Acessibilidade / Reportar erro

Clássicos da educação brasileira

LEITURAS E RESENHAS

Clássicos da educação brasileira

Adriana Duarte Leon

Doutoranda em Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG), Brasil. adriana.adrileon@gmail.com

HAMDAN, Juliana Cesário e XAVIER, Maria do Carmo (Org). Clássicos da Educação Brasileira, v. 2. Belo Horizonte: Mazza, 2011. 253 p. (Série Clássicos da Educação Brasileira – Coleção Pensar a Educação, Pensar o Brasil).

Este livro faz parte da série Clássicos da Educação Brasileira da Coleção Pensar a Educação, Pensar o Brasil, publicada em parceria entre a Mazza Edições e o Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822/2022. Esse projeto, iniciado em 2007, articula ações de ensino, pesquisa e extensão e enfrenta o desafio de pensar alternativas para a Educação no Brasil1 1 . Mais informações sobre o projeto e a coleção podem ser buscadas no site: www.fae.ufmg.br/pensareducacao. .

Clássicos da Educação, v.1, publicado em 2010, reunia resenhas de obras publicadas entre 1930 e 1960. Nas obras ali resenhadas, destacava-se a atuação da intelectualidade na constituição dos discursos sobre sociedade e educação. Clássicos da Educação, v.2 (2011) mantém a ideia de resenhar obras clássicas da educação, com ênfase na obra e no contexto de produção, o que auxilia o leitor a perceber a obra em seu tempo. Com abrangência temporal de nove décadas, retoma a trajetória de intelectuais que se destacaram no campo educacional.

Clássicos da Educação Brasileira, v.2, reúne dez resenhas-textos2 2 . Termo utilizado pelas organizadoras na apresentação da obra para caracterizar os textos que compõem o livro. de obras publicadas originalmente entre 1890 e 1980. Os trabalhos apresentam, além de uma visão geral sobre a obra selecionada, o contexto de sua publicação, buscando assim dialogar com os intervenientes sociais no período de produção das obras. Os autores que colaboraram com a publicação dos Clássicos são reconhecidos no campo da História da Educação, o que corrobora a seriedade do trabalho organizado pelas pesquisadoras Juliana Cesário Handam e Maria do Carmo Xavier.

A obra aponta a análise educacional de reconhecidos intelectuais brasileiros na tentativa de diagnosticar os problemas relacionados à educação no seu tempo. Cabe perceber que a consolidação da nação brasileira ganha espaço no debate educacional, e a educação escolar ocupa papel de destaque na construção do Brasil.

Os dez textos apresentados têm, em comum, o viés da educação escolar e sua relação com o Estado, embora a tratativa dessa questão se coloque em momentos históricos diferentes. Observa-se que, no período das obras incluídas – 1890 a 1980 –, a ponderação sobre qual relação deve ser estabelecida entre Estado e educação está presente, e os clássicos incluídos trataram de caracterizar, de interpretar e de idealizar tal relação.

Cláudia Alves apresenta a trajetória de José Veríssimo, intelectual brasileiro, que se destacou pela crítica literária no início do século XX. Natural de Belém do Pará, começou a escrever em jornais locais aos dezenove anos, ainda no século XIX. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1892, onde foi professor e, no início do século XX, firmou sua carreira na crítica literária, publicando diversas obras que projetaram o seu nome nacionalmente. Alves aborda, de forma específica, o livro A Educação nacional, publicada por Veríssimo em 1890 no Pará. Em 1906, foi publicada a segunda edição ampliada pelo autor, que foi reeditada, em 1985, no mesmo formato da segunda edição. A autora afirma que a palavra-chave para entender o texto é 'o cidadão', pois a obra apresenta a preocupação com a formação do cidadão nacional, aquele que atenderia às demandas apresentadas pelos novos tempos, por isso o sentido atribuído ao papel ocupado pela educação familiar, social e escolar, com destaque para a relevância da mulher na viabilização desse empreendimento social.

José Carlos Souza Araújo trata de Mario Pinto Serva, natural de São Paulo, nascido em 1881, vinculado à liga nacionalista de São Paulo, membro fundador do Partido Democrático de S. Paulo. Jornalista e político, foi também deputado estadual. O autor destaca 19 trabalhos de Mario e opta por analisar de forma mais específica a obra A Educação nacional, publicada em 1924, que tem como foco a construção da nacionalidade brasileira por meio da educação. Com 240 páginas, conta com 50 capítulos curtos, em que se estabelecem relações entre educação e reconstrução nacional; educação como direito social, em que defende a participação da mulher na vida em sociedade e entende a forma federada como a mais adequada para a organização da educação. O autor sintetiza a obra de Mario como de militância política e jornalística, defensora da nacionalidade brasileira pela educação.

