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“Ensinar para quem não quer aprender”: um dos desafios da didática e da formação de professores 1 1 Editora responsável: Adriana Varani. https://orcid.org/0000-0002-7480-4998 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br

Resumo

Este artigo se estrutura a partir da expressão “ensinar para quem não quer aprender”, que se consolidou nas percepções de professores de ensino médio como um dos maiores desafios do processo ensino-aprendizagem em escolas públicas. Os dados são parte de um estudo sobre o exercício da docência com jovens da periferia. Os objetivos são constatar a realidade desses “alunos que não querem aprender”; identificar como os professores conseguem driblar essa realidade e promover sentidos para a escola; reconhecer novas dimensões da prática docente a serem incorporadas pelo ensino da didática e pela formação de professores. A construção argumentativa apoia-se nos estudos da didática e da sociologia. Argumenta-se que uma nova profissionalidade docente encontra-se marcada pelas dimensões relacionais e motivacionais do trabalho, na qual o professor é um “profissional das relações” e um “construtor de sentidos”.

Palavras-chave
bom professor; didática; ensino médio; profissionalidade

Abstract

This article builds on the expression “teaching those who do not want to learn” that is consolidated in the perceptions of high school teachers as one of the greatest challenges of the teaching-learning process in public schools. The data is part of a study on teaching for young people from peripherical regions. The objectives are to see the reality of these “students who do not want to learn”; identify how teachers can overcome this reality and promote meanings for the school; to recognize new dimensions of teaching practice to be incorporated by the teaching of Didactics and Teacher training. The argument is based on Didactics and Sociology studies. It is argued that a new teaching professionalty is marked by the relational and motivational dimensions of work, in which the teacher is a “relationship professional” and a “builder of meaning”.

Keywords
good teacher; didactics; high school; professionalty

Introdução

A escola de hoje se integra a uma sociedade contemporânea marcada por muitas mudanças, tanto nas esferas social, econômica e política quanto tecnológica e científica. Além disso, a educação básica estrutura-se em um cenário de ampliação de acesso a novas parcelas da população e busca por efetividade de ensino. No ensino médio, em particular, destinados principalmente aos jovens, acumulam-se ainda os conflitos dessa fase da vida, os questionamentos quanto ao futuro e à legitimidade da escola enquanto instituição formadora.

Este artigo se estrutura a partir da expressão “ensinar para quem não quer aprender”, que se consolidou nos discursos de professores de ensino médio como um dos maiores desafios do processo ensino-aprendizagem em escolas públicas. A partir de dados da pesquisa realizada em 2014-2016 e intitulada de “O exercício da docência no ensino médio: a centralidade do papel do professor no trabalho com jovens da periferia”, professores e alunos ofereceram importantes indicadores para se refletir sobre a prática de ensino, o trabalho docente, a formação inicial e o papel da docência no contexto atual da escola média acusada de estar em crise. Trata-se de um estudo com professores reconhecidos como “aqueles que fazem a diferença” devido ao sucesso de suas aulas diante dos jovens da periferia e por conseguirem bons resultados no processo ensino-aprendizagem na escola investigada.

Os dados foram produzidos a partir da investigação de campo em uma escola de periferia na Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, com bons resultados nas avaliações externas e considerada de prestígio na região. Foi aplicado um questionário de questões abertas a 341 alunos do terceiro ano do ensino médio, no qual esses jovens opinaram sobre as características de uma “boa aula” e de um “bom professor”, e indicaram os docentes que reconheciam como tendo tais características. A partir daí, observaram-se 60 horas de aulas dos professores mais bem indicados (sendo dois de matemática, um de língua portuguesa e um de história) durante três meses e realizaram-se entrevistas com eles para identificar as percepções dos próprios docentes sobre sua prática. Os gestores também foram entrevistados para dialogar com as percepções de alunos e docentes sobre um “bom professor” e uma “boa aula”. Além disso, aplicou-se questionário a 69 professores dos 80 atuantes no ensino médio que lecionavam na escola investigada para identificar os principais desafios da docência nessa fase da educação básica e permitir comparações com as percepções e ações dos professores indicados pelos alunos como “bons professores”. Destaca-se que a expressão “bom professor” adotada neste texto se evidenciou como uma categoria nativa, trazida pelos alunos investigados ao indicarem os docentes que “faziam a diferença” no dia a dia da escola. Busca-se, com a opção pelo termo “bom professor”, o distanciamento da racionalização do fazer dos docentes e da superação de uma visão performática do trabalho que às vezes se associam às pesquisas sobre desempenho docente.

Para efeito deste artigo, procura-se constatar os impactos dos “alunos que não querem aprender” sobre o processo de ensino-aprendizagem; identificar como os professores em sua prática de ensino conseguem driblar essa realidade e promover sentidos para a escola, além de procurar reconhecer novas dimensões da prática docente a ser incorporadas pelo ensino da didática e pela formação de professores.

Dentro de uma perspectiva teórico-analítica, propõe-se integrar três eixos: processo ensino-aprendizagem, didática e formação de professores, a fim de alcançar os objetivos deste artigo. Parte-se do pressuposto de que o objeto de estudo da didática é o processo ensino-aprendizagem (Candau, 2012Candau, V. M. (Org.). (2012). Rumo a uma Nova didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes.), ou melhor, os processos, pois não existe um modelo único de ensino ou de aprendizagem. Compreende-se, em primeira análise, que não é possível conceber o ensino sem aprendizagem e, portanto, a didática precisa buscar alternativas para os problemas da prática pedagógica. No processo de formação de professores, inicial e continuada, a didática se consolida como o elo entre a teoria e a prática, possibilitando aos docentes adquirir e aperfeiçoar conhecimentos, habilidades e disposições para exercer sua atividade docente de modo a melhorar qualidade da educação que os alunos recebem.

A construção argumentativa desenvolvida ao longo do texto integra também os dados produzidos na pesquisa de campo com os fundamentos da didática (Candau, 2012Candau, V. M. (Org.). (2012). Rumo a uma Nova didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes.; 2016Candau, V. M. (2016). Ensinar-aprender: desafios atuais da formação docente. In: Encontro Nacional de didática e Práticas de Ensino, XVIII, Simpósio, Cuiabá.; André & Cruz, 2012André, M. (2008). Tendências da pesquisa e do conhecimento didático no início dos anos 2000. In Encontro Nacional de didática e Prática de Ensino. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e formação de professores. XV Endipe. Rio Grande do Sul: EdiPUCRS, 487-490.); da sociologia (Dubet 1994Dubet, F. (1994). A sociologia da Experiência. Lisboa: Porto.; 2002; Formosinho, 2009Formosinho, J. (Coord.). (2009). Formação de professores. Aprendizagem profissional e acção docente. Porto: Porto Editora.) e da formação de professores (Gatti, 2010Gatti, B. A. (2010). Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. & Soc., Campinas, 31(113), 1355-1379.; 2016; Nóvoa, 2014Nóvoa, A. (2014). Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. In D. T. Rebello de Souza, & F. Sarti. (Orgs.). Mercado da Formação Docente: constituição, funcionamento e dispositivos. Belo Horizonte: Fino Traço.). Procura-se, ao longo das interpretações, superar uma visão meramente dicotômica, buscando integrar abordagens macro e micro, objetividade e subjetividade, teoria e prática.

