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PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS

EDITORIAL

PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS* * Reprodução do Editorial publicado na R Med PUCRS. Porto Alegre, v. 11, n. 2, abr./jun. 2001

O produto visível, concreto da atividade científica, é o assim chamado "trabalho científico": o texto detalhado, descrevendo a inserção do achado ou achados no contexto dos conhecimentos sobre a área, os métodos utilizados, os resultados, sua discussão e a bibliografia correspondente. Os achados científicos que não são publicados é como se não existissem: ninguém se inteira deles fora do reduzido âmbito do local onde foram feitos. Os achados que são só apresentados em congressos têm uma divulgação muito limitada: só ficam conhecidos por aqueles que assistiram à palestra ou viram o "poster" correspondente, mas o registro que se pode conservar disso é por demais sucinto: uma vaga lembrança auditiva ou visual, o breve resumo nos anais.

A divulgação real para o resto do mundo ocorre através da publicação formal do "trabalho correspondente", quer numa revista especializada, quer como capítulo de um livro, em ambos casos de difusão internacional. O conjunto desses artigos ou capítulos de livros denomina-se "produção científica". Quem não publica, quem só esconde, é considerado improdutivo: não há forma de saber se realmente fez algo ou não com o dinheiro que lhe foi dado, geralmente dinheiro público. Aquele que publica mas cujos trabalhos são pouco citados pode, às vezes, ser um incompreendido: é bem conhecido o fato de que os autores ingleses ou norte-americanos não costumam citar cientistas de outros países, muito menos da América Latina. Realmente, a discriminação chega a ser impressionante, e somos ignorados e desprezados por eles de maneira vergonhosa. Mas aquele que publica e não é citado nunca, ou quase nunca, geralmente é porque aquilo que produz não é muito importante, e bem faria se meditasse sobre isso e descobrisse como e em que aspectos poderia melhorar.

O Brasil produz pouca ciência: 0,65% das publicações mundiais em revistas de circulação internacional, o que é menos da metade do que caberia esperar, a julgar pelo PIB do País, e menos de um terço do que caberia esperar do número de cientistas registrados como tais pelo governo federal. Porém, a pouca ciência que é produzida no Brasil é mais citada do que a média: quase 0,8% das citações é de artigos brasileiros, o que indica que ela é bastante boa, já que tem repercussão mundial e consegue vencer em parte as barreiras da discriminação primeiro-mundista.

Por que a produção científica do Brasil é pequena em relação ao número de cientistas? Por que o cientista brasileiro publica pouco em revistas ou livros de divulgação internacional?

A razão principal é o complexo de inferioridade que os brasileiros têm em relação a tudo e a todos e que, infelizmente, compartilham com outros povos latinos. Porque, em matéria de ciência, também os e hóis, os mexicanos, os italianos e os argentinos têm esse complexo. Talvez em menor grau que o Brasil, quem sabe porque esses outros povos têm uma tradição científica superior à brasileira (vários prêmios Nobel etc.).

Existe o medo do fracasso, o temor de que um artigo escrito aqui em inglês duvidoso seja motivo de chacota "lá fora". Os tímidos japoneses, também discriminados pelos anglo-saxões de maneira terrível, vencendo seu constante temor de ser ridicularizados pelos ocidentais, certamente não compartilham os temores dos cientistas brasileiros. Quando têm um resultado interessante, escrevem-no num inglês geralmente péssimo e enviam-no às melhores revistas da Inglaterra ou dos Estados Unidos. Quem pode sentir o ridículo não são eles: são os pacientes editores dessas revistas, forçados a perder horas corrigindo advérbios e concordâncias, e a admitir que "esses amarelos", afinal, são mesmo muito bons.

