Acessibilidade / Reportar erro

Identidade docente enquanto performatividade: um estudo entre licenciandos em biologia inspirado na teoria ator-rede

Teachers’ identity as performativity: a study involving undergraduate biology teaching students inspired in actor-network theory

Resumo

A fim de contribuir com o debate sobre a identidade profissional docente, fazemos uso de algumas ideias da teoria ator-rede para subsidiar a proposta de que os professores apresentam identidades docentes performativas. Recorrendo ao conceito de política ontológica, pretendemos superar a dicotomia entre essencialismo e relativismo que há muito se instala nas correntes teóricas dedicadas ao estudo da identidade. Para tanto, apresentamos dados obtidos de dois grupos focais formados por estudantes de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade pública brasileira. O primeiro grupo é composto por bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e o segundo, por licenciandos não bolsistas. Os resultados apontam que entre os pibidianos prevalece a performatividade de uma identidade que não identificamos entre os não bolsistas do programa: a identidade-afinidade. A identidade do curso também aparece como fundamental para a construção das identidades dos sujeitos. Por isso, problematizamos o papel dos cursos de formação de professores na performatividade das identidades entre licenciandos.

Palavras-chave
identidade profissional; formação de professores; curso de licenciatura

Abstract

In order to contribute to the discussion regarding teachers’ professional identity, this article proposes to use some of the actor-network theory’s ideas to support the concept that teachers present performative identities. Resorting to the concept of ontological policy, the article intends to overcome the dichotomy between essentialism and relativism that for a long time has been installed in the theoretical currents that are dedicated to the study of this issue. Therefore, the article presents examples taken from two focus groups composed of undergraduate students in biological sciences from a Brazilian public university. The first group consists of undergraduates who are recipients of the scholarship program “Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência” (PIBID), and the second is composed of non-recipient undergraduates. The results show that the recipients of the program perform an identity type not found among non-recipients: the affinity-identity. The identity of the course also appears as fundamental for the construction of the undergraduates’ identities. Therefore, the article questions the role of teacher training courses in the performance of identity types among undergraduates.

Keywords
professional identity; teacher training; undergraduate teaching course

Identidade: entre o essencialismo e o relativismo

Os estudos sobre identidade compõem um amplo leque de abordagens na literatura acadêmica. Ao analisar os marcos teóricos sobre essa temática, Dubar (1998)Dubar, C. (1998). Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos. Educação & Sociedade, 19 (62), 13-30. distingue duas orientações opostas: essencialista e relativista. A primeira, segundo o autor, adota uma perspectiva “psicologizante”, ao considerar a existência de um self, ou “eu interior”, com relativa autonomia e permanência. Na segunda perspectiva, considerada pelo autor como “sociologista”, a identidade seria uma ilusão, dada sua total dependência das posições e dos papéis sociais ocupados pelo sujeito. Dubar aponta, então, a necessidade de superar essa polarização e adotar um ponto de vista relacional, que articule as experiências objetivamente vividas com os sentidos que os sujeitos atribuem a elas (Coutinho, Krawulski & Soares, 2007Coutinho, M. C., Krawulski, E., & Soares, D. H. P. (2007). Identidade e trabalho na contemporaneidade: repensando articulações possíveis. Psicologia & Sociedade, n. esp. 1, 29-37.).

Especificamente em relação aos estudos envolvendo o conceito de identidade profissional docente, Diniz Pereira (2016)Diniz Pereira, J. E. (2016). Lentes teóricas para o estudo da construção da identidade docente. Educação em Perspectiva, 7 (1), 9-34. também aponta a presença das abordagens essencialista e relativista. A primeira abordagem pode ser relacionada à tendência funcionalista, de cunho positivista, segundo a qual a identidade do sujeito é determinada por sua função social. É, portanto, um produto social estático, forjado em uma espécie de linha de montagem em que se pressupõe uma identidade unitária, posta, completa, não contraditória. Em consonância com essa abordagem teórica estão os modelos de formação pautados em uma racionalidade técnica, assentada na perspectiva de que a docência é um treinamento mecânico. Em decorrência desse treinamento, professores em formação podem internalizar uma cultura monolítica e estática e, portanto, adotar uma postura conformista e repressiva. Essa perspectiva também se relaciona com a ideia de uma vocação para a aquisição de habilidades pré-determinadas para a função de professor, que devem ser assimiladas pela imitação, por exemplo.

A abordagem relativista, segundo Diniz Pereira (2004), está mais relacionada aos chamados autores pós-modernos, que têm desafiado as explicações de marxistas ortodoxos e neomarxistas estruturalistas, buscando superar a visão simplista e mecânica defendida pela concepção essencialista. Para o relativismo, as identidades dos professores em formação são moldadas de maneira complexa, influenciadas por fatores como etnia, classe social, gênero e orientação sexual dos indivíduos. Nesse paradigma o discurso é fundamental para entender como o poder opera na sociedade, modelando a identidade das pessoas. É possível pensar na formação de professores em múltiplas realidades, em que competem ideologias, discursos e práticas discursivas diferentes. Citando Britzman (1991)Britzman, D. P. (1991). Practice makes practice: a critical study of learning to teach. Albany: State University of New York., Diniz Pereira (2004) destaca que na abordagem relativista a cultura é um processo reinventado, renegociado e reinterpretado por seus participantes, de modo que identidades e desejos são mobilizados e construídos dialogicamente.

Ao pensar a identidade docente é necessário levar em conta as contradições e tensões presentes nas experiências subjetivas e nas práticas sociais, ambas dimensões constitutivas da docência. Tornar-se professor exige um complexo diálogo entre estas tensões: teoria e prática, biografia e estrutura social, conhecimento e experiência, e assim por diante. Importa ressaltar que, apesar de ser uma experiência vivida pelos indivíduos, a docência é uma atividade socialmente negociada. Tornar-se professor é resultado da interação de muitos fatores e condições, que incluem a trajetória escolar e familiar, a história pessoal, características individuais, além de imagens, crenças e valores sociais sobre a docência.

A pluralidade de perspectivas teórico-analíticas que tomam a identidade docente como objeto de estudo revela que esta pode ser considerada uma questão controversa, e nos termos de Venturini (2010, p. 261)Venturini, T. (2010). Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, Londres, 19 (3), 258-273.: “controvérsias são situações nas quais os atores discordam (ou melhor, concordam em suas discordâncias) ”.1 1 Foge ao escopo deste trabalho o detalhamento das perspectivas teórico-analíticas sobre identidade docente. Contudo, é possível aprofundar o debate a esse respeito a partir dos seguintes autores: Arroyo (1985) e Enguita (1991), que tecem uma análise sociológica da docência como profissão; Oliveira (2010), que desenvolve discussões sobre a proletarização docente; Louro (1989), Rosemberg (2001), Nóvoa (1991) e Costa (2010), cujos estudos focam em questões de gênero e profissão docente; Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003), que abordam a profissionalidade e profissionalização; Lawn (2001), em artigo que discute os impactos das políticas educacionais neoliberais e dos discursos oficiais sobre o trabalho e a identidade dos professores. Ainda, na discussão dos impactos do neoliberalismo sobre a profissão docente – tais como a desprofissionalização e a intensificação do trabalho, além das competências baseadas na performatividade e na autorresponsabilidade pelo desenvolvimento profissional –, destaca-se o artigo de Oliveira (2005). Sobre o fenômeno do mal-estar docente, vale consultar Nóvoa (1992). Quanto aos saberes específicos da docência, indica-se o livro de Tardif (2002). No âmbito da psicologia social, Alves-Mazzotti (2009) estuda as representações sociais sobre os professores e seu trabalho. No campo dos estudos culturais, em voga nas análises sociológicas mais atuais, ver Hall (2006) e Silva (2004), além de Bauman (2005).