No entanto, o protagonismo que se destaca ao longo deste artigo é o dos professores e de suas práticas de ensino no contexto real da escola média. Segundo Tardif e Lessard (2005)Tardif, M.; Lessard, C. (2005). Trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes., “é preciso levar em conta o que os professores fazem e não o que deveriam fazer”. Em estudo sobre o fazer docente no ensino médio, Fanfani (2010)Fanfani, E. T. (2010). Aqueles que colocam o corpo. O professor do ensino médio na Argentina hoje. Educ. rev. Curitiba, 1. constata que novos problemas são trazidos para a docência, entre eles, lidar com o desinteresse dos jovens pelo conteúdo do programa escolar e a necessidade de se construir a autoridade docente por meio da relação professor-aluno.

Além disso, André e Cruz (2012) constatam que muitos estudos na área da didática focam no cotidiano escolar como um todo, mas deixam de lado a especificidades da sala de aula. Nesse caso, o trabalho procura superar essa lacuna ao apresentar dados justamente da dinâmica da sala de aula e da prática de ensino dos professores. Para efeito de organização, este texto se estrutura a partir de quatro questões norteadoras, que serão desenvolvidas ao longo do texto. São elas: “Como se configura a realidade dos ‘alunos que não querem aprender’?”; “Como ensinar para quem não quer aprender?”; “Qual o lugar que a didática ocupa neste debate? Todos e nenhum!”; “Como se aprende a ser professor para escola de hoje?”

Como se configura a realidade dos “alunos que não querem aprender”?

Com intuito de responder essa questão são apresentadas três constatações sobre a realidade do ensino médio, da escola e dos alunos.

A primeira constatação se baseia nos baixos índices de aprendizagem e poucos avanços nos últimos anos, principalmente no ensino secundário, compreendido pelo segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio, no atendimento a adolescentes e jovens entre 11 e 17 anos (tabela 1).

Tabela 1
Ideb do Brasil por segmento de ensino − 2009 a 2015

O que está errado no processo de ensino-aprendizagem? É possível reconhecer que se ampliou o acesso ao ensino fundamental II e ao médio com o crescimento no número de matrículas, alcançando uma maior taxa de atendimento, mas há um problema de falta de qualidade.

Quando se trata de refletir sobre o sistema educacional brasileiro, é consensual a percepção de que o ensino médio é o nível de ensino que provoca os debates mais controversos, seja pelos persistentes problemas do acesso e da permanência, seja pela qualidade da educação oferecida, ou, ainda, pela discussão sobre a sua identidade

(Krawczyk, 2011Krawczyk, N. R. (2011). Reflexão sobre alguns desafios do Ensino Médio no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 41(144)., p. 754).

O que é qualidade? Qualidade é um conceito polissêmico, associado às finalidades da educação e à definição do seu papel social que variam de acordo como grupo de interesse. Para Krawczyk (2011)Krawczyk, N. R. (2011). Reflexão sobre alguns desafios do Ensino Médio no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 41(144)., quando duas pessoas falam de qualidade na educação, nem sempre estão dizendo a mesma coisa. A noção de qualidade é um conceito histórico e socialmente construído e sujeito a constantes negociações. A autora argumenta que se entendermos a crise como um momento que define uma situação de tensão, disputa e conflito, podemos afirmar que o ensino médio brasileiro está em crise, e o mesmo ocorre com o que se entende por qualidade na educação.

No entanto, independentemente da matriz de referência ou da finalidade da educação escolar defendida, uma ideia parece ser comum a todas as linhas de estudos, “a escola vive uma crise na qualidade do ensino”. Seja porque o aluno não se interessa pela escola, seja porque os conteúdos não estão de acordo com a realidade, seja pela falta de recursos humanos e pedagógicos, ou seja, pela defasagem do formato da escola. Hoje vivemos uma busca por qualidade da educação escolar, a fim de dar conta de uma melhor aprendizagem dos alunos e diminuição da repetência e evasão.

É possível identificar nos dados produzidos em testes padronizados (Saeb, Pisa3 3 SAEB − Sistema de Avaliação da Educação Básica; PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ), que os alunos do secundário, principalmente, não estão aprendendo. No Brasil, de acordo com a Prova Brasil 2015, somente 14% dos jovens matriculados no 9º ano de escola públicas (municipais e estaduais) aprenderam o adequado em matemática, na competência resolução de problemas. Nos estados do Amapá, Maranhão e Alagoas, somente 3%, 5% e 6%, respectivamente, dos alunos concluintes do ensino fundamental II da rede pública alcançaram o aprendizado esperado nessa disciplina. Além disso, os melhores níveis de proficiência esperado em matemática, deste nível de ensino, alcançados pelos estados de Santa Catarina e Minas Gerais, não ultrapassam 24% de alunos.

No que tange ao ensino médio no país, os indicadores do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que integram dados de desempenho (Prova Brasil) e fluxo (taxa de aprovação) mostram-se estagnados tanto na rede pública quanto privada (tabela 2).

Tabela 2
Comparativo dos resultados do Ideb e seus componentes (2009-2015)

Mas como explicar essa realidade? Por que os alunos, mesmo passando entre nove e doze anos na escola, não aprendem? Uma segunda constatação pode contribuir na explicação para esses índices. Observa-se que diante da universalização do ensino fundamental e expansão do ensino médio, a entrada das classes populares na escola configura um conflito de interesses entre os alunos e os objetivos dessa escola, que desencadeia em contradições, em desencantos e em “alunos que não querem aprender”.

Tem muita gente desinteressada quando chega ao ensino médio. Eu acho que isso é específico dos adolescentes como um todo e assim a gente vai entrar numa discussão muito mais profunda do que seria o formato de escola. Infelizmente o nosso formato de escola não evoluiu com as gerações. Então não se tem um formato adequado para esses jovens de hoje, que são múltiplos

(Professora Ana).

Na escola investigada, dos 69 professores que responderam os questionários, 62 (cerca de 90%) apontam os baixos índices de aprendizagem como um dos maiores problemas do ensino médio. Porém, 65 professores (cerca de 94%) também atribuem esses resultados ao desinteresse dos jovens pela escola. Qual o motivo para esse desinteresse?

Identifica-se nas pesquisas sobre juventude e escola (Krawczyk, 2009Krawczyk, N. R, (2009). O Ensino Médio no Brasil. São Paulo: Ação educativa.; Brenner & Carrano, 2014Brenner, A. K., & Carrano, P. C. R. (2014). Os sentidos da presença dos jovens no ensino médio: representações da escola em três filmes de estudantes. Educ. & Soc, Campinas, 35(129), 1223-1240.) que essa escola não foi instituída para os novos alunos que chegam até ela, fruto de uma nova morfologia social e de novas culturas que entram em choque com a tradição escolar e com os próprios docentes. Tal realidade escolar pode ser nomeada de escola de massa, caracterizada por Formosinho (2009)Formosinho, J. (Coord.). (2009). Formação de professores. Aprendizagem profissional e acção docente. Porto: Porto Editora. como uma escola de grande heterogeneidade discente e contextual, heterogeneidade dos professores, complexidade organizacional que exigem mudanças estruturais e pedagógicas.

