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A participação da universidade e da escola no acontecimento do estágio curricular supervisionado de futuros professores de Educação Física 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet)– revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (BEX nº 18016/12-0).

Resumo

Trata-se de um estudo qualitativo que teve como objetivo compreender a participação da escola e da universidade durante o estágio curricular supervisionado em Educação Física. Os resultados e discussão evidenciaram: (i) o contexto, que compreendeu os elementos advindos do ambiente do estágio na escola e as relações estabelecidas; (ii) a dinâmica, que apresentou como o estágio acontece na universidade e nas escolas e os desafios estabelecidos para os professores e as inquietudes dos estagiários; e (iii) o papel dos professores e suas representações. Como considerações registrou-se que ambas as instituições são colaborativas para com o estágio, mas não apresentam vínculos extremamente formativos ou engajamento equilibrado a ponto de constituírem uma parceria.

Palavras-chave
formação de professores; estágio curricular supervisionado; educação física

Abstract

This is a qualitative study that aimed to understand the participation of the school and the university during the supervised school placement (SSP) in Physical Education. The results and discussion highlighted: (i) the context: which comprised the elements coming from the SSP environment at school and the established relationships; (ii) the dynamics: which presented how the SSP takes place at the university and in schools and the challenges set for teachers and the concerns of pre-service teachers; and (iii) the role of teachers and their representations. As considerations it was noted that both institutions are collaborative with the SSP, but do not have extremely formative links or balanced engagement to the point of forming a partnership.

Keywords
teacher training; supervised school placement; physical education

1. Introdução

No Brasil, o estágio curricular supervisionado (ECS) tem sido considerado um espaço de reflexão sobre a formação inicial de professores, existindo ampla discussão sobre a sua finalidade, organização e relação que estabelece entre teoria e os modelos preconizados (Pimenta & Lima, 2011Pimenta, S. G., & Lima, M. S. L. (2011). Estágio e docência. São Paulo: Cortez.).

A legislação vigente prioriza e normatiza o estágio, colocando diretrizes para a parte cedente (universidade) e para a concedente (escola), e menciona direitos e deveres. Porém, deixa em aberto algumas questões, como por exemplo a formação dos professores envolvidos e a maneira como a universidade e escola se envolvem no processo de formação. Se por um lado a lei delimita algumas instruções, por outro, ainda se faz necessário pensar em possibilidades de seu aprimoramento nas mais diferentes áreas de intervenção (Benites, 2012Benites, L.C. (2012). O professor-colaborador no estágio curricular supervisionado em educação física: perfil, papel e potencialidades. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.; Lei nº 11.788, 2008Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. (2008, 26 de setembro). Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União.).

Particularmente sobre a questão da proximidade entre as instâncias formadoras no ECS, e como estas têm se envolvido no processo de formação, nota-se que isso vem sendo anunciado nas normativas legais que regulam os estágios, como por exemplo: a noção atribuída aos colégios de aplicação e sua relação com a universidade, especificamente com a proposição dos cursos de Didática (Decreto-Lei nº 1.190, 1939Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939. (1939, 31 de dezembro). Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia. Coleção de Leis do Brasil.; Decreto-Lei nº 9.053, 1946Decreto-Lei nº 9.053, de 12 de março de 1946. (1946, 15 de março). Cria um ginásio de aplicação nas Faculdades de Filosofia do País. Diário Oficial da União.); a introdução do conceito de prática de ensino (Ministério da Educação, 1969Ministério da Educação. (1969). Resolução nº 9, de 10 de outubro de 1969. Fixa a formação pedagógica em 1/8 das horas obrigatórias de trabalho de cada licenciatura voltada para o ensino de 2º grau. Recuperado de: http://cev.org.br/biblioteca/resolucao-n-9-10-outubro-1969/
http://cev.org.br/biblioteca/resolucao-n...
), com o qual se entendeu que haveria uma articulação entre a universidade e as escolas da comunidade; e o destaque dado nas últimas orientações sobre plano de trabalho conjunto com a escola (Ministério da Educação, 2001aMinistério da Educação. (2001a, 2 de outubro). Parecer CNE/CP 27. Dá nova redação ao item 3.6, alínea c, do Parecer CNE/CP 9/2001, que dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/027.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
, 2015Ministério da Educação. (2015, 3 de julho). Resolução CP nº 2, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Diário Oficial da União.).

A trajetória histórica desses delineamentos legais vem sendo debatida e redesenhada, aliando-se à forma/maneira como os programas de formação de professores têm sido organizados e operacionalizados. Para Zabalza (2014)Zabalza, M. A. (2014). O estágio e as práticas em contexto profissionais na formação universitária. São Paulo: Cortez., a formação inicial evidencia modelos de ECS que podem perpassar diferentes objetivos, como a aquisição de qualidades para o exercício profissional, a vivência de práticas diversificadas, o desenvolvimento pessoal e a construção da identidade e profissional, a integração de conhecimentos teórico-práticos, entre outros, orientando a conduta da universidade e da escola.

Contudo isso pode ser evidenciar um entrave cultural entre as instituições, pois a universidade enfoca a lógica discursiva das questões educacionais e suas relações pedagógicas, já a escola adentra numa lógica prática dos acontecimentos em seu cotidiano (Sarti, 2008Sarti, F. M. (2008). O professor e as mil maneiras de fazer no cotidiano escolar. Educação: Teoria e Prática, 18(30),47-66.). Essas inter-relações produzem, no momento do ECS, conflitos e embates vistos na falta de clareza sobre a sua importância, sobre os papéis dos envolvidos, a ausência de protocolos de cooperação, entre outros.

Assim, neste contexto, é possível questionar o papel atribuído a cada uma das instituições envolvidas no ECS e como os professores e estagiários visualizam a proximidade, a colaboração e/ou parceria entre a universidade e a escola.

Dessa forma, pensando na ideia de parceria, cabe mencionar que esse conceito apareceu no campo educacional com o intuito de buscar saídas para alguma crise ou problema, subentendendo-se à necessidade de negociação entre as partes envolvidas para chegar às possíveis soluções (Mérini, 2006Mérini, C. (2006). Le partenariat en formation: de la modélisation à une application. Paris: L’Harmattan.).

Landry (2013)Landry, C. (2013). Le partenariat en éducation et en formation: des formes de collaboration à l’espace partenarial. In C. Landry, & C. Garant (Dir.), Formation continue, recherche et partenariat. pour construire la collaboration entre l’université et le milieu scolaire (pp. 31-62). Québec: Presses de l’Université du Québec. constatou que existem diferentes formas de colaboração entre as instituições e que estas passam por níveis de aproximação. O primeiro nível é a informação mútua, no qual existe a troca de informações sobre os interesses comuns, apresentando uma relação ainda fraca e pouco formal. O segundo é a consulta, que prevê uma relação formal na qual cada uma das partes busca pontos para resolver um problema comum. Por fim, o terceiro é a concertação, que tem por intuito prolongar e aprofundar o contato já existente entre as partes para que as informações se transformem em ações. Para o autor, é justamente no último nível que começa a se estruturar a noção de parceria, pois prevê uma forte noção de colaboração e corresponsabilização pelas ações.

