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A importância do ato de ler: aproximações e distanciamentos teórico-metodológicos em Paulo Freire1 1 Normalização, preparação e revisão textual: Aline Maya (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Resumo

Este artigo discute a importância da leitura nos processos de alfabetização e letramento. Para isso, analisou-se o tratamento dado à essa prática pelo educador Paulo Freire na perspectiva teórico-metodológica da fenomenologia aliada ao existencialismo cristão, expressa na obra A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. Freire foi o defensor da “palavramundo”, compreendida como a inter-relação entre o alfabetizar e o letrar. Na análise proposta, utilizaram-se autores que dialogam com Freire, entre eles, Mikhail Bakhtin e Magda Becker Soares. Este artigo também apresenta alguns reflexos das contribuições do educador para a efetivação da “palavramundo”, bem como aproximações e distanciamentos entre a fenomenologia de Paulo Freire e o materialismo histórico de Karl Marx.

Palavras-chave
leitura; Paulo Freire; alfabetização e letramento; fenomenologia; materialismo histórico

Abstract

This article discusses the importance of reading in literacy processes based on an analysis of the work A importância do ato de ler: em três artigos que se completam and focusing on how the act of reading is understood by the educator Paulo Freire from the theoretical-methodological perspective of phenomenology associated to Christian existentialism. Freire was a defender of the concept of “word-world”, understood as the interrelationship between literacy and learning how to read and write. The analysis proposed articulates authors who dialogue with Freire, among them Mikhail Bakhtin and Magda Becker Soares. The article also presents some reflections on the contributions of the educator to the establishment of the “word-world” and the convergences and divergences between Paulo Freire’s phenomenology and Karl Marx’s historical materialism.

Keywords
reading; Paulo Freire; literacy; phenomenology; historical materialism

Introdução

Quando falamos em educação, não há como desconsiderar a importância das teorias educacionais na compreensão das concepções de homem, sociedade e conhecimento que permearam a história da humanidade, da Idade Média até nossos dias. Essas teorias contribuíram para que avançássemos no campo educacional, influenciando e também recebendo influências da sociedade onde escola, educadores e educandos estão inseridos.

Levar os indivíduos a exercer com propriedade a cidadania2 2 “Condição de quem possui direitos civis, políticos e sociais, que garante a participação na vida política. Estado de cidadão, de quem é membro de um Estado. Exercício dos direitos e deveres inerentes às responsabilidades de um cidadão: votar é um ato de cidadania. [Por Extensão] Característica de um cidadão ou de quem recebeu o título de cidadão, possuindo todos os direitos e deveres garantidos pelo Estado: cidadania portuguesa” (“Cidadania”, n.d.). tem sido um dos grandes desafios da contemporaneidade. Nessa perspectiva, analisaremos a educação emancipatória defendida por Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997)Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. – inserida num processo amplo de alfabetização e letramento de adultos, permeado pela leitura – em uma de suas obras, A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (1989)3 3 Utilizamos a primeira parte do título da obra analisada, “A importância do ato de ler”, no título deste artigo com o intuito de dar ênfase à leitura, fio condutor da análise proposta. . Para isso, utilizaremos teóricos que dialogam com suas ideias, como: Gadotti (1989)Gadotti, M. (1989). Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione.; Geraldi (1997)Geraldi, J. W. (1997). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática.; Feitosa (1999)Feitosa, S. C. S. (1999). Método Paulo Freire: Princípios e práticas de uma concepção popular de educação. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Bronckart (1999)Bronckart, J. P. (1999). Atividades de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ.; Bakhtin (2000)Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes.; Rangel (2005)Rangel, J. N. M. (2005). Leitura na escola: Espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação.; Soares (2003Soares, M. B. (2003). Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto., 2004Soares, M. B. (2004). Letramento e alfabetização: As muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, (25), 5-17., 2016Soares, M. B. (2016). Alfabetização: A questão dos métodos. São Paulo: Contexto.); Costa-Hübes (2009)Costa-Hübes, T. C. (2009). Reflexões teórico-metodológicas para o trabalho com os gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa. In Anais do Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (pp. 1-17). Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. Recuperado de https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/arquivos/reflexoes_teorico-metodologicas_para_o_trabalho_com_os_generos_textuais_nas_aulas.pdf
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; Leite (2011)Leite, F. B. (2011). Mikhail Mikhailovich Bakhtin: Breve biografia e alguns conceitos. Revista Magistro, 1(1), 43-63.; Sousa, Martins e Scarpelli (2012)Sousa, A., Martins, B. M., & Scarpelli, C. G. (2012). A apropriação do conhecimento em bibliotecas populares e sua relação com a leitura a partir da “palavramundo” sob a ótica de Paulo Freire. In Actas del Congreso Iberoamericano de las Lenguas em la Educación y en la Cultura/Congreso Leer (pp. 1-8). Organización de Estados Iberoamericanos, Salamanca. Recuperado de https://www.oei.es/historico/congresolenguas/comunicacionesPDF/DeSousa_Alline.pdf
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; Scorsolini-Comin (2014)Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265.; Silva (2017)Silva, R. A. (2017). O conceito de práxis em Marx. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. e outros.

Paulo Freire enfatiza, nessa e em outras obras, que a “palavramundo” é essencial, contrapondo-se, assim, ao que podemos chamar de “palavraescola”. Não há, portanto, como desconsiderarmos que esse educador foi o marco divisório entre uma concepção de leitura calcada na mera decodificação, “palavraescola”, e uma concepção mais social dessa prática, “palavramundo”.

Neste artigo, pretendemos, inicialmente, salientar alguns aspectos da vida pessoal e profissional de Paulo Freire para então nos referirmos à obra A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, pois vida e obra se entrelaçam. Procuraremos também evidenciar a pedagogia política de Freire, materializada no processo de alfabetização de jovens e adultos que ele propõe. Além disso, apresentaremos algumas aproximações entre o educador, Mikhail Bakhtin e Magda Becker Soares, os reflexos das contribuições de Freire para as práticas vigentes de letramento, no contexto escolar, bem como aproximações e distanciamentos entre a fenomenologia de Paulo Freire e o materialismo histórico de Karl Marx.

Paulo Freire: a materialização da “palavramundo”

A vida e a obra de Paulo Freire se entrecruzam num movimento contínuo de ação, reflexão e ação. Não há como compreender seus pressupostos teórico-metodológicos sem que nos debrucemos sobre sua trajetória de vida pessoal e profissional, e sem que tenhamos conhecimento de como foi alfabetizado, do quanto desejou dar continuidade aos estudos e dos insights que suas experiências profissionais oportunizaram. Nesse ir e vir entre sua vida e sua perspectiva teórico-metodológica é que vamos compreendendo a abrangência e a profundidade do sentido dado ao neologismo “palavramundo”.

Rangel (2005)Rangel, J. N. M. (2005). Leitura na escola: Espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação. salienta que é possível perceber, “nas ideias de Freire, a crítica à chamada escola tradicional, bancária, que transforma a leitura em uma ato de decifração, desconsiderando o universo do sujeito leitor e a sua experiência cotidiana” (p. 28), de modo a criar um abismo entre a escola, o que nela se aprende, e a vida, isto é, os conhecimentos advindos da experiência e das necessidades reais de comunicação.