Para ampliar essas constatações, parte-se dos argumentos de dois autores: Dubet (1994Dubet, F. (1994). A sociologia da Experiência. Lisboa: Porto.; 2002)Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa., com a sua tese do declínio institucional, e Charlot (1996)Charlot, B. (1996). Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 97, 47-63., com o debate sobre os sentidos da escola. Apesar de ambos estudarem o contexto francês, o foco de suas pesquisas são os jovens de classes populares e as escolas públicas, o que permite aproximações com a realidade brasileira.

Segundo Dubet (2002)Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa., constata-se a decadência tanto do programa institucional da escola quanto da definição clara dos papéis desempenhados dentro dela por seus diferentes autores (professores, alunos, gestores), permitindo que se questione o poder de socialização das instituições, seus métodos e modelos, e se aponte os sujeitos como uma parte importante deste novo processo.

Estudos nacionais (Brenner & Carrano, 2014Brenner, A. K., & Carrano, P. C. R. (2014). Os sentidos da presença dos jovens no ensino médio: representações da escola em três filmes de estudantes. Educ. & Soc, Campinas, 35(129), 1223-1240.) apontam que os jovens que passaram a acessar a escola secundária pública, destinada às massas, possuem relações divergentes com o conhecimento legitimado por esta ao longo dos anos. Diferentemente dos alunos provenientes das elites e da própria classe média, que valorizam o caráter propedêutico da escola média, os jovens de classe populares chegam questionando a validade dos saberes ensinados. Trata-se de perspectivas antagônicas, ou até mesmo ausentes, em relação ao futuro que almejam e à própria autoestima.

No entanto, não se trata de afirmar que a escola perdeu sua legitimidade, pois as famílias e a sociedade como um todo ainda apostam na escola. O que se questiona é a forma como os seus sujeitos atribuem sentidos a ela, uma vez que não são mais dados de forma unificada. Identifica-se uma distância cada vez maior entre as expectativas sociais colocadas na escola e as possibilidades de sua concretização. Nesse contexto, as diversas manifestações de recusa de aprender por parte dos alunos assumem variadas formas, como o absenteísmo, a indisciplina, a dispersão e o abandono, apontados nos estudos de Lelis (2012)Lelis, I. (2012). O trabalho docente na escola de massa: desafios e perspectivas sociologias. Sociologias, Porto Alegre, 14(29), 152-174..

A terceira constatação se apoia nos estudos de Charlot (1996)Charlot, B. (1996). Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 97, 47-63., ao afirmar que para o aluno estudar e aprender a escola precisa fazer sentido, isto é, ter um significado para ele, pois o aluno aprende quando constrói sentido e se apropria de um saber em qualquer circunstância.

Os alunos, muitas vezes, tornam-se resistentes ou passivos em relação à maioria dos conteúdos ensinados e considerados por eles sem significado prático e sem aplicabilidade em seu cotidiano. Tal relação com o conhecimento proporciona sérios conflitos com a escola e até com o professor, que os rotula como jovens desinteressados e sem perspectivas de futuro.

Na escola investigada, 91,3% professores (63 de um total de 69) afirmam que os alunos não valorizam o conhecimento escolar, e 78,3% consideram que a baixa autoestima dos alunos prejudica a aprendizagem. Porém, qual a perspectiva dos jovens dessa pesquisa sobre sua relação com o saber e com a própria escola?

A interseção dos dados das questões abertas respondidas pelos alunos e das entrevistas com professores e gestores com as observações das aulas permitiram a identificação de duas situações temporais em relação ao sentido que os jovens parecem atribuir à escola. A primeira se evidencia na entrada do ensino médio associada à mobilização para frequentar essa etapa de ensino, uma vez vista como uma obrigação social e a uma aposta na escola para sua ascensão social.

  • Está sem vontade de estudar? Lembra que é pobre (Aluno 1º ano do ensino médio).

Duas palavras se mostram quase unânimes entre eles: “escola e futuro”. Mesmo sendo sujeitos que vivem muito intensamente o presente, a questão do futuro, mesmo que utopicamente, aparece com frequência entre os jovens. A maioria deles relata que escolheram estudar nesta escola, com o apoio das famílias, devido às referências de qualidade, pelo fato de a escola ser rígida, organizada, com bons professores, empenhada em buscar bons resultados, onde os alunos realmente aprendem, vão para a universidade e conseguem bons empregos.

Trata-se, sem dúvida, de um exemplo de mobilização dos jovens em relação à escola, que desejam, com base no sentido que atribuem a ela, garantir um futuro melhor. Assim, na relação com o futuro, os jovens ainda veem a escola como garantia de aquisição de mobilidade social, de melhora/manutenção nas condições de vida e da superação do status social dos pais, mesmo que no dia a dia alguns se distanciem desses ideais.

Toda essa busca por ascensão social e relação com um futuro melhor, associado ao papel da escola, a torna uma obrigação social para estes jovens de periferia. Há um consenso de que todos precisam ir à escola de ensino médio, pois diferentemente da maioria dos seus pais, que não cursaram esta etapa do ensino, esta poderá permitir melhores possibilidades de mobilidade social.

Porém, após sua entrada, uma segunda situação se evidencia: os jovens começam a entrar em conflito com os saberes escolares, e os aparentes desencontros com os múltiplos objetivos de vida de cada jovem levam a um desencontro pela escola e à necessidade de outros sentidos para ela. A diversidade de condições sociais, culturais ou econômicas dos jovens que adentram a escola passa a atribuir multiplicidade de sentidos a ela. Além disso, os saberes necessários para o acesso à universidade ou empregos impostos pela escola, associados à almejada ascensão social, não parecem sustentar o “querer aprender” dos alunos no dia a dia. A pesquisa evidencia que a ênfase na sociabilidade presente nas relações com os colegas e com os próprios professores passa a ser um dos maiores sentidos que os jovens atribuem à escola.

Constata-se pelos relatos e observações que há uma reelaboração do espaço escolar pelo jovem que “foge” das salas de aula e passa a valorizar as rodas de amigos no pátio. Quando perguntados sobre o que mudariam na escola, há um grupo que afirma “ampliar o horário de recreio”, “colocar atividades recreativas”, “ter mais passeios” ou, ainda, “manter as mesmas turmas sempre juntas ao longo dos anos”, respostas semelhantes às encontradas nas análises de Charlot (1996)Charlot, B. (1996). Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 97, 47-63. e Reis (2012)Reis, R. (2012). Experiência escolar de jovens/alunos do ensino médio: os sentidos atribuídos à escola e aos estudos. Educação e Pesquisa, São Paulo, 38(3), 637-652. ao constatarem que para os jovens de ensino médio de classes populares o universo do saber e, mais especificamente, seu universo de aprender, está centrado sobre aprendizagens relacionais e afetivas ou ligadas ao seu desenvolvimento pessoal.