A parceria, então, pode ser vista como uma etapa avançada e, de acordo com Borges (2011)Borges, C. (2011). La collaboration enseignante en education physique et à la santé. In L. Portelance, C. Borges, & J. Pharand, (Orgs.), La collaboration dans le mileu de l’éducation: dimensions pratiques et perspectives théoriques (pp. 83-102). Québec: Presses de l’Université du Québec., seu estabelecimento entre as instituições universitárias e as escolas é de suma importância tanto para o desenvolvimento do ECS como para formação de professores.

Porém, o que se questiona é: sendo a parceria um conceito que envolve um alto nível de colaboração, é possível visualizar esse tipo de relação no âmbito do ECS? Esse é um questionamento abrangente e pressupõe compreensão ampliada do contexto educacional, programas de formação, estruturação das escolas, contratos profissionais, perfil de estagiários, tempos de cada instituição, objetivos e finalidades, entre outros. Mas ele dá possibilidades diversas para olhar para o ECS.

O objetivo deste estudo se estruturou pensando nessas possibilidades, particularmente sob a ótica do conceito de parceria, e trouxe como proposta a ideia de compreender como se dá a participação da escola e da universidade durante o ECS de futuros professores de Educação Física.

2. Os bastidores da pesquisa

Essa pesquisa nasceu do interesse e aproximação com a temática do estágio, mas também teve como incentivo, enquanto proposição metodológica, o conhecimento e leitura da obra de Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires (Escola, lugar de formação de professores: questões e guia para o acompanhamento dos estagiários)4 4 Tradução livre. , que apresentam de forma criteriosa o cenário do estágio no Québec, tendo como enfoque seu funcionamento; a relação entre as instituições; a acolhida e o acompanhamento dos estagiários; as conquistas, aprendizagens e limitações possibilitadas; o relacionamento entre os professores colaboradores5 5 No Brasil existem diferentes terminologias para esse professor. Porém, neste estudo foram chamados de professores colaboradores e são os professores da escola. e supervisores6 6 Neste estudo são chamados de professores supervisores os responsáveis pela disciplina de ECS na universidade que fazem o acompanhamento nas escolas. ; e a visão do estagiário sobre o percurso realizado.

Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. apontam a necessidade de compreensão sobre como as equipes escolares assumem os estágios, como os professores colaboradores e os supervisores fazem o acompanhamento e interagem com os estagiários, os estagiários se integram na escola e o que se aproveita da parceria escola-universidade. As autoras investigaram essa temática acompanhando o desenvolvimento do estágio em sete escolas de ensino fundamental (anos iniciais e finais), tendo um total de 164 participantes envolvidos diretamente no estágio (diretores, professores colaboradores, estagiários e professores supervisores).

Embora aborde um cenário completamente diferente do brasileiro, o livro me levou a pensar na investigação do contexto do ECS no curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual Paulista, campus Rio Claro (Unesp/RC), tendo como referência as escolas do município de Rio Claro.

Essa possibilidade de propor um estudo com algumas características próximas ao do estudo de Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. se deu em função da reflexão ocasionada por alguns itens referenciados pelas autoras quando propuseram a organização do ECS visando a profissionalização da docência.

A proposta de profissionalização da docência teve sua origem com Movimento pela Profissionalização do Ensino, em meados da década de 1980, no contexto estadunidense, com a promulgação de alguns documentos que apontavam uma crise no ensino, destacando a necessidade de revisar o modelo de formação dos professores e propor um corpo de conhecimentos e saberes especializados para a docência (Gauthier, Martineau, Desbiens, Malo, & Simard, 1998Gauthier, C., Martineu, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Editora Unijuí, 1998.).

Essa proposta ganhou fôlego e discussão em diferentes partes do mundo. No Brasil, as ideias apareceram nos anos 1980 por meio das reivindicações sobre a elevação da qualidade do ensino e ganhou destaque com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, bem como posteriormente, com um conjunto de diretrizes curriculares que trouxeram como proposição o debate sobre a construção da identidade docente (Lei nº 9.394, 1996Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996, 23 de dezembro). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União.; Weber, 2003Weber, S. (2003). Profissionalização docente e políticas públicas no brasil. Educação e Sociedade, 24(85), 1125-1154.).

Porém, um dos desafios no cenário nacional, a despeito do modelo da profissionalização, é a superação do padrão de formação que tem como prerrogativa a racionalidade técnica (Saviani, 2009Saviani, D. (2009). Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, 14(40), 143-155.). Nessa visão, que enfatiza uma forte concepção teórica no início da formação com uma aplicação prática ao seu final, o professor é tido como um técnico, subordinado a um conjunto de cientistas que ditam aquilo que deve ou não executar em sua prática, e apresenta um perfil mais passivo com relação à própria profissão (Schön, 1992Schön, D. A. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. In A. Nóvoa (Coord.), Os professores e sua formação (pp. 77-92). Lisboa: Don Quixote.).

Nesse modelo, o ECS segue a lógica, sendo alocado no fim dos cursos, e prevalece a sua concepção como atividade e/ou prática de imitação e observação de professores, sendo a universidade aquela que designa a tarefa e a escola aquela que acolhe (Pimenta & Lima, 2011Pimenta, S. G., & Lima, M. S. L. (2011). Estágio e docência. São Paulo: Cortez.).

No entanto, como contrapartida, na proposta da profissionalização do ensino, dá-se destaque ao modelo de formação amparado pela racionalidade prática, que tem como diferencial a noção de que a prática deve permear toda a formação, dando indicativos para o agir profissional por meio da análise da complexidade da docência e da sua instabilidade e incerteza, uma vez que se trata de uma profissão de interação, na qual o professor é produtor de seu exercício (Tardif, 2002Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.).

Nesse sentido, o ECS ganha um diferencial por se constituir como um espaço onde se estabelece a relação entre inserção, atuação e reflexão sobre o exercício docente. Além disso, pode-se implementar novas formas de orientação e supervisão e de aproximação entre as intuições, uma vez que esse contato se dará durante toda a formação (Zabalza, 2014Zabalza, M. A. (2014). O estágio e as práticas em contexto profissionais na formação universitária. São Paulo: Cortez.)

Foi justamente no sentido da incorporação de um novo modelo de formação que Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. apresentaram sua proposta, concebendo a reformulação dos estágios como essencial a esse processo, com destaque para o engajamento da escola e para a figura do diretor, apontada como alguém que se interessa pela formação inicial e estipula regras e rotinas para o estágio, bem como menciona que os professores colaboradores se preparam para receber estagiários. Esse apontamento é diferenciado do contexto brasileiro, a começar pelo modelo de formação, mas sobretudo porque na grande maioria das vezes a universidade se interessa e prepara o ECS por ser inerente ao seu currículo e a escola se adequa, não havendo muitos indicativos sobre suas ações.

Gatti e Barretto (2009)Gatti, B. A., & Barretto, E. S. S. (2009). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco. mostraram em seu estudo que o momento do estágio é conflituoso, sendo raras as universidades que apresentam clareza quanto ao que se faz nessa atividade, o que demonstra que existe um vazio a respeito da participação/função das escolas.

Embora esse seja o cenário anunciado, particularmente no caso da Unesp/RC, existem documentos produzidos e pensados para organizar o ECS que anunciam a iniciativa de aproximação, bem como a noção da compreensão da instituição sobre os professores das escolas. Esse apontamento vai ao encontro daquilo que se espera dentro do movimento pela profissionalização do ensino.

