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O Programa Elos para prevenção do abuso de drogas: repercussões no cotidiano escolar 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares - carmenls@unicamp.br. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br

El Programa Elos para la prevención del abuso de drogas: repercusiones en la vida diaria de la escuela

Resumo

Discutem-se repercussões da implementação do Programa Elos de prevenção ao uso abusivo de drogas (Ministério da Saúde, 2013-2017) quanto à alteração de relações de assujeitamento, isolamento e desrespeito presentes no cotidiano escolar. Acompanhou-se em três escolas da região metropolitana de São Paulo a implementação do programa que é uma parceria entre professores e profissionais da saúde na realização de um jogo entre equipes de alunos. Foram realizados cinco grupos focais e nove entrevistas individuais com professores, profissionais de saúde, coordenadores pedagógicos e gestores de escola; e 20 grupos com oito a dez alunos de seis a oito anos de idade por grupo. A análise qualitativa deu visibilidade a mudanças nas relações institucionais intensificadas por práticas de grupalidade, repactuação permanente e por processos de implicação de si – de professores e de alunos – instaurados pela prática do jogo, com efeitos sobre a ampliação da potência para aprender.

Palavras-chave
jogo; grupo; relações; prevenção; saúde

Resumen

Se discuten las repercusiones de la implementación del Programa Elos de prevención al uso abusivo de drogas (Ministerio de Salud, 2013-2017) en cuanto a la alteración de relaciones de sujeción, aislamiento y falta de respeto en el cotidiano escolar. En tres escuelas de la región metropolitana de São Paulo se acompañó la implementación del Programa – una asociación entre profesores y profesionales de la salud en la realización de un juego entre equipos de alumnos. Se realizaron cinco grupos focales y nueve entrevistas individuales con maestros, profesionales de la salud, coordinadores pedagógicos y gerentes escolares; y 20 grupos con ocho a diez estudiantes de seis a ocho años cada grupo. El análisis cualitativo dio visibilidad a cambios en las relaciones institucionales intensificadas por la práctica del juego – grupalidad, renegociación permanente y por procesos de implicación de profesores y alumnos – con efectos sobre la potencia para aprender.

Palabras-clave
juego; grupo; relaciones; prevención; salud

Abstract

We discuss repercussions of the implementation of the Elos Program for the prevention of drug abuse (Ministério da Saúde, 2013-2017) regarding the alteration of processes of subjection, isolation and disrespect present in school daily life. In three schools in the metropolitan area of São Paulo we followed the implementation of the Program – a partnership between teachers and health professionals to organize a game between teams of students. Five focus groups and nine individual interviews were conducted with teachers, health professionals, pedagogical coordinators, and school administrators; and 20 group meetings with eight to ten students from six to eight years of age each group. The qualitative analysis gave visibility to changes in the institutional relations intensified by group practices, permanent renegotiation, and by processes of implication of oneself – teachers and students – established by the practice of the game, with effects on the amplification of the power to learn.

Keywords
game; group; relationships; prevention; health

Introdução

Este artigo discute dados de uma pesquisa qualitativa sobre experiências de implementação do Programa Elos em escolas de ensino fundamental na região metropolitana de São Paulo. Tem como objetivo investigar a relação entre a aplicação do Programa Elos, implementado nacionalmente pelo Ministério da Saúde entre 2013 e 2017 na rede pública de saúde e educação, e possíveis alterações em relações de assujeitamento, isolamento e desrespeito no cotidiano escolar. O Programa Elos foi elaborado e implementado na perspectiva de uma política pública para prevenção do uso abusivo de álcool e outras drogas. Ressaltamos a importância de analisar os efeitos que se produzem nas relações e nos coletivos na escola ao se implementar um programa escolar de prevenção, focando os campos relacionais, as formas de conduta e as relações de força nos coletivos instaurados a partir das práticas com o programa. Nesse sentido, este estudo não avalia a relação entre a implantação do programa e a prevenção e nem problematiza conceitos sobre o uso abusivo de drogas.

O fato de se tratar de um programa escolar de prevenção no campo de políticas públicas sobre uso de álcool e outras drogas situa o estudo num cenário biolítico complexo. O tema da prevenção tem sua invenção e produção de significados desenhados num percurso histórico que constitui um campo de forças em que a vida das populações se torna objeto de políticas públicas sanitárias (Foucault, 1988Foucault, M. (1988). O Nascimento da medicina social. In Foucault, M. Microfísica do poder (pp. 79-98). 6a ed. Rio de Janeiro: Graal.). Nos últimos três séculos, a expansão dessas políticas tem produzido dispositivos de normalização social que amplificam a medicalização da vida, instituindo conceitos de normalidade, patologia, risco e parâmetros de saúde e segurança nos mais variados âmbitos sociais (Caron, 2019Caron, E. (2019). Experimentações intensivas: psicofármacos e produção de si no contemporâneo. (Tese de doutorado) Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Zorzanelli, Ortega, & Bezerra, 2014Zorzanelli, R. T., Ortega, F., & Bezerra Júnior, B. (2014). Um pano­rama sobre as variações em torno do conceito de me­dicalização entre 1950-2010. Cien Saude Colet, 19(6):1859-1868.). Produzidas nesse campo de forças, as metodologias de prevenção constituem procedimentos que interferem nos modos de vida e instauram processos de subjetivação-objetivação.