Nesta pesquisa, que tem a teoria ator-rede (TAR) como inspiração teórico-metodológica, adotaremos uma perspectiva analítica diferente das abordagens essencialistas e relativistas expostas até aqui. Com essa escolha teórico-metodológica não pretendemos invalidar os esforços teóricos empreendidos para a compreensão da identidade profissional, mas oferecer outra via de entendimento sobre tão complexa temática. É o caráter controverso da identidade que nos faz lançar a ideia de que as identidades (no plural) são performadas na ação. Para tanto, nos apoiamos no conceito de agência/performatividade, advindo dos estudos baseados na TAR.

Performatividade na teoria ator-rede: uma introdução

Começaremos explorando o significado de “teoria ator-rede”. A palavra “ator”, para Latour (2001)Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc., não está relacionada à acepção sociológica do “ator social”. Um ator2 2 Em alguns escritos é comum encontrarmos a palavra “ator”. No entanto, segundo Latour (2001, p. 346), como a palavra ator normalmente se limita a humanos, é preferível o termo “actante”, tomado da semiótica, para incluir humanos e não humanos na definição. Neste trabalho utilizaremos as palavras ator e actante para nos referirmos tanto a humanos quanto a não humanos. (ou actante3 3 O termo actante deriva do trabalho semiótico de Greimas (1983), segundo o qual qualquer palavra é definida completamente por suas relações com outros termos linguísticos. Latour estende e aplica essa visão relacional a todos os tipos de entidade (materiais, atores humanos, eventos etc.). Por isso, a TAR também é conhecida como semiótica material (Blok & Jensen, 2011, p. 17 e 167). ) é tudo que age, que produz efeitos no mundo ou sobre ele, podendo ser uma pessoa, instituição ou coisa – animais, máquinas ou objetos. O que define um actante como tal não é uma essência ou um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, mas o conjunto de suas relações (Harman, 2009Harman, G. (2009). Prince of networks: Bruno Latour and metaphysics. Melbourne: Re.Press., p. 17). Portanto, um actante nunca pode ser tomado como entidade isolada. Actantes estão sempre implantados em suas relações (Harman, 2009Harman, G. (2009). Prince of networks: Bruno Latour and metaphysics. Melbourne: Re.Press., p. 17) e devem ser compreendidos por suas “interferências interativas” (Bennett, 2010Bennett, J. (2010). Vibrant matter: a political ecology of things. Durham: Duke University Press., p. 21). O grande interesse da TAR é definir o actante com base naquilo que ele faz (Latour, 2001Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc., p. 346), ou seja, sua performatividade. Com isso, Latour rompe com a atitude amplamente difundida de definir as coisas por suas essências e indica que os actantes devem ser definidos por suas atuações.

Portanto, na constituição de redes devem ser considerados tanto os elementos humanos quanto os não humanos: das redes da atividade científica, por exemplo, fazem parte os colegas, as instituições de financiamento, as rivalidades, a mídia, os periódicos de divulgação científica, o mercado consumidor. Cada um desses actantes – humanos e não humanos – possui a mesma condição ontológica, e só compreendemos como a atividade científica acontece se levarmos todos em conta.

Latour (1994)Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. (C. I. Costa, Trans.). Rio de Janeiro: Editora 34. (Obra original publicada em 1991) argumenta que a ciência moderna considera os elementos humanos e não humanos como entidades “puras” e que não se misturam. Para o autor, a purificação é um trabalho prático e discursivo empreendido pelos modernos para dividir a natureza e a cultura, as pessoas e as coisas, em planos ontologicamente distintos. A purificação é, portanto, um processo que tornaria os híbridos “invisíveis”. De acordo com Latour, no entanto, a crise ecológica contemporânea, por exemplo, mostra que essa separação é artificial e não se sustenta mais. O que a purificação fez, na verdade, foi possibilitar uma multiplicação desenfreada de híbridos.

É fundamental destacar que, pretendendo ultrapassar a separação moderna entre humanos e não humanos, Latour (1994)Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. (C. I. Costa, Trans.). Rio de Janeiro: Editora 34. (Obra original publicada em 1991) defende que se dê igual importância de tratamento para a produção dessas entidades, estudando-as ao mesmo tempo. O autor ainda propõe que tanto a natureza quanto a sociedade sejam explicadas a partir de um quadro comum e geral de interpretação, contestando as dualidades da ciência moderna, motivo pelo qual essas ideias também são conhecidas como princípio da simetria generalizada (Freire, 2006Freire, L. L. (2006). Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum, 11(26), 46- 65.). Utilizar esse princípio significa partir da necessária explicação simultânea da natureza e da sociedade, ao contrário do hábito de fazer recair exclusivamente sobre a sociedade ou sobre a natureza todo o peso da explicação, o que resultaria na permanência de um esquema assimétrico. Segundo Latour, a TAR

trata de seguir as coisas através das redes em que elas se transportam, descrevê-las em seus enredos – é preciso estudá-las não a partir dos polos da natureza ou da sociedade, com suas respectivas visadas críticas sobre o polo oposto, e sim simetricamente, entre um e outro

(Latour, 2000Latour, B. (2000). Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp., p. 397).

Quanto à palavra “rede”, não se relaciona à rede cibernética, pois ao contrário do que acontece na internet – onde as informações são transportadas por longas distâncias sem sofrer alterações –, na TAR a “rede remete a fluxos, circulações e alianças, nas quais os atores envolvidos interferem e sofrem interferências constantes” (Freire, 2006Freire, L. L. (2006). Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum, 11(26), 46- 65., p. 10). Um importante aspecto das redes, no pensamento de Latour, é sua heterogeneidade. Segundo o autor, elas são forjadas com inúmeros elementos diferentes, não podendo ser ditas “científicas”, “econômicas”, “políticas” ou “administrativas”, “humanas” ou “não humanas”. As redes são urdidas com elementos que estão em complexas interações, de modo que grande parte dos actantes é híbrida, a carregar essa dupla faceta: humana e não humana, natural e social (Latour, 2000Latour, B. (2000). Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp., p. 377).

Por fim, a palavra “teoria” também foge ao uso convencional, pois não se refere a um sistema de referência que possa ser aplicado a algo, mas antes de tudo é um caminho para a construção e fabricação das redes. Rezzadori e Oliveira (2011)Rezzadori, C. B. D. B., & Oliveira, M. A. (2011). A rede sociotécnica de um laboratório de química do Ensino Médio. Experiências em Ensino de Ciências, 6 (3), 16-37. afirmam que, a partir da ação de diferentes actantes e dos fatos a eles relacionados, a TAR permite-nos descrever e enfatizar “os movimentos, os fluxos, as circulações, as alianças, as estratégias e táticas de associação e negociação utilizadas por estes na construção de uma rede, antes que esta se torne uma estrutura rígida” (Rezzadori & Oliveira 2011Rezzadori, C. B. D. B., & Oliveira, M. A. (2011). A rede sociotécnica de um laboratório de química do Ensino Médio. Experiências em Ensino de Ciências, 6 (3), 16-37., p. 3), isto é, uma “caixa-preta”. Portanto, o grande desafio desta teorização é mostrar como se constroem as “caixas-pretas”, alinhando “cada etapa com as que a antecedem e sucedem, de modo que, começando pela última, possa-se regressar à primeira” (Latour, 2001Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc., p. 81).

