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MacDiarmid: trabalho e entusiasmo produzindo ciência

ENTREVISTA

MacDiarmid - trabalho e entusiasmo produzindo ciência

A Revista "Polímeros: Ciência e Tecnologia apresenta para seus leitores, nesta edição, uma entrevista com o Professor MacDiarmid, que é hoje conhecido internacionalmente como "o pai dos polímeros condutores". A Sociedade Americana de Química (ACS), em 1999, outorgou um diploma ao Prof. MacDiarmid, reconhecendo seu laboratório como o pioneiro nessa histórica descoberta. Nos dias atuais, as aplicações de polímeros intrinsecamente condutores vão desde o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos, como dispositivos emissores de luz (de acordo com a revista "The Economist" esse tipo de dispositivo deverá se tornar uma indústria de bilhões de dólares), transistor de efeito de campo totalmente plástico, sensores para voláteis orgânicos (nariz eletrônico) e soluções (língua eletrônica), até a prevenção de corrosão de metais, baterias recarregáveis, membranas para a separação de gás, entre outras aplicações.

Um aspecto importante da linha de pensamento e de trabalho de Alan MacDiarmid é que a área de ciência e tecnologia exige muita dedicação e que a mente tem de estar aberta para os resultados inesperados. O outro ponto para reflexão é a sua preocupação com o lado humano da ciência. Ele sempre costuma dizer "Science is People", isto é, não adianta você ter prédios grandes com magníficos laboratórios se não tiver gente boa, capaz e criativa para pôr dentro. Essa é a filosofia que MacDiarmid está empregando para a estruturação de dois institutos de pesquisa que levam o seu nome, um na China, onde se estabeleceu a "Jilin University Alan G. MacDiarmid Laboratory" em Changchun e outro, na Nova Zelândia, sua terra natal, com a criação do "MacDiarmid Institute of Materials Science and Nanotechnology" na Victoria University de Wellington. Esses são alguns dos exemplos do reconhecimento, fruto de trabalho sério, agregado à visão multidisciplinar para obtenção dos resultados de pesquisa, onde mais um de seus pensamentos reflete esse tipo de preocupação: "um mais um mais um é muito mais do que três".

A Universidade da Pensilvânia (UPENN), fundada em 1749, é reconhecida mundialmente pela tradição, pela qualidade de seu ensino e pela excelência de suas pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Isso pode ser comprovado no primeiro piso do Departamento de Química, onde é possível estudar em uma sala dedicada aos seis (6) prêmios Nobel gerados dentro desse departamento. Duas fotos se destacam nesse conjunto de 6 quadros expostos: as fotos dos Professores Alan G. MacDiarmid e Hideki Shirakawa, que receberam as suas láureas, na área de Química, juntamente com o Prof. Alan J. Heeger, na época no Departamento de Física da UPENN, da Academia Real de Ciência da Suécia, no ano de 2000. O reconhecimento se deve à histórica descoberta, pelos três pesquisadores, dos polímeros que conduzem eletricidade, na década de 70, quando o seu protótipo foi o poliacetileno (CH)x dopado. Mais recentemente, dentro do cenário de novas aplicações, vêm se desenvolvendo, utilizando polímeros eletrônicos, circuitos eletrônicos com características de baixo preço, descartáveis, utilizando plástico (Polietileno tereftalato) e papel. Nessa direção, o grupo do professor MacDiarmid desenvolveu a técnica de formação de trilhas sobre papel e plástico, utilizando grafite como trilha condutora, o que está viabilizando a construção de sensores de baixo custo, com aplicações que vão desde a área médica até ao agro-negócio.

O Senhor poderia falar um pouco a respeito da sua formação e como alcançou a sua atual ocupação?