Na interface entre as tecnologias de dominação sobre o outro e as tecnologias de subjetivação, Foucault (2004)Foucault, M. (2004). Tecnologias de si. Verve, 6, 321-360. propõe o conceito de governamentalidade, que põe em relevo o ocupar-se da própria condução, articulado às forças da condução disciplinar e regulatória. A invenção do psicológico (Figueiredo, 2007Figueiredo, L. C. M. (2007). A Invenção do Psicológico: quatro séculos de subjetivação, 7a ed. São Paulo: Escuta.), a partir de diferentes matrizes de pensamento da modernidade, produziu um arcabouço de saberes e práticas para a condução da conduta, incorporado aos processos de governamentalização na família, na escola, no trabalho, nas organizações, nos meios de comunicação etc., largamente difundidos durante o século XX (Carvalho, 2015Carvalho, S. R. (2015). Governamentalidade, ‘Sociedade Liberal Avançada’ e Saúde: diálogos com Nikolas Rose. Interface, 19(54), 647-58.; Rose, 1999Rose N. (1999). Governing the soul. The shaping of the private self. (2nd ed.) London, UK: Free Association Books.). Tendo em vista esses processos de governamentalização, Aquino (2009)Aquino, J. G., & Ribeiro, C. R. (2009). Processos de governamentalização e a atualidade educacional: novas modulações normativas. Educação e Realidade, 34(2),1-16. faz uma crítica, no campo pedagógico, a projetos humanistas de melhoramento das pessoas a partir de técnicas de governo dessa interioridade psi, o que nos indica a necessidade de considerar a análise das formas de governar presentes em programas de prevenção. Neste trabalho, analisaremos algumas dessas formas.

O Programa Elos foi elaborado no âmbito das políticas de prevenção relacionadas ao uso de drogas psicoativas no Brasil. A partir da virada para o séc. XXI, cresce a produção de pesquisas e diretrizes governamentais (Abramovay & Castro, 2005Abramovay, M., & Castro, M. G. (2005). Drogas nas escolas: versão resumida. (Relatório de Pesquisa/2005), Brasília: Unesco, Rede Pitágoras.; Brasil, 2000Brasil. Coordenação Nacional de DST/Aids. (2000). Manual do multiplicador: adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde.) e produções acadêmicas que passam a se ocupar do tema numa perspectiva de redução de riscos e de danos (Passos & Souza, 2011Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. (2009). Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina.). Amplia-se o espectro de proposições para a prevenção em relação a drogas num terreno em que esta não se confunde com abstinência (Guerra & Clark, 2010Guerra, G., & Clark, N. (2010). Da coerção à coesão: Tratamento da dependência de drogas por meio de cuidados em saúde e não da punição. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Recuperado de https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/noticias/2013/09/Da_coercao_a_coesao_portugues.pdf
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; Machado & Boarini, 2013Machado, L. V., & Boarini, M. L. (2013). Políticas Sobre Drogas no Brasil: a Estratégia de Redução de Danos. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 580-595.). Nessa perspectiva, a compreensão sobre a multiplicidade de usos de substâncias psicoativas tem relação com variadas formas de experiência humana. Não se trata da prevenção do uso de drogas, mas da prevenção de condições produtoras de danos e do favorecimento de outros horizontes e processos de subjetivação.

Segundo relatórios da Organização Mundial de Saúde (United Nations Office on Drugs and Crime, 2015United Nations on Drugs and Crime – Unodc (2015). International Standards on Drug Use Prevention. Recuperado de https://www.unodc.org/documents/prevention/UNODC_2013_2015_international_standards_on_drug_use_prevention_E.pdf
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) sobre experiências internacionais nesse campo complexo de produção de evidências em prevenção, destacam-se os programas escolares na infância e adolescência que propõem a ampliação de habilidades relacionais pessoais e sociais em articulação com ações que incluem pais e comunidade. Assim, o programa europeu Unplugged (Vadrucci et al., 2016Vadrucci, S., Vigna-Taglianti, F.D., Vassara, M., Scatigna, M., Faggiano, F. & Burkhart, G. (2016). The theoretical model of the school-based prevention program ‘Unplugged’. Global health promotion, 23(4), 49-58.) e o norte-americano Good Behavior Game (Kellan et al., 2014Kellam, S. G., Wang, W., Mackenzie, A. C., Brown, C. H., Ompad, D. C., Or, F., ... & Windham, A. (2014). The Impact of the Good Behavior Game, a Universal Classroom-Based Preventive Intervention in First and Second Grades, on High-Risk Sexual Behaviors and Drug Abuse and Dependence Disorders into Young Adulthood. Prevention Science, 15(1), 6-18.) foram adotados pelo Ministério da Saúde, que, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Crime e Drogas, os elegeu entre as metodologias que haviam produzido resultados considerados favoráveis à prevenção – segundo os critérios supracitados – no cenário internacional. Os dois programas passaram por uma adaptação cultural testada em campo (Medeiros et al., 2016Medeiros, P. F. P., Cruz, J. I., Schneider, D. R., Sanudo, A., & Sanchez, Z. M. (2016). Process evaluation of the implementation of the Unplugged Program for drug use prevention in Brazilian schools. Substance abuse treatment, prevention, and policy, 11(2). Recuperado em 18 maio 2018, de https://substanceabusepolicy.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13011-015-0047-9
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; Peres, Grigolo, & Schneider, 2016Peres, M. G., Grigolo, T. M., & Schneider, D. R. (2016). Percepções sobre um programa de prevenção ao uso de drogas nas escolas para o desenvolvimento de habilidades de vida. Saúde & Transformação Social, 6(1), 111-123.; Scheneider, 2016Schneider, D. R., Pereira, A. P. D., Cruz, J. I.; Strelow, M., Chan, G.; Kurki, A., & Sanchez, Z. M. (2016). Avaliação da implementação em escolas brasileiras de um programa preventivo para crianças. Psicologia Ciência e Profissão, 36(3), 508-519.), que produziu as versões brasileiras #Tamojunto e Elos, os quais tiveram as primeiras implementações no país entre 2013 e 2014.

Ambos os programas tiveram um desenho lógico-operacional assentado sobre uma articulação entre coordenadores das secretarias municipais de saúde e de educação e a equipe técnica do Ministério da Saúde. Essa articulação produziu o planejamento dos locais de intervenção, cronogramas de formação, acompanhamento e avaliação. Multiplicadores nacionais do Ministério da Saúde facilitaram a formação de professores e trabalhadores da saúde para constituição de um corpo de multiplicadores e implementadores em cada território de uma Unidade Básica de Saúde e escola. Esse corpo de professores e trabalhadores da saúde se reuniam regularmente para formação contínua, avaliação do processo e planejamento das ações, exercendo uma função de apoio ao professor para implementar os programas com os alunos. De 2013 a 2016, os programas passaram por um processo de construção do dispositivo em um conjunto crescente e restrito de escolas (Tabela 1), distribuídas nacionalmente, que funcionaram como campo de experiência de implementação e pesquisas de validação.