Na contramão desse abismo, destacaremos alguns aspectos da história de vida pessoal, educacional e profissional de Freire, que foi, sem dúvida, um estudioso do comportamento humano, filósofo e educador, mas, acima de tudo, um ser humano curioso, atento aos sinais que a vida foi aos poucos pincelando, dando-lhe, assim, oportunidades de construir sua “palavramundo”, expressão que esboça uma teoria do conhecimento formulada e defendida por ele. Em 1993, Freire foi entrevistado por Pelandré (1998)Pelandré, N. L. (1998). Efeitos a longo prazo do método de alfabetização Paulo Freire (Vols. 1-2). Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. e assim se manifestou:

Eu preferiria dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa o tempo, era a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra, relendo o mundo. O que eu tentei fazer, e continuo fazendo hoje, foi ter uma compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa metodologia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método de conhecer e não um método de ensinar. (p. 53)

Para o educador, a aprendizagem não se restringia ao mero domínio da leitura e da escrita, mas, sobretudo, à qualidade desse domínio a ser mensurado na obtenção da autonomia dos educandos, construído a partir do respeito a suas idiossincrasias e da prática constante da dialogicidade entre educando e educador, entre cidadão e sociedade.

Freire sempre lembrava a forma como fora alfabetizado pela mãe, que aproveitava a sombra das mangueiras do quintal da casa onde moravam para ensinar a leitura e a escrita ao filho. Dentre as lembranças desse período estão outras não tão agradáveis, como as dificuldades financeiras enfrentadas por sua família e os exílios. Ele sempre dizia que teve três exílios que o fizeram sofrer: “o exílio de sair do útero de minha mãe, o exílio de ter ido para Jaboatão e o exílio político que me fez ficar dezesseis anos fora do País” (Freire citado por Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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, p. 4).

Paulo Freire concluiu seus estudos no Colégio Osvaldo Cruz, onde se tornaria, mais tarde, professor. Formou-se em Direito, mas não exerceu a profissão. Em 1947, começou a trabalhar como assistente no Serviço Social da Indústria (Sesi) de Pernambuco, passando, na sequência, a diretor da Divisão de Educação e Cultura (Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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).

Não seria um trabalho nem assistencialista, nem populista, seria um trabalho popular. A favor das camadas populares. Este trabalho, pode-se assim dizer, será a “semente” do grande “Pensamento Pedagógico de Paulo Freire”, pois é nesse momento que ele vai ter contato com o povo, que ele vai escutar o povo, valorizar e compor sua Teoria do Conhecimento. Escutar para Paulo Freire, não é um simples ouvir. Pode-se ouvir e esquecer, e o ato de Paulo Freire não era ouvir para simplesmente escutar. Era ouvir e trazer isso para o coração, para a sua sensibilidade, para a sua inteligência, para a sua reflexão teórica. Elaborar, sistematizar e devolver “isso” sistematizado ao povo.

(Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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, p. 7)

Ele também atuou como professor universitário; no entanto, sua carreira no ensino superior foi abruptamente interrompida com o advento da ditadura militar (Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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). Em 1958, no II Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos, Freire foi o relator da comissão de Pernambuco, afirmando que “o processo de alfabetização não pode se dar sobre, nem para o educando, ele tem que se dar com o educando. Há que se estimular nele a colaboração, a decisão, a participação e a responsabilidade social e política” (Freire citado por Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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, p. 10).

Ao externar sua visão sobre a alfabetização de jovens e adultos, Paulo Freire foi acusado de compor um simples mito (Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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). Talvez um mito para aqueles educadores acorrentados aos métodos de alfabetização, que se fixavam apenas nas unidades menores da língua ou em frases descontextualizadas, vazias de sentido, nos pseudotextos, nas cópias intermináveis, em exercícios de caligrafia e nas leituras mecânicas. E era contra tudo isso que Freire havia se manifestado e proposto uma “teoria de conhecimento construtivista, onde cada educando constrói seu próprio conhecimento a partir dos temas e das palavras geradoras” (Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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, p. 10).

Palavras ou temas geradores, na concepção do educador, são aqueles que estão relacionados às inquietações da comunidade onde estão inseridos. Para percebermos essas palavras ou temas geradores é necessário que façamos a leitura do mundo antes de fazermos a leitura da palavra. Não são as palavras que determinam o mundo, mas o mundo que determina as palavras, e esses dois universos precisam se tornar uma unidade, constituindo-se, assim, a “palavramundo”. É a partir da amplitude dessa palavra, que engloba a nossa autoleitura, a leitura do mundo que nos cerca e da palavra escrita, que as pessoas pronunciam o mundo. Se a alfabetização não ocorrer nessa perspectiva, teremos apenas a reprodução da “palavraescola”.

É importante destacarmos que as ideias desse autor ainda continuam atuais “porque a sua pedagogia é a pedagogia política. Enquanto existir necessidade, o pensamento de Paulo Freire não morre” (Freire, 2001Freire, A. M. A. (2001). Paulo Freire: Sua vida, sua obra. Educação em Revista, 2(1), 1-12. Recuperado de http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/view/663/546
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, p. 12), pois está eternizado em seus escritos, em suas palestras, em suas práticas pedagógicas. Suas obras, inegavelmente, são e continuarão sendo um marco na pedagogia, tanto no âmbito nacional quanto internacional (Feitosa, 1999Feitosa, S. C. S. (1999). Método Paulo Freire: Princípios e práticas de uma concepção popular de educação. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Ao comentar o pensamento de Paulo Freire, Feitosa (1999)Feitosa, S. C. S. (1999). Método Paulo Freire: Princípios e práticas de uma concepção popular de educação. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo. explicita que, nas “últimas décadas, temos presenciado a evolução e recriação de suas teses epistemológicas, ou seja, sua teoria do conhecimento, que apontam para a construção de novos paradigmas educacionais e constante recriação da práxis pedagógica” (pp. 18-19). Esse educador, declarado por meio da Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, o Patrono da Educação Brasileira, também influenciou o movimento denominado Pedagogia Crítica. E é sob essa perspectiva de unicidade entre vida pessoal, educacional e profissional que vamos transitar por uma de suas obras, A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.

A importância do ato de ler para Freire

Todo o aprendizado adquirido em sua trajetória aqui no Brasil, aliado às experiências vivenciadas nas atividades que realizou durante o período em que esteve exilado4 4 O exílio de Freire começou na Bolívia. Depois foi para o Chile, onde exerceu as funções de assessor do Instituto de Desarrollo Agropecuario e do Ministério da Educação, e de consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agraria do Chile. Nesse país, escreveu Pedagogia do oprimido. Depois foi para os Estados Unidos como professor convidado da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts. Em Genebra, foi consultor do Conselho Mundial das Igrejas, conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo e presidente do conselho executivo do Instituto de Ação Cultural (Idac). O educador transitou pelos continentes africano, asiático e europeu (“O exílio”, 2005). , mais especificamente com o projeto de alfabetização de adultos desenvolvido na República Democrática de São Tomé e Príncipe, localizada no Golfo da Guiné, no continente africano, fundamentou não apenas os textos que compõem o livro A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, mas também o pensamento político-pedagógico de Paulo Freire. Essa pedagogia política torna-se ainda mais evidente quando ele propõe que o processo de alfabetização de jovens e adultos parta dos interesses dos educandos, de temas geradores, e não de programas pré-elaborados, e também quando ele se reporta à prática da leitura no livro sob nossa análise (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados.).