A TAR também é conhecida como sociologia das associações. Vemos que na obra de Latour (2012)Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: Edufba. a palavra associação está diretamente relacionada a outra – “social”. O autor retoma o significado original da raiz latina socius (associação) e esclarece que a tarefa do cientista deveria ser, em vez de utilizar a palavra “social” para explicar os mais variados fenômenos que ocorrem na vida dos humanos, deter-se na busca do entendimento das associações que estes estabelecem entre si e com os não humanos e de como essas associações sociomateriais4 se estabilizam, gerando o social (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: Edufba., p. 23). Nestes termos, o social não é uma instância privilegiada da realidade, nem uma substância ou causa que explica como as pessoas agem ou se relacionam. Pelo contrário, o “social” é que deve ser explicado (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: Edufba., pp. 17-18). A TAR busca, portanto, investigar como certas entidades se relacionam com outras, formando redes, e como essas redes se estendem, às vezes em grandes proporções, e se estabilizam.

É importante destacar que, sendo um legatário de Gabriel Tarde, sociólogo mais expressivo da França na virada do século XIX para o XX, Latour (2002)Latour, B. (2002). Gabriel Tarde and the end of the social. In P. Joyce (Ed.), The social in question: new bearings in history and the social sciences (pp. 117-132). London: Routledge. reconhece uma conexão muito próxima entre a teoria social tardiana e a TAR. Para Tarde, existir é diferir. Ele rejeita a filosofia da identidade essencialista ao admitir que uma entidade é definida por suas propriedades e por sua avidez. Dessa forma, segundo Melo (2006)Melo, M. F. A. Q. (2006). Voando com a pipa: esboço para uma psicologia social do brinquedo à luz das ideias de Bruno Latour (Tese de Doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., conhecemos as propriedades de uma entidade através dos efeitos provocados pelo seu detentor.

O argumento levantado por Tarde tem profundas consequências para a TAR, tendo em vista o status ontológico que ela atribui aos não humanos. A TAR não reivindica uma identidade para os não humanos nem procura definir “o que eles são, mas sim o que eles querem – sua avidez, suas propriedades” (Latour, 2001Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc., p. 131, ênfase do autor). Com isso, de uma lógica das essências passamos a uma lógica das performances: temos uma “identidade performativa”.

A performatividade da identidade

Em sua crítica ao projeto moderno, Latour questiona os dualismos que separam indivíduo e sociedade como entes distintos e cindidos, afirmando que as ambivalências que a modernidade insiste em sustentar jamais existiram. Para ele, ao buscar conhecer e estudar a realidade, os modernos erraram ao acreditar que havia um objeto “lá fora”, pronto para ser descoberto pelo sujeito. Como vimos, Latour também critica a ideia de que há uma “ordem social”, “dimensão social” ou “estrutura social” separada de outros fenômenos, como os biológicos, econômicos, psicológicos etc. (Canal, 2011Canal, N. U. (2011). Entre figurações e associações: as sociologias de Norbert Elias e Bruno Latour. Acta Scientiarum, 33 (2), 139-148.). Segundo Latour,

A TAR não afirma que um dia saberemos se a sociedade é “realmente” feita de pequenos agentes individuais calculistas ou de portentosos macroatores; nem afirma que, como vale tudo, a pessoa pode escolher seu candidato favorito ao acaso. Ao contrário, chega à conclusão (…) de que essas controvérsias proporcionam ao analista os recursos necessários para rastrear as conexões sociais

(Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: Edufba., p. 53).

Em busca da superação dos dualismos modernos para o estudo da identidade, encontramos na ideia de “aprender a ser afetado”, proposta por Latour (2008)Latour, B. (2008). Como falar do corpo. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 39-61). Porto: Afrontamento., uma via interessante para pensarmos nas identidades docentes. O autor faz uso dos estudos sobre o corpo para propor novas reflexões a respeito do “corpo científico”, inicialmente problematizando a definição de corpo: seria ele natural ou artificial? Seria definido por uma essência ou socialmente produzido? Para Latour, em uma perspectiva não moderna o corpo seria uma instância de “aprendizagem de ser afetado, no sentido de ‘efetuado’, movido, colocado em movimento por outras entidades humanas ou não humanas”. O corpo, então, é definido pelo autor como “aquilo que permite uma trajetória dinâmica pela qual aprendemos a registrar e a nos tornar sensitivos àquilo de que o mundo é feito” (Latour, 2008Latour, B. (2008). Como falar do corpo. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 39-61). Porto: Afrontamento., p. 41). Usando como exemplo o treinamento de pessoas para a produção de perfumes a partir de um kit de odores, Latour busca entender como essas pessoas aprendem a ser afetadas pelos odores, passando a distinguir das fragrâncias mais marcantes até as mais sutis. Ele destaca a importância de considerar as articulações entre o kit de odores, o especialista que o carrega e a pessoa que vai ser treinada. Os vínculos entre esses elementos (actantes), e não os elementos em si, é que permitem ao corpo ser uma interface, “passível de ser afetada pelos componentes do mundo que a circundam e que, como consequência, se constitui no mundo e simultaneamente constitui o mundo” (Arendt & Costa, 2005Arendt, R. J. J., & Costa, C. A. M. (2005). O corpo como fe(i)tiche: possíveis contribuições do pensamento de Bruno Latour para a Psicologia. Mnemosine, 1 (2), 48-74.).

Tomando essa perspectiva de corpo como inspiração, entendemos que também a identidade se constitui a partir do aprender a ser afetado pelos vínculos entre pessoas e coisas (que nos colocam) em movimento. Para nós, a noção de que a realidade é fruto de conexões, de vínculos entre actantes – aí incluídas pessoas e coisas –, tem impactos fundamentais para o entendimento da identidade. As identidades docentes podem ser múltiplas, tal como o diverso espectro de perfumes do kit de odores no exemplo de Latour. As pessoas podem ser afetadas por diferentes fragrâncias, diferentes experiências, dependendo dos vínculos que se estabelecem, como entre a maleta que contém o kit (o curso de formação profissional), o especialista que a carrega (professores do curso) e o aspirante a ser treinado (licenciandos). Tais vínculos apontam a possibilidade de tratarmos a identidade como um ator-rede, isto é, como um emaranhado de conexões heterogêneas (professores, alunos, currículos, escolas, vivências). A nosso ver, considerar a identidade docente como possibilidade de afetar e ser afetado, como formação de um corpo, sugere que as identidades docentes podem ser performadas a partir da afecção pelo amplo espectro de fragrâncias, das mais marcantes às mais sutis. Nesse sentido, as identidades são constituídas em ação.