Tabela 1
Abrangência Nacional dos programas Elos e #Tamojunto, de 2013 a 2017

Os programas possuíam dois componentes: um componente de trabalho com as famílias – encontros temáticos com pais, mães e adultos de referência – e um componente escolar, em que os alunos participavam como protagonistas de processos grupais, de forma ativa, e os professores passavam a uma posição de lateralidade, como facilitadores. O #Tamojunto, voltado para adolescentes de 13 a 15 anos, focou em discussões sobre família, grupos, sociedade, modos de existência, desejos e sentimentos. O Programa Elos, objeto deste artigo, trabalhou com alunos de seis a dez anos que, divididos em equipes, realizaram atividades regulares previstas no currículo na forma de um jogo de regras, chamado jogo Elos.

Elementos do cotidiano escolar que compõem o problema de pesquisa

A presente pesquisa analisou efeitos da experiência com o Programa Elos relacionados a elementos apresentados pelos educadores, diretores, vice-diretores e coordenadores das escolas durante as formações para a implantação do programa. Nas rodas de conversa realizadas nestas formações os educadores teceram críticas ao ambiente escolar, caracterizando-o como cansativo, ruidoso e conflituoso, com pouca cooperação, falta de escuta e respeito e dificuldade de atenção, além de alta demanda de controle dos educadores sobre os alunos e da gestão sobre os educadores. Afirmavam estarem sobrecarregados. Um componente desse sentimento de sobrecarga era gerado por incessantes projetos pedagógicos e programas específicos, que se iniciavam e terminavam ao longo dos anos, sem nunca atingir um fim, produzindo uma sensação de esgotamento. Os educadores também se sentiam pressionados por indicadores oficiais de rendimento escolar e pelas demandas da gestão sobre os problemas apontados por tais indicadores. John Mac Beath (citado por Kruppa, Caramelo, & Terrasêca, 2015Kruppa, S. M. P., Caramelo, J., & Terrasêca, M. (2015). A autoavaliação pode fazer diferença na qualidade da educação: conversando com John MacBeath. Educ. Pesqui, 41(n.spe), 1601-1615.) enuncia que essa pressão sobre as escolas submetidas à avaliação externa por exames dos alunos é um problema global em que o valor da experiência dos educadores é desconsiderado. Diretores, coordenadores pedagógicos e educadores descreveram o trabalho na escola como uma corrida estressante para alcançar metas em que recebem diretrizes e treinamentos e se sentem isolados e solitários na condução do cotidiano escolar. Kruppa (2015)Kruppa, S. M. P., Caramelo, J., & Terrasêca, M. (2015). A autoavaliação pode fazer diferença na qualidade da educação: conversando com John MacBeath. Educ. Pesqui, 41(n.spe), 1601-1615. analisa essa condição de assujeitamento no trabalho dos professores que, sem tempo para avaliar e rever suas experiências, tornam-se antes conduzidos que condutores.

Tais elementos – falta de cooperação e escuta, isolamento, assujeitamento e desrespeito – envolviam alunos e professores e se apresentavam nas cenas narradas pelos educadores durante a pesquisa. A implantação do Programa Elos se apresentou, nesse cenário, como uma oportunidade para agir nessas questões reorganizando algumas forças em jogo, como “possibilidade de fraturar os focos de experiência que impedem outras derivações de saberes e de práticas que não sejam as já institucionalizadas” (Carvalho, 2014Carvalho, A. F. (2014). Foucault e a crítica à institucionalização da Educação: implicações para as artes de governo. Pro-Posições, 25(2), 103-120., p. 112). Com o interesse em analisar algumas dessas reorganizações nas relações do cotidiano escolar, este artigo se atém à implantação do programa e o acompanhamento da realização do jogo Elos em três escolas municipais de ensino fundamental no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, entre 2016 e 2017.

O jogo Elos

A proposta do jogo Elos visa promover a participação coletiva em atividades curriculares regulares, que são realizadas em grupo, ou equipes, segundo um conjunto de regras do jogo, as quais se referem a condutas. Com duração de 10 a 30 minutos, o jogo possui quatro regras básicas, que são detalhadas e pactuadas no início de cada partida: i) tipo de mobilidade que os alunos podem ter durante a atividade: parada (vermelho), mobilidade delimitada (amarelo) e mobilidade livre (verde); ii) nível de voz que podem exercer durante a atividade: silêncio, cochicho, voz de grupo, apresentação e voz de rua; iii) haver respeito e ser gentil; iv) fazer a atividade. Não chamar o professor nem solicitar sua intercessão é a principal regra do jogo, e os alunos são orientados a resolver em equipe todas as necessidades relacionais ou para a execução da tarefa.

O professor organiza equipes de cinco a sete alunos que não são amigos ou parceiros habituais, e de forma que as equipes sejam equilibradas entre si quanto ao desempenho para a realização das tarefas. Internamente as equipes são heterogêneas: é feita uma distribuição de meninos e meninas, os mais falantes e os menos, os mais quietos e os mais agitados, os que tem mais ou menos facilidade em fazer as tarefas etc.

Cada equipe tem um Guardião, que é um interlocutor da equipe, eleito pelo professor entre os alunos que normalmente não ocupam posições de liderança na classe. O objetivo do jogo é fazer a tarefa em equipe evitando quebrar as regras pactuadas. As quebras de regras são pontuadas pelo professor, e as equipes vencem a partida se tiverem até quatro faltas, conquistando, com isso, a prerrogativa de escolher um prêmio semanal – uma brincadeira, um filme, lanche coletivo ou jogo –, que será usufruído por toda a turma. Portanto, várias equipes podem vencer.