No prefácio da obra em questão, Severino (1989)Severino, A. J. Prefácio. In P. Freire (1989), A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam (p. 7). São Paulo: Autores Associados. esclarece que ela foi construída a partir de uma “palestra5 5 Palestra proferida na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em novembro de 1981 (Freire, 1989). sobre a importância do ato de ler … e [de] um artigo que expõe a experiência de alfabetização de adultos desenvolvida pelo autor e sua equipe em São Tomé e Príncipe” (p. 7). No terceiro e último artigo, Freire comenta os Cadernos de exercícios: praticar para aprender e o Segundo caderno de cultura popular, que foram utilizados no Programa de Educação de Adultos em São Tomé e Príncipe.

Destacamos que o livro expressa, de forma significativa, a visão de educação de Paulo Freire, que deve passar, inevitavelmente, pela apropriação da “palavramundo”. Para isso, o educador o organiza em três textos que estão relacionados, a saber: (i) “A importância do ato de ler”; (ii) “Alfabetização de adultos e bibliotecas populares – uma introdução”; e (iii) “O povo diz sua palavra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe”.

No primeiro texto, o educador faz uma longa retomada da sua infância. É como se revivesse cada momento, cada detalhe. Ele descreve minuciosa e poeticamente sua casa, sua família, as situações vividas, as pessoas com quem interagia, enfim, a sua leitura de mundo infantil.

Quando se refere à escola e ao contato com a leitura da palavra que, sob sua lógica, deveria partir da leitura do mundo, constituindo-se na “palavramundo”, ele mostra que nem sempre isso ocorreu. Toda a riqueza do mundo que o cercava e que cerca todos aqueles que ocupam os bancos escolares acaba sendo, muitas vezes, ignorada na e pela escola. A esse respeito, Geraldi (1997)Geraldi, J. W. (1997). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática. afirma que a “qualidade (profundidade) do mergulho de um leitor num texto depende de seus mergulhos anteriores. Mergulhos não só nas obras que leu, mas também na leitura que faz da sua vida” (p. 112).

Em outras palavras, Paulo Freire, já à sua época, se referia aos processos de alfabetização e letramento, tão bem explicitados por Soares (2003)Soares, M. B. (2003). Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto.. Para essa pesquisadora e educadora, alfabetização e letramento são processos distintos, que se interpenetram. O primeiro pode acontecer até mesmo antes de a criança entrar na escola; no entanto, é no ambiente escolar que ele ocorre formalmente, pois é lá que a criança e o adulto se apropriam das ferramentas necessárias para decodificar (ler) e codificar (escrever). A alfabetização deve se efetivar por meio de métodos distintos (Soares, 2016Soares, M. B. (2016). Alfabetização: A questão dos métodos. São Paulo: Contexto.), pois se destina a crianças e adultos heterogêneos, que aprendem de formas diferenciadas e apresentam necessidades diferentes. Já o processo de letramento se inicia fora da escola, é aprimorado no ambiente escolar e se desenvolve durante toda a nossa existência. Na contramão dessa concepção, percebemos que a “insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita” (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados., p. 12), gerando os chamados analfabetos funcionais6 6 “O analfabeto funcional, em geral, sabe ler, contar, escrever frases simples, mas não é capaz de interpretar textos e colocar ideias no papel” (Leite & Cadei, 2016, p. 14). .

Paulo Freire (1989)Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados. propõe uma metodologia interativa, que promova o diálogo entre autor e leitor, mediado pelo texto; e entre texto escrito e texto vivido, mediado pelo professor – não só de língua portuguesa, mas de todas as disciplinas. Isso significa que todos os educadores devem ter o compromisso político de promover o contato de seus alunos com a “palavramundo”, que é processual e pode ser compreendida como letramento. Trata-se, portanto, de um processo político e emancipatório, que se inicia antes mesmo da alfabetização e se prolonga na pós-alfabetização proposta por Freire e compreendida por Soares como letramento.

Para o educador, a dinamicidade do processo educativo deve ser captada em todos os momentos, na escola e fora dela. Além disso, ele destaca a importância dessa dinamicidade no processo de alfabetização de jovens e adultos, defendendo que “as palavras com que organizar o programa da alfabetização deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando … os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos” (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados., p. 13). Que sentido há num processo de alfabetização de adultos em que a experiência de vida do educador seja mais importante que a do educando? Talvez a resposta equivocada a essa pergunta seja responsável pela evasão escolar de tantos jovens e adultos, que chegam aos bancos escolares com uma expectativa e encontram a total negação do que esperavam. Em se tratando de opressores e oprimidos, a leitura, quando considerada parte constitutiva do ser humano e trabalhada numa perspectiva política, instrumentaliza os oprimidos para que possam desencadear uma ação contra-hegemônica7 7 Raymond Williams, ao compreender que “a hegemonia ‘não existe apenas passivamente como forma de dominação’, mas encontra ‘resistências continuadas’, considerou necessário acrescentar o conceito de ‘contra-hegemonia’ e de ‘hegemonia alternativa’ (Williams, 1977, p. 116). Desde então o conceito de contra-hegemonia foi associado ao pensamento de Gramsci. O conceito de contra-hegemonia vem, também, associado ao de resistência, como resultado dos trabalhos da Cultural Studies” (Souza, 2013, p. 56). .

No segundo texto, que compõe a obra em tela, intitulado “Alfabetização de adultos e bibliotecas populares – uma introdução”, Freire esclarece que não há como falar em alfabetização crítica sem que tenhamos clareza do que é leitura crítica e, em decorrência dessas duas concepções, apresenta-nos também como necessidade, e ao mesmo tempo complemento, uma visão crítica da função da biblioteca. Essas visões tão enfatizadas por ele se contrapõem a uma visão ingênua de educação e, ao mesmo tempo, à neutralidade do ato educativo.

Outro aspecto importante para que tenhamos uma educação crítica, libertadora e política é que haja coerência entre o discurso e a prática pedagógica. Não podemos assumir uma perspectiva teórica emancipatória e continuar a utilizar uma prática opressora. Paulo Freire (1989)Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados. também enfatiza que essa postura coerente deve existir em todos os momentos, principalmente no processo de alfabetização de jovens e adultos, pois

somente “educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de serem educados pelos educandos; … separam o ato de ensinar do de aprender, de tal modo que ensina quem se supõe sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe” (p. 17).

Freire salienta a importância das bibliotecas populares como espaços de acesso à sociedade do conhecimento, principalmente para as classes menos favorecidas. Sendo assim, ao considerarmos a educação como um ato político, as bibliotecas se tornam caminhos possíveis para a libertação dos oprimidos. No entanto, não podemos ignorar as concepções políticas que orientam as ações que as envolvem (Sousa, Martins & Scarpelli, 2012Sousa, A., Martins, B. M., & Scarpelli, C. G. (2012). A apropriação do conhecimento em bibliotecas populares e sua relação com a leitura a partir da “palavramundo” sob a ótica de Paulo Freire. In Actas del Congreso Iberoamericano de las Lenguas em la Educación y en la Cultura/Congreso Leer (pp. 1-8). Organización de Estados Iberoamericanos, Salamanca. Recuperado de https://www.oei.es/historico/congresolenguas/comunicacionesPDF/DeSousa_Alline.pdf
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).

A biblioteca popular passa a ser um centro cultural, para Freire (1989)Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados., e não um mero local de agrupamento de livros. Trata-se de um espaço de trabalho, individual e coletivo, de manifestação e de diálogo, não de silêncio. Lá, a leitura deve ser vivida na sua essência, isto é, na relação entre texto e contexto, na leitura das entrelinhas, na interação entre visões de diferentes leitores.