Conforme anunciamos anteriormente, para a TAR todo ator é definido performaticamente, ou seja, por sua atuação em determinada rede. O foco analítico é portanto mostrar como as coisas atuam, mais do que tentar explicar seus significados ou o porquê de elas serem do modo que são (Fenwick & Edwards, 2012Fenwick, T., & Edwards, R. (2012). Researching education through actor-network theory. New Jersey: Wiley., p. XII). Na perspectiva da TAR não faz sentido falar em identidade individual ou “social”. Assim, nosso esforço é descrever como as identidades docentes vão sendo construídas na ação, em sua performatividade. Trataremos da fabricação de redes identitárias, construídas a partir das associações entre diferentes actantes em dado momento. Tais redes são móveis por resultarem de deslocamentos, translações dos actantes – são identidades performativas.

Apoiamo-nos em Mol (2008)Mol, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e várias perguntas. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-78). Porto: Afrontamento. para entender a performatividade, conceito importante para a compreensão da identidade profissional defendida neste trabalho. A autora utiliza a expressão “ontologia política” (2002) para se referir à ideia de que a realidade não precede as práticas com as quais interagimos, antes sendo modelada por essas práticas. Mol ressalta que nos estudos conduzidos pela TAR, por exemplo, o laboratório foi descrito como prática sociomaterial em que a realidade é transformada, concebendo novas formas de fabricá-la, incluindo aí vacinas, ratos, microprocessadores e outros objetos. E se a realidade é feita/fabricada, é também múltipla (2008).

Tomar a realidade como múltipla implica evitar vê-la no centro, intocada, distante, a ser descoberta; implica entendê-la como manipulada, feita, performada. Para esclarecer a ideia de performatividade, Mol dá um exemplo sobre diagnóstico da anemia. Segundo a autora, a anemia é performada de muitas maneiras. Como se vê na Figura 1, há uma performatividade clínica, dada pelo conjunto de sintomas visíveis e queixas do paciente; uma estatística, quando se compara o nível de hemoglobina no sangue do paciente com o padrão dos testes de rotina laboratoriais; e uma patofisiológica, referente ao método capaz de determinar se o nível de hemoglobina do indivíduo é suficiente ou não para transportar corretamente o oxigênio pelo corpo.

Figura 1
Diferentes performatividades da anemia

Mol (2008)Mol, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e várias perguntas. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-78). Porto: Afrontamento. esclarece que nem sempre essas três performatividades estão interligadas, como se fossem aspectos de um desvio único, pois os objetos de cada técnica de diagnóstico não se sobrepõem necessariamente. A realidade da anemia assume várias formas, que não são perspectivas de diferentes pessoas, pois uma mesma pessoa pode passar de uma performatividade para outra; nem são construções extintas, restritas ao passado, pois coexistem no presente. Portanto, são diferentes (múltiplas) realidades.

Mol (2008)Mol, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e várias perguntas. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-78). Porto: Afrontamento. lembra que o termo “política ontológica” se refere a uma ligação entre o real (as condições de possibilidade com que vivemos) e o político. Mas como ocorre tal ligação? Se há várias formas de performar uma realidade, haveria escolha entre elas? O que estaria em jogo nessa escolha? Onde estariam as opções? Há mesmo opções? Como devemos escolher?

Para tentar responder essas perguntas, a autora problematiza algumas questões que envolvem “escolha” e “política”. Primeiro: se pensarmos que podemos escolher a performatividade de uma dada realidade, arriscamo-nos à ramificação de opções por todo lado. O resultado é que as opções sempre parecem estar no outro lado. Segundo: a forma como uma realidade é performada depende de outras realidades envolvidas. Prestando atenção aos objetos performados em uma prática nos deparamos com interferências complexas entre eles. Ainda utilizando a anemia como exemplo, Mol esclarece que na performatividade laboratorial estão juntos com a anemia a agulha, o sangue, a dor, o desvio padrão, a norma. Portanto, a interferência entre as várias tensões políticas é tal que, quando parece estar em jogo somente uma coisa (no caso, a anemia), estão também envolvidas outras questões e realidades. Terceiro: o estudo das performatividades da anemia revela sua multiplicidade, mas não seu pluralismo. Não é como se houvesse entidades separadas. As várias performatividades da realidade (na medicina, por exemplo) estabelecem toda espécie de tensão, mas separá-las como se fossem uma pluralidade de opções é passar por cima das complexas interconexões que as unem. Por último, qual ator pode decidir entre as opções? Nos serviços médicos, deverá ser o doente-cliente, que faz escolhas entre bens disponíveis no mercado, ou o doente-cidadão, que tenta organizar o sistema de saúde para o benefício de todos? A autora finaliza perguntando: “Serão fundamentais os momentos nos quais os doentes atuam como agentes ou, antes, aqueles nos quais são definidos, medidos, escutados, observados ou performados?” (Mol, 2008Mol, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e várias perguntas. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-78). Porto: Afrontamento., p. 20).

Considerando que, do ponto de vista da TAR, entidades, pessoas, objetos e até doenças são considerados actantes, tomamos a anemia como exemplo da performatividade de múltiplas realidades. Estamos interessados em lançar a ideia de que também as identidades profissionais são performadas em realidades múltiplas. Inspirados nas problematizações levantadas por Mol, questionamos: seria a identidade profissional performada pelos licenciandos? Se há múltiplas realidades, deverá haver múltiplas identidades? Os licenciandos não estariam performando identidades no momento em que são escutados, observados, estudados? Se há múltiplas performatividades da identidade, há também como escolhê-las? O que estaria em jogo nessa escolha? Onde estariam as opções? Há mesmo opções? Como devemos escolher?

Encontramos no trabalho de Gee (2000)Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125. um interessante referencial para pensar as identidades como performatividade. O autor analisa a identidade “com foco nas maneiras pelas quais as pessoas agem e se reconhecem em contextos específicos. Neste sentido, todas as pessoas tem múltiplas identidades, que estão conectadas não a seus ‘estados internos’, mas à sua performatividade na sociedade” (2000, p. 99).

Gee apresenta um quadro analítico sugerindo quatro maneiras pelas quais é possível reconhecer certo “tipo de pessoa”. O Quadro 1 sintetiza essas ideias.

Quadro 1
Dimensões da identidade

O autor explica que, grosso modo, no estudo sobre identidade a sociedade ocidental tem migrado historicamente da primeira perspectiva (somos determinados por nossa “natureza”) para a segunda (somos produtos da posição que ocupamos na sociedade) e para a terceira (somos resultados de nossas realizações individuais, uma vez que estas sejam reconhecidas por outros). A quarta perspectiva (somos definidos pelas experiências que vivenciamos no interior de certos “grupos de afinidade”), argumenta Gee (2000, p. 101)Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125., “tem ganhado proeminência no novo capitalismo”. O autor reconhece, no entanto, que em sociedades complexas todas essas perspectivas coexistem, uma vez que não estão separadas, mas se inter-relacionam de diferentes maneiras. Segundo Gee, essas são quatro maneiras de formular questões sobre o modo como a identidade age em uma pessoa específica num dado contexto ou em um cenário que englobe diferentes realidades. De outra forma, pode-se questionar: em dado tempo e espaço, qual dimensão/tipologia predomina e por quê?

No caso da identidade docente reconhecemos intuitivamente a presença dessas tipologias nos discursos de alunos, professores e nas propostas de formação docente. A primeira perspectiva, da identidade-natureza, talvez seja a mais frequentemente sustentada pelo senso comum: professores nascem com o dom da docência, com vocação, um talento natural. A segunda, da identidade-instituição, pode ser relacionada, por exemplo, à formação acadêmica; para serem considerados professores, os indivíduos precisam de formação específica, oferecida por instituições reconhecidas, que lhes autorizarão a lecionar. A terceira, da identidade-discurso, pode ser relacionada aos traços individuais que supostamente são reconhecidos como necessários para os professores: ser comunicativo, gostar de lidar com pessoas, de explicar e assim por diante.