Qualquer projeto competente para a formação de professores hoje passa pela inclusão das escolas básicas e de seus professores como parceiros nas tarefas de formação. Essa tarefa precisa se partilhada por profissionais em exercício, com experiência para ser ensinada. Ensinada tanto aos graduandos quanto aos próprios docentes universitários … não podemos mais aceitar que atividades de estágio sejam decisões pessoais baseadas em acordos ou relações pessoais. É decisivo que sejam implementadas, de forma oficial, mediante convênios e acordos, atividades entre escolas e a UNESP, em vários Campus, num processo de mútua colaboração: tanto as escolas e seus professores qualificam a formação de nossos licenciados, quanto a Universidade deve contribuir para a qualificação das escolas, seus projetos e professores.

(Universidade Estadual Paulista [Unesp], 2002, p. 9)

Na mesma medida, a Secretaria de Educação do Município (SME) e a Diretoria de Ensino (DE) regional de Rio Claro têm se mostrado próximas das atividades da Unesp/RC, abrindo espaços de formação, mas sobretudo possibilitando a presença dos professores universitários em suas comissões. No caso da Educação Física, uma das aberturas foi a realização de um curso de extensão, promovido em 2010 para os professores que recebiam ou tinham interesse em receber estagiários (Benites, 2012Benites, L.C. (2012). O professor-colaborador no estágio curricular supervisionado em educação física: perfil, papel e potencialidades. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.).

Em continuidade, Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. registraram que a função dos professores colaboradores era acolher e integrar o estagiário à escola, validar o projeto de estágio, transmitir seu saber-fazer, supervisionar, refletir sobre as diversas ações e demonstrar atos e atitudes quando solicitado. Para tal, esses professores, que tinham formação para esse exercício, mostraram especificidades com relação ao seu perfil de formador, que foram se alterando ao longo dos estágios.

Esse apontamento remeteu à discussão tanto da proposta de uma formação para o professor receber/formar os estagiários quanto da atenção dada para a supervisão/acompanhamento. Cid, Pérez e Sarmiento (2011)Cid, A., Pérez, A., & Sarmiento, J. A. (2011). La tutoría en el practicum: revisión de la literatura. Revista de Educación, (354), 127-154., num estudo de revisão de literatura sobre a tutoria e a supervisão dos estágios, registraram a necessidade da formação específica para atuação dos professores nas escolas e na universidade no que concerne à orientação e avaliação dos estagiários, bem como à importância de participar das reuniões, acompanhar os planejamentos e o planos de aulas, facilitar o acesso aos materiais e dados da escola e promover o desenvolvimento profissional.

Essa realidade é contrastante com a brasileira, pois, apesar dos indicativos legais de que os docentes que recebem estagiários podem ter alguma modalidade de formação continuada a partir da instituição formadora (Ministério da Educação, 2001bMinistério da Educação. (2001b, 8 de maio). Parecer CNE/CP 28. Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), isso ainda acontece de maneira isolada e em algumas áreas (Souza Neto & Benites, 2008; Vasques & Sarti, 2017Vasques, A. L. P., & Sarti, F. M. (2017). Entre o ‘aproveitamento’ e o provimento da prática na formação continuada de professores. Acta Scientiarum Education, 39(1), 67-77.). Na grande maioria das vezes o ECS acontece sem ter como pré-requisito uma formação específica para os professores colaboradores e supervisores.

Nesse sentido, o último apontamento de destaque da leitura de Gervais & Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval. aqui registrado enfocou o professor supervisor como um acompanhante que observa, retroalimenta, fornece ajuda, anima seminários, faz a avaliação, facilita a troca entre os grupos de estágio e estabelece a relação entre a universidade e a escola.

No Brasil, o professor supervisor, na grande maioria das vezes, é o professor universitário responsável pelas aulas de ECS e/ou Prática de Ensino na universidade. Ele pode realizar visitas nas escolas de forma presencial (frequente e/ou esporádica) ou optar por acompanhar os estágios à distância. Porém, isso deveria estar designado nas orientações e resoluções das instituições de ensino superior e em seus projetos pedagógicos de curso, mas muitas instituições não apresentam suas proposições (Gatti & Barretto, 2009Gatti, B. A., & Barretto, E. S. S. (2009). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco.).

Na Unesp/RC, os supervisores são professores universitários responsáveis pelas disciplinas de estágio e possuem desafios para conciliar os horários na grade curricular do curso com a supervisão in loco. São professores que após alguns anos à frente da disciplina já possuem uma rede de professores colaboradores com quem estabelecem acordos informais, mas que seguem as designações postas pela legislação e assinam os termos de responsabilidade. Além disso, enfrentam dificuldades para contabilizar as horas de supervisão na progressão de sua carreira enquanto professores do ensino superior, pois muitas vezes essas horas são trabalhadas de forma adicional, escapando do regime de contratação e sem os devidos auxílios para o deslocamento (Benites, 2012Benites, L.C. (2012). O professor-colaborador no estágio curricular supervisionado em educação física: perfil, papel e potencialidades. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.).

Assim, ao destacar esses itens da leitura e estabelecer os contrapontos com a realidade brasileira, sobretudo com o contexto da Unesp/RC e o curso de licenciatura em Educação Física, estruturou-se a possibilidade de compreender um pouco melhor o papel da escola, a noção de ser um professor colaborador e ao que cabe ao professor supervisor, fazendo do ECS um espaço de reflexão sobre a formação de professores.

3. Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa de orientação interpretativa em que a pesquisadora foi considerada alguém cuja finalidade é revelar o fenômeno estudado por meio do contato com os participantes e as trocas de experiências (Karsenti & Savoie-Zajc, 2011Karsenti, T., & Savoie-Zajc, L. (Orgs.).(2011). La recherche en education: étapes et aproches. Saint-Laurent: Erpi.).

A pesquisa se deu no município de Rio Claro, situado no interior do estado de São Paulo, onde se localiza a Unesp/RC e as escolas que recebem os estagiários do curso de licenciatura em Educação Física. Seis escolas participaram, envolvendo os diretores (D), coordenadores (C) e professores colaboradores (PC). Completaram o quadro de participantes dois professores supervisores (PS) de ECS da Unesp/RC do curso abordado, totalizando dezenove participantes.

Tabela 1
Descrição dos participantes

Como instrumento, foram utilizados quatro questionários construídos com base na obra de Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval., traduzidos e readequados para as terminologias empregadas no contexto brasileiro. As questões eram abertas e passaram pela etapa de validação com um grupo similar de participantes e juízes metodológicos que não compuseram o quadro de participantes oficiais do estudo.

Para todas as etapas da pesquisa, utilizou-se o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética da instituição7 7 Parecer 006 de 07 de fevereiro de 2013, Protocolo 8099. , bem como a aprovação da pesquisa pela SME e DE. Todos os participantes assinaram o TCLE.

A verificação dos dados baseou-se na análise temática, que tem por objetivo dar sentido e proceder sistematicamente, tematizando os documentos textuais, que nesse caso foram os questionários.

Paillé e Mucchielli (2012)Paillé, P., & Mucchielli, A. (2012). L’analyse qualitative en sciences humaines et sociales. Paris: Armand Colin., mencionam que para realizar a análise temática é necessário definir claramente a questão de estudo e os objetivos estipulados, além de não possuir categorias a priori. Optou-se pela estratégia sequencial da análise temática na qual uma amostra do corpus é tirada ao acaso e analisada a fim de estabelecer uma ficha de informação e, num segundo momento, todo o corpus é relido e reanalisado com base na ficha proposta, adicionando-se elementos se necessário. Após esse processo, as descrições são aglutinadas em temas, o que foi realizado com o auxílio dos softwares QDAMiner e Excel.