Posso dizer que meu interesse pela Química começou quando eu tinha entre 8 e 9 anos de idade e morávamos na cidade de Lower Hutt, Nova Zelândia. Eu pegava minha bicicleta e ia para a biblioteca pública, na seção infantil onde, na prateleira inferior do lado direito, havia um livro de capa azul chamado "The Boy Chemist". Solicitava constantemente este livro para empréstimo, e fazia a renovação durante todo o ano. Acredito que tenha feito quase todos os experimentos descritos no livro e posso dizer que isso foi o inicio de meu real interesse pela Química. Também o meu pai, que era engenheiro, tinha alguns livros velhos, muito velhos de Química, do final do século XIX, que ele tinha utilizado para seus estudos. Eu li esses livros e os achava fascinante, apesar de não poder entendê-los, mas isso de certa forma ajudava no meu interesse. Já haviam se passado três anos desde que meu pai tinha se aposentado, eu estava no colegial e nós não tínhamos nenhum recurso. Então, eu fui para a universidade para trabalhar como ajudante de laboratório, o que significava que eu deveria lavar todas as vidrarias sujas e atuar como um zelador do prédio no período das tardes, varrendo os assoalhos e deixando-os limpos. Sempre fui um estudante que dedicava metade do período aos estudos e a outra ao trabalho da universidade, sendo um de meus deveres, como ajudante de laboratório, preparar demonstrações da aula de Química. Em uma ocasião, o professor que ministrava a matéria me solicitou que preparasse alguns bonitos cristais de coloração laranja brilhante, à base de S4N4. Quando chegou o momento de discutir a minha dissertação de mestrado, conversei com esse professor se eu poderia estudar as reações químicas envolvidas no processo de preparação de cristais de S4N4. Ele concordou. Este trabalhou resultou na minha primeira publicação, em 1949. Os derivativos obtidos eram bastante coloridos. A cor continuou a ser uma de minhas forças impulsionadoras na futura carreira em Química, pois gosto muito de cor. Quando é que eu poderia imaginar que, trinta anos depois, este gosto pela cor seria um fator chave para moldar a minha vida profissional! Em 1950, eu tive a felicidade de ser agraciado com uma bolsa Fullbright, do Departamento de Estado Norte Americano, para fazer o Ph.D. na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, onde estudei sob a orientação do Professor Norris F Hall, especialista em Química Inorgânica, investigando a taxa de troca em complexo metálico de cianeto marcado com 14C. Quando ainda estava na Universidade de Wisconsin, consegui uma bolsa de pós-graduação da "New Zealand Shell", para estudar hidreto de silício, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, sob a supervisão do Professor H. J. Emeléus. Depois de uma breve passagem como membro do corpo docente, na categoria júnior, no "Queens College" da Universidade de St. Andrews, na Escócia, entrei para o corpo de docentes do Departamento de Química da Universidade da Pensilvânia, onde estou há 47 anos.

Qual é a sua opinião a respeito de programas de cooperação entre universidades e empresas?

Eu sinto que uma boa maneira de se começar uma cooperação entre universidades e empresas é por intermédio do governo ou de alguma agência de financiamento, anunciando a chamada para a realização de pesquisa em um dado campo de interesse para o país. E esse recurso deveria somente estar disponível se uma proposta comum fosse elaborada pelas duas partes, isto é, pela organização acadêmica e pela empresa, com o propósito de se conduzir a pesquisa conjuntamente. Isso certamente seria uma real pesquisa em colaboração. E então a cada seis meses os grupos se reuniriam e organizariam um relatório para mostrar o que ambas as partes desenvolveram para alcançar os objetivos da sua proposta. É claro, que se elas não conseguissem um bom progresso, por intermédio de seu relatório, então a agência que financia o projeto não iria disponibilizar mais nenhum recurso. Isso, portanto, seria uma forma de viabilizar uma aproximação para trabalhos conjuntos entre indústrias, universidades e laboratórios do governo. A proposta deve basear-se em um trabalho de interesse comum, em uma matéria de interesse para ambos os atores.

Quais são os outros aspectos na colaboração entre universidades e institutos de pesquisa com o setor privado?