Método

A pesquisa realizada adota como referencial analítico e desenho de procedimentos de campo o método da cartografia tal como definido por Passos, Kastrup e Escóssia (2009)Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. (2009). Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina.. Mais do que descrever estados de coisas, considera-se que a pesquisa produz mudanças num campo no qual há implicação recíproca dos atores em situação e, acompanham-se, nessas mudanças, os movimentos de diferenciação engendrados pelo jogo/pesquisa, em que os participantes-pesquisadores constroem momentos e estratégias para análise da experiência. As ações organizadas durante a pesquisa – construção de grupos e de espaços de discussões – criam situações e territórios analíticos em que os pesquisadores fazem parte dos próprios processos acompanhados.

O lugar do professor ou profissional de saúde que é simultaneamente pesquisador e implementador das ações do programa se situa no processo de uma pesquisa participativa em que a gestão da pesquisa é compartilhada, seja quanto aos procedimentos e intervenção, seja quanto à análise. Tendo em vista as interferências – notórias em todos os ramos de pesquisa científica – do pesquisador sobre os resultados, a abordagem cartográfica toma partido dessa inseparabilidade entre pesquisador e campo pesquisado. Nesta pesquisa, então, os professores e profissionais de saúde implementadores das ações não foram informantes ou participantes de uma pesquisa alheia. Foram, outrossim, realizadores, gestores e analistas dos processos de uma pesquisa em comum e coletiva, o que favorecia a permeabilidade da pesquisa aos processos coletivos em estudo. Outra consequência é que as relações e os modos de ver, sentir e agir dos atores se modificam no curso da experimentação e esses trânsitos estão implicados com o fazer da pesquisa, de forma que a implicação dos pesquisadores – professores e profissionais das unidades de saúde local – constitui o objeto de pesquisa.

Os autores deste artigo acompanharam a implementação do Programa Elos na região de Taboão da Serra em 2014 e 2015. O coautor foi coordenador do programa pela Secretaria da Saúde, e a coautora foi convidada a prestar assessoria durante o processo.

Além dos autores do artigo, a equipe de pesquisa foi composta por sete professoras, um vice-diretor e dois coordenadores pedagógicos de três escolas municipais de ensino fundamental e quatro profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde do município de Taboão da Serra (SP). A investigação se constituiu a partir do interesse desses profissionais envolvidos na implantação do programa em analisar seus efeitos.

Os principais campos da pesquisa foram: o acompanhamento da prática do jogo Elos em sala de aula; a realização de encontros de acompanhamento e avaliação; e grupos com alunos:

  1. Acompanhamento, por parte dos profissionais de saúde, da prática do jogo Elos desenvolvida pelos professores uma a duas vezes por semana, em sete turmas de 2o, 3o e 4o anos de três escolas que se situam em áreas periféricas do município, onde há maior vulnerabilidade social, e reúnem entre 500 a 700 alunos, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental por período escolar. No total, foram acompanhadas 70 partidas do jogo em sala de aula, envolvendo 210 alunos.

  2. Foram realizados 40 encontros periódicos denominados encontro de acompanhamento, entre um dos professores e um profissional de saúde, também participante da pesquisa, que observava o jogo em sala de aula e, depois, avaliava com o professor o processo e as situações-problema com o objetivo de pensarem estratégias na evolução do jogo.

  3. Foram realizados quatro encontros mensais com os participantes da pesquisa – profissionais de saúde e professores das três escolas – para avaliação e compartilhamento de experiências.

  4. Foram realizados 20 encontros em grupo de 8 a 10 alunos e duração de 15 a 20 minutos, em que foram realizados exercícios de exploração imaginativa e projetiva sobre o “Planeta Elos”. Nesses espaços os alunos produziram narrativas sobre suas experiências de participação no Elos, avaliações qualitativas e significados da experiência.

  5. Um segundo território da pesquisa se refere à realização de cinco rodas de conversa e nove entrevistas individuais não estruturadas com professores, profissionais de saúde, coordenadores pedagógicos e gestores de escola. Essas rodas e entrevistas ocorreram durante o início e ao final da pesquisa.

Os pesquisadores realizaram registros das observações, dos encontros de acompanhamentos, dos grupos e das entrevistas. Primeiramente os dados eram analisados procedendo uma sistematização de cenas, situações dos processos acompanhados e narrativas de experiências. A seguir, essas sistematizações eram discutidas em reuniões mensais da equipe de pesquisadores.

Ao final do processo de produção e análise de dados, foi elaborado um texto com uma narrativa consolidada sobre toda a experiência. Essa narrativa foi objeto de discussões em duas plenárias compostas pelos pesquisadores da saúde e da educação e gerou um relatório final discutido em um encontro municipal com a participação de profissionais da saúde e da educação: professores, gestores escolares, gestores das secretarias municipais de saúde e de educação, e convidados do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Resultados

As observações, conversas individuais e encontros grupais permitiram o desenvolvimento de eixos de análise sobre a alteração de alguns elementos presentes do cotidiano escolar com implantação do jogo Elos.

Como veremos, no jogo Elos produziram-se experiências de autonomia. Ao mesmo tempo, com ele também surgiram situações de funcionamento punitivo e de exclusão relacionadas às práticas do contexto normalizador da instituição. O jogo, compreendido como uma estratégia, colocou em análise questões do cotidiano escolar anunciadas anteriormente durante as formações realizadas para a implantação do programa.

Foram traçados dois eixos de análise que relacionam alguns processos ocorridos durante o jogo Elos a práticas educacionais presentes no cotidiano escolar: i) Educação como plano coletivo de repactuação permanente; ii) A experiência de jogar: implicação de si e potência para aprender. Esses eixos dão consistência a elementos presentes na implementação do Elos, ressaltando algumas forças envolvidas nos efeitos do jogo no cotidiano escolar.