Fica evidenciada a dificuldade em se chegar a um sentido único dado à escola pelos jovens estudados. Porém, docentes indicados pelos alunos como “bons professores” vão desenvolver uma postura reflexiva em relação a isso e buscar estratégias de superação, como o texto abordará a seguir.

Como ensinar para quem não quer aprender?

Uma vez que nas salas de aula de ensino médio são os professores a se posicionarem na linha de frente do processo de ensinar grupos de jovens tão heterogêneos, conhecer suas estratégias pedagógicas é um caminho para responder a questão “como ensinar alunos que não querem aprender?”.

Se os “alunos não querem aprender” por conta da perda do sentido da escola ou pelos conflitos dos conhecimentos que são valorizados, como os professores articulam os saberes científicos e escolares com os saberes dos alunos, despertando-os para um querer aprender? Os próprios alunos parecem dar a resposta ao indicarem alguns docentes como “bons professores” e afirmarem ser o professor o elemento que pode dar sentido ao ato de aprender.

É somente o professor que pode fazer eu me interessar pela matéria. O bom professor me faz aprender. É o professor que me mostra o porquê do aprender

(aluno do 3º ano do ensino médio).

Seria o professor um construtor de sentidos? Os autores Canário (2006)Canário, R. (2006). A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed, e Dubet (2002)Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa. afirmam que sim. Para Canário (2006)Canário, R. (2006). A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed,, compreender o professor como construtor de sentidos é uma nova dimensão do trabalho docente que se destaca diante da necessidade de se estabelecer como um elo entre a instituição escolar e a diversidade de expectativas e de lógicas de ação presentes em alunos cada vez mais diferenciados. Segundo Dubet (2002)Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa., o trabalho docente é legitimado pelas relações, o qual se caracteriza pelo trabalho sobre o outro em busca da autenticidade e do reconhecimento de sua prática pelo outro, no caso, os jovens de ensino médio.

E como o professor torna-se construtor de sentidos? As explicações dos professores para o desinteresse dos alunos podem contribuir para o reconhecimento dos caminhos encontrados para responder a essa questão.

O que mais está difícil na escola hoje é o aluno não ter aquela vontade de querer aprender. Isso é até um descaso com o professor, muitas das vezes… olha para você como se fosse menos, não aquele olhar de respeito, como tinha, de admiração. Estão falando: “Por que tenho que aprender isso, professor?” ou “Eu não estou a fim de receber isso”. Lógico que não é de um modo geral, tem uns que querem

(professor de matemática do ensino médio).

Essa ideia de “descaso com o professor”, associada ao desinteresse do aluno pela escola, é identificada pela maioria dos professores da escola via questionários. Dos 69 professores participantes, 62 (89,9%) apontam que a maior dificuldade para realização do trabalho docente na escola de ensino médio são os “problemas disciplinares”. Porém, 80% (54 professores/69) afirmam que a maioria dos alunos respeitam as regras de convivência da escola. Assim, qual a real abrangência desses problemas disciplinares? Na verdade, o que parece estar em jogo na afirmação de que os problemas disciplinares são as maiores dificuldades da ação docente é a questão relacional professor-aluno ou a chamada gestão de classe.

Ao observar as aulas e entrevistar gestores e professores, percebe-se que parte desses “problemas disciplinares” está relacionada ao desinteresse dos alunos pelo conteúdo, pelas aulas e até pela escola média, o que os levam a posturas desatentas e de negação na realização das atividades, gerando conflitos na relação com o professor. Assim, o despreparo e o desinteresse dos alunos, apontados por mais de 90% dos professores, parecem estar associados à indisciplina e a crise nas relações com os alunos. Apesar disso, foi possível identificar que cerca de 50% dos professores (33/69) reconhecem que o conteúdo do ensino médio é inadequado às necessidades dos alunos e que falta domínio de novos conhecimentos, aos próprios professores (38/69), que realmente possam contribuir com a construção de sentidos para a aprendizagem desses alunos “desinteressados”.

Com essa reinterpretação da abrangência das “questões disciplinares” é possível afirmar que os docentes pesquisados evidenciam a dimensão relacional como condição singular para a aprendizagem. Como expresso na Tabela 3, os professores apontam que os aspectos didáticos relacionados à disponibilidade de recursos ou às possibilidades de realização de trabalhos práticos ocupam posição abaixo das questões disciplinares/relacionais como dificultadores de seu trabalho.

Tabela 3
Principais dificuldades para realização do trabalho docente na escola de ensino médio

Na verdade, podemos concluir que parece ser a dispersão provocada pelo desinteresse a principal justificativa apresentada pelos docentes para os problemas de aprendizado. Este cenário provoca uma crise relacional e grandes diferenças nos resultados dos docentes que conseguem administrá-la. Temas como crise de autoridade, respeito, estresse e indisciplina marcaram o discurso dos professores em relação aos alunos do ensino médio e às dificuldades de gestão de classe. O que vai diferenciar a ação dos “bons professores” acompanhados são as formas de lidar com essas dificuldades e os resultados obtidos sobre a aprendizagem.

Eu acho que a gente tem que ter a capacidade de apresentar coisas novas, ainda mais numa escola de nível social como a nossa, que eles não têm acesso à cultura, a sair para viajar. Nós precisamos chegar com esse tipo de proposta, de mostrar uma coisa diferente, novas formas de expressão cultural, mostrar o mundo. Com isso eles ouvem, se interessam e passam a desejar aquilo também para eles

(professora de história do ensino médio).

Mas, como fazer? A realidade da escola de massa exige a ampliação das suas funções sociais e da própria docência. Constata-se a necessidade de mudanças e de adoção de novas lógicas norteadoras da prática pedagógica, com foco na gestão de classe. Identifica-se na ação dos “bons professores” a busca por essas lógicas que impactam na própria concepção do papel do professor na sala de aula.

Este estudo, ao comparar as justificativas dos alunos para indicação dos “bons professores”, com a observação das práticas desses docentes e as entrevistas, identificou duas situações que mais influenciavam a efetividade do ensino na realidade apresentada: a didática em sala de aula marcada pelas relações e o papel motivador do professor.

  • a) Didática em sala de aula marcada pelas relações

Na pesquisa, foi possível observar professores apostando que no trabalho com os jovens não há mais espaço para a hierarquização e o autoritarismo impostos por muitos anos na relação professor-aluno, nos quais o professor era o detentor do saber, e o aluno, um mero receptor. Para os “bons professores” indicados pelos alunos, a autoridade docente deixou de ser algo já pré-concebido, assim como a desestabilização do programa institucional das escolas. As normas de conduta pré-estabelecidas, o modelo de aluno passivo e o ofício do professor se modificam com a entrada de valores contraditórios na escola, heterogeneidade de princípios e degradação da ideia de unidade da sociedade. Assim, como afirma Perrenoud (2001)Perrenoud, P. (2001). Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. 2a ed. Porto Alegre: Artmed., faz-se necessário, nas salas de aula, a construção de uma autoridade negociada para o estabelecimento de relações humanas mais próximas.