Nesse ponto eu sinto que as companhias incubadoras são extremamente importantes. Em outras palavras, se cientistas têm boas idéias e interesse em estruturar uma nova indústria, o governo deveria prover recursos, de tal forma que eles teriam um laboratório ou laboratórios associados com alguns institutos de pesquisa governamentais. Eles poderiam receber recursos objetivando realizar suas pesquisas, que poderiam se tornar uma nova indústria e com um papel importante para o país. Mas esta jovem empresa não teria recursos para a compra de equipamentos pesados e caros, os quais seriam necessários para que eles pudessem conduzir sua pesquisa básica, tais como espectrômetros de massas, máquinas de feixe iônico, raios-X entre outros. Assim sendo, o governo deveria criar condições para essas pequenas e recém-abertas empresas pudessem ter acesso a esses equipamentos pesados. Estas, então, seriam chamadas de empresas incubadas. A esse tipo de empreendimento o país deve dar todo o tipo de incentivo para que possam caminhar, e desta forma verificar se podem desenvolver novas indústrias para o país.

Como os temas de um programa ou de pesquisa em colaboração são escolhidos?

Geralmente isto acontece encontrando pessoas em conferências. Uma vez iniciada a conversa, será possível verificar que ambos têm interesses comuns no tipo de aplicação que vem sendo desenvolvido com pesquisa tecnológica, bem como conhecer o tipo de pesquisa básica que o outro esteja conduzindo. Uma vez que o interesse mútuo é estabelecido, então tais pessoas deverão procurar por recursos conjuntos, para um programa de colaboração em parceria. É importante ressaltar a distinção que há entre uma real parceria e a que se propõe a produzir um artigo científico de colaboração. Tem que ser uma real colaboração, onde as pessoas se encontram, conversam e dividem os resultados diariamente ou mesmo na base de alguns dias. Portanto, a interação pessoal é extremamente importante.

O senhor acredita que a pesquisa básica em polímeros, nos Estados Unidos, é adequada para o desenvolvimento de trabalho tecnológico na indústria?

Nesse momento, infelizmente, eu sinto que há pesquisa insuficiente no campo de polímeros, nas universidades dos Estados Unidos. A maioria da pesquisa básica relacionada a polímeros esta sendo realizada em indústrias, bem como as aplicações da pesquisa básica por intermédio da tecnologia gerada. Existem outros países em que a pesquisa básica na ciência de polímeros é bem mais enfatizada como, por exemplo, no Japão e em muitos outros países na Europa. Eu acredito muito fortemente que os EUA não deveriam ser tomados como modelo pelos outros países de como conduzir pesquisa básica na ciência de polímeros.

Quais são na sua opinião as áreas mais promissoras de pesquisa no campo de polímeros?

Sinto muito fortemente que isso se aplica tanto aos países como às empresas. A questão é se você quer ser líder ou um seguidor. Você tem que se enveredar em uma nova direção e não apenas criticar. Se você ficar toda hora apenas criticando, tanto como um país ou como uma companhia, você nunca será um líder, você sempre será um seguidor. A pesquisa básica que vem sendo feita hoje é a tecnologia para os quinze anos à frente. Um exemplo dessa afirmação foi publicado no jornal Philadelphia Inquirer, onde a empresa Dupont anunciou que está mudando a sua política de tal forma que um terço do total de seus rendimentos virá da pesquisa conduzida durante os cinco anos anteriores.

Na minha opinião, toda a área de polímeros eletrônicos e polímeros condutores explora um campo completamente novo na ciência de polímeros por meio do qual pode-se combinar a excelente informação a respeito de polímeros clássicos com a vasta nova área de polímeros eletrônicos, de tal maneira que isto abre um vasto e novo campo na ciência de polímeros.

Quais seriam os parâmetros mais importantes para avaliar a qualidade de um trabalho de base cientifica na área de polímeros?

O ponto chave é observar durante um período de cinco anos quantas citações de um determinado artigo são efetuadas na literatura especializada em Química, na literatura especializada em engenharia e nas literaturas referentes a patentes. Do lado tecnológico, deve-se também olhar dentro de um período de cinco anos para conhecer quantas patentes de várias pessoas, organizações ou laboratórios resultaram em algum empreendimento tecnológico que irá resultar em dinheiro para um novo produto.

Como o senhor vê a nova área de nanociência e nanotecnologia? E como essa área deverá afetar o avanço da ciência dos materiais e polímeros?