Dessa forma, chegou-se a três temas: (i) contexto do estágio: compreendeu os elementos advindos das questões que tiveram como propósito apresentar como era a escola, o ambiente do estágio, qual a visão dos envolvidos e desvendar as relações travadas naquele espaço; (ii) dinâmica do estágio: apresentou como o estágio ocorria, como o professor colaborador foi inserido, quais eram as estratégicas e dinâmicas adotadas pela universidade e pela escola, qual o aprendizado que o estágio proporcionou; e (iii) os professores no estágio: abordou o papel do colaborador, do supervisor e suas representações.

4. Apresentação e discussão dos dados

4.1- O contexto do estágio na escola

As escolas aqui estudadas recebiam estagiários do curso de licenciatura em Educação Física da Unesp/RC havia mais de cinco anos e os professores supervisores registraram que essas unidades apresentavam boa organização e princípios educacionais claros, mas ano a ano existia a necessidade de se restabelecer as alianças para o acontecimento do estágio.

Nada está conquistado. Todo ano há necessidade de se fazer tudo novamente no sentido de como se fosse a primeira vez que você está indo à aquela escola, cabendo registar que esta parceria é sempre tênue, pois não é formal ou regida por algum tipo de projeto ou convênio. (PS1)

Nessa estrutura, o ECS partia da universidade, mas os diretores e coordenadores evidenciaram que as escolas apresentam interesse em receber estagiários para “atender a legislação vigente” (D6) e “desenvolver parcerias com a Universidade e socializar experiências…” (C5), registrando de maneira singela indícios da ideia de parceria ou da necessidade de “serem parceiros” (PS1).

Há um interesse muito grande da equipe escolar em receber estagiários, pois, consideramos uma troca interessante entre os mesmos e os professores titulares. Há momentos ricos de discussão e reflexão sobre a prática. No momento do estágio de regência, ainda, há a possibilidade de o professor titular observar atividades inovadoras que promovem a melhoria de sua prática. E nos estágios de observação, possibilidade de o estagiário verificar boas práticas e até mesmo equívocas dos docentes que podem ser analisados a luz da teoria. (D4).

Na maioria das visões apresentadas sobre o ECS, ele foi analisado como um ato de contribuição social que possui uma tradição, pois vem sendo desenvolvido há anos, embora em alguns momentos seja visto como uma obrigação, como demonstra a afirmação do D2, que registrou o fato que a “escola não se beneficia com a presença de estagiários por serem muitos, o que não permite um contato individual e a troca de informações”.

Esse comentário refletiu, em parte, a realidade das escolas investigadas, que recebem um montante de estagiários de várias instituições e diferentes áreas, ultrapassando o seu limite, mas atendendo as prerrogativas administrativas da SME, o que D2 considera ser “forçado ao limite amplo e irrestrito”.

Com esse contingente grande e crescente de estagiários, o problema mais imediato era encontrar professores colaboradores que poderiam e tinham condições de acolher os estagiários. Nas escolas investigadas, os PC são consultados pelos diretores sobre a possibilidade de aceitarem estagiários. Contudo, ainda podem ser “indicados pela direção” (D1, D3, D4), “escolhidos pela necessidade dos estagiários” (D2) ou selecionados de acordo com a “disponibilidade de horário” (D5, D6).

Nesse contexto, o estágio foi visto como uma atividade já instituída, não existindo regulamentação para o seu enquadramento em termos de prescrições para as unidades, e poucas vezes esse assunto é debatido entre direção, coordenação e professores, tanto que não adentra os projetos pedagógicos dessas escolas:

Não, o estágio não entrou na discussão do projeto político-pedagógico da escola, tampouco no regimento escolar. (D4)

Foi citado em algumas discussões do projeto, porém nada foi registrado sobre o mesmo. (D3)

Mescla-se assim, uma prática que há alguns anos vem sendo realizada na condição de aceitar estagiários, designar o coordenador como responsável pelo acompanhamento do estágio, de maneira geral, e um professor colaborador como responsável pelo estagiário. E é justamente essa prática que garante a ideia de participação da escola.

Ao receber o estagiário/futuro profissional, a escola tem clara noção que participa de sua formação. Muitas vezes, é o primeiro contato do profissional com a função que deseja desempenhar. (D4)

O contexto apresentado, embora possa ter aspectos vinculados a trajetória histórica contemplada pelas normativas legais e pelas práticas instituídas há longa data, também apresentou, ao menos do ponto discursivo, uma lógica que se aproximou dos princípios do movimento da profissionalização no reconhecimento dos espaços do ECS como lócus formativos específicos.

Os envolvidos se dão conta da importância do ECS e dos desafios que lhe são postos, e isso pode se apresentar como uma situação particular, pois nesse caso em específico a Unesp/RC e a SME/DE estão aproximadas, a ponto de no ano de 2014 a SME publicar uma reorganização no quadro da Educação Física em função da participação da classe coletiva dos professores nas mais diversas áreas da SME e eleger um professor da Unesp/RC para acompanhar os trabalhos, sobretudo no ECS (Rio Claro, 2014Rio Claro. (2014, 4 de abril). Portaria SME nº 3. Rio Claro: Prefeitura Municipal. Recuperado de http://www.educacaorc.com.br/media/biblioteca/7000799/Portaria%20SME%20003_Comiss%C3%A3oReorganiza%C3%A7%C3%A3oCurricularEduca%C3%A7%C3%A3oF%C3%ADsica.pdf
http://www.educacaorc.com.br/media/bibli...
).

Reportando-se ao trabalho de Gervais e Desrosiers (2005)Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval., as autoras afirmaram que as primeiras medidas tomadas no contexto delas foi justamente a reforma de posicionamento das instituições, que possibilitou o início de novos acordos traçados para os ECS.

A reforma dos programas de estudo obrigou uma harmonização entre os programas de formação inicial e as mudanças requeridas pelas escolas. Essas mudanças mencionam: a autonomia da escola, o processo de descentralização da tomada de decisão, a redefinição da missão da escola …8 8 “Cette reforme du programme d’études oblige une harmonisation des programmes des formations à les enseignement aux changements instaurés dans les écoles. Parmi ces changements, mentionnons : l’autonomie accrue des écoles à la suite d’un processus de décentralisation des prises de décision; la redéfinition de la mission de l’école...”. . (Gervais & Desrosiers, 2005Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Presses de l’Université Laval., p. 14)

Em um estudo sobre a produção científica em periódicos de educação física sobre os estágios, Isse (2014)Isse, S. F. (2014). Estágio supervisionado na formação de professores de educação física: análise de produções científicas. In Anais do VII Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte. Universidade Federal do Paraná, Matinhos. Recuperado de http://cbce.tempsite.ws/congressos/index.php/7csbce/2014/paper/view/6018
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averiguou a emergência de grandes temas como os relatos de experiência, as percepções dos estagiários, a relação teoria-prática e a questão dos aspectos estruturais e organizacionais do ECS. Sobre esse último aspecto, que mais se aproxima da temática aqui posta, a autora notou que as pesquisas evidenciavam a questão da concretização dos ECS como espaço de formação, o olhar atento para o acompanhamento e supervisão, a noção de prática de ensino e o papel dos professores envolvidos. Contudo, foi unânime nas pesquisas a necessidade de aproximação das instâncias formadoras:

Os autores … são praticamente unânimes em dizer que temos problemas de articulação entre universidade e educação básica. É necessário que a formação de professores esteja vinculada à realidade de inserção profissional, o que exige que eliminemos, ou pelo menos tornemos menor, a distância entre formação e intervenção. O professor da escola é um importante parceiro do processo de consolidação das relações entre escola e universidade e o estágio é muitas vezes o principal, se não o único, mecanismo de diálogo entre universidade e redes de ensino/educação básica.