Educação como plano coletivo de repactuação permanente

A experiência do jogo na sala de aula, envolvendo alunos e professora, mostrou a possibilidade do pacto sobre as regras, os critérios e as condutas serem refeitos a partir do que acontecia no campo de relações a cada partida. O jogo Elos colocava em prática uma forma de trabalhar em permanente repactuação. As situações que se apresentavam eram discutidas nos encontros de acompanhamento realizados pela pesquisa, nos quais eram pensadas formas de ampliar a participação das crianças nas atividades. Os problemas que foram se apresentando, os detalhes e as nuances que os atores precisavam rever para sustentar o jogo, ao longo do curso da pesquisa, foram compondo quadros cada vez mais complexos de pactuação. Esse rever era também um ato de “re-espectar”, ou uma experiência de respeito.

Descrevemos uma situação: Numa sala de 2º ano, durante o jogo, um aluno ficava isolado, alheio ao seu grupo, sem fazer a atividade. Era considerado um aluno com problemas que dificultavam a execução das atividades. Um laudo médico atestava dificuldades de cognição e não discriminação de cores. Os alunos e a professora aceitavam essa situação como um dado e, durante as partidas, a professora não pontuava o fato desse aluno ficar “fora do jogo”, o que, segundo a regra, seria uma falta. A problematização dessa situação nos encontros de acompanhamento permitiu reflexões sobre essa fronteira delicada entre cuidado, tutela e enfraquecimento. A professora passou a facilitar o grupo a inventar jeitos de incluir o aluno no jogo. Houve um processo de repactuação em que o grupo passou a se responsabilizar pela participação de todos, regra do jogo. Em algumas partidas a configuração do grupo se modificou: esse aluno passou a se sentar entre outros alunos ao redor da folha de papel em que faziam a tarefa, concentrado e vívido, segurando as canetas coloridas que eram usadas pela equipe. Depois, passou também a pintar o desenho feito em grupo e, ao final dessa tarefa, mostrou aos outros na sala.

O questionamento de certas variáveis e condutas produzidas durante a aplicação do jogo (por exemplo, um aluno não participar e o grupo tomar para si o problema) requereu espaços de discussão e análises em que os impasses engendrados em um certo contexto, puderam ser tratados nos encontros de acompanhamento que tinham a função de problematizar aquilo que acontecia na sala de aula. O acompanhamento compartilhado e uma rede de conversas e encontros constituíam um eixo de sustentação da proposta. Nessa forma de trabalho, uma dimensão do coletivo estava posta em questão. Em cada um dos múltiplos planos de encontro do programa com a escola – o plano de cada pequeno grupo de alunos, o coletivo de gestores e educadores que se ocupava do programa, a parceria entre o profissional de saúde e o educador, a pactuação intersetorial entre unidade de saúde e escola no território, a articulação dos parceiros institucionais – havia uma pactuação permanente que intensificava a capacidade de coletivização. O Elos funcionava quando não se reduzia a uma forma de aplicar um método e era possível acessar o plano das experiências em comum.

A singularização das experiências que requerem repactuações permanentes acontece em um plano coletivo que ultrapassa a noção habitual de conjunto de unidades individuais em interação e aponta uma dimensão em que os termos “individual” e “social” são produzidos em relação, não como entidades separadas que agem uma sobre a outra. Segundo Escóssia e Kastrup (2005)Escóssia, L., & Kastrup, V. (2005). O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade. Psicologia em Estudo, 10(2), 295-304.,

as ações coletivas de uma rede são definidas permanentemente e localmente, a partir de um jogo de associações e composições marcadas pela reciprocidade, as quais envolvem todos os elementos da rede (p. 302) … Ao contrário de uma relação que se dá a partir de termos constituídos – tal como no conceito de interação – o caminho que se apresenta é conceber um plano relacional produtor dos termos (p. 302) … Desaparece a equivalência entre coletivo e conjunto ou somatório de pessoas. O coletivo é impessoal, é plano de co-engendramento dos indivíduos e da sociedade (p. 303).

O comum não é dado: é uma produção e requer trabalho, segundo Teixeira (2015, p. 31)Teixeira, R. R. (2015). As dimensões da produção do comum e a saúde. Saúde e Sociedade, 24(1), 27-43., “entendido como atividade ontocriativa humana: atividade de invenção de si e do mundo”, que atualiza a questão de “alcançar o conhecimento das relações e uma arte da composição: uma arte de fazer comunidade ou arte da produção do comum” (Teixeira, 2015Teixeira, R. R. (2015). As dimensões da produção do comum e a saúde. Saúde e Sociedade, 24(1), 27-43., p. 35). Estamos nos referindo a um plano comum em que mudanças e invenções se tornam possíveis.

Ao colocar em análise os processos de mudanças de sentido, de afeto e de maneiras de pensar, Machado (2014, p. 771)Machado, A. M. (2014). Exercer a postura crítica: desafios no estágio em psicologia escolar Psicologia: Ciência e Profissão, 34(3), 760-773. destaca a importância da palavra conexão, que permite visualizar “o fluxo, o próprio agenciamento, energia conectiva – e dar relevo à necessidade de criar derivações em situações que entendemos estarem aprisionando a existência”. As conexões permeiam as redes. Tal como vimos no caso citado, esse trabalho de repactuação em rede amplia a autonomia e gera mudanças, transformações e invenções que escapam das estereotipias e padrões sintomáticos, isto é, criam abertura para a emergência de novos modos de ser. Aqui é preciso uma noção de autonomia que ultrapasse o âmbito do indivíduo, embora, como vimos no caso acima, também se efetue uma ampliação de autonomia individual.