Penso que devemos estar atentos a esta nova área de nanociência. Este é um universo completamente novo. Sabemos da exploração espacial, subindo muitos quilômetros no espaço cósmico e descobrindo novos fenômenos. Em nossos dias atuais, se nos aprofundarmos pelos oceanos, encontraremos organismos vivos que vivem sob enorme pressão e também em altas temperaturas e assim descobrimos novos tipos de fenômenos. Da mesma forma, se formos a dimensões menores, entraremos num novo universo completo. Por exemplo, a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos definiu um nanomaterial como sendo um material que tem pelo menos uma dimensão de 100nm ou menos. Para se ter uma idéia do tamanho, o diâmetro de todos os cabelos em minha cabeça é em torno de 50.000nm. Também o comprimento de onda do menor comprimento de onda da luz visível no universo é de aproximadamente 400 nanômetros. Então estamos falando sobre dimensões que se encontram em uma faixa menor que o menor comprimento de onda da luz visível, no violeta. Um ponto importante a ser considerado, por exemplo, está relacionado aos aspectos da obtenção de fibras poliméricas com menores diâmetros e como essa característica pode afetar as várias propriedades mecânicas. Como outro exemplo, temos os polímeros produzidos pela aranha, a qual é chamada "seda da aranha", e pelo que eu saiba essa seda ainda possui melhores propriedades mecânicas em relação a todas e quaisquer fibras produzidas pelo homem. Assim sendo, uma linha de pesquisa que penso ser promissora seria a de realizar tratamentos nas fibras com diâmetros muito pequenos, de forma a alcançar as propriedades mecânicas da seda de uma teia de aranha. Também vale a pena ressaltar que a aranha produz diferentes materiais para a confecção de sua teia. As modificações ocorrem para casos distintos, isto é, para o caso de se estar capturando um inseto voador ou se essa teia irá mantê-la de cabeça para baixo, por intermédio de uma longa fibra. Assim sendo, tem-se que a vasta área de nanociência, e aqui eu incluo os nanotubos de carbono, é de grande interesse pela potencialidade de aplicação em diferentes frentes tecnológicas, que vão desde aplicações em mostradores como em sensores, ou ainda em dispositivos eletro-mecânicos. Mas, em geral, pouca coisa se sabe sobre os nanotubos de carbono. Isto é, se eles podem ser produzidos de maneira confiável e com boa qualidade, quer eles estejam na configuração de nanotubos de carbono do tipo multicamada, ou quer estejam na conformação de nanotubos em simples camada. Ou seja, uma minuciosa quantidade de trabalho precisa ser realizada nessa direção.

Os polímeros eletrônicos são considerados os novos materiais para o século 21. Como o senhor vê o campo emergente de aplicações dos polímeros eletrônicos no desenvolvimento de dispositivos eletrônicos?

No passado tivemos a idade da pedra, a idade do bronze, a idade do ferro e talvez possamos falar da "idade do silício". Agora, nesse momento eu acredito que nós estamos entrando no século 21 cientificamente orientado. Este será conhecido como a era do plástico, a era dos polímeros. Atualmente, a quantidade de polímeros produzidos anualmente é maior que o volume de aço e ferro. É claro que polímeros são muito mais leves que ferro e aço, mas os polímeros eletrônicos irão ter grande importância para aplicações em dispositivos do tipo fotovoltaico, células solares, baterias recarregáveis e em particular sensores impressos com características descartáveis e baratas. Desta forma, o segmento de polímeros eletrônicos abre uma nova área na produção de aparelhos eletrônicos baratos, células fotovoltaicas, baterias e circuitos eletrônicos complexos.

Quais foram os fatos mais importantes ao longo de sua história de sucesso?