Parte-se da ideia de que a didática de todo professor em sala de aula compreende vários aspectos da prática pedagógica, desde a seleção de estratégias de ensino até as relações humanas que se estabelecem. Os aspectos ligados à heterogeneidade das turmas, ao multiculturalismo, ao compromisso com a inclusão social são também dimensões da didática, renomeada de didática fundamental (Candau, 2012Candau, V. M. (Org.). (2012). Rumo a uma Nova didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes.).

Constata-se que a dimensão da didática que mais caracteriza o fazer dos “bons professores” é a dimensão relacional, a forma como os docentes se envolvem com os alunos na esfera da gestão de classe. O reconhecimento de que o trabalho docente é um trabalho de interações humanas (Tardif & Lessard, 2005Tardif, M.; Lessard, C. (2005). Trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes.) ou, como afirma Dubet (2002)Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa., um trabalho sobre o outro, foi o que mais se diferenciou nas ações dos “bons professores” observados, em comparação com os demais. Durante as observações foi possível identificar que a dimensão relacional da ação docente é vivenciada em diálogo muito próximo com as estratégias metodológicas utilizadas.

Diante dessas constatações, o que fazem de diferente os docentes indicados como “bons professores”? Três conjuntos de fatores se destacaram associados à ação didática dos “bons professores” observados: interação, formas de tratamento e construção de regras no cotidiano da sala de aula.

Esses professores chamam os alunos pelo nome e os conquistam por reconhecê-los como pessoas únicas, seja pelo olhar direcionado, pelo toque no ombro ou pelo sorriso acolhedor. Com isso, contribuem para a construção da autoestima desses jovens da periferia, muitas vezes marginalizados por sua condição. As formas de tratamento que se estabelecem são baseadas no respeito, não por imposição da profissão, mas pela conquista do outro.

Identifica-se que estes docentes conseguem construir sua autoridade não pelo excesso de regras ou trocas por pontos, mas pelo envolvimento com os alunos. Com isso, a gestão de classe passa a se consolidar não como uma imposição, mas como uma parceria. Os “bons professores” observados e entrevistados conseguem manter os alunos envolvidos por mais tempo e interessados nas atividades propostas, mesmo que, algumas vezes, tais atividades fiquem restritas a práticas tradicionais de ensino. Por conseguinte, o controle da disciplina deixa de ser um problema que dificulta diretamente a ação docente.

O resultado dessas interações parece ser propiciado por uma “competência relacional” dos docentes, que para Barrère (2002)Barrère, A. (2002). Les enseignants au travail. Routines incertaines. Paris: L'Harmattan. trata-se de um conjunto de habilidades desenvolvidas pelos docentes, ao longo dos anos, que lhes permitem sobreviver e, especialmente, tornar o trabalho educativo útil em contextos de trabalho marcados pela heterogeneidade dos alunos e pela perda da legitimidade do princípio da autoridade docente em sala de aula. Identifica-se que os jovens, a partir das interações com os professores, se sentem predispostos a aprender, mesmo que os recursos técnicos sejam simples. Ao se perceberem envolvidos por esses professores, os alunos os legitimam intrinsecamente como os dinamizadores de sua aprendizagem, independentemente da disciplina que lecionam ou da variedade de estratégias didáticas que utilizam.

  • b) O papel motivador do professor de ensino médio

Nas análises das ações docentes e nas indicações dos alunos, um conjunto de fatores se evidenciou associado à importância do papel motivador dos professores em relação à aprendizagem dos jovens. A dimensão motivacional permite compreender a associação que os alunos e os “bons professores” fazem com a perda de sentidos da escola e o papel do professor para regatá-la, a fim de dar sentido à aprendizagem.

Na prática dos professores indicados como “aqueles que fazem a diferença”, foi possível perceber o reconhecimento do descompasso entre os objetivos da escola e dos jovens, marcados pela diversidade de lógicas culturais em ação, que justificam o desinteresse e o baixo desempenho. Esses docentes conseguem superar o excesso de culpabilização dos alunos e apostam que o interesse precisa ser conquistado, fortalecendo a dimensão motivacional da docência.

Ser um professor motivador parece requerer uma série de características pessoais e profissionais, tais como alto grau de empenho, satisfação profissional, altas expectativas em relação ao processo ensino-aprendizagem, prática reflexiva e compromisso político-social com a docência. Na prática da sala de aula, esses professores utilizam uma série de recursos motivacionais/mobilizadores que parecem incentivar os alunos a aprender.

Por exemplo, identifica-se que a função de motivador é executada por uma postura proativa do professor, marcante em suas ações e na gestão de classe. Um dos instrumentos mobilizadores acionados por alguns docentes refere-se às variações na linguagem. Os professores que se expressam de forma clara e utilizam palavras do universo cultural dos alunos recebem sua atenção imediata. A informalidade da linguagem favorece a aproximação dos alunos de alguns conceitos e, consequentemente, do conhecimento.

Para os docentes, uma boa comunicação com os alunos costuma ser um motivo de satisfação profissional cada vez mais distante das considerações do aprendizado. E se tanto temem o exercício da autoridade, é também porque, via de regra, esta ameaça a comunicação com os adolescentes

(Barrère & Martucelli, 2001Barrère, A. (2002). Les enseignants au travail. Routines incertaines. Paris: L'Harmattan., p. 270).

Associada à linguagem, destaca-se a habilidade dos “bons professores” de usar a criatividade e explorar situações engraçadas para dar dinamismo à aula. Os alunos gostam e se entusiasmam com o estímulo. Observa-se que esses docentes conseguem utilizar os momentos de descontração como ferramentas para reter a atenção dos alunos. As brincadeiras também são usadas como formas de criticar posturas inadequadas sem a necessidade de longos discursos ou “castigos”.

As escolhas metodológicas também mostram o potencial mobilizador dos professores. Observa-se que os quatro “bons professores” indicados adotam estratégias pedagógicas consideradas motivadoras pelos alunos, que variam entre trabalhos em grupo, contação de história, exercícios comentados, adaptação de textos e exercícios considerando o contexto dos alunos, visitas guiadas à biblioteca, pequenas competições entre os alunos. Nessas aulas, outro diferencial de dinamização observado foi o maior tempo que esses professores disponibilizavam em suas aulas para a participação e valorização da produção individual dos alunos.

Outra postura mobilizadora desenvolvida pelos “bons professores” relaciona-se ao seu grau de compromisso com o processo de ensino. É o professor que se empenha, utilizando múltiplas estratégias para ensinar, busca novos exemplos, esclarece termos novos. Ele demonstra fazer questão que todos aprendam, preocupando-se com os alunos que não apresentam bom desempenho e buscando entender a dificuldade de cada um a partir de seus erros. Anda pela sala acompanhando o processo quase de forma individual, supervisiona e se mantém atento aos pedidos de ajuda. São professores em constante processo deliberativo em busca de novas estratégias e formas de desenvolver mais os alunos. É nas pequenas ações dos docentes que se identifica esta lógica de compromisso pela aprendizagem de todos, como esperar que todos estejam prontos para a aula começar, criar estratégias para superar os atrasos dos alunos, dar dicas que favoreçam o aprendizado, atender individualmente, ouvir atentamente, adequar o tempo às necessidades, preocupar-se com os faltosos.