A última perspectiva, da identidade-afinidade, nos parece bastante pertinente para analisar o contexto desta pesquisa. Gee argumenta que tem sido cada vez mais comum para as instituições o desafio de criar “grupos de afinidade”. Isso porque no mundo atual, que é global, interconectado e sujeito a mudanças rápidas em várias esferas da vida social – características do que Gee chama “novo capitalismo” –, as pessoas têm se engajado na defesa de dadas causas, e por meio do compartilhamento dessas práticas acabam se identificando com outras pessoas. A sociedade contemporânea, do novo capitalismo, é baseada na criação de novas demandas de consumo e na manutenção da relação com os consumidores, de tal maneira que as demandas iniciais sejam continuamente renovadas. Produtos e serviços são criados para atender certos “tipos de pessoa”, forjando nos indivíduos novas identidades em torno dessas novas demandas. Evidentemente essa situação não se aplica apenas ao mercado e às relações de consumo; a escola e os professores também têm sofrido a influência dessas novas identidades, na medida em que também são postas novas demandas a esses atores.

Exemplo de identidades performadas por licenciandos em ciências biológicas

Nesta parte do texto exploraremos dados coletados a partir de dois grupos focais (GF) com licenciandos em ciências biológicas de uma grande universidade pública do Sudeste do Brasil. O primeiro GF foi realizado com sete formandos do último semestre de 2013, e o segundo com oito licenciandos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid).5 5 Não foi interesse deste estudo investigar a performatividade das identidades com base na composição de gênero, raça e classe social dos grupos focais, já que, na perspectiva da TAR, tais parâmetros não devem ser considerados a priori. O objetivo dos GF foi identificar comparativamente a performatividade de diferentes identidades entre os licenciandos. Para tanto, recorremos às tipologias identitárias expostas por Gee (2000)Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125., sem no entanto tomá-las como categorias a priori, porque buscamos também identificar em que medida estas e outras identidades se expressam na ação, no momento em que os licenciandos falam sobre si.

Tanto no grupo dos licenciandos não pibidianos quanto no dos pibidianos observamos a performatividade de diferentes tipologias identitárias nas narrativas dos sujeitos, como pode ser observado nas seguintes falas:6 6 Os nomes foram trocados por pseudônimos para garantir o anonimato dos parceiros de pesquisa.

Ele era um excelente professor, eu sempre achei o saber muito… sabe, a autoridade do professor, de saber, de… passar informação. Sempre gostei muito disso (Maria, GF não pibidianos).

Eu acordei para a biologia foi no primeiro ano do ensino médio. Minha professora, Edna, cabelos cacheados, aqui assim (…) ela apresentou para mim a biologia de uma forma assim tão… sei lá, linda… ela explicava aquilo com uma calma, com uma paciência (Ester, GF não pibidianos).

Uma vez ele (o professor) falou assim, que quando ele escolheu fazer literatura, né? “Eu vou falar da coisa que eu gosto o dia inteiro”. Eu pensei: ah, vou fazer isso também (Bianca, GF pibidianos).

Explicar o conteúdo com calma e paciência, fazer o que gosta e ter autoridade sobre a turma são características que os licenciandos reconhecem como importantes para o exercício da docência. Por esse motivo, entendemos que aí é performada uma identidade-discurso; por meio da interação entre professor e alunos, emergem características individuais, traços subjetivos do professor (ser calmo, criativo, seguro, bravo) que o fazem ser reconhecido (pelos alunos) como um bom professor.

Também podemos identificar, nas falas de Maria e Nádia, indícios da performatividade de uma identidade-natureza.

Eu sempre gostei de professores, desde muito nova, e sempre gostei de ciências também. Aí no ensino médio, na biologia, eu fiquei… é meio romântico de falar, mas eu fiquei apaixonada por biologia (…) eu quis seguir, sempre quis ser professora mesmo” (Maria, GF não pibidianos).

Tenho vontade de ser professora desde sempre, gosto de biologia desde sempre. Escolhi biologia porque não conseguia me imaginar fazendo outra coisa. Eu só conseguia me imaginar mexendo com a biologia. Eu tenho facilidade de entender a biologia, de explicar a biologia. Eu acho que posso ser útil desta forma (Nádia, GF pibidianos).

Quando Maria diz “(Eu) sempre quis ser professora mesmo”, dá sinais de um desejo “naturalizado” pela docência, que se manifesta desde “sempre”. Da mesma forma, Nádia se remete à docência em biologia como um desejo “natural”, desde “sempre”. Também observamos a identidade-natureza performada em relação ao ser biólogo:

porque eu desde pequena… não sei se é pelo fato de ir muito em sítio, fazenda, essas coisas… Eu sempre fui apaixonada, principalmente com bicho… Então eu via aquela coisa de biólogo mesmo (…) eu sempre fui assim, desde pequena, entendeu? (Marilena, GF pibidianos).

Ao dizer que “desde pequena”, “sempre” foi apaixonada por bicho, “aquela coisa de biólogo mesmo”, Marilena dá a entender que ser bióloga é uma condição natural nela, presente desde sua infância.

Convidados a avaliar seu curso de formação em licenciatura, os sujeitos argumentaram:

Vocês têm que pensar que quem está dando laboratório de ensino lá são pesquisadores, não são professores (…) lá eles são pesquisadores, sabe? Teoricamente, assim, tinha que ter alguém da licenciatura para dar esse suporte para a gente, e não uma pessoa que fez bacharelado, pesquisa a vida dela inteira, chega lá e ter que dar uma coisa prática da licenciatura para a gente, entendeu? (Marilena, GF pibidianos).

Você está fazendo licenciatura (…) eu acho que como o curso é voltado para licenciatura tinha que ter uma formação diferenciada (Zélia, GF não pibidianos).

Os professores… é, é… até mesmo para o curso específico da licenciatura, tem que ser mais professor ainda, tem que ser o cara que vai conseguir conciliar (…) Vai te ensinar a ensinar (Arnaldo, GF pibidianos).

É interessante notar que os licenciandos de ambos os GF sentem falta de uma formação específica para a docência, especialmente quando se deparam com os laboratórios de ensino, disciplinas que deveriam promover a interlocução entre os conteúdos específicos da biologia e a prática de ensino desses conteúdos. A bem da verdade, essa interlocução entre conteúdos específicos e pedagógicos deveria perpassar todo o curso, de modo a oferecer aos licenciandos uma formação integrada e focalizada efetivamente na docência.

No caso específico de Arnaldo, podemos perceber que ele se ressente da ausência de foco na docência em todo o curso, pois para ele, independentemente da disciplina, na licenciatura “o professor deve ser mais professor” e “ensinar a ensinar”. Não acreditamos que ele se refira a uma formação meramente técnica, mas sim a uma formação integral, que una conteúdos pedagógicos e específicos, teóricos e práticos.

Ainda sobre a formação dos professores universitários, Nádia complementa:

Eu acho que até para você formar biólogo, engenheiros… você precisa de didática. Eu acho que qualquer professor que vai ensinar, que vai ser professor, vai ensinar… Por mais técnica que seja a matéria, eu acho que ele precisa de didática (Nádia, GF pibidianos).