Se me lembro bem, isso ocorreu em 1976, enquanto tomava uma xícara de chá verde, após uma aula que dei no Instituto de Tecnologia de Tóquio. Estava sentado ao lado de Hideki Shirakawa, que na época era membro do quadro de professores, na categoria júnior. Ele estava sentado à minha esquerda e eu mostrava a ele e aos outros que estavam à mesa alguns dos meus filmes de polinitreto de enxofre que eram filmes dourados. Ele disse: "Eu tenho algo parecido com isso, mas eles são filmes prateados". Então ele se ausentou para ir buscar uma amostra para nos mostrar, pois eu nunca tinha visto um filme polimérico prateado. Perguntei a ele como tinha conseguido obter o filme prateado de poliacetileno e ele me respondeu que isso tinha ocorrido devido a uma má interpretação entre a língua japonesa e a do seu estudante estrangeiro, que tinha se juntado ao seu grupo. Shirakawa já vinha trabalhando com a polimerização ordinária do acetileno por intermédio do caldeamento a gás utilizando um catalisador Ziegler-Natta, e vinha obtendo repetidas porções de pós preto-marrons comuns. Ele havia dito ao novo estudante para repetir este trabalho utilizando uma concentração do catalisador na casa de mili-molar. Alguns dias depois o estudante voltou dizendo que a barra de agitação não estava mais rodando no frasco. Shirakawa foi até o laboratório para se certificar do ocorrido e verificou que ao invés do pó preto-marrom, que normalmente vinha obtendo, havia um amontoado de material gelatinoso com coloração prateado-rosa. Shirakawa perguntou o que o estudante havia feito e ele respondeu que tinha feito exatamente o que Shirakawa havia pedido a ele: tinha preparado o agente catalisador com uma concentração de "xmolar" - em outras palavras, o estudante tinha preparado o agente catalisador 1000 vezes mais concentrado do que Shirakawa havia dito! Ele estava muito intrigado por essa observação, dado que todo bom químico sabe que um catalisador deveria somente aumentar a taxa de reação química sem alterar a natureza do produto. Isto então fez com que Shirakawa iniciasse investigações sobre essa forma prateada de poliacetileno. Eu perguntei se ele poderia se juntar a mim, por um período, na Universidade da Pensilvania (UPENN). Rapidamente conseguimos recursos para que ele pudesse vir à UPENN e desta forma poder permanecer conosco um ano, realizando pesquisa, no nível de pós-doutoramento. Nesse período, nós descobrimos o poliacetileno condutor e o seu processo de dopagem, em colaboração com o professor Alan Heeger do Departamento de Física e, por intermédio dessa integração, começamos a observar um pouco mais as sofisticações da Física. Aquele foi um dos acontecimentos acidentais mais importantes, resultantes daquela xícara de chá verde com Hideki Shirakawa.

Acredito que o importante é estar sempre atento para fatos inesperados para, desta forma, fazer uso de descobertas acidentais. Claro que um técnico e um pesquisador experiente podem ver os mesmos fatos experimentais. Um deles irá dizer: "É só um erro." Enquanto o pesquisador experiente irá dizer "Uh-huh! Isso é interessante, é inesperado. Por que isso aconteceu?" Nunca acredite em alguma coisa só porque está escrito em um livro ou em um jornal. Sempre questione tudo.

Quais são os seus objetivos profissionais e/ou pessoais, depois do prêmio Nobel?

No momento, eu estou com quase 77 anos e continuo trabalhando duramente - um número de horas semanais expressivo - do que eu acho que já tenha feito. Um aspecto muito importante desse entusiasmo está relacionado ao vasto e emergente campo de pesquisa em nanociência e aplicação da nanotecnologia de materiais do tipo polímeros orgânicos e espécies moleculares. Na área de materiais, com dimensões muito pequenas, nós sabemos que essa propriedade irá afetar a taxa em que a substância passa por reações químicas, bem como a relação superfície pelo volume ficará maior quando conseguirmos alcançar dimensões cada vez menores. No entanto, iremos encontrar uma mudança no que aparenta ser a propriedade termo-dinâmica do material. A mudança é muito pequena e você pode negligenciá-la, mas quando você consegue dimensões cada vez menores, a contribuição da energia livre de superfície sobre as propriedades termodinâmicas do volume do material torna-se cada vez mais importante, pelo fato de que uma percentagem cada vez maior do material é agora uma superfície. Realmente, olhando a nanociência, a aplicação da nanotecnologia de materiais, polímeros e moléculas orgânicas são muito promissores. Também todo o aspecto de materiais biomédicos e suas aplicações são extremamente importantes. Tenho certeza de que nos próximos 20 ou 30 anos, veremos um impacto significativo e de extrema importância ocorrendo no setor ligado a materiais biomédicos. Eu acho que nós iremos nos deparar com mais e mais pesquisas de caráter multidisciplinar e inter-disciplinar, as quais estarão sendo realizadas por pessoas com diferentes "backgrounds". Esse tipo de interação terá um papel fundamental. Em outras palavras, se você tem mais de uma pessoa trabalhando para resolver um determinado problema, freqüentemente descobrimos que um mais um é muito mais que dois. A interação de diferentes áreas de especialistas é o caminho do futuro.