No Brasil, temos de entender que o fato de ser periféricos (certamente o somos, em relação à economia ou à ciência universais) não nos faz necessariamente ignorantes nem nos desliga de nossas bases culturais. Alguns alegam nossa "falta de tradição cultural", fenômeno que, de acordo com essa linha de pensamento, só poderá ser corrigido daqui a dois mil anos, quando teremos uma história tão longa como a da Itália, por exemplo, que, daqui a dois mil anos, terá o dobro da nossa. Essa posição é falsa e impossibilita qualquer auto-estima, desde o momento em que consagra qualquer deficiência nossa como algo intrínseco, inevitável e incorrigível.

Pelo contrário: aqui temos não só as tradições culturais de quase toda a Europa, senão também outras procedentes da África, outras vindas de um passado indígena quase apagado mas vigente, outras comuns com nossos países vizinhos, outras importadas dos Estados Unidos e outras edificadas aqui mesmo, com sangue, lágrimas e risos, ao longo dos últimos 150 ou 200 anos. Na Europa, os portugueses têm as tradições portuguesas, os espanhóis as espanholas, e os alemães as alemãs; nós, aqui, temos as de todos eles, mais as da Itália, da França, da Inglaterra e as de Deus sabe mais onde. Não nos faltam tradições para dar bases a nossa cultura; não nos falta cultura. Temos Villa- Lobos e também Beethoven; Tiradentes e também Bolívar, Júlio César; Shakespeare e Camões, e também Érico Veríssimo e Borges. Poucos escreveram português tão bem como Machado de Assis; poucos povos criaram música popular mais agradável do que a nossa. Falta-nos confiar na nossa cultura e difundi-la. Não ficar tão temerosos nem tão acanhados por ser o que somos, porque o que somos não é pouco.

Nós, que fazemos ciência num país como o Brasil, onde essa atividade é escassa e a língua é pouco conhecida no resto do planeta, temos uma obrigação um pouco maior do que a de nossos colegas da Europa ou da América do Norte: temos de comunicar nossos achados não só ao mundo, em inglês, como eles (o inglês é a língua internacional das ciências), como também a nossos colegas locais em português, e certamente também a nossos colegas dos países vizinhos, em espanhol, já que vivemos no meio deles e o espanhol é a segunda língua do Ocidente. Parte dessa comunicação é, claro, feita em congressos nacionais ou regionais. Mas é preciso também publicar em revistas brasileiras ou latino-americanas para que nossa produção seja realmente divulgada em nosso meio, que não é mais restrito a um só país. Assim como para conseguir verbas, ou para sobreviver, ou para conseguir resultados com os exíguos meios a nossa disposição, no referente à divulgação, nós, os cientistas brasileiros, também temos de trabalhar dobrado.

Por último, há um terceiro nível de comunicação dos achados científicos: sua divulgação ao público em geral. No Brasil, há pouco conhecimento público de que vários de seus habitantes praticam ciência e de que isso é importante para o desenvolvimento nacional. Existem boas revistas de divulgação em nível universitário (Ciência Hoje é um exemplo); há revistas de divulgação em nível secundário mais ou menos completo (Globo Ciência, Superinteressante); e, por último, a TV e alguns jornais às vezes divulgam também alguns aspectos principais da atividade científica elaborada no País (por exemplo, a Folha de São Paulo). Nós, que praticamos ciência no Brasil, temos a obrigação social de comunicar ao público aquilo que fazemos, em parte para ilustrá-lo, e em parte porque, afinal, é ele quem nos paga com seus impostos.

Os países mais avançados já compreenderam que sem ciência não há tecnologia, e que sem tecnologia não há desenvolvimento econômico e, portanto, meios para manter a população longe da miséria. O Brasil ainda não: por isso há miséria.

Ivan Izquierdo

Professor Titular de Neuroquímica do Departamento de Bioquímica, Instituto de Ciências Básicas da Saúde, UFRGS. Professor

Honorário da Universidade de Buenos Aires. Membro do Conselho Consultivo da Revista de Medicina da PUCRS.

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    Reprodução do Editorial publicado na
    R Med PUCRS. Porto Alegre, v. 11, n. 2, abr./jun. 2001
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Mar 2002
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