Nos episódios ora descritos percebemos a performatividade simultânea de duas tipologias identitárias. Ao reconhecerem que para ser professor o graduando necessita de uma formação específica, os licenciandos performam uma identidade-discurso, pois apontam saberes e fazeres próprios da profissão (saber ensinar, fazer a mediação didática) e, ao mesmo tempo, performam uma identidade-instituição, já que essa formação deve se dar em um curso também específico – a licenciatura. Ao apontarem as “faltas” em sua própria formação, os licenciandos reconhecem a fragilidade do curso de licenciatura na construção de uma identidade docente.

Quanto à performatividade da identidade-instituição, pudemos observá-la em ambos os grupos:

Na época a coordenadora do curso falou que não… que o biólogo licenciado é um biólogo como um bacharel, com essa diferença de poder dar aula, e você pode fazer o mestrado do mesmo jeito (…) Aí quando eu parei para decidir, eu falei assim: “legal, então eu posso ao invés de fazer o bacharelado, já que eu tenho o diferencial de ser, né?… licenciado para dar aula. Se eu quiser eu faço o mestrado. E na época era isso (Ronaldo, GF não pibidianos).

Eu entrei pensando no bacharelado. Aí eu pensei: “não, vou fazer os dois. Aí a (coordenadora do curso)… teve uma palestra com a coordenadora do curso… ba ba ba ba ba… Ela falou que era mais fácil começar pela licenciatura, quem quisesse fazer os dois. Aí eu fui e comecei pela licenciatura (Luana, GF pibidianos).

O baixo status da licenciatura em relação ao bacharelado e da docência em relação à pesquisa fazem da isonomia profissional entre biólogos licenciados e bacharéis uma suposta solução para a baixa atratividade da licenciatura.7 7 A isonomia profissional entre licenciados e bacharéis é uma questão controversa. A Resolução CFBio 300/2012 regulamenta a carga horária mínima exigida dos biólogos, durante sua formação na graduação, para a execução de trabalhos técnicos nas áreas de meio ambiente, saúde e biotecnologia. Segundo a Resolução, para se registrar no conselho profissional e, portanto, ter autorização para emitir relatórios, laudos, pareceres etc. nas referidas áreas, o biólogo que se graduar depois de dezembro de 2015 deverá comprovar uma carga horária mínima de 3.200 horas de conteúdos biológicos. As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores, homologadas em julho de 2015, sugerem que os cursos de licenciatura tenham carga horária mínima de 3.200 horas, o que ainda não seria suficiente para oportunizar aos licenciados o registro no conselho profissional dos biólogos. A percepção dos licenciandos é que cursando a licenciatura estarão em vantagem, pois além de poderem atuar como biólogos, podem também dar aulas. No entanto, essa é uma falsa valorização da profissão docente. Explicando melhor: a fala da coordenadora do curso, a qual Ronaldo menciona, tem o poder de forjar determinada identidade entre os licenciandos, uma vez que a coordenadora é porta-voz da instituição que os permite lecionar. Reconhecemos aqui a performatividade de uma identidade-instituição, a qual emerge de princípios e regras – nesse caso, institucionalizadas pelo Colegiado do curso – que autorizam os licenciandos a ocuparem a posição de professor (e também de biólogos). No entanto, a posição de professor é considerada “secundária”, pois na concepção dos sujeitos, o licenciado é um biólogo que tem o “diferencial” de poder dar aula, se quiser. É o que vemos no trecho a seguir:

Quando eu entrei no curso, para mim era o seguinte: o licenciado é um biólogo que tem o diferencial de poder dar aula. Então eu entrei com essa concepção, eu sou um biólogo que tem esse diferencial, eu também posso dar aula (…) Esse conteúdo que não é da educação ser o mesmo tanto para bacharel quanto para licenciado… é que isso não te limita à carreira de professor. Eu não estou, eu não estou limitada a dar aula. Eu posso muito bem fazer complementação de carga horária, tirar meu (registro no) CRBio e atuar como biólogo sim. Eu não estou limitada à sala de aula, eu não estou limitada (Ester, GF não pibidianos).

Nesta fala também emerge um ator importante na constituição da rede identitária docente: o Conselho Regional de Biologia (CRBio), que também promove a performatividade de uma identidade-instituição, pois é o órgão que autoriza quem pode ou não exercer a profissão de biólogo. Sobre o mesmo assunto, os pibidianos afirmaram:

Eu pretendo tirar o CRBio porque, se um dia eu precisar, eu tenho… eu não tenho que correr atrás agora, entendeu? Mas o que eu pretendo mesmo é dar aula (…) É bem diferente, eu vou tirar (o registro no CRBio) por ser uma carta na manga, mas se eu fizer um mestrado um dia (…) se eu fizer, eu vou fazer dentro da área de educação. Porque se eu fizer alguma coisa, se eu gosto tanto de licenciatura, se eu me vejo como professora, porque eu não vou dedicar a vida à educação? Entendeu? Porque eu tenho que me dedicar a uma área que não é da educação só para falar que eu tenho mestrado em alguma coisa (Sabrina, GF pibidianos).

É porque eu quero tirar meu CRBio, sabe? Eu quero aproveitar esse gancho agora né? Que… pra depois eu não desanimar. Eu não sei se futuramente eu vou precisar do CRBio, para fazer alguma consultoria, eu não sei (…) É uma carta na manga (Leila, GF pibidianos).

Tal situação nos chamou a atenção porque, diferentemente do grupo dos não pibidianos, aqui o registro no CRBio representa uma alternativa em relação ao exercício profissional da docência. Como dizem Leila e Sabrina: é uma “carta na manga”. Embora o registro no CRBio não se associe à identidade docente, para este grupo a filiação não representou um desvio dessa identidade.

Portanto, a performatividade da identidade-instituição prevalece no grupo dos licenciandos não pibidianos e está mais relacionada à possibilidade de uma dupla habilitação, que os autoriza a serem biólogos e, se quiserem, também professores; o que coloca a docência em uma posição secundária.

Nesse sentido, além das tipologias identitárias propostas por Gee (2000)Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125., observamos uma outra forma de identidade sendo performada: a identidade do curso. Retomando o texto de Latour (2008)Latour, B. (2008). Como falar do corpo. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 39-61). Porto: Afrontamento. sobre o corpo, os licenciandos se ressentem de não serem afetados pelo curso de formação de professores. Parafraseando o autor, por ser uma licenciatura, o curso deveria ser um “corpo” articulado, uma maleta que deveria oferecer diferentes tipos de odores aos narizes dos licenciandos – odores que agregassem atores (currículo, professores, disciplinas, escola) e que possibilitassem a construção de uma rede de vivências positivas em relação à docência.

Quanto aos pibidianos, observamos outro “corpo” sendo performado: uma maleta com diferentes fragrâncias que levam esses discentes a serem afetados pela docência. Atores como a escola, o financiamento do programa, os projetos de trabalho, as reuniões de estudo, o professor da universidade e o professor supervisor da escola se associam em rede, formando um corpo articulado que agrega vivências positivas em relação à formação docente. A nosso ver, essa articulação se manifesta de forma bastante evidente por meio do sentimento de pertencer a uma equipe de trabalho, o que faz desse sentimento um dos actantes mais poderosos na rede identitária com a docência, como pode ser verificado no trecho a seguir:

Mas eu acho que no Pibid, né? Pelo fato de estar ali uma equipe… aí os alunos, né? Junto com o professor que está ali… te coloca junto ali, já fala “somos todos aqui, nós somos um grupo”. A sala inteira, né? O professor que estagiava, os alunos… são um grupo. Isso torna assim… Você fica muito mais à vontade para trabalhar em um ambiente desse tipo (Arnaldo, GF pibidianos, ênfase nossa).