O trecho do artigo de Lelis (2012)Lelis, I. (2012). O trabalho docente na escola de massa: desafios e perspectivas sociologias. Sociologias, Porto Alegre, 14(29), 152-174. sobre a complexidade da escola de massa contribui para entender este “novo docente”:

Trata-se de um profissional que não detém mais com exclusividade as informações. A gestão da classe, a partir de uma autoridade pedagógica, apresenta-se como uma tarefa primordial, visto que os alunos não são mais os mesmos e possuem características socioculturais novas – enquanto sujeitos de direitos. Mais do que ser um bom professor, o docente tem hoje que construir sua própria legitimidade, motivando a qualquer custo o aluno, controlando a dispersão da classe, uma vez que a mobilização para os estudos não está mais assegurada, independentemente da qualidade do trabalho do professor

(Lelis, 2012Lelis, I. (2012). O trabalho docente na escola de massa: desafios e perspectivas sociologias. Sociologias, Porto Alegre, 14(29), 152-174., pp. 159-160).

Por outro lado, não se pode apostar em uma simples lista de ações ou “receitas prontas”, associando-as a bons resultados como um processo causa-efeito. Não há respostas simples para questões complexas. Mas a análise da atuação de “bons professores” indicados pelos alunos permitiu identificar esses dois eixos, a dimensão relacional para a didática e o papel motivador do docente, que contribuíram diretamente para ação docente diante das complexidades do ensino.

Se tomarmos a definição de profissionalidade adotado por Ludke e Boing (2010), esta pode ser compreendida como o conjunto de características de uma profissão que articula a racionalização dos conhecimentos e as habilidades necessárias ao exercício profissional. É o que foi adquirido pela pessoa como experiência e saber e sua capacidade de utilizá-lo em uma situação dada, seu modo de cumprir as tarefas. Instável, sempre em processo de construção, surge do próprio ato do trabalho e se adapta a um contexto em movimento.

A partir desse conceito, pode-se concluir que o destaque das dimensões relacionais e motivacionais na atuação docente a fim de “ensinar para quem não quer aprender” contribui para fornecer elementos que norteiem a construção de uma nova profissionalidade para os professores que precisam atuar nas escolas de massa e, principalmente, se desenvolver profissionalmente dentro da realidade de crise do próprio conceito de “qualidade” do ensino debatido no início deste artigo.

Conclui-se que duas características definem bem esta nova profissionalidade: o professor é um construtor de sentidos (Canário, 2006Canário, R. (2006). A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed,) e um profissional das relações, pois exerce o seu trabalho sobre o outro (Dubet, 2002Dubet, F. (2002). El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa.).

Qual o lugar que a didática ocupa neste debate? Todos e nenhum!

Para se refletir sobre o lugar da didática na prática dos professores, inicia-se com uma série de questionamentos: Podem as dimensões relacionais e motivacionais da docência ser consideradas elementos constituintes da didática? É possível conceber uma formação de jovens na escola média, etapa conclusiva da educação básica, que privilegia a dimensão relacional? Pode o professor assumir o seu papel de construtor de sentidos para escola? Estaria a escola deixando a transmissão do conhecimento e as estratégias pedagógicas em papel secundário, em detrimento da dimensão relacional da docência? Como pode a formação de novos professores especialistas nas diversas áreas incorporar a dimensão relacional em seus currículos?

Sem dúvida, a escola de massa traz novas dimensões para a didática, principalmente a questão da diversidade e da complexidade da docência. Dependendo da abrangência do conceito de didática que se adote, pode-se afirmar que o conjunto de ações docentes constatadas até aqui, sobre “ensinar para alunos que não querem aprender”, fazem parte do campo da didática.

Observa-se pelos questionários que 70% dos professores (50) apontam alguma lacuna que identificaram em seus processos formativos. Constata-se a carência dos docentes em dois conjuntos de conhecimentos específicos, um referente à relação professor-aluno, com destaque para a condição juvenil, e outro voltado para os saberes didático-pedagógicos no que tange ao favorecimento da integração curricular e à transposição didática dos conhecimentos científicos.

A partir da realidade observada na escola de ensino médio, constata-se que há uma negação da didática por parte dos professores. Os docentes entrevistados relatam que sua formação acadêmica pouco contribuiu na construção dessa nova profissionalidade e identificam que as principais lacunas de seu processo formativo estão ligadas, justamente, às dimensões motivacionais e relacionais. Segundo esses professores, os modelos de formação oferecidos não se adéquam à realidade e às necessidades da docência nesse contexto.

Fica evidenciada a crítica à pouca articulação entre a teoria e a prática em relação aos conhecimentos adquiridos na universidade. Constatam-se diferentes concepções sobre as formas de ensinar entre os “bons professores” acompanhados, de acordo com a lógica de sua formação inicial, no que se refere à valorização/contribuição efetiva ou não dos conhecimentos pedagógicos em suas práticas de ensino.

Didática é algo que você tem que adequar, didática da graduação não te prepara para nada. Eu vivi isso, comparando a minha experiência com os meus alunos, eu desenvolvi didática, sem ter tido aula de didática, porque eu comecei a dar aula antes de ir para a graduação. Então, eu fui percebendo com os alunos quais técnicas funcionavam e quais não funcionavam. E, depois, as minhas aulas de didática na faculdade não me ensinaram a lidar com a sala

(professora de língua portuguesa do ensino médio).

No entanto, diferentemente dessa ideia de didática estritamente técnica que parece caracterizar ainda as concepções dos professores, o ensino de didática hoje procura se distanciar da visão instrumental, que a dominou por várias décadas e que levou à sua negação por parte de muitos docentes diante dos novos desafios da escola. Candau, desde 1983, já afirmava que a didática deve, além da dimensão técnica (seleção de conteúdo e estratégias, definição de objetivos), integrar as dimensões humanas (relações interpessoais) e político-sociais (contexto social e cultural), nomeando-a de didática fundamental. Nessa direção, Candau (1983Candau, V. M. (Org.). (1983). A didática em Questão. 17a ed. Petrópolis: Vozes.; 2012)Candau, V. M. (Org.). (2012). Rumo a uma Nova didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes. defende a necessidade de consolidação de saberes capazes de, realmente, contribuir com o trabalho docente e que, portanto, devem integrar os modelos formativos vigentes. A autora (2012) afirma que é preciso partir da realidade contextual do aluno, valorizar o multiculturalismo e estabelecer novas relações professor-aluno, indo além das relações hierárquicas. Observa-se que o desafio da ação docente em escolas públicas que atendem os setores populares é garantir a inclusão social pelo acesso ao conhecimento, a partir das condições reais em que se desenvolve o ensino.