O acervo desse espaço de formação não pode contemplar apenas a literatura clássica8 8 “A escolha de obras célebres da literatura passa por uma valorização social que visa a discriminação de públicos-alvo a fim de clarear e distanciar ainda mais as classes hegemônicas das classes populares” (Alves, 2015). , elitizada, mas também as manifestações populares, que trazem os causos, as receitas, as crendices, os ritmos musicais das periferias, enfim, tudo que caracteriza, culturalmente, as classes populares. Afinal, tudo tem seu valor e isso não pode ser negado. Diante da importância das bibliotecas populares, não apenas para os processos de alfabetização e letramento de jovens e adultos, mas para a formação integral das classes menos favorecidas, é preciso que as políticas públicas e seus respectivos programas contemplem os desejos, as lutas e as necessidades da população (Sousa, Martins, & Scarpelli, 2012Sousa, A., Martins, B. M., & Scarpelli, C. G. (2012). A apropriação do conhecimento em bibliotecas populares e sua relação com a leitura a partir da “palavramundo” sob a ótica de Paulo Freire. In Actas del Congreso Iberoamericano de las Lenguas em la Educación y en la Cultura/Congreso Leer (pp. 1-8). Organización de Estados Iberoamericanos, Salamanca. Recuperado de https://www.oei.es/historico/congresolenguas/comunicacionesPDF/DeSousa_Alline.pdf
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).

Freire, no livro A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, enfatiza a necessidade de promovermos a leitura crítica, do mundo e da palavra, pois estes são o ponto de partida e o ponto de chegada para uma verdadeira educação política transformadora. A questão que permeia essa ênfase é se realmente existe vontade política para que esse tipo de formação ocorra, ou seja, quando passaremos do discurso orientador para uma prática refletida?

Na primeira parte do terceiro artigo, intitulado “O povo diz sua palavra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe”9 9 Artigo publicado num número especial da Harvard Educational Review, em fevereiro de 1981, que tratou do tema “Education as transformation: identity, change and development”. Para o livro em análise, Freire acrescentou uma segunda parte (Freire, 1989). , Freire relata a experiência de alfabetização de adultos que desenvolveu nas ilhas africanas. Além disso, explicita como foi a relação entre ele e o governo daquela república, onde exerceu a função de assessor, mostrando que sempre buscou a coerência entre seus pressupostos teóricos e sua prática. O processo de alfabetização e pós-alfabetização desenvolvido pelo educador e sua equipe colocou em prática as questões aqui abordadas. Eles utilizaram como material de apoio uma série de livros denominados de Cadernos de cultura popular10 10 Há um Terceiro caderno de cultura popular, sobre o ensino de aritmética; um Quarto, sobre saúde; e um Quinto, com uma série de textos com os quais se aprofundam as análises de alguns temas discutidos no Segundo caderno. Naquele ano, mais dois cadernos estavam sendo impressos. Um deles é um repertório de histórias e lendas que expressam a alma popular. O outro, uma introdução ao estudo das riquezas naturais do país. O Quinto e o Sexto cadernos, sendo o último também impresso naquele ano, são de autoria do professor chileno Antonio Faúndez, que deu sua contribuição ao país por meio do Conselho Mundial de Igrejas (Freire, 1989). , cujo primeiro volume é o de alfabetização.

Embora o educador preferisse se referir à sua concepção de educação como uma “teoria do conhecimento”, e não propriamente como um método, muitos autores sempre se referiram ao método de Paulo Freire aplicado nos Círculos de Cultura11 11 Eram utilizados por Paulo Freire nas práticas de alfabetização de jovens e adultos em substituição às salas de aula tradicionais. Essa disposição dos educandos em círculo oportunizava uma relação mais democrática entre os participantes e a equipe pedagógica. Os temas debatidos visavam a uma leitura crítica do mundo, a começar pelo contexto onde estavam inseridos. . O material utilizado pelo educador e sua equipe, nesses Círculos, visava a uma alfabetização política: uma releitura da realidade vigente por intermédio da palavra e do mundo que os cercava. É importante destacar que a pós-alfabetização proposta é a continuidade do processo de alfabetização, um aprofundamento dos conhecimentos adquiridos e das compreensões que foram construídas. Em outras palavras, são os múltiplos letramentos, isto é, a compreensão e a interpretação não apenas da linguagem oral e escrita, mas da linguagem política, econômica e cultural da sociedade onde estavam inseridos.

Na segunda parte desse terceiro artigo que compõe o livro, o autor exemplifica o trabalho realizado com a transcrição de partes dos Cadernos de exercícios: praticar para aprender, da fase de alfabetização, e de alguns textos do Segundo caderno de cultura popular, da etapa de pós-alfabetização. As atividades sugeridas nesses cadernos demonstram a preocupação em levar os educandos a compreender a importância da prática constante da leitura e da escrita. Além disso, visam aguçar a curiosidade e treinar o olhar para que os estudantes percebam questões sociais, políticas e econômicas do país.

Apesar de o livro ser composto por artigos resultantes de palestras proferidas pelo educador e filósofo Paulo Freire, eles se articulam por meio do fio condutor da obra: a leitura. Outro aspecto relevante é que o livro apresenta/retoma o pensamento pedagógico de Freire e, ao mesmo tempo, mostra a aplicação desse pensamento, isto é, que leitura e prática caminham lado a lado, reforçando a ideia de que a “palavramundo” não pode ser apenas um discurso, uma concepção teórica de leitura, de alfabetização, de letramento, de ensino-aprendizagem, mas o próprio processo de ensino-aprendizagem inserido no cotidiano dos jovens e adultos alfabetizados.

As reflexões suscitadas pelo livro em foco nos mostram o pensamento humanista de Freire, inspirado no existencialismo cristão12 12 “O existencialismo cristão procura recuperar a transcendência vertical, na medida em que vê na relação com Deus um dado essencial para a elucidação da situação humana. Tem como um de seus pressupostos básicos que o homem não pode mais aparecer como evidente para si próprio, como ocorria durante o racionalismo clássico, quando explicava seu destino por via de determinismos de várias espécies, ainda sobreviventes nas categorias de raça ou de classe” (“O existencialismo cristão”, 1987, pp. 689-690). e na fenomenologia13 13 “O termo fenomenologia significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenômeno. Tal abordagem filosófica identifica-se por assegurar o sentido dado ao fenômeno. Vai mostrar que o mundo é o fenômeno, o que se mostra, embora precise ser desvelado. Busca chegar ao fenômeno, desvelar o sentido deste que se mostra, para chegar aquilo que a coisa é” (Silva, Lopes, & Diniz, 2008, p. 255). . Saviani (1987)Saviani, D. (1987). Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1987., em seu livro Escola e democracia, pondera sobre a concepção de dialética de Freire e assevera que se trata de uma filosofia dialética de cunho idealista, isto é, uma dialética de consciências que, na perspectiva fenomenológico-existencial, pode ser considerada sinônimo de diálogo.

Também é perceptível, na obra de Freire, a influência do pragmatismo de John Dewey, que “valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar mais importância às consequências e efeitos da ação do que a seus princípios e pressupostos” (Japiassú & Marcondes, 1996 citados por Zanella, 2007Zanella, J. L. (2007). Considerações sobre a filosofia da educação de Paulo Freire e o marxismo. Quaestio: Revista de Estudos da Educação, 9(1), 101-122. Recuperado de http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/170
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
, pp. 110-111). Dessa influência resulta a ênfase que Freire dá à necessidade de iniciar o processo de ensino ouvindo o educando, incentivando o diálogo constante, valorizando o saber já existente e a construção coletiva de novos saberes.