Para tanto, seguimos o conceito de normatividade vital definido por Canguilhem (2009)Canguilhem, G. (2009). O Normal e o Patológico, 6a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. combinado à noção de transversalidade proposta por Guattari (1985)Guattari, F. (1985). Revolução molecular: pulsações políticas do desejo, 2ª ed. Rio de Janeiro: Brasiliense.. A normatividade vital seria uma capacidade inerente a todo ser vivo de construção de normas de vida, entendendo norma por relação. Ser vivo é estar em permanente relação, de forma que, quanto maior a amplitude de relações, quanto maior a rede de dependências, maior a autonomia no viver. A noção de transversalidade propõe uma dimensão do coletivo que ultrapassa o par de coordenadas – verticalidade e horizontalidade – que regula as relações na forma das hierarquias e identidades. Uma dimensão dinâmica que produz deslocamento, trânsito, desestabiliza os limites dados por um determinado modo de organização e faz entrar em jogo o indeterminado e o fora de sentido. Para Guattari (1985)Guattari, F. (1985). Revolução molecular: pulsações políticas do desejo, 2ª ed. Rio de Janeiro: Brasiliense., é nessa zona de indeterminação que emergem novas possibilidades de enunciação. Essa perspectiva de autonomia indica uma direção ética que se abre para processos de ação minoritária com força instituinte, que desestabilizam padrões dados a priori.

A autonomia, quando compreendida como possibilidade de ação do coletivo e da ampliação da capacidade normativa no plano comum, põe em questão o isolamento de que se queixavam os educadores. Ou bem a proposta desenvolve a autonomia ou o jogo tende a se engessar em uma forma e uma técnica, perdendo potência e reproduzindo assujeitamento. Ao jogarem, alunos e professores estão permanentemente lidando com experiências díspares de exclusão, isolamento, cooperação, implicação. Quando se produzem encontros entre educadores, parceiros profissionais de saúde e alunos, para pensar, rever, alterar e experimentar formas e modos no plano comum, amplia-se a autonomia nas relações. Inversamente, sem esses espaços há enrijecimento, polarização de identidades e ações reativas. Numa sala de 4º ano, uma educadora viu-se em dificuldade, sem parceria com um interlocutor da saúde ou pares na escola. Não houve espaço de invenção e repactuação, necessários para fraturar as práticas. Partida após partida, marcava, para uma equipe, faltas provocadas pelo Guardião do grupo. O Guardião, designado pelo professor entre aqueles que geralmente ficam mais isolados – com a função de fazer a interlocução do grupo com a professora, distribuir materiais e outras tarefas – sofreu, então, uma crescente rejeição por parte do grupo, o que levou a uma ruptura em que ele se recusou a participar da equipe para fazer a atividade sozinho.

Uma outra situação-problema teve espaço de interlocução e produção comum durante o grupo de pesquisa com alunos de uma sala de 2º ano com acompanhamento compartilhado da pesquisa. Os integrantes de uma equipe se queixavam de um aluno que nunca havia feito as atividades, embora soubesse fazê-las, o que acarretava marcação de falta em todas as partidas. No encontro do grupo de alunos da pesquisa, essa situação foi abordada pelas crianças; esse aluno relatou a sua recusa em fazer as atividades por serem tarefas que ele já sabia fazer, e outros integrantes da equipe expressaram o incômodo que sentiam pelo fato de ele não compor com o grupo e prejudicá-lo. Após essa experiência de compartilhamento e circulação de palavra, a configuração no grupo se modificou. Na última partida do ano, o aluno fez a atividade completa no seu caderno, confirmando a sua participação no pacto com a equipe.

As educadoras advertiam para a força da experiência para que as potências do jogo Elos e as suas diferenças fossem percebidas. Entendiam que a formação deveria se constituir durante o ano, ao longo do processo de acompanhamento, quando surgiam situações que precisavam ser problematizadas. Segundo Kruppa (2015)Kruppa, S. M. P., Caramelo, J., & Terrasêca, M. (2015). A autoavaliação pode fazer diferença na qualidade da educação: conversando com John MacBeath. Educ. Pesqui, 41(n.spe), 1601-1615., esse valor da experiência só pode ser acessado por meio de processos autoavaliativos conjuntos entre os professores. A perspectiva do jogo Elos é a da construção em rede, da criação do comum e de intensificação dos coletivos, o que implicava recorrer à experiência junto com o outro diante de situações que provocam pensar. Sem uma formação conectada à experiência e ao acompanhamento compartilhado, a problematização da polaridade cooperação-exclusão, que o jogo colocava em evidência, não tinha lugar nem interlocução. Dessa forma, o isolamento dos educadores e práticas de exclusão persistiam: como a que acontecia em uma turma de 4o ano em que uma aluna com diagnóstico de autismo era retirada da sala de aula toda vez que se jogava o Elos.

A experiência de jogar: implicação de si e potência para aprender

Os educadores deram particular atenção ao valor da sua experiência nas práticas do jogo e valorizaram o tempo de acompanhamento, compartilhamento e formação ao longo do processo durante o ano, sustentando a duração de um movimento sobre si mesmo, um ver e rever a si no ato de jogar. Nesse processo as educadoras se surpreenderam ao perceber mudanças de olhar para os alunos e suas práticas. Essa mudança de perspectiva aproxima-se do que Aquino (2009, p. 69)Aquino, J. G., & Ribeiro, C. R. (2009). Processos de governamentalização e a atualidade educacional: novas modulações normativas. Educação e Realidade, 34(2),1-16. designa de “atitude ético-política de colocar em xeque os jogos de verdade e seus efeitos de subjetivação, sempre em ação. Em vez de sonhar com seu desaparecimento, trata-se de jogar com o mínimo possível de dominação”. Os educadores apontavam o hábito cotidiano de “dar a comanda”, isto é, um jeito de dizer aos alunos o que era para ser feito, induzindo o que deviam pensar e fazer. Diferentemente, a atividade de jogar (e suas regras) pautava as ações dos grupos de alunos e dos professores. As crianças encontravam seus caminhos e o professor observava, o que de início era aflitivo por não condizer com as intervenções costumeiras. Observar era um esforço: observar o que, quem? Como se faz observação? Como exercitar o observar? Suspendia-se momentaneamente o ditar e sustentava-se um tempo que potencializava a escuta do que a criança trazia, permitindo a ela se posicionar: o tempo das diferenciações e passagens. Daí a possibilidade de mudança de perspectiva do educador; quando um aluno deixava de ser visto pela estereotipia, apareciam singularidades e heterogeneidades. Nos encontros realizados com grupos de alunos durante a pesquisa, estes concluíram que o Elos educava alunos e professores. Não foram raras as situações em que os alunos faziam brincadeiras imprevistas que geravam repreensões por parte dos professores. Um dia, após uma dessas cenas, a professora relatou no encontro de acompanhamento que com a prática do jogo ela se percebia, em muitos momentos, como “uma megera” sem alegria para as brincadeiras das crianças.