Gladys Mary Ghizoni Teive comenta Orestes de Oliveira Guimarães, paulista de Taubaté, integrante da primeira geração de normalistas formados na República em 1889. Exerceu a docência muito jovem e dirigiu os primeiros grupos escolares de São Paulo. O sucesso na direção dos grupos escolares fez com que ficasse conhecido como representante da pedagogia moderna, o que lhe rendeu, em 1906, o convite para atuar em Santa Catarina, com a tarefa de modernizar e de nacionalizar a instrução pública. Orestes foi reconhecido pelo Presidente da República e destacou-se pela atuação com os imigrantes e pelas investidas de nacionalização nas escolas que os atendiam. Defendia o projeto de nacionalização do país por meio da institucionalização da escolarização. Era partidário declarado do novo, do moderno. A obra analisada pela autora é Sugestões sobre a educação popular no Brasil, publicada em 1924, na qual se destacam questões relacionadas à organização do ensino e às responsabilidades da União e dos estados na implementação da educação. Pode-se observar a ênfase às particularidades do meio rural. Afirma, o autor, a necessidade de escolas específicas para tratar dessa demanda. As ideias de nação e de progresso fazem parte do discurso de Orestes, que visualiza no Estado a responsabilidade pela construção da nação brasileira.

Carlos Henrique de Carvalho analisa a obra Debates pedagógicos, de Alceu Amoroso Lima, também conhecido como Tristão de Athaíde. Carioca, nascido em 1893, converteu-se ao catolicismo em 1920, sob influência de Jackson de Figueiredo. Alceu Amoroso é uma importante referência do movimento de renovação católica ocorrido no Brasil na década de 1930. Foi diretor do Centro Dom Vital (fundado em 1921) e responsável pela revista A Ordem, criada em 1928. Após 1930, escreve artigos semanais para a Folha de S. Paulo e para o Jornal do Brasil, além de ter escrito mais ou menos 80 livros sobre temas diversos. Na obra em apreço, Debates pedagógicos, publicada originalmente em 1931, Athaíde reivindica para a Igreja Católica o direito de intervir na educação escolar. Demonstra descontentamento com as políticas de Estado e faz uma crítica ao decreto de 30 de abril de 1931, que estabelece o ensino religioso como facultativo nas escolas. Defende o retorno do ensino religioso sob o argumento da liberdade do sujeito exercer sua crença. Alceu apresenta posicionamento em acordo com o grupo de sua inserção, os católicos liberais, que, na época, combatiam acirradamente a laicização do ensino.

Natália de Lacerda Gil apresenta Teixeira de Freitas e a sua obra O que dizem os números. Teixeira publicou vários estudos sobre estatística no Brasil, principalmente relacionados à saúde e à educação. O período central de sua publicação foram as décadas de 30 e 40 do século XX. Foi um dos fundadores do IBGE e apresentava notoriedade considerável nos meios intelectuais que discutiam a questão educacional. Teixeira buscou interpretar a educação por intermédio da estatística e, nesse sentido, possibilitou uma forma de análise incomum para o período, que era inclinado a entender a educação como processo. Afirmava que não bastava o aumento das vagas, embora fosse necessário no período, pois a escola brasileira precisava estabelecer qualidade e permanência. Demonstrava, via estatística, que os alunos que ingressavam não continuavam na escola, logo se precisava melhorar a qualidade para garantir a permanência.

Ana Chrystina Venâncio Mignot apresenta Armanda Álvaro de Alberto, educadora fascinante, que revisita sua trajetória profissional em 1969 com a publicação Escola regional de Meriti. Armanda foi uma das fundadoras da ABE, em 1924, prisioneira política de 1936-1937 e diretora da escola de Meriti até 1964. Após sua saída da escola de Meriti, publica a obra analisada por Mignot. O tema do livro reside na visualização da escola proletária do Meriti e a valorização da proposta de trabalho da escola, a qual atendia classes populares. A obra foi organizada como um documentário, o que possibilitou à autora solicitar depoimentos sobre sua gestão na escola do Meriti. Armanda coletou testemunhos de vários intelectuais, com o que compôs a sua obra. Entre esses intelectuais, estavam Tristão de Athaíde, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e outros. As declarações valorizam o trabalho desenvolvido por Armanda e saúdam a sua escolha de atuar em uma escola que atendia classes populares. Mignot destaca que, de certa maneira, a obra foi uma forma de Armanda eternizar e se eternizar, pois possibilitava retomar, pela experiência da escola do Meriti, a importância da atuação de uma geração para o benefício educacional.

Clarice Nunes apresenta Anísio Teixeira e o livro Educação não é privilégio, publicado em 1957. Reúne duas conferências: a primeira intitula-se "Educação não é privilégio", proferida por ele em 1953, na qual defendia a escola primária comum a todos; a segunda intitula-se "A escola pública, universal e gratuita", proferida em 1956, que consistia em uma detalhada defesa da escola pública, universal e gratuita. De acordo com Clarice, a obra em apreço já foi resenhada por diversos pesquisadores, mas sempre possibilita novas questões dada sua atualidade. Publicada na década de 1950, apresenta a crítica de Anísio à ampliação quantitativa das escolas brasileiras e a defesa da ampliação qualitativa da escola, busca demonstrar que a educação não é privilégio e reivindica para as camadas populares o direito a uma educação de qualidade. O livro foi reeditado em 1968, 1971 e 1977, em cada uma dessas edições a obra foi ampliada.