Recuperando Gee (2000, p. 99)Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125., as vivências dos licenciandos nas práticas sociomateriais no Pibid permitem que vários actantes se associem fortemente, performando o que o autor chama de identidade-afinidade, isto é, “somos o que somos por causa das experiências que vivenciamos no interior de certos ‘grupos de afinidade’”. Um grupo de afinidade é formado por pessoas que podem estar dispersas espacialmente, mas que compartilham interesses. O que se compartilha para que se constitua um “grupo de afinidade” é a adesão, fidelidade e participação em práticas específicas, que proporcionem a cada membro do grupo as experiências requeridas. O processo pelo qual essa identidade age é, portanto, a participação ou o compartilhamento. As vivências dos licenciandos nas práticas sociomateriais no Pibid permitem que vários actantes se associem fortemente, criando um grupo de afinidade, o que viabiliza nessa realidade a emersão de uma identidade docente.

Uma representação em rede da performatividade das identidades docentes nos GF com não pibidianos e pibidianos é apresentada na Figura 2:

Figura 2
Tipologias identitárias performadas por licenciandos pibidianos e não pibidianos.

Como se vê, o Pibid representa um ponto de passagem obrigatório na performatividade da identidade-afinidade na rede identitária docente. Nessa perspectiva, entendemos que as articulações entre pibidianos e os outros nós desta rede fizeram esses licenciandos “aprenderem a ser afetados” por esses nós, construindo proposições articuladas, isto é, mobilizando bons vínculos em torno de sua identidade profissional. Diante do exposto, perguntamos: como os cursos de licenciatura podem tirar proveito das experiências exitosas no Pibid, no sentido de estenderem a rede identitária docente a todos os licenciandos?

A identidade enquanto performatividade: alguns desafios para os cursos de formação de professores

Neste artigo argumentamos que as identidades docentes são construídas performaticamente, ao longo da trajetória profissional dos sujeitos. Resgatando Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press., propomos que as identidades profissionais de professores são múltiplas e podem ser performadas simultaneamente, o que traz grandes desafios a quem se incumbe da tarefa de formar esses profissionais, isto é, os cursos de licenciatura. Ao longo do texto identificamos diversas tipologias identitárias performadas pelos licenciandos, mas, para além disso, também constatamos nas falas dos licenciandos a necessidade de uma identidade do curso. Nessa perspectiva, as identidades dos sujeitos precisam estar articuladas às identidades do “corpo” científico que as forma, que as constrói. Desse modo, sustentamos a necessidade de um olhar crítico-reflexivo que parta de nós, formadores de professores, para questionar: que corpo performamos? Que odores carregamos em nossas maletas? Em outras palavras, qual é a responsabilidade das instituições e dos docentes formadores de professores no processo de constituição das identidades performadas pelos licenciandos? Estamos favorecendo a prevalência de identidades que reforçam o caráter coletivo e relacional da docência? Ou reproduzimos o corolário que relaciona a docência a um dom natural? Estamos nos agarrando ao diploma de licenciatura como um instrumento que transforma o aluno em professor? Por fim, que novas fragrâncias nossa maleta de odores pode oferecer aos licenciandos para que se sintam afetados pela docência?

Agradecimentos

Coutinho é grato ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo auxílio financeiro.

  • 1
    Foge ao escopo deste trabalho o detalhamento das perspectivas teórico-analíticas sobre identidade docente. Contudo, é possível aprofundar o debate a esse respeito a partir dos seguintes autores: Arroyo (1985)Arroyo, M. (1985). Mestre, professor, trabalhador. Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG. e Enguita (1991)Enguita, M. (1991). A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, 4, 41-61., que tecem uma análise sociológica da docência como profissão; Oliveira (2010)Oliveira, D. A. (2010). Os trabalhadores da educação e a construção política da profissão docente no Brasil. Educar em Revista, n. esp. 1, 17-35., que desenvolve discussões sobre a proletarização docente; Louro (1989)Louro, G. L. (1989). Magistério de 1º grau: um trabalho de mulher. Educação e Realidade, 14 (2), 31-39., Rosemberg (2001)Rosemberg, F. (2001). Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Revista Estudos Feministas, 9 (2), 515-540., Nóvoa (1991)Nóvoa, A. (1991). Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão docente. Teoria & Educação, 4, 109-139. e Costa (2010)Costa, M. C. V. (2010). Sobre as contribuições das análises culturais para a formação dos professores do início do século XXI. Educar em Revista, 37, 129-152., cujos estudos focam em questões de gênero e profissão docente; Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003)Ramalho, B. L., Nuñez, I. B., & Gauthier, C. (2003). Formar o professor profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulina., que abordam a profissionalidade e profissionalização; Lawn (2001)Lawn, M. (2001). Os professores e a fabricação de identidades. Currículo Sem Fronteiras, 1 (2), 117-130., em artigo que discute os impactos das políticas educacionais neoliberais e dos discursos oficiais sobre o trabalho e a identidade dos professores. Ainda, na discussão dos impactos do neoliberalismo sobre a profissão docente – tais como a desprofissionalização e a intensificação do trabalho, além das competências baseadas na performatividade e na autorresponsabilidade pelo desenvolvimento profissional –, destaca-se o artigo de Oliveira (2005)Oliveira, D. A. (2005). Regulação das políticas educacionais na América Latina e suas consequências para os trabalhadores docentes. Educação & Sociedade, 26 (92), 753-775.. Sobre o fenômeno do mal-estar docente, vale consultar Nóvoa (1992)Nóvoa, A. (1992). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote.. Quanto aos saberes específicos da docência, indica-se o livro de Tardif (2002)Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.. No âmbito da psicologia social, Alves-Mazzotti (2009)Alves-Mazzotti, A. J. (2009). Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Múltiplas Leituras, 1 (1), 18-43. estuda as representações sociais sobre os professores e seu trabalho. No campo dos estudos culturais, em voga nas análises sociológicas mais atuais, ver Hall (2006)Hall, S. (2006). A identidade cultural na pós-modernidade (11ª ed.). Rio de Janeiro: DP&A. e Silva (2004)Silva, T. T. (2004). A produção social da identidade e da diferença. In T. T. Silva (Ed.), Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (3ª ed., pp. 73-102). Petrópolis: Vozes., além de Bauman (2005)Bauman, Z. (2005). Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar..
  • 2
    Em alguns escritos é comum encontrarmos a palavra “ator”. No entanto, segundo Latour (2001, p. 346)Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc., como a palavra ator normalmente se limita a humanos, é preferível o termo “actante”, tomado da semiótica, para incluir humanos e não humanos na definição. Neste trabalho utilizaremos as palavras ator e actante para nos referirmos tanto a humanos quanto a não humanos.
  • 3
    O termo actante deriva do trabalho semiótico de Greimas (1983)Greimas, A.J. (1983). Les actants, les acteurs et les figures. In: Greimas, A.J. (Ed.), Du Sens II: essais sémiotiques. (pp. 49-66). Paris: Éditions du Seuil., segundo o qual qualquer palavra é definida completamente por suas relações com outros termos linguísticos. Latour estende e aplica essa visão relacional a todos os tipos de entidade (materiais, atores humanos, eventos etc.). Por isso, a TAR também é conhecida como semiótica material (Blok & Jensen, 2011Blok, A.; Jensen, T.E. (2011). Bruno Latour: hybrid thoughts in a hybrid world. London: Routledge., p. 17 e 167).
  • 4
    Conforme Law (1992)Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: ordering, strategy, and heterogeneity. Systems Practice, 5 (4), 379-393., quase todas as interações entre pessoas são mediadas por objetos, como telefone, internet, carta. Por esse motivo podemos chamar essas interações de sociomateriais.
  • 5
    Não foi interesse deste estudo investigar a performatividade das identidades com base na composição de gênero, raça e classe social dos grupos focais, já que, na perspectiva da TAR, tais parâmetros não devem ser considerados a priori.
  • 6
    Os nomes foram trocados por pseudônimos para garantir o anonimato dos parceiros de pesquisa.
  • 7
    A isonomia profissional entre licenciados e bacharéis é uma questão controversa. A Resolução CFBio 300/2012 regulamenta a carga horária mínima exigida dos biólogos, durante sua formação na graduação, para a execução de trabalhos técnicos nas áreas de meio ambiente, saúde e biotecnologia. Segundo a Resolução, para se registrar no conselho profissional e, portanto, ter autorização para emitir relatórios, laudos, pareceres etc. nas referidas áreas, o biólogo que se graduar depois de dezembro de 2015 deverá comprovar uma carga horária mínima de 3.200 horas de conteúdos biológicos. As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores, homologadas em julho de 2015, sugerem que os cursos de licenciatura tenham carga horária mínima de 3.200 horas, o que ainda não seria suficiente para oportunizar aos licenciados o registro no conselho profissional dos biólogos.