(Isse, 2014Isse, S. F. (2014). Estágio supervisionado na formação de professores de educação física: análise de produções científicas. In Anais do VII Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte. Universidade Federal do Paraná, Matinhos. Recuperado de http://cbce.tempsite.ws/congressos/index.php/7csbce/2014/paper/view/6018
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, p. 9)

Nesse sentido, evidencia-se no discurso da gestão escolar a ênfase da noção de parceria e colaboração como sendo o posicionamento adotado pela instituição em relação ao ECS:

A escola não só entende a necessidade do estágio, como procura estabelecer uma parceria de forma que garanta que essa formação ocorra da melhor forma. (C1)

A relação é de parceria. Acreditamos que ambos os lados são beneficiados. Ao recebermos o estagiário temos um vínculo com a universidade/faculdade e vice-versa. É o momento do encontro da prática com a teoria. (D4)

A escola presenta um posicionamento favorável, de colaboração e aquisição de experiências positivas. (C5)

Os professores supervisores se mostraram cientes dessa perspectiva da participação e de envolvimento da escola quando mencionaram que a escola possui um “papel central no momento do ECS” (PS1) e que “cede o seu espaço e formaliza o contrato de estágio” (PS2). Porém, os supervisores olharam a partir do contexto universitário e, por mais que a escola seja parte do processo, têm a impressão de que algo ainda lhes falta nesse processo, como por exemplo a necessidade de “dividir o protagonismo da formação com a Universidade” (PS 2).

Ela [escola] participa na medida em que abre campo de estágio e possibilita a entrada dos estudantes para participar de diferentes momentos. Por outro lado, isso apenas não é suficiente para denominarmos de participação que, a meu ver, necessita de participar intencionalmente, com uma proposta de formação que atenda aos princípios da realidade, sem desconsiderar o referencial que os fundamentam. (PS2)

Os indicativos presentes nos comentários dos participantes perpassaram elementos que denotam a compreensão diferenciada sobre o processo de formação no que diz respeito à escola e à universidade e salientaram possibilidades de críticas ao processo de ECS.

Silva e Molina Neto (2014)Silva, M. A., & Molina Neto, V. (2014). Potencialidades do estágio docente para a construção da identidade do professor de educação física: uma revisão de literatura. Anais do VII Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte. Universidade Federal do Paraná, Matinhos. Recuperado de http://cbce.tempsite.ws/congressos/index.php/7csbce/2014/paper/view/5999
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, ao investigar duas edições do Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte (CBCE) e encontrar oito trabalhos publicados, deram destaque às críticas sobre o contexto do ECS nas suas mais diferentes perspectivas. Isso os levou a refletir sobre a maneira como estágio está sendo compreendido, estruturado e examinado enquanto etapa de formação.

Dito isso, essas críticas e a revelação do contexto podem dar subsídios para propor maneiras de lidar com uma noção de ECS que ultrapasse a ideia de um ritual de passagem, no qual a noção de parceria se vincula mais rapidamente a uma relação casual entre a universidade e a escola. Trata-se de compreender e evidenciar esse cenário para que futuramente a proposição de negociação (Mérine, 2006Mérini, C. (2006). Le partenariat en formation: de la modélisation à une application. Paris: L’Harmattan.) seja feita com base em mudanças de ordem identitária e de conduta.

4.2 A dinâmica do estágio

Dinâmica é um conceito que traz subjacente a relação de movimento e força e aqui se compreendeu o movimento realizado no interior do ECS pelos seus participantes e suas influências. Assim, um dos primeiros elementos destacado foi a própria condição da universidade, pois a iniciativa e a necessidade da carga horária parte dessa instituição e o primeiro movimento diz respeito à organização curricular da disciplina, da atividade do estágio, da aproximação da escola e da assinatura do termo de compromisso. O segundo movimento se dá com a chegada dos estagiários na escola e como as escolas os recebem.

Não há uma preparação específica. Porém, os professores são orientados pela direção/coordenação a serem cordiais e receptivos. (D3)

Não há preparo. Como já é uma prática na escola a presença dos estagiários, a única exigência é a autorização do professor da classe em relação a presença dos estagiários. (C6)

Não tem nenhuma preparação, nada diferente, conversamos, digo que irão alguns professores, mas que estarei junto e que os alunos devem seguir as mesmas regras de quando estão comigo. (PC4)

Embora essa situação seja habitual nas escolas investigadas, alguns coordenadores registraram a insatisfação com esse processo e apontaram que “deveria haver orientações mais sólidas” (C2), percebendo que muitas vezes isso pode ser um dos fatores que causam impactos negativos aos estagiários.

De acordo com os discursos, o ECS acontece num misto de formalidade/informalidade. Diretores, coordenadores e professores colaboradores notam que o ECS possui um impacto na escola, como o fato de “remeter à reflexão da ação pedagógica do professor” (D1), “de estranheza sobre quem é o estagiário” (C4), e o fato dos alunos gostarem da presença dos “novos professores” e se sentirem “eufóricos” (PC4), “se identificarem e se interessarem por eles [estagiários]” (PC6).

Chamou a atenção que muitas vezes eram as relações afetivas e pessoais (Kulinna, Brusseau, Ferry, & Cothran, 2010Kulinna, P. H., Brusseau, T., Ferry, M., & Cothran, D. (2010). Preservice teachers’ belief systems toward curricular outcomes for physical education. Research Quarterly for Exercise and Sport, 81(2), 189-198.) que mediaram o movimento e as forças do ECS no interior da escola e que elas acabaram sendo responsáveis pelo estabelecimento de harmonia entre o estagiário, o professor colaborador, a cultura escolar e os deveres junto à universidade, decodificando sentidos e significados em seu convívio e interação (Tunes, Tacca, & Barthollo Junior, 2005Tunes, E., Tacca, M. C. V. R., & Bartholo Junior, R. S. (2005). O professor e o ato de ensinar. Caderno de Pesquisa, 35(126), 689-698.).

Dessa forma, cabe dizer que os professores colaboradores, nessa dinâmica, se colocaram lado a lado com os estagiários, deixando-os se sentir professores e auxiliando-os em alguns momentos, como durante as visitas dos professores supervisores ou quando os alunos apresentavam comportamentos ruins que interferiam significativamente no encaminhamento das aulas (Benites, 2012Benites, L.C. (2012). O professor-colaborador no estágio curricular supervisionado em educação física: perfil, papel e potencialidades. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.).

Os professores colaboradores disseram que intervinham com conversas e observações sobre o contexto da aula e a adaptação dos alunos e notaram que as maiores inquietudes dos estagiários giravam em torno do sentimento de responsabilidade em dar aula (PC1, PC3) e da sensação de frustração (PC5, PC2). Adicionando, ainda, que percebiam se o acompanhamento era positivo junto aos estagiários nos momentos em que conversavam sobre o estágio (PC1, PC3, PC4) ou quando lhes faziam perguntas (PC6).