A perspectiva teórica fenomenológica tem como aporte principal a descrição. Há, portanto, que se levar em consideração que nosso olhar costumeiro não nos permite enxergar o fenômeno em si mesmo, então o pesquisador leva em consideração sua vivência em seu contexto, isto é, sua experiência de vida. Isso favorece e permite que ele questione o fenômeno que deseja compreender (Silva, Lopes, & Diniz, 2008Silva, J. M. O., Lopes, R. L. M., & Diniz, N. M. F. (2008). Fenomenologia. Revista Brasileira de Enfermagem, 61(2), 254-257. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18v61n2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18...
).

Paulo Freire, adepto da corrente fenomenológica, nos mostra que sua vida e obra são indissociáveis. A forma como ele foi alfabetizado pela mãe e a experiência vivenciada quando trabalhou no Sesi de Pernambuco fundamentaram e impulsionaram suas reflexões e ações no campo da alfabetização de jovens e adultos, no Brasil e no exílio. No livro selecionado, ele descreve como se materializou em sua vida e na vida de seus alfabetizandos a “palavramundo”, enfatizando a importância da leitura do mundo e da palavra, num movimento dialético contínuo, isto é, de ação, reflexão e ação, mediado pelo diálogo. A fenomenologia tem, portanto, “a preocupação em explicar as estruturas em que a experiência se verifica, descrevendo-as em suas estruturas universais” (Silva, Lopes, & Diniz, 2008Silva, J. M. O., Lopes, R. L. M., & Diniz, N. M. F. (2008). Fenomenologia. Revista Brasileira de Enfermagem, 61(2), 254-257. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18v61n2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18...
, p. 256). E isso o filósofo e educador Paulo Freire fez muito bem em todas as suas obras.

Aproximações

Paulo Freire e Karl Marx

Muito embora Freire sempre tenha se declarado adepto da fenomenologia, marcada pelo existencialismo cristão, não há como negar que sua filosofia, muitas vezes, nos reporta ao materialismo histórico de Karl Marx. Gadotti (1989)Gadotti, M. (1989). Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione., ao se referir à filosofia de Freire, salienta que “seu pensamento humanista inspirou-se no personalismo de Emmanuel Mounier, bem como no existencialismo, na fenomenologia e no marxismo” (p. 115). É nessa perspectiva de apontar aproximações e distanciamentos entre as filosofias de Freire e de Marx, com o objetivo de compreender melhor os métodos oriundos dessas filosofias, que faremos alguns apontamentos.

Na vasta produção bibliográfica do filósofo e educador Paulo Freire – entre elas a obra que selecionamos para discussão, A importância do ato de ler: em três artigos que se completam –, os

princípios da fenomenologia muito influenciaram, pois em seu pensamento é clara a preocupação de quebrar a ideologia empirista e racionalista que, de certa forma, separa o homem do mundo. Em muitas de suas obras, ele se preocupa em ressaltar a íntima relação entre as coisas, o mundo e o sujeito, entre o objeto e a consciência.

(Michels & Volpato, 2011Michels, L. B., & Volpato, G. (2011). Marxismo e fenomenologia nos pensamentos de Paulo Freire. Revista Digital do Paideia: Filosofia e Educação, 3(1), 122-134., pp. 126-127)

Portanto, não há, na corrente fenomenológica, uma separação entre objeto e consciência. Muito pelo contrário, há uma relação necessária entre eles, que não é casual, mas sim intencional. Para Freire, é necessário investir nessa consciência, na sua ampliação, para que haja a transformação dos objetos observados. O educador defende e trabalha em prol da não alienação da consciência dos indivíduos numa sociedade capitalista e liberal. Nessa luta constante contra a alienação dos indivíduos, principalmente das classes populares, há uma aproximação com os pressupostos do materialismo histórico de Marx, que procura desvelar as contradições de uma sociedade de classes – posição também assumida por Freire.

Podemos encontrar em muitas obras do educador trechos que deixam isso às claras. Paulo Freire (1987)Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. afirma, por exemplo, na sua principal obra, Pedagogia do oprimido, que “somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua ‘conivência com o regime opressor’” (p. 52). Essa descoberta não ocorre sem que haja uma mediação, isto é, um espaço privilegiado de ação educativa mediadora, dentro e fora dos muros escolares, que parta da “palavramundo”. Portanto, “se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis” (Freire, 1987Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra., p. 52).

Tanto Freire quanto Marx utilizam o vocábulo “práxis” visando à transformação, mas sob diferentes concepções. No primeiro caso, a “práxis transformadora se dá pela mediação do diálogo” e, no segundo, ela se dá pela luta de classes (Zanella, 2007Zanella, J. L. (2007). Considerações sobre a filosofia da educação de Paulo Freire e o marxismo. Quaestio: Revista de Estudos da Educação, 9(1), 101-122. Recuperado de http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/170
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
, p. 118).

A mediação proposta por Freire é fundamental para a promoção da consciência das pessoas que até então não se viam como cidadãs. Essa mudança de consciência, quando efetivada em uma comunidade – como foi o caso de São Tomé e Príncipe –, pode transformar o mundo local e também motivar uma mudança mais ampla.

Para Marx e Engels (2011)Marx, K., & Engels, F. (2011). Manifesto do partido comunista. Petrópolis: Vozes., “a história de toda sociedade até hoje é a história da luta de classes” (p. 39), pois sempre houve dominadores e dominados. Portanto a práxis, numa visão marxiana, é uma ação que visa à transformação do mundo, da estrutura da sociedade e das relações de trabalho (Silva, 2017Silva, R. A. (2017). O conceito de práxis em Marx. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.).

Nas onze teses sobre Feuerbach, de 1845 – em especial na segunda, na oitava e na décima primeira –, podemos perceber a amplitude do conceito de práxis na obra de Marx:

II [tese] … É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é, a realidade e a força, o caráter terreno do seu pensamento.…

VIII [tese] A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática.…

XI [tese] Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de forma diferente; a questão, porém, é transformá-lo.

(Marx, n.d.Marx, K. (n.d.). Teses sobre Feuerbach. In K. Marx & F. Engels, Obras escolhidas (Vol. 3, p. 208-210). São Paulo: Alfa-Ômega., pp. 208-210)

Isso indica que, numa perspectiva materialista histórica, parte-se do real, do material; porém, essa materialidade precisa ser desvelada e analisada à luz da teoria. Por outro lado, sob o aporte da fenomenologia, a ênfase está na prática, na teorização e na compreensão dessa prática por meio da reflexão.

Outro ponto interessante é a visão de dialética dos autores. Para Freire, seguindo a orientação dos filósofos gregos, ela é definida como a arte do diálogo, tão importante e presente no pensamento freiriano. Para o pensamento marxista, a realidade não é estática, mas está em constante movimento. Assim, a dialética é uma forma de pensarmos essa realidade impregnada de contradições, isto é, partimos da tese, definimos a antítese e chegamos à síntese.

Ainda procurando mostrar as aproximações e os distanciamentos entre a filosofia freiriana e a marxista, temos a questão da concepção de homem. Paulo Freire é existencialista cristão, e isso já o torna um idealista metafísico, isto é, ele “vê a realidade como constituída, ou dependente, do espírito (finito ou infinito) ou de ideias (particulares ou transcendentes)” (Bottomore, 2001Bottomore, T. (2001). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., p. 183). Em se tratando do materialismo, consideramos que o mundo antecede o homem, portanto “a natureza [é considerada] o fator primeiro e o espírito o fator secundário, colocando o ser no primeiro plano e o pensamento no segundo” (Lênin, 1975, p. 86 citado por Zanella, 2007Zanella, J. L. (2007). Considerações sobre a filosofia da educação de Paulo Freire e o marxismo. Quaestio: Revista de Estudos da Educação, 9(1), 101-122. Recuperado de http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/170
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
, p. 105).