Referências

  • Allain, L. R. (2015). Mapeando a identidade profissional de licenciandos em ciências biológicas: um estudo ator-rede a partir do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG.
  • Alves-Mazzotti, A. J. (2009). Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Múltiplas Leituras, 1 (1), 18-43.
  • Arendt, R. J. J., & Costa, C. A. M. (2005). O corpo como fe(i)tiche: possíveis contribuições do pensamento de Bruno Latour para a Psicologia. Mnemosine, 1 (2), 48-74.
  • Arroyo, M. (1985). Mestre, professor, trabalhador. Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG.
  • Bauman, Z. (2005). Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Bennett, J. (2010). Vibrant matter: a political ecology of things. Durham: Duke University Press.
  • Blok, A.; Jensen, T.E. (2011). Bruno Latour: hybrid thoughts in a hybrid world. London: Routledge.
  • Brasil. Conselho Nacional de Educação. (2015). Resolução CNE/CP n. 02/2015. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file
    » http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file
  • Britzman, D. P. (1991). Practice makes practice: a critical study of learning to teach. Albany: State University of New York.
  • Canal, N. U. (2011). Entre figurações e associações: as sociologias de Norbert Elias e Bruno Latour. Acta Scientiarum, 33 (2), 139-148.
  • Conselho Federal de Biologia (2010). Resolução n. 213. Recuperado de: http://www.cfbio.gov.br
    » http://www.cfbio.gov.br
  • Costa, M. C. V. (2010). Sobre as contribuições das análises culturais para a formação dos professores do início do século XXI. Educar em Revista, 37, 129-152.
  • Coutinho, M. C., Krawulski, E., & Soares, D. H. P. (2007). Identidade e trabalho na contemporaneidade: repensando articulações possíveis. Psicologia & Sociedade, n. esp. 1, 29-37.
  • Diniz Pereira, J. E. (2016). Lentes teóricas para o estudo da construção da identidade docente. Educação em Perspectiva, 7 (1), 9-34.
  • Dubar, C. (1998). Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos. Educação & Sociedade, 19 (62), 13-30.
  • Enguita, M. (1991). A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, 4, 41-61.
  • Fenwick, T., & Edwards, R. (2012). Researching education through actor-network theory. New Jersey: Wiley.
  • Freire, L. L. (2006). Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum, 11(26), 46- 65.
  • Gee, J. P. (2000). Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, 25, 99-125.
  • Greimas, A.J. (1983). Les actants, les acteurs et les figures. In: Greimas, A.J. (Ed.), Du Sens II: essais sémiotiques. (pp. 49-66). Paris: Éditions du Seuil.
  • Hall, S. (2006). A identidade cultural na pós-modernidade (11ª ed.). Rio de Janeiro: DP&A.
  • Harman, G. (2009). Prince of networks: Bruno Latour and metaphysics. Melbourne: Re.Press.
  • Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. (C. I. Costa, Trans.). Rio de Janeiro: Editora 34. (Obra original publicada em 1991)
  • Latour, B. (2000). Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp.
  • Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Edusc.
  • Latour, B. (2002). Gabriel Tarde and the end of the social. In P. Joyce (Ed.), The social in question: new bearings in history and the social sciences (pp. 117-132). London: Routledge.
  • Latour, B. (2008). Como falar do corpo. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 39-61). Porto: Afrontamento.
  • Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: Edufba.
  • Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: ordering, strategy, and heterogeneity. Systems Practice, 5 (4), 379-393.
  • Lawn, M. (2001). Os professores e a fabricação de identidades. Currículo Sem Fronteiras, 1 (2), 117-130.
  • Louro, G. L. (1989). Magistério de 1º grau: um trabalho de mulher. Educação e Realidade, 14 (2), 31-39.
  • Melo, M. F. A. Q. (2006). Voando com a pipa: esboço para uma psicologia social do brinquedo à luz das ideias de Bruno Latour (Tese de Doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • Mol, A. (2002). The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press.
  • Mol, A. (2008). Política ontológica: algumas ideias e várias perguntas. In J. A. Nunes & R. Roque (Eds.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-78). Porto: Afrontamento.
  • Nóvoa, A. (1991). Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão docente. Teoria & Educação, 4, 109-139.
  • Nóvoa, A. (1992). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote.
  • Oliveira, D. A. (2005). Regulação das políticas educacionais na América Latina e suas consequências para os trabalhadores docentes. Educação & Sociedade, 26 (92), 753-775.
  • Oliveira, D. A. (2010). Os trabalhadores da educação e a construção política da profissão docente no Brasil. Educar em Revista, n. esp. 1, 17-35.
  • Ramalho, B. L., Nuñez, I. B., & Gauthier, C. (2003). Formar o professor profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulina.
  • Rezzadori, C. B. D. B., & Oliveira, M. A. (2011). A rede sociotécnica de um laboratório de química do Ensino Médio. Experiências em Ensino de Ciências, 6 (3), 16-37.
  • Rosemberg, F. (2001). Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Revista Estudos Feministas, 9 (2), 515-540.
  • Silva, T. T. (2004). A produção social da identidade e da diferença. In T. T. Silva (Ed.), Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (3ª ed., pp. 73-102). Petrópolis: Vozes.
  • Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.
  • Venturini, T. (2010). Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, Londres, 19 (3), 258-273.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2015
  • Revisado
    26 Maio 2017
  • Aceito
    23 Set 2017
UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: proposic@unicamp.br