Quando questionados sobre como analisaram o teor das aulas e dos conhecimentos dos estagiários, os professores responderam que utilizavam as seguintes estratégias: observação (PC1), percepção do domínio do conteúdo exposto (PC5, PC6) e acompanhamento do projeto de estágio (PC3, PC4).

Como contraponto, os professores supervisores mencionaram que costumam utilizar um checklist nos momentos das visitas às escolas para analisar as aulas dos estagiários, tendo como pano de fundo as orientações acadêmicas, os projetos de estágio e o trabalho desenvolvido pelo próprio PC.

Tenho como guia alguns critérios que estão baseados em diferentes fontes, como por exemplo, as orientações presentes nas diretrizes curriculares (competências, saberes, conteúdos); os objetivos da disciplina de estágio; o checklist contendo critérios de avaliação do desenvolvimento do estágio; objetivos do projeto de estágio construído pelos estudantes; avaliações diversas na disciplina (seminários, resolução de problemas/casos de ensino). (PS1)

Em torno dessa dinâmica do ECS, surgiu um embate sobre a sobrecarga de tarefas e atividades que a escola enfrenta. A escola brasileira atualmente é marcada pelas condições de saturação de trabalho e excesso de alunos, apresentando, por assim dizer, um sentimento de crise (França, 2011França, D. S. (2011). Os estágios de ensino: novas questões para velhos problemas. Nuances: Estudos Sobre Educação, 20(21), 117-130.).

Nesse contexto, a escolas investigadas se submeteram ao processo de tentar sobreviver a altas demandas, como projetos e tarefas que todos os dias adentram por suas portas e cobranças por parte do sistema educacional (Nóvoa, 2008Nóvoa, A. (2008). The return of teachers. In Ministry of Education, Portugal 2007: teacher professional development for the quality and equity of lifelong learning (pp. 21-28). Lisboa: [s. n.].). Seus professores assumiam a cada dia um maior número de tarefas, e o ECS passou a ser uma delas, como mencionou D2 ao dizer que o ECS causa uma “quebra da rotina da sala de aula” e que os professores “ganham aumento de trabalho”.

Pode-se dizer que a dinâmica do ECS remete necessariamente à noção de rotina da escola, alterando a lógica de execução de atividades escolares e interferindo em suas regras, normas e procedimentos, além de promover um emaranhado de conexões entre os diferentes atores escolares.

Numa analogia, o movimento criado pelo ECS pode ser visto como uma mola9 9 Terminologia utilizada do ponto de vista ilustrativo. que ano após ano vem acontecendo, não sempre da mesma forma nem com as mesmas pessoas envolvidas, mas como uma prática instaurada (Figura 1). Essa prática apresenta altos e baixos e elasticidade, devido à interação de comportamentos e significados dos envolvidos; é modelada pela cultura e se dá num ambiente produtor de sentidos.

Figura 1
O Acontecimento do ECS 2

Mas, essa mola sofre pontos de estresse que podem ser descritos como o aumento da carga de trabalho, as expectativas dos estagiários, o impacto do ECS na escola, as relações criadas, a possibilidade de reflexão dos professores, o número de estagiários, os momentos de troca de experiências, enfim vários elementos que se evidenciam pela força das relações pessoais/afetivas.

Com a continuidade do processo de ECS, esses pontos de estresse distorcem, flexibilizam e distendem, gerando sucessos e fracassos. Pode-se compreender esse movimento pelas ações pertinentes ao estágio, como as tomadas de decisão, as estratégias criadas para resolver problemas, as expectativas dos estagiários, que “esperam intervenções para as suas aulas” (PS2), e os professores colaboradores, que “esperam por um momento em que possam se atualizar” (PS1), devido ao contato estabelecido com a universidade e o processo de convivência.

Contudo, com o fim do ECS, a mola tende a voltar para o seu estado de início, pois apesar de ter sido alargada (ou não) pelas experiências positivas e/ou negativas, ao final volta-se para o estar pronta, para começar todo o movimento, por mais um ano.

Essa dinâmica pode ser compreendida à luz da resiliência, termo que possui significados físicos, mas que passou a ser contemplado em outras áreas, sendo entendido como a capacidade de voltar ao seu estado natural após alguma situação crítica, como possibilidade de lidar com os problemas, tendo sua tônica na noção de resistência (Fajardo, Minayo, & Moreira, 2010Fajardo, I. N., Minayo, M. C. S., & Moreira, C. O. F. (2010). Educação escolar e resiliência: política de educação e a prática docente em meios adversos. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 18(69), 761-774.).

Esse termo, no contexto educacional, apresenta algumas vertentes de discussões, como a dificuldade de romper com a dinâmica que vem sendo repetida ou mesmo como um aspecto de sobrevivência, diante das inúmeras atribuições requisitadas da escola e de seus agentes, funcionando como uma medida de fortalecimento (Tavares, 2001Tavares, J. (Org.). (2011). Resiliência e educação. São Paulo: Cortez.).

No caso do ECS, pode-se pensar que há uma dinâmica oscilatória causada pela ação de seus diferentes participantes e que a resiliência, de certa forma, funciona como a força que mantém a escola como participante do estágio. Pois, embora exista uma organização burocrática e diferentes pressões, quando o estágio acaba, ocorre a acomodação e decantação das experiências, fazendo com que os envolvidos (professores e gestores) reflitam sobre a situação e, de alguma forma, permaneçam dispostos a retomar o processo.

Nesse sentido, pode haver algumas especulações, como: essa dinâmica já está enraizada na escola a ponto de, mesmo quando ocorrem experiências negativas de estágio, os vínculos serem mantidos? Esse seria, então, o limite da participação da escola nas atuais condições?

Na proposta de Landry (2013)Landry, C. (2013). Le partenariat en éducation et en formation: des formes de collaboration à l’espace partenarial. In C. Landry, & C. Garant (Dir.), Formation continue, recherche et partenariat. pour construire la collaboration entre l’université et le milieu scolaire (pp. 31-62). Québec: Presses de l’Université du Québec. esse é o começo de um caminho instituído para chegar à parceria, pois existe a necessidade de dar conta da dinâmica e daquilo que é ocasionado em ambas as partes para que então se proponham mudanças. O autor diz que um dos termos que mais se aproxima da ideia de parceria na dinâmica que envolve a universidade e a escola é a colaboração, considerada uma etapa que visa regular as ações dos envolvidos.

Assim, a dinâmica aqui registrada, embora possa parecer costumeira no contexto brasileiro, indica uma frequência de acontecimentos que num primeiro momento apontou para um contexto privilegiado, no qual esforços contínuos vêm sendo travados entre as instituições, e, depois, se desenrolou na exposição de suas práticas e rotinas. Estas estão sujeitas a críticas (Silva & Molina Neto, 2014Silva, M. A., & Molina Neto, V. (2014). Potencialidades do estágio docente para a construção da identidade do professor de educação física: uma revisão de literatura. Anais do VII Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte. Universidade Federal do Paraná, Matinhos. Recuperado de http://cbce.tempsite.ws/congressos/index.php/7csbce/2014/paper/view/5999
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), mas ao mesmo tempo apresentam possibilidades de se pensar em rupturas, como olhar para o tempo da escola.

