No centenário de Amílcar Cabral, nascido em Bafatá em 1924, na atual Guiné-Bissau, a Editora Expressão Popular, dentro da série “Marxismo do terceiro milênio”, lança em comemoração uma coletânea de discursos proferidos por ele, tendo em vista manter vivas as frentes de trabalho e de interesses desse importante revolucionário e pensador, também conhecido por “pedagogo da revolução”, que liderou a luta armada e diplomática contra o colonialismo explorador e o capital imperialista em África.
O camarada Amílcar Cabral foi político, engenheiro agrônomo, teórico marxista e destacado nome da independência de seu país e de Cabo Verde. Liderou o movimento de libertação nacional por meio da sua atuação diante do Partido Africano para a Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), do qual foi fundador, defendendo o pan-africanismo socialista até o seu assassinato em 1973 a mando do poder colonial português.
Em suas quase trezentas páginas, o livro Amílcar Cabral: discursos anticoloniais reúne nota histórica e editorial, cronologia e um texto que contextualiza o panorama mais amplo dos acontecimentos no conjunto do continente africano. Portanto mais do que um livro com discursos esparsos, organizados em “Teoria da Organização”, “Cultura e Libertação Nacional”, e “Internacionalismo”, que evidenciam a importância da preservação e da divulgação da memória dessa liderança revolucionária e o contexto social, político e cultural que possibilitou a sua existência.
A tessitura da “Nota histórica e editorial”, de Lia Urbini, acontece nas configurações dos países que compartilham com o Brasil, além da língua oficial, o passado colonial conectado à história de dominação portuguesa. Inspirada na potência da leitura crítica do mundo, sintetiza Lia, “instigada por figuras como Amílcar Cabral, e que carregam as histórias de seus tantos camaradas anônimos ou menos conhecidos”, que o livro é a expressão de trocas mais amplas contra autoritarismos em qualquer escala, as quais entrelaçam nossas histórias.
Em seguida, a cronologia que remete à Guiné-Bissau antes de Portugal, no ano de 1446, passando pelos primeiros contatos portugueses e a separação de Guiné-Bissau de Cabo Verde em 1879; ao massacre de Pidjiguiti no ano de 1959; a Guiné-Bissau de 1980 até hoje; e ainda à cronologia de Amílcar Cabral de 1924 a 1973.
De autoria de Carlos Lopes, “O legado de Amílcar Cabral diante dos desafios da ética contemporânea”, realiza algumas interrogações: por que é importante celebrar a sua vida e obra? Por que fazê-lo agora, e em que contexto? E trata de apontar o legado ético e a originalidade de Amílcar Cabral que muito podem servir para entender os desafios contemporâneos, como por exemplo: a globalização, a luta por valores, a ausência de ideologia, o papel dos intelectuais africanos no nacionalismo, as elites e a pequena burguesia, a solidariedade internacional e os desafios éticos contemporâneos.
A primeira parte com os discursos de Amílcar Cabral intitula-se “Teoria da Organização”, iniciando com “Fundamentos e objetivos da libertação nacional em relação a estrutura social”, o qual foi pronunciado em sessão plenária de 06 de janeiro de 1966, em Havana, no qual se depreendem a troca de experiências com outros movimentos de libertação nacional, o estudo e a resolução de problemas centrais da luta comum contra o imperialismo e a dominação estrangeira, organizando-se em “ausência de ideologia, a luta de classes, sobre o modo de produção, o imperialismo, o papel da violência” e, sobre “a pequena burguesia”.
O próximo discurso, “Aplicar na prática os princípios do Partido”, resume os princípios da crítica e da autocrítica para resolver os problemas e as contradições internas, partindo-se da democracia revolucionária do partido, para que esse seja cada dia melhor, pois é indispensável aplicar em todas as dimensões da vida e da luta os princípios de organização e trabalho que o partido adaptou como normas.
Enquanto isso, o terceiro discurso “Para a melhoria do nosso trabalho político” e o quarto “Nem toda a gente é do Partido” tiveram a sua pronúncia em crioulo no ano de 1969, sendo que um versa em torno do trabalho político do partido na Guiné Bissau e em Cabo Verde, no reforço das Forças Armadas e nas relações com a África e com o mundo em geral, e o outro, dividido em “trabalho de direção, o partido, objetivo, membros, mas quem é o povo?, partidos e movimentos”, e “negação de oportunismo”, em torno fundamentalmente do trabalho do partido, o PAIGC.