Há outros aspectos que compõem o pensamento de Freire que poderiam ser comparados aos que emergem da filosofia de Marx; no entanto, vamos nos restringir às questões já levantadas, as quais nos mostram que Freire jamais poderia ter sido considerado um marxista. Todavia, o que não podemos desconsiderar é que a filosofia freiriana subsidiou um método de ensino respaldado pelo diálogo e pela problematização, considerado um avanço em termos educacionais, bem exemplificado no livro A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, nos relatos das suas experiências pedagógicas e em outras obras do educador.

Da filosofia marxista, temos o método teórico-metodológico do materialismo histórico, que objetiva:

destacar o saber objetivo como sendo aquele saber estratégico para a emancipação da classe trabalhadora, pois é este saber que está na base produtiva da sociedade capitalista. O domínio deste saber possibilita à classe trabalhadora instrumentalizar-se, melhorando suas condições na luta pela superação do modo de produção capitalista.

(Zanella, 2007Zanella, J. L. (2007). Considerações sobre a filosofia da educação de Paulo Freire e o marxismo. Quaestio: Revista de Estudos da Educação, 9(1), 101-122. Recuperado de http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/170
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
, p. 121)

Paulo Freire, Mikhail Bakhtin e Magda Soares

Ao propormos uma aproximação entre Mikhail Bakhtin e Paulo Freire, é necessário contextualizar esses autores. O primeiro, filósofo russo, marxista, considerado um estudioso da linguagem humana, dedicou-se aos estudos linguísticos e literários. No entanto, Bakhtin não se restringiu a essas duas áreas, abordando uma infinidade de assuntos distintos. “Tudo isso torna impossível classificar Bakhtin entre os enclausurantes termos ‘filósofo’, ‘linguista’, ‘filólogo’, ‘crítico-literário’, ‘semiólogo’, [e] embora saibamos que ele exerceu todas essas atividades, melhor chamá-lo apenas de pensador” (Leite, 2011Leite, F. B. (2011). Mikhail Mikhailovich Bakhtin: Breve biografia e alguns conceitos. Revista Magistro, 1(1), 43-63., p. 51).

Dos inúmeros conceitos criados por Bakhtin, um dos que mais o aproximam de Freire é o conceito de dialogismo. Para os dois pensadores, o diálogo é essencial nas relações que se estabelecem entre as pessoas, como também entre elas e o mundo que as cerca. Ambos não se referem ao simples diálogo oral que coloca uma pessoa frente a outra, mas buscam a essência dessa prática, compreendendo que se trata de “um produto histórico, marcado cultural e socialmente” (Scorsolini-Comin, 2014Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265., p. 250).

Bakhtin se refere ao diálogo como espaço legítimo de embates, característicos da interação social. E vai além: por meio do diálogo, esses embates podem ser mais bem compreendidos, repensados, ressignificados, numa perspectiva mais restrita, do indivíduo, ou mais ampla, do âmbito social (Bakhtin, 2012Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. citado por Scorsolini-Comin, 2014Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265.). Ainda na visão desse pensador, a “presença das palavras do outro nas palavras do eu é um dos primeiros elementos que caracterizam o conceito de dialogismo, que pressupõe o relativismo da autoria individual” (Scorsolini-Comin, 2014Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265., p. 250). Isso significa que nos constituímos a partir do outro e também contribuímos para a constituição do outro.

É relevante observarmos que Freire usa o termo dialogicidade, enquanto Bakhtin utiliza o termo dialogismo.

A dialogicidade ultrapassa a consideração de uma característica da linguagem (como no caso do emprego do termo dialogismo) ou uma marca discursiva e passa a ser um instrumento social de humanização do ser humano, de combate às relações assimétricas, de libertação do homem das estruturas que o aprisionam e o alienam de suas próprias condições.

(Scorsolini-Comin, 2014Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265., p. 253)

Então podemos dizer que a dialogicidade é característica da linguagem humana, é o que nos caracteriza como homens sociais. Nosso discurso é fruto da apropriação do discurso do outro, que é por nós reelaborado. E nesse movimento constante de comunicação verbal e não verbal nossa reelaboração também será incorporada pelo outro, sofrerá nova reelaboração, e assim sucessivamente vamos nos constituindo. A dialogicidade pode ser compreendida como um exercício político contra a prática antidialógica, alienante. Não basta nos considerarmos seres humanos, pois precisamos praticar diariamente o exercício de ser humano, humanizando-nos permanentemente. Portanto, a dialogicidade é esse exercício (Scorsolini-Comin, 2014Scorsolini-Comin, F. (2014). Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação a distância. Educação em Revista, 30(3), 245-265.).

Uma outra aproximação interessante de se fazer é entre Freire e a educadora Magda Becker Soares (2004)Soares, M. B. (2004). Letramento e alfabetização: As muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, (25), 5-17., que destaca o surgimento do “letramento” no Brasil, na década de 1980. Esse termo tinha por objetivo caracterizar um processo distinto e mais amplo do que o processo de alfabetização. No entanto, sem perder de vista que alfabetização e letramento devem caminhar juntos, pois são indissociáveis, Soares (2004)Soares, M. B. (2004). Letramento e alfabetização: As muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, (25), 5-17. elucida que:

a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização. (p. 14)

Percebemos que essas discussões em torno dos processos de alfabetização e letramento difundidas por Soares, muito embora seu foco principal sejam as crianças, se aplicam também à alfabetização de jovens e adultos defendida por Freire, pois são práticas complementares, que primam pelo domínio crítico da leitura e da escrita. Tanto Soares quanto Freire estão preocupados com o uso inteligente e sensato que os alfabetizados farão da leitura e da escrita. Pensam na melhoria da relação desses indivíduos com o meio social onde estão inseridos e onde ocorrem relações de toda ordem. Esperam que a escola, no caso de Soares, e os Círculos de Cultura, no caso de Freire, desempenhem o papel de construtores de um conhecimento calcado na “palavramundo”, e não apenas na “palavraescola”.

A compreensão das possíveis aproximações entre Freire, Bakhtin e Soares contribui para a melhoria das atuais práticas de leitura e escrita, que compreendem a prática do alfabetizar letrando, tanto de crianças quanto de jovens e adultos, e as práticas de leitura e escrita oportunizadas não apenas pela disciplina de língua portuguesa, mas por todas as disciplinas do ensino fundamental e médio.

A partir da segunda metade da década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Brasil, 1998Brasil (1998). Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC/SEF.) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2013Brasil (2013). Diretrizes curriculares nacionais para a educação básica. Brasília, DF: MEC/SEF.) orientaram as práticas de leitura e escrita pelo viés teórico-metodológico dos gêneros discursivos14 14 “Manifestos em textos, os gêneros discursivos são entendidos por Bakhtin em um enfoque discursivo-interacionista. Sendo social e ocorrendo em um dado contexto, os gêneros são diversos, as produções de linguagem são diversas e são definidos como tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo caracterizados pelo conteúdo temático, pelo estilo e pela construção composicional dos quais se utilizam” (Dias et al., 2011, p. 145). /textuais15 15 “Bronckart retoma teorias de Vygotsky e de Bakhtin – sob diferente enfoque –, e adota o projeto do interacionismo sociodiscursivo em que a linguagem surge a partir da diversidade e complexidade das diferentes práticas, o que acarreta as adaptações da linguagem e gera espécies de textos diferentes” (Dias et al., 2011, p. 146). .