É inegável que as escolas participam do ECS, afinal cedem seus espaços e designam professores. Mas essa participação acaba sendo mantida muito mais pela tradição, não havendo, pelo menos diante dos dados aqui recolhidos, menções sobre a sua participação na formação daqueles que serão seus futuros professores, o que é um dado importante para reflexões postas no futuro.

4.3 O professor colaborador e o professor supervisor no estágio

O professor é um profissional que adquiriu, por meio de longos estudos, o status e a capacidade para realizar com autonomia e responsabilidade atos intelectuais não rotineiros na busca de objetivos inseridos em uma situação complexa, chamada de ensino, que permite a mobilização de seus saberes (Perrenoud, Paquay, Altet & Charlier, 2001Perrenoud, P., Paquay, L., Altet, M., & Charlier, E. (2001). Formando professores profissionais: três conjuntos de questões. In L. Paquay, P. Perrenoud, M. Altet, & E. Charlier (Orgs.), Formando professores profissionais: Quais estratégias? Quais competências? (pp. 11-22). Porto Alegre: Artmed.).

Assim, quando um professor passa a ser colaborador, acrescenta-se ao seu rol de atividades a tarefa de auxiliar futuros professores em suas experiências didático-pedagógicas no momento do ECS. Já o professor supervisor é um professor universitário que responde pelas disciplinas de ECS e tem entre seus encargos a missão de acompanhar os estágios em desenvolvimento.

Os professores supervisores, no momento do estudo, tinham interesse pela área na qual atuavam e desenvolviam pesquisas sobre o estágio, além de comporem comissões acadêmicas que acompanham e aprimoram o ECS na instituição. Como material guia, eles utilizavam um documento produzido pela universidade que definia seu perfil e o tipo de tarefas que deveriam executar.

… é alguém que deve colaborar, planejar, organizar e acompanhar as atividades de estágio, tendo como pré-requisitos para ser contratado a sua formação básica na área em exercício, pós-graduação em educação ou área similar com ênfase na formação de professores, bem como possuir um mínimo de três anos de experiência como professor da educação básica na área de formação.

(Unesp, 2008Universidade Estadual Paulista. (2008). Minuta de resolução para regulamento geral dos estágios curriculares dos cursos de graduação da Unesp. São Paulo: Unesp., p. 18)

Já os professores colaboradores foram vistos pelos supervisores como disponíveis para o ECS e passaram a receber estagiários com a ideia de obter uma formação em serviço. Assim, os estagiários seriam a fonte de inovação, experiências recém-adquiridas na universidade e aproximação com o universo acadêmico. Além disso, se sentiam satisfeitos em poder colaborar com as vivências de um futuro colega de profissão.

O que mais me motiva em receber estagiários é o que eles podem trazer de novo, alguma coisa diferente que possa ser passado nas aulas. (PC4)

Colaborar com o processo de formação, participar de grupos de estudos voltados a formação professional [na Universidade]. (PC6)

Interessante averiguar que aos olhos dos colaboradores os estagiários seriam a chave para um processo de troca de experiência, pois de certa forma isso extrapola a condição do natural do estagiário, uma vez que nesse processo eles seriam os menos experientes didaticamente. Por outro lado, ao se colocarem à disposição, os colaboradores se aproximavam de atividades e estratégias trazidas; ficaram sabendo de cursos, eventos e grupos de estudos; e ainda conseguiram estabelecer um diálogo com os supervisores. Os colaboradores reforçaram essa ideia ao mencionar que acolher estagiários “é uma boa oportunidade para o estagiário e para o professor” (PC1, PC4).

Outro ponto foi que os colaboradores se apoiaram na ideia de proporcionar aos estagiários algo diferente do que lhes foi ofertado quando passaram pelo processo de estágio, como não ter sido acompanhado (PC6, PC3), não ter realizado a regência (PC4) ou não ter tido apoio do professor da escola (PC2). Ainda, alguns quiseram oferecer a chance de realizar algo que lhes foi muito significativo, como uma boa experiência e um bom acompanhamento (PC1), e disponibilizar aos atuais estagiários as mesmas condições que tiveram (PC5).

Os professores supervisores reconhecem os colaboradores como parte fundamental do processo de formação dentro do estágio, porém alertaram para o fato de que possuir essa visão não garantia que os colaboradores tivessem consciência do seu papel e intenção no seu agir.

… o professor colaborador é um profissional tão responsável pela formação do futuro professor quanto eu sou na universidade …. Reconheço-o como parte fundamental para que o processo de formação de outros professores possa ser legitimado pelo estagiário, pela escola, pela universidade. Eu também sei que, o fato de vê-lo dessa forma, não significa que ele pensa ou age nessa direção. Há aqueles que reconhecem esse olhar e procuram segui-lo. Como há, também, aqueles que mesmo reconhecendo isso, escolhem outro caminho. (PS 1)

Os professores supervisores mencionaram que em sua universidade existe oferta de algumas modalidades de formação continuada, como cursos de extensão, grupos de estudos e pesquisas, mas os professores vinculados a SME/DE tinham dificuldades para participar dessas atividades, necessitando de avanços nesta questão.

A universidade oferece curso de extensão na única modalidade possível de formação continuada, assim como reuniões ou encontros semestrais com estes professores quem vem em número reduzido … não se tem uma política de estágio no âmbito da formação que envolva a universidade e a escola. Os órgãos públicos também não facilitam esta tarefa no sentido de dispensar esse professor colaborador para uma reunião no semestre …. É nesse momento que se observa a não compreensão da escola, enquanto espaço de formação e da figura do professor colaborador como um formador … o processo é muito moroso. O professor colaborador não tem tempo no seu horário oficial para atender estagiários ou o professor da universidade, assim como para dar feedback. (PS 2)

Sendo assim, muitas vezes é justamente na proximidade do supervisor com o colaborador que o estágio desenvolve algumas possibilidades formativas, como troca de informações, leituras e conversas, referendando aquilo que os colaboradores disseram sobre receber estagiário como uma chave de acesso. Por esse motivo, o professor supervisor torna-se uma figura de grande importância e responsabilidade, no sentido de orientar o estágio, mas também naquilo que concerne ao estagiário, como avaliá-lo, discutir suas dificuldades e acompanhá-los na regência.

O supervisor é o mediador do estágio na escola, uma vez que cabe a ele direcionar a conduta do estagiário dentro da unidade escolar. Nesse sentido, o supervisor de estágio deve ser figura constante na escola e deve ter uma relação muito próxima da equipe gestora. (D1)

É ele quem deve orientar os estagiários e fazer um reconhecimento da escola que os irão receber. (PC 6)

Porém, para os professores supervisores, alguns dos itens mencionados pelos diretores e colaboradores caberiam ao colaborador, o que demonstra certa incerteza, do ponto de vista discursivo, sobre o papel de cada um dos envolvidos.

Nesse sentido, pode-se dizer que tanto o professor supervisor quanto o professor colaborador são partes formadoras do estágio com funções definidas sobre o local a que se reportam (universidade e escola), mas apresentam papéis mesclados devido a fatores como a ausência de intencionalidade nas funções ou a não aderência à uma preparação específica (Oliveira-Formosinho, 2002Oliveira-Formosinho, J. (2002). Em direção a um modelo ecológico de supervisão de professores. uma investigação na formação de educadores de infância. In J. Oliveira-Formosinho (Org.), A supervisão na formação de professores: da sala à escola (pp. 94-120). Porto: Porto Editora.).