Já no discurso de número cinco, “Unidade e Luta”, no ano de 1969, igualmente em crioulo, Amílcar Cabral conversa com os camaradas sobre os princípios do partido e da luta armada de libertação. Discute o que é unidade e o que é luta, concluindo que a unidade é um meio para lutar para a realização do povo e a construção de seu progresso e felicidade na Guiné Bissau e Cabo Verde.
O último discurso dessa primeira parte, intitulado “Para resolver os problemas o que é preciso pensar”, ainda em crioulo, no mês de agosto de 1971, tece considerações dos projetos de reconstrução nacional, no conjunto das zonas libertadas, e diz que os camaradas responsáveis por tais locais têm funções mais que sociais e culturais, dedicados aos problemas da economia, da agricultura, do artesanato e de outras atividades.
A segunda parte com os discursos de Amílcar Cabral intitula-se “Cultura e Libertação Nacional”, agrupando quatro discursos, sendo o primeiro deles “Libertação Nacional e Cultura”, uma conferência em homenagem a Eduardo Mondlane, em fevereiro de 1970, nos Estados Unidos, na qual demonstra a amizade militante e a solidariedade ao povo de Moçambique, pois se encontram ligados por laços na luta comum contra o colonialismo português. Cabral enfatiza que quanto maiores são as diferenças entre a cultura do povo dominado e a do opressor, mais possível se torna a luta da libertação.
O próximo discurso, “Resistência cultural”, analisa a luta de libertação como um ato de cultura, destacando que a cultura dos africanos da Guiné Bissau e de Cabo Verde não é a cultura dos portugueses e indica o quão se deve trabalhar para eliminar a cultura dos colonialistas.
Em seguida, “A cultura, fonte inesgotável de valentia, energia física e moral do povo”, foi por ocasião do “Honoris Causa” recebido por Amílcar Cabral, em dezembro de 1972, na União das Repúblicas Socialista Soviéticas (URSS). Cabral evidencia que a multiplicidade de categorias sociais, e em particular, de etnias, torna mais complexa a definição do papel da cultura nos movimentos de libertação, e mostra a necessidade de opção política em contestação da dominação estrangeira.
Para terminar essa parte, em “A mulher e o homem, companheiros na grande aventura que é a vida no nosso planeta”, demonstra o respeito, a consideração, o amor pelas mulheres, tanto as africanas de Guiné-Bissau e Cabo Verde quanto as do mundo inteiro, e em especial pelas companheiras diretas na luta, destacando a falta de justiça e a discriminação que há tempos elas são objeto. Cabral encerra, falando do seu sonho de igualdade real para homens e mulheres.
A terceira e parte final com os discursos de Amílcar Cabral intitula-se “Internacionalismo”, sendo o primeiro deles “Portugal é imperialista?”, proferido na Conferência de Helsinque, em 1971, quando Cabral situa o imperialismo na sede insaciável de mais-valia dos países capitalistas, compreendendo que Portugal é impedido de realizar processos de descolonização, porque não pode pretender neocolonizar, e anuncia que espera contar com a solidariedade internacional para desenvolver a luta de libertação e vencer o colonialismo português.
Em “Intensifiquemos a ação em todos os planos”, datado de janeiro de 1972, se dá a saudação para mais um ano de luta, de existência na dignidade reconquistada, de liberdade e soberania das regiões libertadas, de consolidação e aumento da consciência política e patriótica; e o incentivo para redobrar os esforços da ação armada ou não contra os criminosos colonialistas portugueses.
No último discurso do livro, “Mensagem de ano novo”, proferido em janeiro de 1973, começa um ano novo de vida e de luta e o combate pela independência do povo africano, a qual completava dez anos. Cabral recorda que é tempo de ação para reconquistar a terra e passar para uma fase nova da luta, de acordo com as aspirações do povo e os imperativos da libertação total da pátria africana.
É um livro indispensável e de leitura esperançosa, distante de academicismos ou ofícios de cientificismo. Feito para alcançar um público mais amplo e se reconhecer o fato de não terem conseguido interromper a sua influência mundial. Em suma, os discursos de Amílcar Cabral, embora datados, continuam revolucionários e atemporais, ressaltando a configuração existente entre as lutas da classe trabalhadora internacional e os países colonizados do mundo, ambos explorados pelo capitalismo imperialista.
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Revisão textual:
Normalização bibliográfica (APA 7ª Ed.), preparação e revisão textual em português: Nome do revisor: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha verah.bonilha@gmail.com.br
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Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
Editado por
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Editoras responsáveis:
Editora Associada: Wivian Weller https://orcid.org/0000-0003-1450-2004.Editora-Chefe: Helena Sampaio https://orcid.org/0000-0002-1759-4875.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
16 Set 2024 -
Aceito
06 Dez 2024