Ciência, Pessoas, Meio Ambiente e Energia. O que nos aguarda para o futuro?

Isso é descrito em um pequeno artigo que escrevi. Para mim, o maior e mais simples problema que os cientistas encaram nos dias de hoje é a questão da energia. Nós temos que ser capazes de conseguir energia barata que não seja dependente de combustível fóssil, tais como o carvão, gás e óleo, porque esses irão acabar em algum momento. Mesmo que eles fiquem conosco por um bom período de tempo, a sua queima irá com certeza continuar criando dióxido de carbono, que vem afetando todas as condições climáticas de nosso planeta. Então, o que nós precisamos fazer é conseguir fontes alternativas de energia e tentar conservar a que temos. No entanto, este tipo de procedimento é caro. O que eu e um outro grupo de pessoas sugerimos é que nós tenhamos um programa de impacto "crash program", um tanto similar ao do Projeto Manhattan ou o Projeto Apollo (projeto que colocou um homem no espaço). Por exemplo, se somente os EUA adotassem o pagamento de uma taxa de cinco centavos em cada galão de gasolina e fosse adotada uma taxa de 5 centavos em combustível de avião, isso iria produzir 10 bilhões, não 10 milhões, mas sim 10 bilhões de dólares todos os anos. E no período de 4 a 5 anos, com algo em torno de 40 - 50 bilhões de dólares, o que é altamente possível, nós poderíamos conseguir várias, boas e baratas fontes de energia alternativa. Eu também proporia que outros países pudessem considerar o uso de uma pequena parcela do seu orçamento militar para termos um projeto mundial que viabilizasse a busca dessas fontes. Se nós temos energia alternativa barata, isso significa que nós poderemos conseguir água barata, quer seja pela destilação da água do mar ou água do ar, até mesmo em desertos, por intermédio das plantas de cactos. Se nós temos água barata, nós podemos ter bastante comida barata. Nós podemos irrigar áreas que são desertos. Quando se atravessa a América, é possível observar claramente alguns círculos verdes nas áreas que são desertos. Isso ocorre onde tem havido irrigação da terra desértica e esse verde radiante é o resultado da plantação crescendo. Se você tem bastante energia barata, isso irá resultar em uma quantidade significativa de água barata, o que possibilitará a produção de alimentos mais baratos e com a abundância de alimentos você estará afastando a maioria dos - não todos - problemas do mundo de hoje. Você irá reduzir a pobreza, o terrorismo e as guerras. Você terá mais dinheiro para saúde e educação. Desta forma, conseguir energia barata é extremamente importante e pode ser feito. Para tanto, precisaremos testar vários métodos mas, para isso, será necessária uma soma significativa de recursos. Dinheiro pode ser provido muito facilmente, haja vista que os países podem gastar bilhões de dólares em armamentos, o que não é uma solução válida permanente para energia. É muito melhor colocar uma quantia significativa de dinheiro para as pesquisas com fontes alternativas de energia. A respeito disso, eu sempre gosto de fazer uma analogia com a pesquisa básica, que é um investimento no futuro. Por exemplo, se você tem um agricultor que não tem muito dinheiro, ele pode usar um pouco daquele dinheiro para comprar uma nova caminhonete, que é boa e chamativa para que seus amigos e vizinhos possam admirá-la. Ou ele pode usar o dinheiro para colocar fertilizante na sua terra. E você não verá nada. Mas, se o agricultor não colocar adubo na sua terra, ele não terá uma boa safra no futuro e irá sofrer. Então, fazer pesquisa básica, para mim, é muito parecido com o agricultor que está colocando fertilizante na terra. Não existe pagamento imediato e você não verá nada imediatamente pelos gastos feitos com alta soma de dinheiro e de trabalho. Mas, se você não fizer isso, o agricultor sabe que você terá problemas por vários anos.