Gisele Cristina do Vale Gatti apresenta Geraldo Bastos Silva e a obra A educação secundária: perspectiva histórica e teoria, publicada em 1969. Geraldo sempre defendeu o ensino público e mantinha posição crítica sobre a educação, participando de forma ativa no debate sobre a educação secundária. A obra de Geraldo é um levantamento dos problemas gerais percebidos no ensino secundário no período de sua publicação. Cabe observar que a obra é, de certa forma, uma nova versão do texto "Introdução à crítica do ensino secundário", publicado em 1959 por Geraldo. Em 1969, ao publicar A educação secundária, ele revisita a obra anterior e a amplia modificando a forma e as análises. A obra faz um panorama das políticas para o ensino secundário, tendo como referência as instituições escolares. Destaca as experiências da França e da Inglaterra para, posteriormente, centralizar o debate no caso brasileiro. Analisa a ação dos jesuítas, as escolas republicanas, a influência positivista e a uniformização nacional do ensino secundário, de forma a aglutinar uma série de questões latentes no debate desse nível de ensino.

Dermeval Saviani apresenta A Educação e a ilusão liberal de Casemiro dos Reis Filho. Casemiro, nascido em 1927, é natural do interior de São Paulo. Concluiu o curso primário aos 14 anos, considerando-se as dificuldades que enfrentou para estudar, visto que era morador do meio rural. Em 1947, foi morar em espaço urbano, o que facilitou o acesso à escolaridade. Cursou técnico em contabilidade, curso normal e, posteriormente, ingressou simultaneamente nos cursos de Pedagogia e Economia, na Universidade de São Paulo. Antes de concluí-los, começou a lecionar como professor substituto, quando abandonou o curso de Economia e estreitou os laços com a educação. Casemiro foi um dos precursores da Faculdade de Rio Preto, de onde foi dispensado em 1964, por motivações políticas da repressão. Em 1967, foi contratado pela PUC/SP para ministrar a disciplina de Filosofia da Educação no curso de Pedagogia, passando, no ano posterior, a reger a disciplina de História da Educação. A obra de Casemiro analisada é a base da sua tese de doutorado, apresentada na PUC/SP em 1974, sob o título Reforma republicana do ensino paulista: fase de implantação (1890 – 1896). Casemiro toma a educação no estado de São Paulo como objeto de investigação e realiza um estudo historiográfico minucioso sobre a reforma do ensino paulista que se converteu no livro A Educação e a ilusão liberal. Outro material que resultou desse estudo foi o Índice básico da legislação do ensino paulista (1890 – 1945), publicado em 1964, que reúne uma série de documentos coletados e analisados por Casemiro. A Educação e a ilusão liberal é uma leitura fundamental para todos os pesquisadores que tenham como foco as reformas educacionais de São Paulo. Casemiro analisa a reforma republicana de forma ampla, propiciando ao leitor uma visão historiográfica de cada grau de ensino.

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira apresenta Neidson Rodrigues e a obra, publicada em 1982, Estado, educação e desenvolvimento econômico, pesquisa de sua tese de doutorado, defendida na PUC/SP, em 1970. O texto explicita um momento da produção acadêmica brasileira, no campo das ciências sociais e humanas, em que predominavam as análises localizadas no âmbito macroestrutural, as quais, devido à sua amplitude, desconsideravam a empiria e se constituíam no campo da abstração, realizando poucas análises com os sujeitos reais. Nesse sentido, a obra em análise, aborda especialmente o período pós-64 e as políticas públicas do estado, vinculadas à educação e sua relação com concepções econômicas mais amplas. Oliveira busca demonstrar que Neidson transita por diferentes momentos na sua vida profissional e que as ideias defendidas por ele na década de 80, do século XX, não seriam as mesmas explicitadas 20 anos após. Isso pode nos indicar uma autocrítica de Neidson no que se refere à abordagem realizada por ele no período de publicação do Estado, educação e desenvolvimento econômico. Como bem destaca Oliveira, os homens se fazem em circunstâncias históricas definidas, mas o fazem ativamente, o que nos auxilia a entender o deslocamento do autor.

Por fim, cabe pensar este livro como uma contribuição que extrapola a área da História da Educação e se constitui em uma ferramenta para a compreensão das questões que pautam o debate educacional atual. As obras resenhadas apresentam em comum uma perspectiva longeva das reflexões propostas e a defesa da educação foi, para os intelectuais resenhados, um objetivo em comum o que indica relevante contribuição para o debate atual.

Clássicos da Educação Brasileira, v.2, é, pois, uma contribuição para os estudos sobre a história da educação e uma leitura envolvente que aponta indicadores sobre o pensamento educacional brasileiro ao longo de nove décadas.

  • 1
    . Mais informações sobre o projeto e a coleção podem ser buscadas no site:
  • 2
    . Termo utilizado pelas organizadoras na apresentação da obra para caracterizar os textos que compõem o livro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
    UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: proposic@unicamp.br