É importante lembrar que os gêneros discursivos (Bakhtin, 2000Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes.) ou textuais (Bronckart, 1999Bronckart, J. P. (1999). Atividades de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ.) foram selecionados pelos PCNs (Brasil, 1997/1998Brasil (1998). Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC/SEF.) como objeto de ensino da Língua Portuguesa, tendo em vista que a proposta dessa disciplina passou a sustentar-se, com maior ênfase, na concepção sociointeracionista da linguagem.

(Costa-Hübes, 2009Costa-Hübes, T. C. (2009). Reflexões teórico-metodológicas para o trabalho com os gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa. In Anais do Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (pp. 1-17). Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. Recuperado de https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/arquivos/reflexoes_teorico-metodologicas_para_o_trabalho_com_os_generos_textuais_nas_aulas.pdf
https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/e...
, p. 3)

Essa concepção de linguagem, cuja base teórica repousa em Vygotsky (1989)Vygotsky, L. S. (1989). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. e Bakhtin (2000)Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes., já há algum tempo tem sido discutida no Brasil por muitos educadores, partindo do pressuposto de que a linguagem é interativa, dialógica, e portanto precisa ser analisada em situações reais de uso, o que só é possível por meio dos inúmeros gêneros textuais que circulam na sociedade, pois todas as instâncias da atividade humana “estão sempre relacionadas com a utilização da língua, a qual efetua-se por meio de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana” (Bakhtin, 2000Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes., p. 279).

De certa forma, as discussões sobre gêneros textuais vão ao encontro do pensamento de Freire, que utilizava como conteúdo de ensino assuntos atuais, da vivência de seus educandos. Isso nos leva a considerar que, quando interagimos com os outros, nos utilizamos “de enunciados já existentes na sociedade, selecionados conforme as necessidades de interação e moldados de acordo com o ato interlocutivo em que os indivíduos falantes estão inseridos” (Costa-Hübes, 2009Costa-Hübes, T. C. (2009). Reflexões teórico-metodológicas para o trabalho com os gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa. In Anais do Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (pp. 1-17). Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. Recuperado de https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/arquivos/reflexoes_teorico-metodologicas_para_o_trabalho_com_os_generos_textuais_nas_aulas.pdf
https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/e...
, p. 8).

Outro aspecto relevante que comunga com as ideias do educador é que, ao utilizar gêneros textuais que circulam na sociedade, nas diversas situações de interlocução, a escola não estará privilegiando apenas os gêneros elitizados, que circulam entre as classes dominantes, mas estará também trabalhando com gêneros que circulam entre as classes populares, como os da esfera musical: rap, funk, entre outros.

Concordamos com Bakhtin quando ele afirma que o “centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é o interior, mas o exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo” (Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2000). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes., p. 121 citado por Rangel, 2005Rangel, J. N. M. (2005). Leitura na escola: Espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação., p. 41). Sendo assim, a escola não pode ficar à margem disso, insistindo na inculcação da “palavraescola”, tão distante dos anseios dos educandos que, antes de serem alunos e alunas, são seres sociais, e menosprezando, assim, a “palavramundo” que os cerca e os constitui.

A partir dessa perspectiva teórica sociointeracionista, em que os gêneros textuais assumem a função de objetos de análise, há também uma proposta metodológica que viabiliza a aproximação entre a escola e a vida dos educandos, denominada sequência didática16 16 De acordo com as necessidades sociocomunicativas dos educandos, selecionamos um determinado gênero textual (oral ou escrito) sobre o qual organizamos, de forma sistemática, um conjunto de atividades com a finalidade de conhecer melhor o gênero (Costa-Hübes, 2009). . Há uma grande produção bibliográfica nacional e internacional sobre gêneros textuais/discursivos que também faz parte dos currículos dos cursos de Letras e Pedagogia e dos programas de formação continuada. Isso nos dá indícios de que os educadores já se apropriaram desse referencial teórico; no entanto, precisamos intensificar pesquisas que analisem como isso está sendo aplicado nas escolas, nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio – principalmente na rede pública de ensino, onde se encontram as classes populares.

A prática da “palavramundo”, do alfabetizar letrando, sem dúvida, exige mais do educador do que a prática da “palavraescola”, que tem levado tantas crianças, jovens e adultos ao analfabetismo funcional. Assumir uma postura teórico-metodológica exige muito mais do que disponibilidade: exige conhecimento teórico, consciência sobre a função política do ato educativo e desejo de mudança frente ao mundo que nos cerca. Nesse sentido, percebemos que entre Freire, Bakhtin e Soares há diálogos instigantes, que podem ser aprimorados não apenas no âmbito discursivo, mas principalmente no âmbito metodológico, com as devidas adaptações inerentes a cada realidade.

A percepção desse entrecruzar teórico-metodológico, de certa forma, nos motiva, pois conseguimos enxergar: (i) a superação da “palavraescola”, que exprime o monólogo educacional, a competitividade, a relação vertical entre educador e educando, o conteúdo vinculado exclusivamente aos processos avaliativos, e não às práticas sociais, o analfabetismo funcional excludente e discriminatório; e (ii) a efetivação da “palavramundo”, que se traduz em uma prática educacional política, emancipatória, que prima pelo alfabetizar letrando, pelo respeito às diferenças, pela dialogicidade e pelo dialogismo constantes entre educador, educando e o objeto do conhecimento e, enfim, por uma formação integral do indivíduo.

Considerações finais

O educador e filósofo Paulo Freire, mundialmente conhecido, foi, sem dúvida, um grande pensador. Sua pedagogia libertadora trouxe um novo horizonte para a educação das classes populares. Mesmo quase 20 anos depois do seu falecimento, suas ideias conseguem dialogar com autores, pesquisadores, educadores e filósofos de todas as áreas do saber, comprovando, assim, a atualidade de seus escritos.

Na obra que selecionamos, A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, cujo fio condutor é a leitura, Freire nos mostra que, quando bem trabalhada no âmbito escolar, mais especificamente no processo de alfabetização e letramento de crianças, jovens e adultos, a prática da leitura constitui o que ele denomina de “palavramundo”. Nessa perspectiva, o educador contribui com as discussões atuais sobre a utilização dos gêneros discursivos/textuais orais e escritos, respaldados por Bakhtin e Bronckart, como objetos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Além disso, ele dialoga com Soares no que tange à alfabetização e ao letramento.

Freire dialoga com pensadores que compactuam com sua corrente teórica, a fenomenologia e o existencialismo cristão, aprofundando e ampliando seus escritos imortais; mas também com pensadores como Marx, que defende o materialismo histórico. São as contradições, tão bem explicadas por Marx e seus seguidores, que nos impulsionam a novas ações, pois a realidade não é estática, mas está em constante movimento.

Em contrapartida, percebemos, por meio das discussões oportunizadas por este artigo, que há um distanciamento entre as pesquisas, os discursos e proposições metodológicas das várias correntes filosóficas que permeiam o universo educacional. E é nesse ponto que nós, educadores e pesquisadores, precisamos nos debruçar.