Como o senhor vê a interação com a Embrapa e o potencial de aplicação de polímeros eletrônicos no agronegócio?

Essa é uma questão muito boa. Eu acho que você provavelmente sabe dos meus pensamentos e sentimentos a respeito do assunto. Pelo fato de ter vindo de um país agrícola como a Nova Zelândia - onde meu irmão foi uma das primeiras pessoas a cultivar o kiwi - o que nós mais precisamos, em todas as áreas da agricultura e em todos os países, é saber quando o agricultor deve colher o seu fruto. Quer seja uma banana, uma laranja, uma maçã, um kiwi, ou grãos de café. Como ele sabe quando colhê-lo? No momento, isso é feito de uma maneira terrivelmente antiga, mas no futuro alguém terá um aparelho eletrônico muito barato, possivelmente feito de polímeros eletrônicos impressos em papel, que pode ser usado por um agricultor sem formação, em sua propriedade, para saber quando uma determinada safra deve ser colhida e quando não deve.

Para finalizar, o senhor poderia deixar um conselho para os pesquisadores que estão iniciando a sua carreira?

Como sempre comentamos, pesquisa é 99% transpiração - como a conquista do sucesso em qualquer coisa na vida - e 1% inspiração. Thomas Edison fez esta declaração. Eu tenho uma frase em minha parede que diz: "Eu sou uma pessoa de muita sorte e quanto mais trabalho, mais sortudo eu pareço". Então, não existe desculpa para trabalho duro. Alguém tem que ter sorte. Mas sorte somente vem, sucesso só vem para uma pessoa que está preparada para ter bastante trabalho e poder explorar essa sorte, que aparentemente lhe apareceu. Então, muito especificamente, eu acho que o importante para pesquisadores iniciantes adquirirem uma boa reputação nacional e internacional está relacionado com fazerem trabalhos experimentais de qualidade que possam ser reproduzidos. Você precisa ter certeza de que qualquer coisa que você publique, ou diga, possa ser reproduzido. Então, construirá uma excelente reputação. Na minha opinião, não importa muito se você fizer uma teoria e esta teoria estiver errada. Como eu sempre digo, teorias vêm e vão mas fatos experimentais duram para sempre. Não existe substituto para trabalhos experimentais confiáveis e que podem ser repetidos.

A outra coisa é que alguém pode dizer que pesquisa é 95% falha. De alguma forma isso está correto: 95% das vezes você não tem os resultados que espera ter. Mas, como eu sempre gosto de reforçar, não existe nenhum experimento que é totalmente uma falha. Você pode aprender algo em qualquer experimento, mesmo que não tenha os resultados esperados. É o indivíduo que decide. Um pesquisador ruim não irá aprender nada, nenhuma informação, nenhum beneficio de um experimento que não deu seu resultado desejado. O bom pesquisador irá ganhar informação e irá se beneficiar de cada experimento, tendo ou não os resultados esperados. Se você tem algum problema, projeto de pesquisa, digamos na indústria, que parece ser chato, o cientista ruim irá achar chato. O bom cientista irá achar algo muito interessante nele. Esta questão chegou a mim há muitos anos atrás, quando estava visitando uma grande companhia nos Estados Unidos. Após o almoço, passei uma hora com um determinado cientista, um dos cientistas-chave na companhia. Eu fui para o seu escritório e ele disse, "Eu estou trabalhando no problema das linhas de sujeira dentro do colarinho de uma camiseta masculina." E eu pensei, "Nossa, que tedioso." Mas aconteceu que aquele era seu objetivo, o que lhe foi dito para fazer, e ele conseguiu um belíssimo problema científico em algo que parecia um problema tão mundano. Coloque um mal pesquisador para fazê-lo, e ele dirá, "Que problema horrível e desinteressante". Coloque um bom pesquisador para fazê-lo e ele dirá, "É realmente empolgante." O bom pesquisador consegue achar entusiasmo e uma bela ciência em qualquer problema.

Entrevista elaborada por Paulo Sérgio de Paula Herrmann Jr. Pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária, São Carlos/SP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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