Na prática das regras e objetivos do jogo, os alunos exercitavam uma percepção de si, sua voz, seu corpo, sua participação e conduta com o outro, o que também acontecia com os educadores. A prática do jogo e do acompanhamento permitia realizar uma conversão do olhar para si, que, para Deleuze (1992, p. 123)Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo: Editora 34., é “como que curvar a força, fazer com que ela mesma se afete, em vez de afetar outras forças: uma ‘dobra’, segundo Foucault, uma relação de força consigo”.

Esse processo de “dobra” foi acompanhado por um outro problema posto pelo jogo: como chamar a atenção para a quebra de regras no jogo de maneira a ressaltar as regras, e não o sujeito que as quebrou? O método do jogo Elos recomendava que o educador usasse um “tom neutro”, e isso era discutido pelos professores ao problematizarem a função disciplinar que imperava em suas falas. Assim como os alunos, que necessitavam observar a si no grupo para jogar, o professor também precisava se auto-observar, testar e modular modos de agir e falar. Nesse sentido, o jogo Elos constituía aquilo que Vicentin (2016, p. 41)Vicentin, M. C. (2016). Criançar o descriançável. In Caderno de debates do Naapa: questões do cotidiano escolar (pp. 35-42). São Paulo: Secretaria Municipal de Educação/Coped. denomina “dispositivo coletivo de proteção”, na medida em que “a vulnerabilidade e o risco que atravessam os corpos e as vidas de crianças e de adolescentes diminuem quanto mais se ampliam os compromissos coletivos e quanto mais os adultos assumem correr mais riscos, isto é, ampliem sua margem de implicação”.

O questionamento do “tom da fala” dialogou com outra referência de conduta: a questão do hábito da correção. Daí a enorme dificuldade: o jogo dá visibilidade a toda uma engrenagem corretiva que valoriza a repetição do esperado, e anula caminhos errantes em que um novo conhecimento pode ser construído. Na prática do jogo e dos coletivos de apoio e parceria entre os trabalhadores da saúde e da educação, ver esses hábitos modificou as conexões de forças sobre si e nas relações com os outros. Ao pensar essas conexões no campo pedagógico, Gallo (2006, p. 188)Gallo, S. (2006). Cuidar de si e cuidar do outro. In Kohan, W.O., & Gondra, J. (Orgs.) Foucault 80 anos (pp. 177-190). Belo Horizonte: Autêntica. enuncia “a reciprocidade de uma ação ética baseada num cuidado de si e num cuidado do outro, em que o jogo da construção da liberdade só pode ser jogado como um jogo coletivo, de mútuas interações e relações, em que as ações de uns implicam em ações de outros”. Nos grupos de pesquisa, os alunos se referiam a essa experiência no jogo Elos como “ajuda”, uma satisfação ao ajudar e ao ser ajudado a fazer as tarefas. Relatavam que no jogo sentiam-se cuidados e cuidando. Silva e Freitas (2015)Silva, N. M. A., & Freitas, A.S. (2015). A ética do cuidado de si no campo pedagógico brasileiro: modos de uso, ressonâncias e desafios. Pro-Posições, 26(1), 217-233. amplificam essas noções éticas do trabalho sobre si, tanto dos professores quanto dos alunos, como recursos morais e intelectuais para lidar com os acontecimentos ao longo da vida. Esse trabalho consigo mesmo foi favorecido, portanto, pelo acompanhamento de um olhar estrangeiro em uma experiência inusitada: ver a si com um parceiro que o vê. Os educadores viveram essa experiência com profissionais de saúde e com seus pares nos espaços de compartilhamento.

O jogar despertou interesse, curiosidade e vontade de participar. As crianças queriam jogar mais frequentemente e pressionavam o professor para isso. Em uma sala de 3º ano, uma aluna com diagnóstico de autismo, que habitualmente não fazia as atividades, levantou-se numa partida do jogo Elos, fez na lousa um registro da atividade e voltou a sentar-se com seu grupo. Embora fora da regra do jogo, o seu gesto, realizado durante o jogo, afirmava o interesse e a vontade de participar. A autonomia, nesse exemplo, advinha da capacidade de agir e criar em conexão no plano comum do jogo. O jogar, como signo comum, cria sentido permitindo-nos pensar que no ato de jogar o sentido de inclusão se expandia a todos os alunos, tal como define David Rodrigues (Sofiato & Angelucci, 2017Sofiato, C. G., & Angelucci, C. B. (2017). Educação inclusiva e seus desafios: uma conversa com David Rodrigues. Educ. Pesqui., 43(1), 281-295.):

O ambiente inclusivo é um ambiente de aprendizagem em que é possível que todos os alunos aprendam uns com os outros, em que todos possam interagir e cooperar de uma forma cidadã e ética

(p. 291).

… a inclusão é um valor transversal da escola e deve ser promovida para todos os alunos, tenham eles condições de deficiência ou não

(p. 292).

Nos grupos de pesquisa com alunos, a maior potência do Elos era ser jogo. Associado aos jogos de time e às brincadeiras de criança, o Elos reunia atributos de uma potência alegre. No jogar, criava-se um espaço de aprendizado que desestabilizava o campo relacional em que se produziam cansaço e excesso de comandos nos professores.