  • 1
    Normalização, preparação e revisão textual: Aline Maya (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 2
    “Condição de quem possui direitos civis, políticos e sociais, que garante a participação na vida política. Estado de cidadão, de quem é membro de um Estado. Exercício dos direitos e deveres inerentes às responsabilidades de um cidadão: votar é um ato de cidadania. [Por Extensão] Característica de um cidadão ou de quem recebeu o título de cidadão, possuindo todos os direitos e deveres garantidos pelo Estado: cidadania portuguesa” (“Cidadania”, n.d.Cidadania. (n.d.). In Dicio: Dicionário Online de Português. Recuperado de https://www.dicio.com.br/cidadania/
    https://www.dicio.com.br/cidadania/...
    ).
  • 3
    Utilizamos a primeira parte do título da obra analisada, “A importância do ato de ler”, no título deste artigo com o intuito de dar ênfase à leitura, fio condutor da análise proposta.
  • 4
    O exílio de Freire começou na Bolívia. Depois foi para o Chile, onde exerceu as funções de assessor do Instituto de Desarrollo Agropecuario e do Ministério da Educação, e de consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agraria do Chile. Nesse país, escreveu Pedagogia do oprimido. Depois foi para os Estados Unidos como professor convidado da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts. Em Genebra, foi consultor do Conselho Mundial das Igrejas, conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo e presidente do conselho executivo do Instituto de Ação Cultural (Idac). O educador transitou pelos continentes africano, asiático e europeu (“O exílio”, 2005O exílio (2005, 6 de dezembro). Paulo Freire: Educar para transformar. Recuperado de http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/biografia/05_biografia_exilio.html
    http://www.projetomemoria.art.br/PauloFr...
    ).
  • 5
    Palestra proferida na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em novembro de 1981 (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados.).
  • 6
    “O analfabeto funcional, em geral, sabe ler, contar, escrever frases simples, mas não é capaz de interpretar textos e colocar ideias no papel” (Leite & Cadei, 2016Leite, F. R., & Cadei, M. M. S. (2016). Analfabetismo funcional: Uma realidade preocupante. Revista Científica do Instituto Ideia, 1, 13-19., p. 14).
  • 7
    Raymond Williams, ao compreender que “a hegemonia ‘não existe apenas passivamente como forma de dominação’, mas encontra ‘resistências continuadas’, considerou necessário acrescentar o conceito de ‘contra-hegemonia’ e de ‘hegemonia alternativa’ (Williams, 1977, p. 116). Desde então o conceito de contra-hegemonia foi associado ao pensamento de Gramsci. O conceito de contra-hegemonia vem, também, associado ao de resistência, como resultado dos trabalhos da Cultural Studies” (Souza, 2013Souza, H. G. (2013). Contra-hegemonia: Um conceito de Gramsci. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 56).
  • 8
    “A escolha de obras célebres da literatura passa por uma valorização social que visa a discriminação de públicos-alvo a fim de clarear e distanciar ainda mais as classes hegemônicas das classes populares” (Alves, 2015Alves, S. (2015, 31 de março). Afinal, o que é um clássico literário? Homo Literatus. Recuperado de https://homoliteratus.com/afinal-o-que-e-um-classico-literario/
    https://homoliteratus.com/afinal-o-que-e...
    ).
  • 9
    Artigo publicado num número especial da Harvard Educational Review, em fevereiro de 1981, que tratou do tema “Education as transformation: identity, change and development”. Para o livro em análise, Freire acrescentou uma segunda parte (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados.).
  • 10
    Há um Terceiro caderno de cultura popular, sobre o ensino de aritmética; um Quarto, sobre saúde; e um Quinto, com uma série de textos com os quais se aprofundam as análises de alguns temas discutidos no Segundo caderno. Naquele ano, mais dois cadernos estavam sendo impressos. Um deles é um repertório de histórias e lendas que expressam a alma popular. O outro, uma introdução ao estudo das riquezas naturais do país. O Quinto e o Sexto cadernos, sendo o último também impresso naquele ano, são de autoria do professor chileno Antonio Faúndez, que deu sua contribuição ao país por meio do Conselho Mundial de Igrejas (Freire, 1989Freire, P. (1989). A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados.).
  • 11
    Eram utilizados por Paulo Freire nas práticas de alfabetização de jovens e adultos em substituição às salas de aula tradicionais. Essa disposição dos educandos em círculo oportunizava uma relação mais democrática entre os participantes e a equipe pedagógica. Os temas debatidos visavam a uma leitura crítica do mundo, a começar pelo contexto onde estavam inseridos.
  • 12
    “O existencialismo cristão procura recuperar a transcendência vertical, na medida em que vê na relação com Deus um dado essencial para a elucidação da situação humana. Tem como um de seus pressupostos básicos que o homem não pode mais aparecer como evidente para si próprio, como ocorria durante o racionalismo clássico, quando explicava seu destino por via de determinismos de várias espécies, ainda sobreviventes nas categorias de raça ou de classe” (“O existencialismo cristão”, 1987, pp. 689-690).
  • 13
    “O termo fenomenologia significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenômeno. Tal abordagem filosófica identifica-se por assegurar o sentido dado ao fenômeno. Vai mostrar que o mundo é o fenômeno, o que se mostra, embora precise ser desvelado. Busca chegar ao fenômeno, desvelar o sentido deste que se mostra, para chegar aquilo que a coisa é” (Silva, Lopes, & Diniz, 2008Silva, J. M. O., Lopes, R. L. M., & Diniz, N. M. F. (2008). Fenomenologia. Revista Brasileira de Enfermagem, 61(2), 254-257. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18v61n2.pdf
    http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18...
    , p. 255).
  • 14
    “Manifestos em textos, os gêneros discursivos são entendidos por Bakhtin em um enfoque discursivo-interacionista. Sendo social e ocorrendo em um dado contexto, os gêneros são diversos, as produções de linguagem são diversas e são definidos como tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo caracterizados pelo conteúdo temático, pelo estilo e pela construção composicional dos quais se utilizam” (Dias et al., 2011Dias, E., Mesquita, E. M. C., Finotti, L. H. B., Otoni, M. A. R., Lima, M. C. L., & Rocha, M. A. F. (2011). Gêneros textuais e(ou) gêneros discursivos: Uma questão de nomenclatura? Revista Interacções, 19, 142-155. Recuperado de http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/viewFile/475/429
    http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/art...
    , p. 145).
  • 15
    “Bronckart retoma teorias de Vygotsky e de Bakhtin – sob diferente enfoque –, e adota o projeto do interacionismo sociodiscursivo em que a linguagem surge a partir da diversidade e complexidade das diferentes práticas, o que acarreta as adaptações da linguagem e gera espécies de textos diferentes” (Dias et al., 2011Dias, E., Mesquita, E. M. C., Finotti, L. H. B., Otoni, M. A. R., Lima, M. C. L., & Rocha, M. A. F. (2011). Gêneros textuais e(ou) gêneros discursivos: Uma questão de nomenclatura? Revista Interacções, 19, 142-155. Recuperado de http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/viewFile/475/429
    http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/art...
    , p. 146).
  • 16
    De acordo com as necessidades sociocomunicativas dos educandos, selecionamos um determinado gênero textual (oral ou escrito) sobre o qual organizamos, de forma sistemática, um conjunto de atividades com a finalidade de conhecer melhor o gênero (Costa-Hübes, 2009Costa-Hübes, T. C. (2009). Reflexões teórico-metodológicas para o trabalho com os gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa. In Anais do Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (pp. 1-17). Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. Recuperado de https://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/arquivos/reflexoes_teorico-metodologicas_para_o_trabalho_com_os_generos_textuais_nas_aulas.pdf
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    ).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2018
  • Revisado
    06 Ago 2018
  • Aceito
    14 Set 2018
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