Talvez caiba ao dueto universidade-escola propor meios e possibilidades de promover “a invenção de novas maneiras de auxiliá-los na reinvenção de si próprios” (Sarti, 2008Sarti, F. M. (2008). O professor e as mil maneiras de fazer no cotidiano escolar. Educação: Teoria e Prática, 18(30),47-66., p. 63), permitindo que os professores, como diz Nóvoa (2008)Nóvoa, A. (2008). The return of teachers. In Ministry of Education, Portugal 2007: teacher professional development for the quality and equity of lifelong learning (pp. 21-28). Lisboa: [s. n.]., se remodelem no interior da profissão a ponto de estabelecer com mais detalhes e especificidades o que cabe a cada um dos envolvidos, sem esperar só da universidade ou só da escola.

5. Considerações finais

A fim de compreender a participação da escola e da universidade no ECS de futuros professores de Educação Física, este estudo evidenciou o contexto de estágio no município de Rio Claro, abrangendo algumas escolas que recebiam estagiários do curso de licenciatura em Educação Física da Unesp/RC.

Nesse contexto, o ECS foi visto como um momento importante na formação dos professores, que ocasiona mudanças na rotina de trabalho da escola. Também foi evidenciado que as duas categorias de professores envolvidos apresentam identidades bem delimitadas quando confrontadas umas com as outras. Porém isso não significa que ambos tenham visões parecidas ou clareza sobre aquilo que lhes cabe.

Quando se remeteu à questão central sobre a participação da escola e da universidade, pode-se dizer que a relação apresentou traços de colaboração, mas não vínculos extremamente formativos ou engajamento equilibrado de ambos os lados.

Ao retomar o conceito de Landry (2013)Landry, C. (2013). Le partenariat en éducation et en formation: des formes de collaboration à l’espace partenarial. In C. Landry, & C. Garant (Dir.), Formation continue, recherche et partenariat. pour construire la collaboration entre l’université et le milieu scolaire (pp. 31-62). Québec: Presses de l’Université du Québec., cabe mencionar que a etapa da informação mútua foi bem comprida no contexto investigado, pois as escolas já recebiam estagiários há mais de cinco anos e possuíam contato prolongando com os professores supervisores mesmo quando se trocam os colaboradores. A consulta também foi desenvolvida no estudo, uma vez que ambas as instituições assinavam o termo de compromisso mútuo do estágio, apresentavam vínculo administrativo formal e buscavam momentos de diálogos e possibilidades de objetivar o problema comum: a orientação dos estágios. Todavia a concertação foi uma etapa que se iniciou no contexto estudado, mas ainda não se concretizou.

Os dados indicam um cenário em que parece que ambos os lados já fazem o que está ao alcance. Para um próximo passo de ações mais pormenorizadas – como por exemplo dar-se conta de que a escola é coformadora dos estagiários (discurso dos supervisores) ou mesmo a Universidade dar mais apoio à escola e manter os supervisores mais próximos de sua realidade (discurso dos diretores) –, exige-se um salto de qualidade na relação que se atente aos princípios administrativos (de ordem financeira, de apoio e de sustentação, de benefícios); educativos (melhorar a situação do ECS, principalmente no que diz respeito à ideia de aprendizagem); e sociais (olhar para os contextos particulares, respeitar as diferentes culturas, propor políticas etc.) (Landry, 2013Landry, C. (2013). Le partenariat en éducation et en formation: des formes de collaboration à l’espace partenarial. In C. Landry, & C. Garant (Dir.), Formation continue, recherche et partenariat. pour construire la collaboration entre l’université et le milieu scolaire (pp. 31-62). Québec: Presses de l’Université du Québec.).

Cabe mencionar que este estudo foi desenvolvido em 2013-2014 e a revelação desses dados possibilitou pensar e promover novas iniciativas e pesquisas, principalmente aquelas vinculadas ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação Física (Nepef-FPCT)10 10 http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5651. , sobre a colaboração e/ou parceria nos ECS.

Nesse sentido, uma dessas iniciativas foi a proposta do Congresso Nacional de Estágio Supervisionado e Prática de Ensino, promovido pela Unesp/RC nos anos de 2018 e 2019, caminhando para a sua terceira edição em 2021.

Se no âmbito da noção do conceito a parceria ainda é restrita, no discurso dos envolvidos no ECS ela já circunda. Os professores se apropriaram do vocábulo parceria para mencionar o tipo de vínculo que estabelecem, mesmo que nem todos os elementos desse contexto sejam de parceria. Porém, trata-se de um processo moroso, que requer tempo, dedicação e trabalho, pois são aspectos cuja primazia é alterar a lógica da formação.

Ou seja, mencionar que a escola precisa se inteirar sobre a importância do ECS além do ponto em que se encontra, mas sem uma estrutura de mudanças em que as relações possam ser construídas, torna-se inútil, tal como solicitar que a universidade olhe para a prática e a importância do ECS de maneira mais robusta sem verificar se há espaço curricular, condições de trabalho e professores engajados nesse processo.

… é inútil propor uma qualificação baseada na investigação e parcerias entre escolas e instituições universitárias se os normativos legais persistirem em dificultar esta aproximação. Numa palavra, não vale a pena repetir intenções que não tenham uma tradução concreta em acções e compromissos políticos.

(Nóvoa, 2008Nóvoa, A. (2008). The return of teachers. In Ministry of Education, Portugal 2007: teacher professional development for the quality and equity of lifelong learning (pp. 21-28). Lisboa: [s. n.]., p. 8)

Nesse sentido, uma resposta que se pode encontrar no interior do cenário nacional para o contexto da aproximação universidade-escola e que também possibilita pensar sobre a estruturação da ideia de parceira são as políticas públicas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid)11 11 http://portal.mec.gov.br/pibid. e a Residência Pedagógica12 12 http://www.capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica. . Contudo, escapa-se do cenário, a priori, dos ECS.

Assim, fica em aberto o debate sobre esses programas, que podem ser vistos como boas iniciativas, mas que se sobrepõem aos estágios e acabam por não lhes dar a possibilidade de se remodelar, e, ainda, questiona-se se essas propostas serão um caminho para a sua nova formatação. Além das discussões travadas, fica-se a esperança de que em breve o cenário brasileiro comece a registrar os benefícios cabíveis ao termo parceria entre a universidade e a escola no processo de ECS.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet)– revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (BEX nº 18016/12-0).
  • 4
    Tradução livre.
  • 5
    No Brasil existem diferentes terminologias para esse professor. Porém, neste estudo foram chamados de professores colaboradores e são os professores da escola.
  • 6
    Neste estudo são chamados de professores supervisores os responsáveis pela disciplina de ECS na universidade que fazem o acompanhamento nas escolas.
  • 7
    Parecer 006 de 07 de fevereiro de 2013, Protocolo 8099.
  • 8
    Cette reforme du programme d’études oblige une harmonisation des programmes des formations à les enseignement aux changements instaurés dans les écoles. Parmi ces changements, mentionnons : l’autonomie accrue des écoles à la suite d’un processus de décentralisation des prises de décision; la redéfinition de la mission de l’école...”.
  • 9
    Terminologia utilizada do ponto de vista ilustrativo.
  • 10
  • 11
  • 12

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1
Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2018
  • Revisado
    16 Out 2019
  • Aceito
    24 Out 2019
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