No entanto, pode-se supor pela fala dos “bons professores” entrevistados que pouco se avançou na reflexão sobre a didática para a constituição dos novos docentes. A visão da didática técnica, pré-concebida e distante da realidade, parece predominar. Identifica-se que, passados mais de trinta anos do início desse debate sobre a reinvenção da didática nos meios acadêmicos, pouco chegou até as escolas e os professores. Os docentes indicados pelos alunos como os “bons professores” afirmam que não fazem nada de diferente em suas aulas, que usam uma “didática tradicional” ou que a “didática” pouco contribui em suas práticas, quando, na verdade, a dimensão relacional e motivacional faz parte do que Candau (2012)Candau, V. M. (Org.). (2012). Rumo a uma Nova didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes. nomeia de nova didática. Esses professores, mesmo sem reconhecerem, desenvolveram múltiplas estratégias de ensino dentro do conceito da didática fundamental, baseadas na interação com os alunos, na motivação para aprender e na compreensão da cultura do outro. Para Candau (2012, p. 16), a “reflexão didática deve ser elaborada a partir da análise de experiências concretas, procurando-se trabalhar continuamente a relação teoria-prática”.

Se tomarmos a proposta de uma nova didática, com características multidimensionais, teremos uma didática que busca lidar com os desafios da educação escolar, além da didática técnica ou de uma didática somente humanista.

Constata-se que diante da universalização do ensino e da entrada das classes populares na escola, consolida-se o movimento por uma nova didática, de perspectiva intercultural, com foco na diversidade e na diferença (Candau, 2008Candau, V. M. (2008). Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. de Educ., Rio de Janeiro, 13(37).; 2012; Moreira, 2001Moreira, A. F. B. (2001). A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões. Rev. Bras. de Educ., Rio de Janeiro, 7(18), 65-81.; 2008Moreira, A. F. B., & Candau, V. M. (2008). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes.), a fim de aproximá-la da realidade do trabalho docente nas escolas, contribuindo tanto para a formação inicial dos professores quanto para o próprio processo de profissionalização4 4 Adota-se o conceito de profisssionalização docente na perspectiva de superar o discurso da docência como vocação, ou simplesmente um ofício, e submetê-la ao status de uma profissão. É uma forma de elevar o prestígio dos professores, valorizar seu trabalho junto à opinião pública e aumentar sua autonomia, mas também garantir melhores condições de trabalho, principalmente remuneração. Três aspectos caracterizam esse processo: a definição dos conhecimentos específicos para a atuação docente, a instituição de uma corporação profissional reconhecida, juntamente com a consolidação de um código de ética profissional, e a conquista de autonomia profissional (Tardif, 2013). da profissão. Como afirma Candau (2016)Candau, V. M. (2016). Ensinar-aprender: desafios atuais da formação docente. In: Encontro Nacional de didática e Práticas de Ensino, XVIII, Simpósio, Cuiabá., “é preciso que a escola centrada na homogeneidade passe para educação escolar centrada na diferenciação”. A autora reconhece que a formação inicial hoje, mesmo com a ampla produção de estudos e pesquisas na área, não contempla as ansiedades e os desafios que os professores enfrentam no cotidiano: “é preciso colocar em questão o formato escolar e a própria didática”.

Se as dimensões do trabalho docente se ampliam por exigência de seu objeto − a aprendizagem dos jovens de classes populares −, é preciso ampliar também as dimensões da didática, pois o próprio ato de “saber ensinar”, que caracterizaria o bom professor, tem múltiplos sentidos e formas de acontecer dentro da complexidade da escola hoje. “Saber ensinar” é muito mais do que do que “dar a matéria”. Hoje, mais do nunca, a didática precisa se aliar às diferentes áreas de conhecimento tanto sobre o desenvolvimento humano quanto sobre a compreensão dos sujeitos-sociais, a fim de encontrar os caminhos estratégicos e sistemáticos para o favorecimento da aprendizagem.

A didática se desenvolve de acordo com o contexto histórico no qual se insere. Porém, mesmo que se altere o papel social da escola ou as concepções de qualidade de ensino, há um consenso na luta em defesa da legitimidade do saber didático-pedagógico enquanto um campo de conhecimentos que contribui na prática docente e enquanto conteúdo do currículo da formação de educador (Candau & Koff., 2015Candau, V. M., & Koff, A. D. N. S. (2015). A didática Hoje: reinventando caminhos. Educação & Realidade, Porto Alegre, 40(2), 329-348.).

Por fim, é preciso questionar-se se os conhecimentos produzidos pelas pesquisas no campo da didática e incorporados muitas vezes na formação de professores estão contribuindo com a prática docente dentro da realidade trazida pela escola de massa.

Estudos constatam (Candau, 2000Candau, V. M. (2000). A didática hoje: uma agenda de trabalho. In V. M. Candau et al. Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A.; André 2008André, M. (2008). Tendências da pesquisa e do conhecimento didático no início dos anos 2000. In Encontro Nacional de didática e Prática de Ensino. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e formação de professores. XV Endipe. Rio Grande do Sul: EdiPUCRS, 487-490.; André & Cruz, 2012Andre, M., & Cruz, G. B. (2012). A produção do conhecimento didático na RBEP (1998-2010). R. Bras. Est. pedag., Brasília, 93(234, [número especial]), 443-462.) que há ausência dos alunos e do cotidiano escolar nas pesquisas em didática. No entanto, a juventude precisa “entrar” na escola e superar a sua invisibilidade diante da hierarquia escolar, assim como as alternativas encontradas pelos professores precisam ser investigadas para que os novos sentidos dados à escola pelos seus atores sejam identificados. Interpretar as percepções de alunos e professores sobre uma “boa aula” ou um “bom professor” pode contribuir na legitimação de uma escola mais efetiva e formadora.

Para concluir: como se aprende a ser professor para escola de hoje?

A adoção da concepção de “nova didática”, articulada com uma nova concepção de professor (nova profissionalidade), nos currículos dos cursos de formação de professores pode ser elemento norteador importante, mas não definidor. Argumenta-se que só se aprende a ser professor sendo professor, porém não se nega a importância da formação no desenvolvimento desses profissionais com vistas a sua profissionalização.

A formação de professores vive um momento de grandes questionamentos pela sociedade. A associação sobre as lacunas da formação docente e as divergências em relação às dimensões da didática com a busca por explicações para a baixa qualidade da educação escolar traz para o centro do debate o trabalho dos professores e sua formação.

Preocupações com a melhor qualificação da formação de professores e com suas condições de exercício profissional não são recentes. Porém, hoje, avolumam-se essas preocupações ante o quadro agudo de desigualdades socioculturais que vivemos e ante os desafios que o futuro próximo parece nos colocar

(Gatti, 2016Gatti, B. (2016). A. Formação de professores: condições e problemas atuais. Revista Internacional de formação de professores (RIFP), Itapetininga, 1(2), p. 161-171., p. 163).

É impossível imaginar alguma mudança que não passe pela formação de professores. Não estou a falar de mais um “programa de formação” a juntar a tantos outros que todos os dias são lançados. Quero dizer, sim, da necessidade de uma outra concepção, que situe o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores ao longo dos diferentes ciclos da sua vida. Necessitamos construir lógicas de formação que valorizem a experiência como aluno, como aluno-mestre, como estagiário, como professor principiante, como professor titular e, até, como professor reformado

(Nóvoa, 2014Nóvoa, A. (2014). Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. In D. T. Rebello de Souza, & F. Sarti. (Orgs.). Mercado da Formação Docente: constituição, funcionamento e dispositivos. Belo Horizonte: Fino Traço., p. 32).