Notamos três elementos que apontam que o ato de jogar ampliava a potência de aprender na escola. Primeiro, o jogo produzia deslocamentos nos lugares de aluno e professor. O jogar era a tarefa de professores e alunos, era campo de pactuações em que os alunos cresciam em autonomia na realização dessa tarefa. Nessa nova condição, ampliavam-se as possibilidades do que a criança podia. Essa potência de diferenciação interna era acompanhada de sentimentos que foram verbalizados no encontro com alunos da seguinte maneira: “estou mais esperta”, “aprendo mais”, “fico mais inteligente”, “fico preparado para ir para o terceiro ano”, “conheço novos lugares e novas pessoas”.

Outro elemento era a necessidade de se apropriar de regras para operar o jogo, para se conectar com a experiência dele. Um professor de Educação Física comentou que, no início da sua aula, os alunos da turma que jogavam o Elos davam valor e compreendiam melhor as instruções antes de iniciar as atividades. No jogo Elos, as regras de conduta se inscreviam num outro registro que não simplesmente o do comportamento, mas como acesso ao sentido de estar no jogo, de jogar em grupo.

Por fim, o jogar exigia a prática de certas atitudes. Nos grupos de pesquisa as crianças caracterizam o Elos como um jogo no qual elas podiam experimentar relações de solidariedade e compartilhamento de saberes: “a gente reúne os jogadores, trabalha tudo junto”. “O grupo é muito legal, tem que conversar, participar, até quem não gosta de falar, fala.” “Quando a gente gosta de fazer alguma coisa, a gente pode ajudar.” A comunicação de pontos de vista e a conexão entre as diferenças e heterogeneidades se tornaram uma função central na experiência. Segundo Gallo (2012, p. 8)Gallo, S. (2012). As múltiplas dimensões do aprender. Congresso de Educação Básica COEB, Florianópolis. Recuperado de http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/13_02_2012_10.54.50.a0ac3b8a140676ef8ae0dbf32e662762.pdf
http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquiv...
, “aprender é sempre encontrar-se com o outro, com o diferente, a invenção de novas possibilidades; o aprender é o avesso da reprodução do mesmo”. Outra mudança de atitude referiu-se à condição da experiência: os alunos afirmavam que no jogo Elos “precisa pensar, é lento, calmo”. “Quando fala alto, dá dor de cabeça, os nossos ouvidos doem.” “Quando fica mais quieto, é tão bom que a gente fica todo feliz.” “O jogo Elos tem concentração.” Essa apreciação da experiência dos alunos corrobora a análise que Larrosa Bondía (2002)Bondía, J. L. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, 19, 20-28. faz sobre a condição da experiência na contemporaneidade. Para que uma experiência possa se dar, para que algo possa nos tocar, deve ocorrer um gesto de suspensão que requer “parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar” (Bondía, 2002Bondía, J. L. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, 19, 20-28., p. 19).

Os alunos expressaram atitudes e sentimentos relacionados à alegria e bem-estar do outro e de si mesmos, o jogo era tomado enquanto um espaço de alegria, diversão e risada que apontava para um tempo-espaço do acontecimento em que ocorria, como diz Bondía (2002)Bondía, J. L. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, 19, 20-28., a arte do encontro, no caso, um encontro que visa à aprendizagem.

Considerações finais

Este estudo delineia um plano em que as formas de governar, de condução da conduta, presentes nas instituições educacionais e nos programas nelas implantados, tendem a reproduzir automatismos, estereótipos e padrões em tensão com um plano coletivo, heterogêneo, múltiplo e em permanente produção de mundos e modos de ser. Interessou-nos investigar os processos que desestabilizavam automatismos relacionados às situações de isolamento, desrespeito e assujeitamento no campo de forças do cotidiano escolar, apontados como problema pelos professores.

A visibilidade desses processos remete à responsabilidade ética do programa ao cuidar de transformações no campo de forças e das forças em campo nas relações no coletivo e sobre si, alunos e trabalhadores, da saúde e da educação. Sem se ocupar dessas transformações, o dispositivo fica reduzido à aplicação de uma tecnologia disciplinar de condicionamento de comportamentos. Esse artigo ressaltou os encontros, as discussões e a articulação entre saúde e educação como elementos que dão sustentação às alterações das forças em jogo no cotidiano escolar. A reprodução de condições adversas, para serem enfrentadas, demandou espaços comuns de negociações. Schilling e Angelucci (2016, p. 699)Schilling, F., & Angelucci, C.B. (2016). Conflitos, violências, injustiças na escola? Caminhos possíveis para uma escola justa. Cadernos de Pesquisa, 46(161), 694-715. discutem a emergência dos problemas e conflitos sociais dentro da escola, considerando que “existem pessoas na escola e a questão é como essas pessoas negociam suas realidades no âmbito dessa instituição … em seus jogos complexos de reprodução e transformação, de liberdade e sujeição, com espaços e interstícios de autonomia”.

Interessado em ressaltar as possibilidades e os perigos na implantação de programas específicos para situações complexas vividas na área da saúde e da educação, esse artigo incide sobre o campo gerador de políticas que desenvolvem dispositivos de prevenção. Ao interrogar as formas de governar a si e aos outros que se produziram no cotidiano do programa implantado, a pesquisa ressaltou que os movimentos de repactuação, de implicação de si e de compartilhamento são fundamentais para torcer a chave biopolítica em outra direção.

Carvalho (2014)Carvalho, A. F. (2014). Foucault e a crítica à institucionalização da Educação: implicações para as artes de governo. Pro-Posições, 25(2), 103-120. lembra que, ao pensar processos de desinstitucionalização da educação, Foucault aponta a necessidade de invenção de estratégias que permitam modificar as relações de forças e coordená-las de maneira que essa modificação se inscreva na realidade. É nesse sentido que as questões presentes nos eixos de análise desenvolvidos indicam a necessidade de inscrição das modificações referentes às práticas de compartilhamento que davam base à implementação do jogo Elos. Sem essa inscrição, o jogo se tornaria um material metodológico a mais.

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Editor responsável: Carmen Lúcia Soares - carmenls@unicamp.br. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2019
  • Revisado
    21 Fev 2020
  • Aceito
    30 Abr 2020
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