utilizamos regularmente para a leitura à 1º vista o nosso livro didático
    Percepção Musical - Idiomas e Timbres: 25 pequenos exercícios e peças a duas e mais vozes (2000, não publicado). Este material foi elaborado para atender às práticas e necessidades específicas das aulas de
    Percepção Musical eTreinamento Auditivo - análises auditivas, leituras vocais, ditados, etc. - e passamos a empregá-lo também na disciplina
    Piano Complementar. As peças e exercícios são acompanhados de uma sucinta análise musical e, além da diversificação dos timbres, o material contempla os idiomas modal, tonal e atonal, com as dificuldades musicais apresentadas de forma gradativa. Predomina a escrita pianística e algumas das peças a três e quatro vozes, destinadas a diferentes formações instrumentais, podem ser lidas por dois alunos, ou através de redução da partitura ao piano.
  • 18
    Entendemos que a formação acadêmica deve resguardar para o graduando uma visão mais ampla que ultrapasse a sua preferência, ou futura especialização em um único estilo de linguagem musical. 19 WAGNER, Jeffrey, (1998). 20 De acordo com o atual currículo da habilitação em Regência na EM UFMG, o graduando deve estar apto para os dois períodos obrigatórios da disciplina
    Leitura de Partitura ao Piano.
  • 19
    WAGNER, Jeffrey, (1998).
  • 20
    De acordo com o atual currículo da habilitação em Regência na EM UFMG, o graduando deve estar apto para os dois períodos obrigatórios da disciplina Leitura de Partitura ao Piano.
  • 21
    Janet SCHMALFELDT discorre em entrevista sobre a acessibilidade à música produzida desde o século passado em idioma atonal. Concordamos com sua opinião de que as melhores condições para a compreensão da música de Shoenberg e Babbit, por exemplo, dependem de uma preparação específica. Na sua avaliação: "
    No entanto, [esta preparação]
    não irá acontecer,
    a menos que façamos algum trabalho para treinar os nossos ouvidos e os de nossos alunos para ouvir relações atonais. Em algumas das melhores escolas de música existe algo como treinamento auditivo atonal" (CAVAZOTTI, A. e GANDELMAN, 2002, p.64).
  • 22
    No capítulo III,
    Duets- duas vozes iguais ou mistas (p.208-255) -, o material musical pode ser empregado ao piano, para leitura à 1º vista e para tocar e cantar, com a comodidade vocal assegurada em ambas as partes.
  • 23
    Marie Claude Arbaretaz (1979) inclui como epígrafe, nos dois volumes do seu trabalho, a citação de Edgar Willems, encontrada no seu livro
    L'oreille Musical, Tome II. Em outra publicação (1970, p.97) o autor reedita esta afirmação e acrescenta que os
    "músicos artistas ouvem como irão tocar ou cantar aquilo que eles ouvem interiormente". Tal premissa nos reporta à concepção de Fernando Pessoa (GALHOZ, 1960, p.31) sobre a arte entendida como uma representação simultânea - ou interseção - de um estado de alma, paisagem interior (neste caso, sonora), com o mundo, ou seja, com a paisagem exterior captada pela nossa percepção.
  • 24
    O 1º volume do Microkosmos (B. Bartók) e o 1º caderno dos Ludus Brasiliensis (Ernst Widmer), têm sido nossos principais pontos de partida para que os alunos criem suas variações.
  • 25
    Em
    A Geração Romântica, o autor aborda o pensamento musical, as singularidades e procedimentos composicionais nas obras para piano de compositores do romantismo. Nas suas análises, focaliza aspectos importantes como o conhecimento acerca de características e potencialidades do instrumento, revelado na criação musical de vários compositores.
  • 26
    Para Violeta Gainza (1976, Introdução-
    Guia Didactica) o aluno deve viver e compreender a música através da sua prática ao piano; partir do que lhe é próximo e familiar para o conhecimento sistematizado (reconhecer e manejar estruturas básicas) e para a expressão pessoal. Se o aluno compreende o que toca, o faz com extraordinária facilidade, portanto, é também desejável incluir no seu repertório os próprios trabalhos de criação musical. A criação surge naturalmente como produto de um saudável metabolismo, quando há a clareza a respeito das estruturas musicais e instrumentais. Gainza considera a prática de repertório a quatro mãos como recurso importante para o ajuste e equilíbrio dinâmico entre as partes e valoriza as atividades como transposição, leitura, improvisação, imitação consciente (reprodução do que o professor fez, apelando para a memória visual e auditiva), ditado ao piano, tocar de ouvido.
  • 27
    A audição ao término do semestre está prevista na metodologia de avaliação da disciplina. Participam todos os alunos e o grupo de professores da área compõe a banca examinadora.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Nov 2011
    • Aceito
      13 Abr 2012
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