Pode-se dizer que há uma tendência de se apontar a inadequação dos professores em exercerem o seu papel de ensinar justificada diretamente por problemas em sua formação. Debates sobre competência profissional, saberes necessários à docência e desempenho docente procuram identificar parâmetros, tanto para o processo de formação dos professores quanto para maior valorização do magistério, via debate sobre a profissionalização docente.

Hoje, os olhares sobre a formação de professores assumem lugar de destaque em diversos âmbitos, desde as pesquisas acadêmicas, passando pelas políticas educacionais, chegando às escolas, à mídia e até ao campo econômico. Souza e Sarti (2014)Souza, D., T. R., & Sarti, F. M. (Org.). (2014). Mercado da Formação Docente: constituição, funcionamento e dispositivos Belo Horizonte: Fino Traço. identificam o crescimento de um verdadeiro “mercado da formação docente” baseado na expansão dos cursos de formação inicial e continuada oferecidos pela rede privada e no consumo de pacotes educacionais de grandes empresas pelas redes públicas, como os sistemas apostilados de ensino. Para as autoras, o investimento neste “mercado de formação docente” tornou-se esperança de muitos na solução dos problemas crônicos das escolas brasileiras no que toca à qualidade dos serviços educacionais oferecidos, seja nas redes públicas ou mesmo nas redes privadas.

Contraditoriamente a todo debate trazido até aqui, cresce um movimento de revalorização de uma didática técnica, marcada pelo uso dos sistemas apostilados de ensino e pela reorientação curricular voltada para atender às lógicas do mercado (Louzano, 2010Louzano, P. (2010). Sistemas estruturados de ensino e redes municipais do Estado de São Paulo. Fundação Lemann. Apresentação em PowerPoint.; Magalhães et al., 2010Magalhães, V.; Amorim, V. (Orgs.). (2010). Cem Aulas Sem Tédio (Coleção: Língua Estrangeira, matemática, Língua Portuguesa) Santa Cruz do Sul: IPR (Instituto Padre Reus).). A justificativa em defesa dessas estratégias de ensino se apoia principalmente na tese da “crise do ensino” associada à lógica de “incompetência” dos professores para lidar com a escola de massa diante das lacunas de sua formação, como identificam os estudos de Souza e Sarti (2014)Souza, D., T. R., & Sarti, F. M. (Org.). (2014). Mercado da Formação Docente: constituição, funcionamento e dispositivos Belo Horizonte: Fino Traço., Adrião et al. (2009)Adrião, T., Garcia, T., Borgui, R., & Arelaro, L. (2009). Uma modalidade peculiar de privatização da educação pública: a aquisição de ‘sistemas de ensino’ por municípios paulistas. Educ. & Soc., Campinas, 30(108), 799-818., Oliveira (2009)Oliveira, R. P. (2009). A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educ. & Soc, Campinas, 30(108), 739-760. e Cunha (2011)Cunha, L. A. (2011). Contribuição para a análise das interferências mercadológicas nos currículos escolares. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, 16(4)..

A escola multicultural e plural, como se apresenta a escola de massa, não se sustenta na homogeneidade de pacotes de ensino. Uma reconfiguração na formação docente passa pelo protagonismo docente, que precisa deixar o seu “lugar de morto” (Sarti, 2012Sarti, F. M. (2012). O triângulo da formação docente: seus jogadores e configurações. Educ. Pesqui. [on-line]. São Paulo, 38(2), 323-338., p. 329) nesse jogo de disputas pelos caminhos formativos para ser realmente ouvido.

Conclui-se defendendo a necessidade de se efetivar a ênfase em uma “nova didática” nos processos de formação inicial e continuada dos professores que realmente contribua com a prática docente. Argumenta-se que a “nova didática” permite fornecer conhecimentos para o desenvolvimento de uma nova profissionalidade, pois permite ao professor a constante reflexão de sua prática e alternativas para “agir na urgência e ensinar na incerteza” (Perrenoud, 2001Perrenoud, P. (2001). Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. 2a ed. Porto Alegre: Artmed.), de forma consciente e sem improvisação; apresenta-se como um elo tradutor de posicionamento teórico em prática educativa; contribui para a definição de um conjunto de conhecimentos específicos à docência, garantindo a construção da profissionalização docente (Tardif, 2013Tardif, M. (2013). A profissionalização do ensino passados trinta anos: dois passos para a frente, três para trás. Educ. & Soc., 34(123), 551-571.).

Não há respostas prontas de “como ensinar para alunos que não querem aprender”, nem na didática, nem em outro campo de conhecimento. As dimensões relacionais e motivacionais precisam fazer parte desta nova profissionalidade a ser desenvolvida nos novos e já atuantes professores. No entanto, para isso, essas dimensões precisam ganhar mais espaço no conteúdo dos currículos de formação docente.

Constata-se que o ensino da didática nos cursos de formação inicial de professores vem perdendo o caráter prescritivo da didática instrumental, porém não encontrou ainda um novo caminho (Andre & Cruz, 2012Andre, M., & Cruz, G. B. (2012). A produção do conhecimento didático na RBEP (1998-2010). R. Bras. Est. pedag., Brasília, 93(234, [número especial]), 443-462.). Ouvir os professores e os alunos parece ser uma estratégia viável. Problemas da educação precisam ser pensados na perspectiva do aprender, e não do ensinar. O trabalho de ensinar para “alunos que não querem aprender” não é missão impossível. Um caminho se apresenta a partir das constatações de que o professor faz a diferença, assim como a didática e a formação docente. Como afirma Roldão (2007)Roldão, M. do C. (2007). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Rev. Bras. de Educ., Rio de Janeiro, 12(4), 94-181., “o professor profissional é aquele que ensina não porque sabe, mas porque sabe ensinar”.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br
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    SAEB − Sistema de Avaliação da Educação Básica; PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
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    Adota-se o conceito de profisssionalização docente na perspectiva de superar o discurso da docência como vocação, ou simplesmente um ofício, e submetê-la ao status de uma profissão. É uma forma de elevar o prestígio dos professores, valorizar seu trabalho junto à opinião pública e aumentar sua autonomia, mas também garantir melhores condições de trabalho, principalmente remuneração. Três aspectos caracterizam esse processo: a definição dos conhecimentos específicos para a atuação docente, a instituição de uma corporação profissional reconhecida, juntamente com a consolidação de um código de ética profissional, e a conquista de autonomia profissional (Tardif, 2013Tardif, M. (2013). A profissionalização do ensino passados trinta anos: dois passos para a frente, três para trás. Educ. & Soc., 34(123), 551-571.).

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Editado por

1
Editora responsável: Adriana Varani. https://orcid.org/0000-0002-7480-4998

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2017
  • Revisado
    10 Jun 2019
  • Aceito
    13 Jan 2020
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